[Instrumental]

No banheiro pequeno e sujo, Laura observava o sangue escorrer de seu corpo com um olhar distante; sangue seu, sangue dos outros... importava? Deveria. Pelo menos, Logan havia a ensinado que sim.

Não seja o que fizeram de você.

Quando o sangue que respingava de suas mãos parou de fazer sentido?

Papai, me desculpe. Tantos já haviam morrido por causa de um erro, ela não podia... ela não podia simplesmente... parar de lutar, podia? Ela havia tentado e não havia funcionado.

Mesmo sabendo que Magneto não tinha mentido em momento algum (e ela podia dizer graças ao batimento cardíaco do mutante), isso não significava que ele não escondia algo. Os eventos recentes deixaram sua confiança bem mais difícil de se ganhar. Rictor sentia o mesmo.

— Cuidado lá fora. — ele avisou assim que ela saiu do banheiro, sua preocupação aparente. Laura não pode deixar de notar que era a primeira vez que eles ficavam sozinhos desde... enfim. Ela não queria lembrar.

— E você cuidado aqui dentro, talvez, sei lá, os X-men dessa realidade sejam os vilões, já pensou nisso?

— Haha, muito engraçado! Como se eu- Tá, eu pensei nisso sim, pode me culpar? E é por isso que, presta atenção! Se sentir que algo está errado, não espere. Saia correndo.

— Ou ataque.

— Não Laura, eu quero que saia correndo. Sei que está sendo difícil, mas... Não posso perder mais ninguém, tá?

Focou-se em trocar de roupa, vestindo sua camisa de mangas longas cinza com estampa de urso panda e corações. Uma de suas preferidas!

— Eu não posso perder você também, Laura. — ele insistiu, fazendo-a encará-lo. De todos, Rictor era seu amigo mais próximo; ele era seu irmão.

— 'Tá certo.

— 'Tá certo? 'Tá certo, você vai correr?

— 'Tá certo, eu não vou atacar.

Rictor sorriu, balançando a cabeça.

— Não vou conseguir melhor que isso, né?

— Não. — Laura sorriu de volta, terminando de vestir seu jeans e seus sapatos. Por fim, colocou sua inseparável mochila sobre os ombros.

— Ei, cadê aqueles seus óculos de sol maneiros?

— Eles não eram feitos de adamantium, então...

— Ah.

— Não me olhe assim, não é a primeira coisa que perco. E pelo menos, óculos eu posso substituir.

E talvez pudesse encontrar algum que fosse ainda mais rosa...

Juntou-se a Joey, Jonah, Gideon e Erik Lehnsherr, os cinco se apertando dentro da caminhonete. Enquanto ele dirigia em silêncio, Laura criou um plano mentalmente... que foi completamente por água à baixo assim que chegaram no centro da cidade.

Esperar dentro do carro enquanto Magneto fazia todo serviço não era algo que Laura tinha planejado. Rictor estaria soltando fogos de alegria se soubesse.

— Droga.

Haviam poucos momentos em sua vida em que ela escolhia esperar, como antes de atacar, ou o momento certo de falar... também depois que os olhos de alguém querido se fechavam e ela se agarrava a tola esperança de que se abririam novamente. Então essa é a sensação?

Fechou os olhos, em luto.

— Ei. — Gideon a tocou. — Estás bien?

Era estranho ter alguém além de Rictor que conseguia lê-la tão bem, mas Gideon estava se saindo muito bem nas últimas semanas.

Estranho, mas não ruim.

— Gente, olha! — Joey interrompeu abismado, olhando através da janela. Do outro lado da rua, um homem com uma espécie de bico ao invés de boca passeava entre as lojas normalmente. Mutante, com certeza. Os humanos o olhavam incomodados, no entanto ninguém parecia de fato assustado ou com ódio nos olhos.

— Caramba. — Jonah murmurou.

— Não só ele. — Joey continuou. — Um cara que, eu juro, tinha mais de sete olhos no rosto acabou de passar!

— Acho que essa realidade está acostumada com a nossa existência. —Gideon sorriu, seus dentes afiados evidentes e os olhos âmbares carregados de esperança. — Isso é bom, não é?

— O que leva a minha pergunta... — Laura começou, sem permitir-se abalar pela cena. — Se os mutantes são toleráveis neste mundo, por que Magneto relutou em trazer o Gideon com a gente?

— Ele disse que era desnecessário. – Joey falou.

— Não, ele disse que chamaríamos atenção. Bom, vejam só: não chamamos. Pois mutantes nesse mundo são uma realidade comum! Então por que ele não nos queria aqui?

— Acha que ele não está nos contando algo? – Joey perguntou.

— Eu tenho certeza.

Os três garotos trocaram um olhar desconfiado com a mexicana.

— Seja o que for, el Mestre está preparado para lutar. – Jonah estralou os dedos.

— Ah, esse nome de novo não! – Gideon gemeu.

— Eu não entendo a sua insistência nisso, não pode se focar apenas em se proteger?

— É fácil você falar, seu nome é X-23!

— Isso não é um nome! É uma designação horrorosa.

— É um nome deluta! Não podemos simplesmente gritar nossos nomes verdadeiros enquanto chutamos as bundas desses filhos de uma-

Ela rolou os olhos e o interrompeu:

— E que tal não gritar nomes verdadeiros? Que tal, sei lá, nãoentrar em nenhuma luta?!

— Falou a garota que rasgou aqueles militares com as garras?!

Laura prendeu um grito na garganta.

Não seja o que fizeram de você. E novamente, a imagem de Logan em meio ao sangue foi tudo que ela viu por um instante. X-23. Não ser X-23.

É tão difícil, papai. Ela replicou sem esperanças de uma resposta. Ele estava quieto ultimamente. Era tolice pensar que estivesse a ignorando, afinal, a voz em sua cabeça não era real. Velho bobo, de qualquer forma, respondeu.

Os outros pareceram notar o modo que sua expressão mudou, pois Jonah voltou a falar com um tom mais gentil:

— Só estou dizendo... e as identidades secretas? Ficaria muito mais fácil para nos esconder.

— Eu acho meio desnecessário. — Joey disse, fitando o amigo. — Mas você sempre foi o mais vidrado em quadrinhos mesmo, então não me surpreendo. Se quer tanto ter um nome de herói, tanto faz pra mim. Gideon?

— Digo o mesmo.

Os três encararam Laura, que suspirou. — Tá, tanto faz. Mas só durante as lutas!

Os garotos sorriram e Laura voltou sua atenção para Magneto que no momento estava dentro de uma cabine telefônica e finalmente, parecia estar ganhando resultados em sua ligação.

Apurou os ouvidos e concentrou-se no que ele dizia.

— ...tempo você acha que eles vão chegar?

Já estão lá, não se preocupe.

Laura piscou. Aquela voz...

— Mandou toda a equipe, não é?

— Com medo, meu amigo?

— Medo?! Charles, isso tudo aqui cheira problemas!

Charles?

Oh.

Não... não podia ser...

Fiquem aonde estão, vão chegar aí em alguns minutos, pode aguentar isso certo? E então poderemos falar sobre Wanda-

— Nina.

— Erik.

— É a minha filha, Charles! Eu sei que é, é a minha Nina, eu vi, eu... eu sinto,

É claro... ela pensou, já com lágrimas se formando nos olhos. Era exatamente como juntar dois e dois: quatro. A própria Grace havia dito. Uma realidade em que eles não existiam, onde poderiam viver em paz.

Mas só por que eles não existiam, não queria dizer que não tinham nascido... que não tinham morrido.

Lembrava-se bem da reação de Magneto ao ver a pequena Wanda... sua falecida filha, talvez? Ele havia ficado chocado.

E quanto a Charles? O teve em sua mente por tempo demais para se esquecer de sua voz. Em seu mundo, ele estava morto. Mas aqui... da mesma maneira que havia um Magneto, havia um Professor X também...

Com adrenalina pulsando em suas veias, ela abriu a porta do carro.

— Laura! – Gideon chamou, mas ela seguiu em frente.

— ...os tais arquivos que falou?

— É, estão aqui, a garota não larga deles. Eu os li, você não vai acredi- hey!

Laura pulava, erguendo a mão. — Dejamehablar! Yoquierohablar!

— Volta pro carro!

Me dáeso, idiota!

— Tá, tá! Já entendi! Para de pular! Charles, é a garota, ela quer falar com você.

A contragosto, o homem lhe entregou o telefone.

E o mundo pareceu parar.

— ...Olá?

Ela segurou o cabo com as duas mãos, suando frio.

Meu nome é Charles Xavier. Você deve ser a Laura?

Era impossível.

— Erik só me disse o seu nome... e o quanto você era boa encarando pessoas. — ele riu e Laura perguntou-se como sua voz parecia tão diferente e tão parecida ao mesmo tempo. — Talvez você possa me contar um pouco da sua jornada quando chegar aqui...

Charles Xavier.

Na fábrica, lhe dando comida.

No quarto de hotel, segurando sua mão depois do ataque.

Na fazenda dos Munson, sorrindo.

— ...o Instituto é um lugar seguro, nós vamos proteger vocês. Eu prometo.

Oh sim, Laura também se lembrava de sua última promessa. Uma promessa que dizia que Logan a protegeria e seria seu pai.

E ele foi. Uma promessa cumprida de maneira horrível.

...er, hola? Estas aí? Mi español no és muybueno.

O que pareceu ser algo entre uma risada e uma tosse escapou de sua garganta, junto com algumas lágrimas. Não notou Magneto a encarando com atenção.

— Eu sei... abuelo.

Perdão?

Afastou o telefone do ouvido e o estendeu para Magneto, em choque. O que estava fazendo? Não era como se fossem a mesma pessoa... ou eram?

— Charles, eu vou desligar. Não, ela está bem, ela só...

Enterrou o rosto nas mãos e tentou respirar fundo.

— Aqui, toma. – o homem lhe ofereceu um lenço. — Tinha até esquecido que você podia chorar.

— É, às vezes eu esqueço também.

Ele continuou a fita-la, de modo quase gentil.

— Quer me contar o que foi isso? Abuelo, eu conheço essa palavra. Avô, não é?

— Quer me contar por que não queria que viéssemos com você? — Tomando controle de suas emoções, Laura continuou: — Disse que chamaríamos atenção se viéssemos te acompanhar, mas não é verdade.

— O que- eu-

— Olhe ao redor, mutantes vem e vão e ninguém diz nada.

— Laura, escute-

— Se me contar, eu conto.

Na verdade, o que ela queria mesmo era tempo para se focar em algo antes que desabasse em lágrimas.

Pensando por um momento, o mutante resolveu se agachar na altura dela.

— Os mutantes terem se tornado mais toleráveis com o passar dos anos não muda o fato de que o governo ainda busca por alguns de nós. A sociedade se faz de cega perante aos grupos que caçam os mutantes, e é por isso que temos o Instituto Xavier. Os X-men. Até mesmo a Irmandade Mutante. Eu estava tentando proteger vocês de serem visto com alguém como eu.

— Ora, devia ter nos falado! Sabemos que você é procurado.

— Sabem?

— Você é um dos maiores vilões dos quadrinhos.

— Oh? E do jeito que vocês sabem tanto sobre mim, não iam desconfiar nada se eu começasse a falar que estava protegendo vocês, não é?

— Hummm. — Laura murmurou, dando de ombros. — É, tem razão.

— Sabe, eu até gosto dessa faísca voraz de vocês... Charles vai ter bastante trabalho.

Laura segurou a vontade de sorrir.

Houve um momento.

— Ele era meu avô, o Charles. — contou, esperando que doesse menos se falasse de uma vez. Como arrancar um espinho do pé. — Pelo menos... e-e-eu o considerava um, eu nunca... tive um avô antes para saber como era, e... depois que ele... enfim, só fiquei surpresa em ouvir a voz dele.

— Surpresa não seria a palavra que eu usaria.

— O que eu senti ao ouvi-lo... foi a mesma coisa que você sentiu quando viu a Wanda.

O homem piscou, aturdido.

— Ela é igual a sua filha, não é?

Houve um silêncio, e Magneto abaixou a cabeça.

— Sim, minha Nina... ela não tinha culpa, ela... ela não controlava, sabe. Me tiraram ela e a mãe dela. Me tiraram as duas. Eu não fui-

— Rápido o suficiente. – disseram ao mesmo tempo e se encararam com empatia. Era como se algo invisível estivesse passando por eles, uma coisa pequena e em comum. Conexão. Os olhos dos dois brilhando em lágrimas.

— Não fui rápida para salva-los também. Nenhum deles. Eu estava lá. Eu vi... e é minha culpa.

O mutante segurou a base de seu pescoço gentilmente, sussurrando como um segredo:

— Ganhamos uma segunda chance, Laura. Não vamos falhar de novo.

E pela primeira vez, ela o viu sorrir.

E vendo-o sorrir, um pensamento passou por sua mente, a gelando por completo.

Se Charles estava vivo... havia alguma chance de Logan também estar?

Papai...

[Instrumental]