Lances da vida

Negando o inegável


SOLUÇO

Estou no meu quarto sozinho enquanto meu conselheiro de transição conversa com meus pais lá em cima. Se a situação não fosse tão invasiva acharia hilária.

Meu conselheiro de transição é Bocão Bonarroto, um cara que foi do reformatório assim como eu. Ele fora designado para me vigiar e supervisionar meu serviço comunitário. Sorte minha. Tenho um funcionário em liberdade condicional com um título decorativo.

É uma bobagem, mas o relatório de Bocão vai direto para as mãos do juiz nomeado para o meu caso e para o comitê de revisão, então tenho que ser legal. Não seria fácil. Eu ando muito tenso desde que voltei para casa.

– Soluço. Meu pai me chama. – Bocão está pronto para você.

Cheguei na sala e olhei para minha mãe.

– Quer alguma coisa? Ela pergunta nervosamente para Bocão. Ela não estava acostumada a receber um ex prisioneiro em casa, mas estava bancando a boa anfitriã.

– Não, obrigado. Só vou ter uma conversa com seu filho e vou embora.

Me sentei em uma cadeira, enquanto Bocão ficou em pé imediatamente.

– Vamos dar uma volta. Não foi uma sugestão.

Encolhi os ombros. – Claro, como quiser.

Bocão pegou uma pasta enquanto descíamos em direção ao parque, sentamos em uma mesa de piquenique.

– Como está indo? Bocão pergunta e abre a pasta, estalando a caneta. Clik. Clik.

– Bem. menti.

– Seja mais especifico. Bocão fez um som como ordem. Tudo que esse cara diz parece uma ordem. Isso me dá nos nervos.

– Sobre o quê?

Clik.clik. – Conte-me sobre sua família. Parece que você tem uma vida muito boa em casa.

– Parece. Só parece.- Ouça, minha mãe é um robô, meu pai um maricão, e minha irmã é uma merda de um zumbi. Eu diria que isso resume tudo.

Eu observei Bocão fechar a pasta e olhar diretamente para mim. - Ninguém disse que seria fácil.

– Sim, mas ninguém disse que seria essa merda toda.

– Xingar em todas as frases te faz sentir mais homem?

– Pára, cara.

– É meu trabalho pegar no seu pé, Soluço. Mas não posso te ajudar se você não dividir comigo.

Olhei para cima e sacudi a cabeça. – Não preciso da sua ajuda. Meus pais e irmã... eles precisam mais de ajuda do que eu. Por que não usa eles como cobaias?

– Você esteve fora por um ano. Dê um desconto para eles. Você age como se eles devessem te pedir desculpa ao invés do contrário. O que eles fizeram de errado, hein? Talvez você devesse se culpar de vez enquando, Soluço. A experiência deve servir para te alertar.

– A verdade seria para abrir os olhos.

Clik. Clik – O quê?

Eu sacudi a cabeça. – Nada, apenas esqueça.

Bocão abriu a pasta de novo. Aquela pasta provavelmente dizia a Bocão tudo sobre minha vida, antes, durante e depois da prisão. Eu gostaria de saber se aquela vez que eu espanquei um cara da escola por gozar da minha irmã por um permanente mal feito estava ali. Eu era considerado um rebelde legal. Agora sou um presidiário. Não legal.

– Você vive em uma cidade pequena, Soluço. Aqui não tem muita opção de serviço comunitário, mas em seu questionário você disse que tem experiência com construção e pequenos reparos.

– Eu trabalhei com construção durante os verões com meu tio, eu disse a ele.

– Ok, então. Você será requisitado por uma loja na segunda, depois das aulas às três e quarenta e cinco. Não se atrase. Eles lhe designarão um local de trabalho e lhe deixarão todo material necessário. Quando você terminar, pegue uma folha de conclusão assinada. Fácil? Claro.

– Eu só preciso fazer mais algumas perguntas. Depois você não precisará ver minha careca por uma semana.

Quando Bocão olhou para mim ele perguntou. – Algum contato físico?

– Como sexo?

Bocão encolheu o ombro. – Não sei, você me diz. Sua velha namorada estava te esperando no degrau da escada da sua porta quando você chegou ontem?

A vontade de rir ficou presa na garganta. – Dificilmente. Minha irmã me abraçou, meu pai apertou minha mão, e eu recebi uns tapinhas nas costas de alguns amigos casuais da minha mãe na noite passada.

– Você iniciou algum deles?

– Não. Você está me tirando do sério, cara.

– Soluço, alguns garotos têm problemas de afinidade quando eles chegam em casa. Eles levam bastante tempo para entender que tipo de contato físico é apropriado e o que –

– Eu toquei uma garota, eu disse, interrompendo ele.

Clik. – Conte-me sobre isso.

Eu pensei na noite passada, quando a Astrid tentou se levantar. A dor que ela pareceu sentir, percebida pelos dentes cerrados, punhos fechados. Desde que cheguei em casa, Astrid foi a única pessoa que cheguei a tocar. Não foi bom.

– Uma garota precisou de ajuda para se levantar, então eu tentei firma-la. Fim da hsitória.

– Ela te agradeceu?

Eu hesitei em responder. – Ela tirou o braço do meu controle. Não era isso que você queria ouvir?

– Se for a verdade.

Eu virei e olhei para ele. Ele sabia que eu não estava brincando com ele.

– Talvez você tenha sido muito áspero

– Eu não fui áspero, disse duramente.

– Quem era ela.

Passei a mão na nuca. Se não responder, bocão provavelmente voltará todos os dias até que eu conte. Qual o problema de qualquer forma?

Olhei para o Bocão que ainda esperava a resposta. – Eu toquei a garota que fui para a cadeia por aleijar. Clik.

ASTRID

– Você está bem? Pergunta Amanda.

Estou sentada no chão em frente meu armário na escola, tentando entender que livros levar para o primeiro período. Primeiro dia de aula depois do verão é assim, imagina eu que tirei férias por um ano. Olhei para ela e disse, - Sim, exceto por temer a aula de trigonometria.

– Então você não está com medo?

– Embora eu tenha ouvido que a professora seja assustadora, mas eu posso ...

– Não estou falando de trigonometria, Asty. Estou falando de Soluço estar na escola hoje.

Deixei os livros caírem. - O quê?

– Ele está no escritório do Millor.

– Eu ouvi que ele não voltaria para a escola. Minha mãe me disse essa manhã que ouviu no jantar.

– Você obviamente ouviu errado, pois a Rapunzel o viu. Eu olhei para o corredor.

– Pensei que tinha dito que não tinha problema algum. Um...

Merida desceu as escadas correndo, vindo na minha direção. – Você ouviu? Disse ela depois de recuperar o folego.

–Sim, ela ouviu. Disse Amanda com as mãos nos quadris. – Mas ela disse que não tem problema algum, essa menina tem sério problema de negação.

Para piorar, agora Rapunzel está andando no corredor com cinco pessoas a rodeando. Ela estava muito envolvida na conversa, provavelmente relatando a fofoca do ano.

E esse é só o primeiro dia de aula.

É muito ruim meu pacote para o Canadá não ter chegado ainda. Precisava muito de boas noticias para me focar. Porque encontrar Soluço hoje definitivamente é uma coisa muito ruim.

– Aqui está ela. A excitação de Rapunzel fez todo mundo se aglomerarem a minha volta. Gostava tanto quando era invisível.

– Então, qual é a fofoca? Amanda pergunta para Rapunzel.

– Bem... diz Rapunzel parando de propósito, para ter certeza de que todos a ouvem.

– Minha mãe está na diretoria e eu ouvi por acaso que eles fizeram um acordo com Soluço. Ele terá que fazer as provas finais do junior em todas as matérias e depois ele poderá passar para o sênior oficialmente. Se ele falhar perderá o ano.

– Ele é um atleta de luta livre estúpido. Diz um dos garotos. – Ele nunca vai passar.

Ele não é um estupido, ele é mais esperto do que pensam. Quando estávamos no fundamental ele ganhou uma medalha por tirar a maior nota do semestre na sexta série. Ele ficou orgulhoso. Você deveria ver o sorriso estampado no rosto enquanto entregavam a medalha para ele.

Soluço foi zoado por seus amigos por expor a medalha na sua prateleira de troféus esportivos. Eles começaram a chama-lo de vários nomes e ainda o acusaram de ter um caso com a professora de inglês de 300 quilos. Depois disso Luane me contou que ele deu sua medalha para ela. As notas de Soluço caíram e nunca mais ganhou outra medalha. O alivio nos olhos dele cada vez que eles presenteavam outra pessoa era obvio. Bem, obvio para mim.

O sinal tocou e finalmente a multidão começou a dispersar.

Eu esperava apenas que ele me ignorasse se algum dia nós ficássemos cara a cara de novo.

Enquanto caminhava para minha primeira aula, vi Luane saindo do banheiro.

Minha velha melhor amiga caminhou em minha direção, sem prestar atenção porque olhava para baixo.

Se as coisas fossem diferentes, eu perguntaria por que ela só usa roupas pretas. Se as coisas fossem diferentes, eu perguntaria a ela como ela se sentia por ter seu irmão de volta.

Quando ela finalmente olhou para cima e viu que eu estava em seu caminho, ela virou a cara e saiu apressada.