Rendez-vous

(Encontro)

Klaha e Mana.

O primeiro, no auge de seus quarenta anos. Cabelos curtos e negros numa linha aristocrática que lhe caía até o pescoço e severos olhos azuis, fazia jus à seriedade que o terno escuro lhe dava, de modo que encaixava-se perfeitamente na profissão a que se dedicava: juiz.

O segundo, um vagabundo de trinta e dois. Os cabelos desgrenhados propositalmente à base de alguma espécie de gel, e olhos também azuis e implacáveis. Enfiado em roupas andróginas, deixando impossível de saber se era um homem ou mulher. Maquiagem pesada, sobrancelhas bem-feitas, lábios levemente tingidos de preto. Frio, distante, patético. Assassino, absolvido por falta de provas.

E estavam os dois no mesmo café, em canto opostos do salão, encarando-se friamente.

Quando o juiz avistou a excêntrica figura tomando café naquela mesa, pensou que talvez estivesse louco. Mas depois de ver aqueles olhos, teve certeza que estava perfeitamente lúcido. Era ele. O assassino de sua mulher.

Klaha ainda se lembrava do caso. Fora o julgamento mais longo de toda a França, e pela primeira vez ele sentiu o desespero de estar do outro lado da mesa de juiz.

A história acontecera dez anos antes.

Devido à profissão de sucesso, Klaha tinha uma vida bastante pública. Casara-se com alguém de beleza excepcional, Milady Hizaki, 10 anos mais jovem que ele.

Mulher de seus 20 e poucos anos, esbelta, num encantador vestido aristocrático vermelho. Longas ondas douradas cascateando pelos ombros e os olhos castanhos mais lindos que o juiz já vira. Ela estava no corredor do tribunal discutindo com um promotor quando Klaha chegou. De imediato pareceu ficar hipnotizado pela beleza da jovenzinha que, ao vê-lo parado olhando para si, franziu a testa e perguntou-lhe se não tinha nada melhor pra fazer. Klaha ficou pensando em quem seria aquela loira de comportamento agressivo. Não demorou muito a descobrir, afinal, ela seria a principal testemunha do caso que ele estava prestes a julgar.

Durante o julgamento, ele permaneceu impassível, mesmo que a presença da loira na mesa de testemunhas o deixasse bastante desconcertado. O modo como a moça se comportou, firme e certa do que dizia, só serviu para deixar Klaha mais admirado.

Ao final da audiência, aproximou-se de Hizaki na intenção de puxar conversa, mas esta não lhe deu chance de falar, prontamente lhe dizendo que não se desculparia só porque ele era juiz. Klaha apenas fechou os olhos, balançou a cabeça negativamente e sorriu.

- Gosto de mulheres como você.

- Ora, mas o que está dizendo, seu atrevido?

- Que quero levá-la para jantar, apenas isso. Cabe à senhorita aceitar ou recusar.

Prestou uma reverência à dama, e logo retirou-se, deixando para trás uma loira de olhos arregalados e as faces levemente enrubescidas. Quem era aquele homem tão capaz de penetrar suas defesas naturais? Levou algum tempo para decidir, vendo-o se afastar até que gritou, ainda um pouco hesitante:

- Travessa das Rosas, edifício 39!

O juiz parou, virando-se na direção da moça.

- Às oito está bom? - teve cuidado em não demonstrar o tamanho de sua satisfação.

Hizaki sorriu.

- Maravilhoso.

Alguns meses depois, estavam casados. O evento foi noticiado em todos os jornais do país e do mundo, e a festa de recepção dos noivos foi o principal assunto da população por um bom tempo. Porém, Milady Hizaki não podia ter filhos. Para garantir a felicidade do marido, adotaram então uma recém-nascida que foi carinhosamente chamada de Kaya.

Os dois estavam tendo uma vida maravilhosa ao lado de sua filha, até que Hizaki foi assassinada sem qualquer motivo aparente. De acordo com as testemunhas, um possível assaltante que, ao ver que a dona da casa estava acordada, resolveu acabar com ela. O homem chamado Mana havia fugido da cena do crime. Quando a polícia conseguiu pegá-lo, tinha alguns fios dos cabelos loiros de Hizaki nas roupas e o sangue dela nas mãos.

Sem a esposa, o mundo de Klaha havia desabado. O caso teve repercussão mundial, lhe rendeu cinco longos meses de insônia e dor de cabeça e, ao fim de tudo, não pôde mandar o bandido para trás das grades porque as testemunhas eram poucas, os depoimentos confusos e as provas insuficientes. Como poderiam ser insuficientes? O criminoso estava fugindo, e ainda por cima com o precioso sangue da vítima escorrendo pelos dedos!

Após prestar algumas semanas de serviços comunitários, Mana foi embora do país. Klaha gravou bem o rosto do homem e jurou, em nome da justiça pela qual ele trabalhava, que se vingaria. Provaria ao mundo que aquele homem havia matado sua esposa, e o mandaria direto e reto para o corredor da morte.

Foram dez anos sentindo a dor da perda. Dez anos de uma angústia interminável, cuidando sozinho da educação da pequena Kaya e procurando saber o paradeiro daquele que havia destruído sua vida, matando a única mulher que ele amara no mundo.

E naquela tarde, o viu sentado na mesa do lado oposto, tomando tranquilamente um chá.

Kaya contava então exatos dez anos. Cabelos louros como os da mãe, olhos azuis e atentos como os do pai e um sorriso encantador. Estava ali, sentada ao lado dele, usando um belo vestido bege e tomando um grande copo de suco de laranja.

- Papai? - chamou, com sua voz doce de criança.

- Sim, querida?

- Por que o homem daquela mesa está nos encarando?

Imediatamente formou-se um nó na garganta do juiz. O que responderia?

"Esse homem matou sua mãe, Kaya. Vamos até ele dar-lhe um aperto de mão."

- Não sei, minha filha.

- Não gosto dele, papai. Ele me dá medo.

- Papai também não gosta, querida. Já terminou seu suco?

- Sim.

- Então vamos embora.

Tirou o dinheiro da carteira, deixou sobre a mesa de mármore e levantou-se, puxando a menina pela mão. Mana não tirou os olhos dele até que tivesse saído do recinto. Logo, também decidiu ir embora. Deixou o dinheiro embaixo do pires, levantou-se e saiu.

De dentro do carro, Klaha o acompanhou pelo retrovisor. Demorou alguns segundos até finalmente poder girar a chave, atônito.

Não podia ser verdade.

Por que, depois de tantos anos, aquele homem voltaria à França? O que queria? Klaha tinha a certeza de que coisa boa não podia ser... e seria aquela a grande oportunidade de finalmente mandá-lo para a guilhotina.