Lances da vida

Abrindo os olhos


SOLUÇO

– Soluço, telefone. Grita minha mãe.

Estava pensando na minha conversa que tive com a Asty na terça-feira. Estou muito confuso com tudo isso, em uma simples conversa de uns quarenta minutos compartilhei com Asty mais do que com Kendra todo o tempo.

Que problemão eu tenho.

Pego e telefone e volto para quarto.

– Oi, Soluço. É o Logan.

– Fala ae

–Hoje é domingo, cara.

– E?

– Cara, esqueceu nosso ritual de domingo? Você, eu, Melequento, e Flynn

Eu me lembro, domingo era nosso dia de se reunir só os rapazes, sem garotas para assistir futebol na tv.

– Eu estou indo para a casa do Flynn em dez minutos. Te pego aí daqui a pouco.

Eu havia planejado dormir a tarde inteira, mas como eu gostaria que a minha vida voltasse ao normal, o futebol não poderia ser ignorado.

Tomei um banho rápido, hábito adquirido da prisão, e vesti uma roupa confortável. Ouvi minha mãe bajulando Logan lá em baixo.

– Que bom que você chamou o Soluço. Você é um ótimo amigo. Leve uns lanchinhos para comerem enquanto assistem o jogo.

– Cara, sua mãe é demais.

Estava a ponto de dar um abraço nela antes de sair, mas ela disfarçou que estava limpando a mesa. – Vai lá. Divirta-se.

Estamos reunidos esperando o jogo começar, animados. Como eu senti falta desse momento.

Recuperei Kendra, recuperei meus amigos, tenho que esquecer Asty. Eu só penso nela porque estamos trabalhando juntos. Voltei para casa com o propósito de recuperar minha vida como era antes, está tudo bem.

Flynn aparece no porão com umas latas de cerveja e distribui para nós. Ele estende uma lata para mim. Eu a pego e fico olhando.

– Como você conseguiu as cervejas? Pergunta Melequento.

– Do feriado, peguei uma caixa sem minha mãe perceber. Ela nem deu falta.

Todos começaram a abrir suas latas, exceto eu. Fiquei olhando. Desde a noite do acidente até hoje ainda não cheguei perto de álcool. Eu poderia ter voltado para cadeia por brigar com Dagur ao defender Asty, teria valido a pena. Mas não voltaria para lá por uma estupida lata de cerveja.

– O que está acontecendo aqui? Ouvimos uma voz adulta

Droga. A mãe do Flynn.

Ela desceu as escadas e tirou a lata de cerveja das mãos de Flynn. – Aqui em casa não.

Depois se dirigiu a mim. – Você pensa que vai chegar aqui e corromper meu filho?

– Mãe, não.

– Não o defenda, Flynn.

Ela olha novamente para mim, me fuzilando com o olhar. – Soluço, fora da minha casa.

Deixei a lata fechada na mesinha, senhora Rider nem reparou que ela não foi aberta. Estava ocupada demais me julgando. – Fique longe do meu filho.

Seria inútil tentar me defender. Senhora Rider fez seu julgamento. Veredito: Culpado.

– Ela estragou nosso divertimento. Logan disse a caminho do carro. – E agora onde vamos assistir o jogo?

– Podemos ir lá para minha casa. Disse.

Estava concentrado no jogo quando Logan disse. – Preciso te contar uma coisa.

– Fala. Disse sem olhar em sua direção.

– Ela vai me matar por te contar.

– Ela quem?

– Kendra

Kendra esteve comigo algumas horas antes, em meus braços. Uma companhia agradável na cama. Não foi o momento mais romântico, mas foi o que deu. Esperava voltar ao que era antes. Foi muito diferente de como era.

– Estamos juntos, Soluço. Eu só achei que você merecia saber. Olhei para ele confuso. – Que merda é essa, cara?

– Eu...e Kendra.

– Você e Kendra?

– Sim.

Eu nem notei quando saiu da minha boca. – Quando?

– Você quer mesmo saber?

Isso significa que foi antes da minha prisão. A Asty falou a verdade o tempo todo, enquanto Kendra mentiu descaradamente na minha cara.

Faz sentido agora o motivo de Kendra querer tanto manter nosso relacionamento em segredo. Tudo isso para bagunçar ainda mais minha cabeça.

Logan me olha, medindo minha reação. Não vou dizer que andei ficando com Kendra esses dias.

Num instante percebo que nada está normal. Eu não voltei com Kendra, não estou curtindo com os amigos. Minha vida está longe de ser igual ao que era. Como pude me iludir?

Tinha que perguntar. - Vocês são...?

–Sim.

Uau. Minha namorada estava brincando com nos dois e eu completamente distraído. Asty tentou abrir meus olhos e como recompensa a insultei e depois a noite saiu do controle, terminando com Asty no hospital.

– Foi só uma ficada, soluço. Nem um dos dois queria isso.

Só queria que Logan calasse a merda da boca. – Você ficou eufórico com a minha prisão, né? Assim você pode ficar com a minha namorada só para você.

– Não é assim. Eu a amo de verdade. Quero me casar com ela.

–Droga. Murmurei. Me pergunto quem estaria ao lado de Logan quando ele voltar do reino de tão tão distante e encarar a realidade. Kendra me disse que não tinha ninguém importante. Ou será que isso também era papo furado?

– Ela me fez prometer que não te contaria sobre nós dois, mas eu queria poder assumir que estamos juntos e sermos um casal na escola.

Esse cara é meu melhor amigo desde o jardim de infância. Lembro que quando o Melequento pegou o lápis do Logan na primeira série eu o belisquei por vingança.

E quando tive catapora na sexta série e fiquei em casa por uma semana, Logan ia para minha casa escondido para jogar comigo. E nunca contamos para os pais dele, mesmo quando Logan pegou catapora duas semanas depois.

Nunca esperaria traição da parte dele.

– Você é um idiota.

Logan se levantou. – Sabia que não entenderia. Por isso não te contei.

– E como você esperava que eu reagisse?

– Esperava que me ouvisse. Tentaria entender meus motivos. Essa é a realidade, Soluço.

– Vou te dizer a realidade. A realidade é que fiquei preso por um ano no meio de traficantes e comendo comida que nem seu cachorro comeria. Real é não poder usar a própria cueca e tomar banho com vinte e cinco outros pintos e sendo vigiado por um guarda. Real é ver sua vizinha andar como se fosse cair a qualquer momento porque sua perna foi destruída no acidente. Logan, sua percepção de realidade está totalmente errada.

Logan, virou as costas e disse antes de sair. – Quando estiver disposto a me perdoar e conversar para seguir em frente sabe onde me achar.

ASTRID

Não queria que minha mãe viesse comigo à fisioterapia. – Não precisa ficar, só vir me buscar daqui uma hora.

– Não, Dr. Geraldo quer falar com nós duas.

– Está tudo bem, mãe. O Ruan só espera que os pacientes façam o impossível.

– Sei que é difícil Asty, não precisa fazer o que te deixa desconfortável. Basta fazer o melhor possível.

– Oi Asty, como estamos? Ruan nos cumprimenta.

– Está fazendo os exercícios de fortalecimento que te passei?

– Sim, bem, às vezes.

– Vamos aos exercícios.

Ele fazia uma bateria de exercícios comigo e eu não conseguia.

–Ela não consegue, você não vê que ela está sentindo dor? Minha mãe fala.

– Senhora Hofferson, Astrid precisa se esforçar para poder fortalecer os músculos.

No meio da sessão entra o Dr. Geraldo. – Olá senhoras, Ruan.

Minha mãe se levanta e cumprimenta meu cirurgião. Sento na mesa de exame e ele verifica as cicatrizes. – Parece bom. Ruan disse que você está muito tímida na fisoterapia.

– eu não posso colocar muita pressão no pé.

– Isso a machuca. Minha mãe se intromete.

– Ok, caminhe até a porta para mim.

– Pode pôr mais pressão no pé esquerdo?

– Na verdade não.

– Você precisa se esforçar mais e parar de favorecer seu lado esquerdo.

– Mas estou fazendo meu melhor.

É claro que ele não disse que menti, mas não ficou convencido.

– Talvez devesse pegar mais leve na fisioterapia. Minha mãe diz.

– Odiaria vê-la parar a fisioterapia.

– Eu tenho uma sugestão. Diz Ruan. – E se Asty voltasse a jogar tênis?

Meu coração acelerou.

– Filha está bem?

– Preciso de ar. Ruan vem até mim. – Eu só estou querendo ajudar.

– Eu sei, mas não posso. Isso não. Não consigo.

Fui embora dali transtornada.

–Asty.

– Eu não posso mãe.

– Dr. Geraldo quer apenas que você tente.

Não gosto de decepcionar minha mãe, ela se esforça para me apoiar. Mas tudo isso é demais para mim.

No carro, olho para minha mãe. Ela tem uma expressão triste.

– Mãe, o que você quer da vida?

– No momento, dinheiro.

– Além disso.

Ela suspira e pensa um pouco. – Um companheiro, alguém para dividir as preocupações.

– Você sente falta do papai?

– Sinto falta da companhia, de sair como casal. Não sinto falta das brigas.

– Você quer namorar o Sr. Reymond?

– Por que está me perguntando isso?

– Sei lá, vocês dançaram no festival. E eu acho que ele foi lá por você.

– O restaurante é patrocinador do evento, ele tinha que estar lá.

Ficamos o resto do caminho em silencio. Ao chegar em casa, eu falei meio sem pensar direito. – Se quiser um dia convidar o Sr. Reymond para jantar aqui, eu não vou me opor.

Me arrependi de minhas palavras logo ao serem ditas. Só falei porque vejo o quão triste ela anda e sei que ele faz bem para ela.

E se ela sair com o Sr. Reymond e eles acabarem se casando e resolverem construir uma nova família sem mim também?

Entrei no meu quarto, abri o armário e fui onde fica a raquete, ela fica no fundo do armário, atrás das roupas. Olhei para ela, pequei o cabo sentindo o peso que me era familiar.

Minha mão bateu na porta, atirei a raquete no fundo do armário e fui abrir a porta.

– Mãe, o que foi?

– Estava pensando no que você disse, é sério o que você disse? Posso convidar o Tom para jantar aqui?