Lado Obscuro

Capítulo 1 - As cartas da mudança



Kentin sempre foi um garoto excluído. Todos o julgavam desajeitado, nerd e fraco. Caçoam dele, esbarram nele se propósito, tomam o seu lanche todos os dias e às vezes usam ele como saco de pancadas por diversão. Até sua irmã fingia que ele não existia.
E ele nunca fez questão de mudar essa imagem por questão de... Segurança. Era melhor para todo mundo que o seu verdadeiro eu ficasse trancado no fundo da sua alma. Além do mais, ele só precisava de uma coisa para ser feliz.
Uma garota, em especial.
Sua amiga e vizinha, Alexia.
E ele faria de tudo para tê-la.

Tudo.

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Sábado – 29 de Janeiro

Alexia acordou na manhã de sábado de bom humor, inexplicavelmente sentindo que algo de bom estava para acontecer. Espreguiçou-se lentamente, sorrindo para a luz do sol que entrava pela janela. Colocou seus pés para fora da cama e procurou as pantufas roxas com os dedos. Calçou-se, alisou a sua camisola rosa e foi saltitando alegremente até o banheiro fazer as higienes matinais, sentindo o cheiro de café da manhã no ar.
Vestiu uma blusa amarela de ombro caído por cima de seu top verde e puxou a primeira calça jeans preta que encontrou no armário. Descalça mesmo, desceu correndo as escadas e entrou na cozinha abruptamente.
- Bom dia, mãe! Cadê a comida?
Sua mãe, Clarisse, estava na frente do fogão e remexia a panela de sopas com uma colher de madeira. Seus cabelos loiros estavam presos em um coque no alto de sua cabeça. Escutando a voz de Alexia, ela se virou e sorriu, deixando aparecer todas as suas ruguinhas nos cantos dos seus olhos cinzentos. Alexia não poderia querer uma mãe mais carinhosa e, apesar da idade, mais linda do que ela. Clarisse era uma mãe solteira e criara a Alexia sozinha com muito esforço e dedicação, sem jamais reclamar. Ela sempre contava à Alexia que ela era fruto de apenas um romance passageiro que passou dos limites. Alexia nunca procurou perguntar quem é o seu pai e nem faz questão. Seja lá quem for, nesses quase 17 anos de sua existência, ele nunca apareceu para ajudar na sua criação, então ela jamais o consideraria pai mesmo.
- Bom dia, meu amor. Sente-se, a sopa já está pronta, vou servir.
Alexia olhou para a panela enorme que sua mãe estava trazendo até a mesa e só então reparou que havia três tigelas de sopa preparadas na mesa, e não apenas duas. Franzindo o cenho, perguntou:
- Mãe, você colocou uma tigela a mais sem querer ou estamos esperando visita a essa hora da manhã?
Clarisse sorriu de um modo conspiratório e não disse uma só palavra, apenas continuou servindo a sopa. Preferindo não insistir, Alexia pegou sua colher e começou a tomar a sua sopa. Mal havia terminado a segunda colherada quando tocou a campainha. Sua mãe deixou a panela no fogão e foi receber a tal visita secreta.
Quando ela voltou, estava acompanhado de um garoto sorrindo de orelha a orelha para Alexia.
- Kentin? - Sussurrou Alexia, incrédula. Abrindo um sorriso maior ainda que o dele, levantou-se num pulo e correu para seu melhor amigo. Envolvendo ele em um abraço de urso, ela começou a falar. - Você veio me fazer companhia nessa manhã! Vai ficar para o almoço? Janta? Vai dormir aqui e virar a noite jogando Minecraft comigo? Tem sopa de frango com milho quentinho na mesa!
Kentin ficou com o coração dolorido de tão rápido que batia. Abraçou Alexia enquanto ficava vermelho. Tentou levantar inutilmente os seus óculos fundo de garrafa, mas ela o balançava de um lado para o outro sem soltar o abraço, impedindo-os de ficar parados no nariz.
- A-Alexia, eu vou ficar sim, mas meus óculos estão caindo!
Ela soltou os braços gargalhando e levantou os óculos dele, mostrando a língua. A sua cara estava perto demais do nariz dele e ele sentiu uma vertigem de nervosismo tomando conta do seu corpo. Tentou não olhar nos olhos cinzentos e misteriosos dela, desviando o foco para os seus cabelos tingidos de azul e cortados na altura da nuca, fios mais compridos pendiam dos dois lados de seu delicado rosto. Alexia piscou com um sorriso torto e se afastou.
- Vem, eu estou morrendo de fome e a sopa vai esfriar!
Ela pegou a sua mão e o puxou em direção à mesa enquanto Clarisse os seguia com um sorriso no rosto. Adorava ver a sua filha e seu melhor amigo se tratando como irmãos, mas ela sabia que havia algo a mais nos sentimentos de Kentin. Sabia que Alexia não vivia sem ele, e tinha consciência de que ele era um bom garoto. Ele fazia sua filha feliz. Por isso que anteontem, quando recebeu a carta que mudaria a vida de sua filha, resolveu avisá-lo antes mesmo de contar à Alexia para que ele pudesse tomar as decisões e providências necessárias. Agora é o momento de revelar as novidades para a adolescente feliz que saltitava em direção à uma sopa de frango com milho.
- Meu amor, tenho uma coisa para você, mas não surta. – disse Clarisse enquanto Alexia e Kentin se sentavam à mesa. Suspirando com um sorriso leve, tirou um envelope rosa do bolso do avental e esticou a mão por cima da panela de sopa para que sua filha pegasse. Os olhos de alexia brilharam de curiosidade e rapidamente pegou o envelope para abrir. Escutou seu amigo engolindo em seco ao seu lado e suspeitou que ele já soubesse do conteúdo da carta. Vibrando por dentro, tirou a carta de dentro do envelope e leu em voz alto.
- Querida Alexia, parabéns! Seu resultado na prova foi espetacular e você foi aceita como nossa aluna com 100% de bolsa. Suas aulas começam no dia 02 de Fevereiro. Tenha um bom ano letivo! Atenciosamente, coordenação do colégio Sweet Amoris... – Alexia esbugalhou os olhos e escancarou a boca, paralisada, sem saber o que fazer. Era a melhor notícia do mundo! Depois de quase dez segundos em modo estátua, ela se levantou e começou a gritar de alegria enquanto batia os pés no chão. Clarisse já previa essa reação, então apenas sorriu afetada para sua filha e começou a tomar sua sopa.
- Kentin, eu não acredito que passei na Sweet Amoris! Céus! É simplesmente o melhor colégio do estado! Ah, estou tão feliiiiiz! – Ela pulava pela cozinha, sem acreditar que todo o seu esforço havia valido a pena. Kentin se levantou e ela pulou no seu pescoço. Ele a envolveu nos braços e suspirou. Alexia estranhou a falta de animação de seu amigo e se afastou um pouco dele, sem soltar o abraço, e olhou nos seus olhos.
- O que houve?
- É que... – Kentin olhou rapidamente para dona Clarisse, que sorriu e assentiu para que continuasse a falar. Ele engoliu o receio e olhou de volta para a garota que estava em seus braços. – Você vai ter que ir para outra cidade, Lex. Não sei como lidar com isso. Não sei se fico feliz por você ou fico triste por estar prestes a te dizer adeus. Pensou nisso?
Pior que ela não tinha pensado nisso ainda.
Alexia soltou Kentin e se sentou pesadamente, a ficha finalmente caindo na sua cabeça. Ia ter que deixar todos que ama para trás. Sweet Amoris ficava em outra cidade, mais ou menos sete horas de ônibus. Olhou para sua mãe com um dor no olhar e se surpreendeu. Ela não estava triste, muito pelo contrário. Clarisse sorria e olhava para Kentin. Atordoada com o sorriso de sua mãe, Alexia voltou seu olhar para Kentin, que olhava para o chão com as mãos no bolso.
- Mãe, eu quero ir. Aliás, é tudo o que eu sempre quis. Mas eu não quero deixar vocês dois. Não vou conseguir viver sem vocês, não vou...
Alexia foi interrompida com a visão de um papel cor de rosa diante de seus olhos. Kentin sacudia levemente o papel na sua cara enquanto levantava as sobrancelhas, como se dissesse “Aqui está a solução de seus problemas”. Ela pegou sem entender nada. Parecia a sua carta de admissão no Sweet Amoris, mas a sua carta estava na mesa. Pegou o papel duvidosamente e leu.

“Prezado Kentin, conforme o solicitado, analisamos o seu histórico escolar e concluímos que realmente é um aluno excepcional. Portanto, resolvemos aceitá-lo como nosso aluno com 50% de bolsa. Suas aulas começarão no dia 02 de Fevereiro. Tenha um bom ano letivo! Atenciosamente, coordenação do colégio Sweet Amoris.”

- Ken... Mas isso significa que... Que...
- Significa que eu vou contigo, Alexia. – disse Kentin, olhando nos olhos chocados de sua amada. Tinha que ser forte e contar toda a história, como tinha sugerido a dona Clarisse. Respirou fundo e deixou que as palavras fluíssem pela sua boca. - Quando soube que você tinha recebido isso, me desesperei. Mandei vários e-mails para o colégio implorando para que me deixassem estudar lá também. Só aceitaram porque todas as minhas notas são acima de 9,5. Falei com a sua mãe e já arranjamos um apartamento perto do colégio para nós dois dividirmos. As passagens de ônibus já estão compradas também, sairemos amanhã ao meio-dia, porque as aulas começam na quarta. Seja onde for, eu vou contigo, Lex, porque não vou conseguir ficar sem você.
Alexia levantou os olhos da carta e, emocionada, agarrou o pescoço de Kentin para dar vários beijos em sua bochecha, murmurando “obrigada” entre um beijo e outro. Clarisse soltou um riso com a cara avermelhada do menino, claramente atordoado com tanto carinho de sua amiga inseparável. Ainda segurando Kentin, Alexia levantou a cara para o teto e gritou para o mundo.
- Vamos para Sweet Amoris!!