Last Chance

Quem bate mais forte


BOBBY HARPER

À medida que Grayson dirigia como louco em direção ao centro de Star City, já começava a escutar os ruídos da batalha a nossa frente. Pessoas eram pisoteadas correndo para todos os lados em pânico, mas isso não era nem de longe o pior. Quanto mais nos aproximávamos mais prédios e lojas estavam vandalizados ou destruídos, era como voltar para o atentado aos Glades, o cheiro de fumaça perceptível no ar, os gritos apavorados e o senso de urgência que só uma situação de vida ou morte impõe. Um som agudo muito forte em meu ouvido me faz encolher e espremer os olhos para suportar a dor que se mesclava a uma vertigem estranha.

—Bobby? – escuto a voz de Dick, mas era apenas um eco distante, enquanto tentava não ceder a dor. – Bobby, fica comigo!

Não sou do tipo que sede ao drama, mas era a terceira vez que me via no meio de chamas onde muitas pessoas perderiam a vida. Sem falar que sei que esse som agudo é meu cérebro projetando a lembrança mais traumática que carrego, a ultima vez em que escutei a voz da minha mãe. Minutos antes de sua morte. Mas a parte racional da minha mente sabe que se trata de uma memória fabricada, eu fui tirada dos Glades com a parte das pessoas que o Arqueiro conseguiu evacuar, não tem como esse grito ser dela.

—Assim não vai dar – a voz distante continuava a dizer e sinto quando me puxa pelos ombros e parece tocar meu ouvido por um instante, antes de retornar a prestar atenção na estrada. – Já chamei, isso parece estresse pós traumático. Sei que ela é uma policial, mas a menos de dois dias estava escapando por pouco de uma explosão e agora a cidade está um caos!

‘Hey, Bobby!’ era o Roy, sua voz me puxando novamente para a superfície. ‘Preciso muito de reforço agora, pode aguentar só mais um pouco?’ estava ofegante e escuto algo que parece metal. ‘Bobby!’

—Estou aqui – murmuro após um estralo que cessou o barulho estridente em minha mente. – Estou bem.

‘Claro que está.’ Ouço a voz grossa do Jason, e mais barulhos de estrondos e metal se chocando.

—Desculpe – me viro para Dick que dá de ombros dispensando minhas desculpas. – Não deveríamos parar e tentar organizar toda essa gente? – me concentro em controlar minha respiração.

—Não vão nos ouvir – responde manobrando o carro para passar entre dois outros que foram abandonados no meio da principal rua comercial da cidade. – Olha ali o seu reforço.

Sigo a direção de seu dedo e solto o ar aliviada no mesmo instante. Dez carros do FBI haviam fechado aquele acesso e os agentes armados já saiam dos veículos para organizar a retirada dos civis, evitando o pior. Dick que agora usava calças militares pretas, uma blusa de um tecido bem grosso com mangas longas e a gola alta por baixo de um colete a prova de balas parecido com o que eu mesma usava por cima da blusa de seda desse terninho cinza. Ele desce uma máscara de esquie cobrindo suas feições depois de me observar como se estivesse se certificando de que eu não piraria outra vez. Bom, é justo, eu só quero acabar com tudo isso e depois procurar um psicólogo.

Destravo minha arma e ele empunha dois bastões. Claro, mesmo sem todo o traje o cara ainda é o Asa Noturna. Uma vez ele me salvou em Gotham, bom, não eu. Estava mais para todo o vagão do metrô que quase fora sequestrado por malucos usando malhas com estampas de cartas de baralho, só mais um dia em Gotham. Ainda me lembro dos bastões elétricos e seu jeito acrobático de lutar.

—Vamos contornar a barricada, é melhor colocar o crachá que a Watson te deu no pescoço – instrui já saindo do carro.

Pego a bolsa com o crachá de acesso temporário e o coloco no pescoço, o dispositivo e o telefone nos bolsos, saindo atrás dele em seguida. A primeira coisa que tenho vontade de fazer ao chegar na barricada é recuar. Por puro instinto de sobrevivência, não medo.

Era o retrato do caos. Os homens do Dias eram bem mais numerosos do que esperava, e a parte triste era reconhecer a grande maioria daqueles rostos. Os policiais que não estavam na explosão, pessoas pelas quais passava diariamente, que faziam parte da comunidade como cidadãos ativos. Ricardo Dias havia tomado Star City a muito tempo, e nós nem mesmo tínhamos noção do tamanho do estrago.

‘A máfia Russa está ao lado dele.’ Acho que aquela voz era de John Diggle em meu comunicador, mas havia um tom quase de traição em sua voz. ‘Que bom que nosso amigo não está aqui, ele não precisava ver isso.’

‘Bom para o Antonelli’ Roy diz naquele mesmo tom carregado por revolta. ‘Isso é o tipo de coisa que nosso amigo não costuma perdoar.’

Oliver Queen era obviamente o tal de amigo nessa conversa, mas o que raios ele teria que perdoar de um mafioso Russo?

Balanço a cabeça me negando a me deixar levar pela conversa sem sentido, mas o sinal do comunicador estava aberto e eu não poderia fazer nada a respeito. Avanço com Dick, atirando nas mãos e joelhos de quem reconhecia como inimigo, até ver uma figura bem intimidante acima de um carro, lançando flechas sem nem parecer parar para pensar muito a respeito, Jason parecia fazer barreira entre as pessoas que evacuavam o centro administrativo e os homens de Dias. Por algum motivo ele sozinho parecia intimidar a ponto de os caras mal conseguirem avançar em direção as pessoas.

—É um bom ponto estratégico, Arqueiro Verde – digo tocando meu comunicador enquanto avançava para lhe dar reforço, e Dick cobria minha retaguarda.

‘Queria que pudesse me ver brilhar quando chegasse’ responde com seu sarcasmo acido e contenho um sorriso enquanto dava uma coronhada em um cara de terno que havia me julgado um alvo fácil. ‘É melhor agrupar, não estou na vibe para uma festa longa.’

‘O FBI fechou todos os acessos, o esquadrão e a Argus estão a caminho, vão render o que estiverem fazendo nas ruas. Quero vocês na prefeitura.’ reconheço a voz de Felicity soando no comunicador.

—Então vamos acabar logo com isso – escuto Dick dizer ao meu lado.

—Dias está na prefeitura? – murmuro segurando um homem pela gola do terno e o lançando no chão, usando seu próprio peso como ferramenta, só o impacto da queda é o suficiente para desacordá-lo.

‘Sentado na cadeira do prefeito’ ela responde e posso sentir o desprezo em cada palavra.

JASON TODD

Os outros fazem a varredura do prédio, e subo direto para o escritório do prefeito com Grayson e Roy. Assim que saio das escadas e abro a porta de acesso para o corredor já posso sentir o cheiro característico de morte. É uma mistura de excremento humano, sangue e algo tão sufocante que não sei como nomear. Mostro o lado contrario do corredor para Roy, que entende e começa a contornar para fechar as saídas.

‘Não se importem em não fazer barulho’ Felicity anuncia através do comunicador. ‘O filho da puta está vendo vocês nesse instante.’

Aquilo em sua voz é quase a quantidade de raiva que costumava suprimir só por respirar. Dou de ombros relaxando a postura e sei que Dick fez o mesmo, caminhamos lado a lado até estarmos na porta do gabinete, e é bem daqui que o cheiro vinha. Cinco corpos, toda a equipe que trabalhava diretamente com Oliver estava morta.

—Nossa, ele é a cara do Mestre Splinter! – é a primeira coisa que Dick diz ao ver Ricardo Dias sentado na cadeira do Oliver.

—Assim você destrói a chance dele de bancar o super vilão. Acabou o clima! – debocho e meu parceiro dá risada.

—Você não tem direito de usar esse uniforme – Dias cospe as palavras, o maxilar travado em uma fúria doentia. Olho para trás, como se procurasse com quem ele estava falando, o que só serve para o deixar ainda mais puto.

—Pode mandar fazer um igual em qualquer loja de fantasia – Grayson tagarela, dando a entender que estava confuso com a reação do psicopata a nossa frente.

—Por que está fingindo ser ele? – Ricardo continua e vejo Roy passando pela porta pela minha visão periférica, ele me dá um sinal de ok e mantem Dias na mira do seu arco. – Sei que não é o Queen, eu fiz questão de que ele não possa usar as próprias pernas por um bom tempo – seu olhar é insano.

—Acabou de confessar agredir o prefeito – falo sério, como o Arqueiro Verde deve soar, por mais que quisesse zoar esse maldito. – Gravou isso, Sentinela?

‘Temos uma confissão, bom trabalho.’

‘Limpo.’ Escuto a voz da Bobby, confirmando sua parte da varredura.

‘Limpo.’ John confirma a dele.

‘Limpo.’ Laurel e Nissa repetem ao mesmo tempo.

‘Acaba logo com esse desgraçado, cabeça quente!’ Selina e seu jeito sutil de dizer que também acabou com sua parte.

—Parece que só temos que tirar o lixo – Dick coça a cabeça por cima da máscara de esquie, usando a ponta de um dos seus bastões. – Quer fazer as honras, Arqueiro Verde?

—Ricardo Dias – começo o colocando sob a mira do meu arco. – Você falhou com essa cidade.

FELICITY SMOAK

Retiro meus óculos e os lanço na mesa do escritório da casa de Bruce, me sentindo vazia por um instante ao perceber que Dias estava preso. Essa casa, ou melhor mansão, deve ter de tudo, por que esses sistemas não são tão diferentes dos que uso no bunker. Encaro o sofá de couro onde Oliver estava mal conseguindo se manter consciente, com um suporte de soro ao lado, onde Bruce administrava a medicação e uma manta grossa sobre seu corpo. Queria que o fato de saber que Dias foi preso fosse o bastante para tirar o ódio que sinto ao ver meu marido assim. Ele também parece não saber o que falar no momento, Bruce que estava em uma poltrona de couro preto ao lado do sofá tem o rosto apoiado nas mãos, com o semblante em um misto de fúria e cansaço, bom, ao menos não sou a única com esse sentimento de ter sido muito fácil, o que é horrível, muitas pessoas perderam a vida enquanto mal sabíamos o que fazer para detê-lo, mas agora tudo acabou e Dias se quer tentou resistir depois que Jason o alcançou.

—Parece errado – a voz baixa e rouca, cheia de dor do Oliver é o que dá vazão a o que estávamos pensando. – Ele sabia que seria preso, usou centenas de homens que tinha ao seu comando – para e puxa o ar com força, parecendo suprimir um gemido de dor. – E então simplesmente se entrega?

—Ele está sob custodia da Argus ou do FBI? – Bruce questiona sem mudar de posição.

—Argus – respondo ainda controlando minha respiração.

—Felicity, pode me dar uma lista de todos os presos no complexo que a ARGUS vai mantê-lo? – pede, agora se levantando e posso ver algo brilhar em seus olhos.

—Ele quer alguém de lá – Oliver concorda, posso ver quando tenta se levantar e acaba soltando um gemido de dor que me faz encolher.

—Fica quieto ou faço te levarem de volta para o quarto – aponto na direção dele que mesmo todo arrebentado é capaz de sorrir com minha ameaça. – Posso conseguir a lista, mas aqui vai levar algum tempo, seu sistema é bom, mas não é fácil ser imperceptível transitando entre seu satélite e o da Argus, preciso pegar alguns sinais para nos camuflar antes.

—Claro – para ao meu lado encarando a tela. – Vou pedir para avisarem a Lyla.

—O manter isolado vai nos dar algum tempo – Oliver sugere agora com a voz mais sonolenta.

—Cuido disso, Felicity pode fazer suas coisas que vou conferir os garotos no caminho.

Dou um mínimo sorriso em forma de agradecimento e Bruce sai do escritório já com o celular no ouvido. Thea se ofereceu para ser a babá do William e o garoto mais novo do Wayne, mesmo o menino afirmando que poderia cortá-la em duas caso quisesse e não precisa ou quer uma babá no seu pé. Minha cunhada riu disso como se ele fosse um bebê fazendo barulhinhos fofos enquanto eu me encolhia e lutava contra a vontade de puxar Will para longe dele. Minutos depois vi que ela os convenceu a brincar de mímica e quase me assustei ao escutar a gargalhada de Damian enquanto se divertia, parecendo um garoto completamente normal.

Me desligo dos meus devaneios e volto a concentrar no trabalho que fazia. Se inferno existir, eu tenho certeza que Ricardo Dias deu um jeito de fugir dele, por que esse homem é o demônio encarnado. Sinto o olhar de Oliver sobre mim, mas ignoro até o momento em que escuto seu riso que era um misto de dor e assovio. Os remédios já estavam fazendo efeito outra vez, acabo abrindo um sorriso bobo em resposta ao jeito que me encarava.

—Está xingando mentalmente, não está? – ele pergunta sustentando meu olhar, parecendo deslumbrado pelo que via.

—Sim – bufo. – Já me cansei desse jogo de gato e rato que entramos Oliver, só quero que isso acabe e tudo volte a ser como era – respiro fundo e volto a encarar a tela.

—Uma vez você ficou assim no bunker, não me lembro quem estávamos enfrentando se era Slade, a Liga dos Assassinos ou só mais um vilão qualquer. Só o que me lembro era de você sentada em frente aos seus computadores, digitando com tanta força que parecia querer bater em alguém.

—Esse alguém poderia ser você – implico sorrindo de lado e ele dá risada concordando.

—Provavelmente era – suspira tombando a cabeça. – Mas eu estava voltando de uma ronda, tudo é muito confuso em minha memória, só o que lembro com clareza foi de descer as escadas e te ver. Lembro de sentir que não importa o que estivéssemos enfrentando, se você estivesse lá, ficaria bem.

Paro de digitar no mesmo instante e levanto meus olhos para o ver, meio inconsciente, completamente chapado, tentando encontrar uma posição confortável no sofá que quase parecia ser pequeno comparado ao tamanho do seu corpo. Mas o peso nos meus ombros agora estava um pouquinho mais leve. Ele fecha os olhos e sei que não vai demorar a pegar no sono, mas isso em meu peito é a certeza de que enquanto estivermos juntos, estaremos seguros.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.