Capítulo 2 – Duelos e surpresas

Já nas ruas de Paris, dispensados pelo capitão Tréville, D’Artagnan, Aramis, Porthos e Athos começaram a seguir Jacques de Villarmont. Seguiam-no de longe, bem de fininho, para não levantar suspeitas. Mas...

- Ei, Villarmont! Precisamos acertar as contas!

Eram cinco homens de farda, que usavam capas de cor vermelha.

- Mosqueteiros do cardeal de novo! – Jacques resmungou.

- Arsène, Desmond, De Lyre, Rosenpin! Saquem as espadas!

- Sim, Honoré! – os quatro responderam ao mesmo tempo em que sacavam as espadas.

O quinteto saiu a ataque contra Jacques. Mas quatro dessas espadas encontraram outras quatro lâminas. Eram quatro mosqueteiros, mas com capas azuis.

- Vocês?! – Jacques perguntou atônito.

Eram os quatro “inseparáveis”.

- Quem você esperava? O Papa?! – D’Artagnan ironizou.

- O que vocês estão fazendo aqui?

- Livrando a cara de um companheiro de farda! – Athos respondeu.

- Devemos ajudar os nossos semelhantes! – Aramis acrescentou.

- Eu não pedi ajuda! – Jacques retrucou.

- Deixa de ser ingrato, cala a boca e luta! – Porthos disse.

- Não acha bom a gente ter chegado antes de acontecer uma covardia? – perguntou D’Artagnan. – Agora somos cinco contra cinco. E não se preocupe, o capitão Tréville agora vai entender essa confusão!

O duelo começou, cinco contra cinco. Porthos enfrentava De Lyre, Athos duelava com Rosenpin, D’Artagnan encarava Arsène, Aramis lutava com Desmond e Jacques enfrentava Honoré. Ouvia-se de uma distância considerável o tilintar das espadas que se cruzavam.

Porthos foi o primeiro a vencer o adversário. Conseguiu desarmar De Lyre facilmente. Derrubou-o no chão com uma rasteira e o desarmou, tomando-lhe a espada e apontando-a para a cara do oponente.

- Está bom assim, ou quer que eu te deixe com uma marca na cara?

De Lyre estava mudo e trêmulo. Caído no chão, ficou ainda mais intimidado com o tamanhão de Porthos e não reagiu. O mosqueteiro loiro não descuidou dele e continuou com a espada apontada para o outro que estava caído.

Athos teve facilidade em desarmar Rosenpin. Bastou cruzar as espadas e jogar força para a esquerda, e a espada do mosqueteiro do cardeal voou longe. Porém, Rosenpin não aceitou a derrota e foi atrás da espada. Conseguiu pegá-la e foi ao ataque outra vez. Mas Athos o desarmou novamente e causou um corte no ombro direito do adversário. Nisso, ele não ousou mais reagir.

Aramis estava com um adversário rápido. Desmond sempre se esquivava das investidas de seu oponente. Os movimentos de esgrima dos dois mais pareciam passos de dança. Desmond deu uma investida contra Aramis e as lâminas se cruzaram. Nenhuma delas cedeu por pelo menos um minuto.

“Nossa!”, Aramis pensou. “Ele tem força!”

Nisso, levou um soco no rosto e acabou desarmado.

- E aí? – Desmond debochou. – Pensa em reagir? Acho melhor parar por aqui mesmo, ou alguém ainda vai se dar mal!

Aramis foi rápido em buscar a espada, que estava fincada no chão de terra. Não esperou Desmond se preparar e foi ao ataque. Nessa investida, conseguiu desarmá-lo e, de quebra, fazer um corte superficial no peito do adversário.

- Você se rende, caro Desmond?

Desmond não era bobo e levantou as mãos em sinal de rendição. Aramis pegou a espada dele e a partiu em duas. Agora, só um suicida seria louco de lutar sem espada.

D’Artagnan estava lutando com um adversário que batia mais do que esgrimia. Arsène, toda vez que cruzava a lâmina da sua espada com a dele, contra-atacava com um soco ou um chute.

Ao se afastarem, D’Artagnan elogiou Arsène:

- Ora essa, você até que é bom de briga!

Arsène não respondeu, mas foi pra cima de D’Artagnan novamente. As espadas se cruzaram e ele golpeou o jovem mosqueteiro, que caiu para trás. Lançou-se contra D’Artagnan, disposto a acertar-lhe a espada, mas este, com sua espada atravessada, conseguiu se defender. Com os dois pés, acertou a barriga de Arsène e o jogou para trás. Levantou-se e avançou contra ele, arrancando-lhe o chapéu com a espada.

O duelo já estava se estendendo demais e D’Artagnan foi com tudo, com espada em punho e correndo a toda velocidade que podia. As espadas se cruzaram mais uma vez e a lâmina da espada de Arsène se partiu com o impacto. Mesmo assim, ele tentou lutar com a espada quebrada, mas levou uma estocada no antebraço, que o fez largar o que empunhava.

D’Artagnan apontou a sua espada para o peito do adversário derrotado:

- Já chega, não acha?

Arsène rangia os dentes, furioso por ter perdido para alguém mais jovem – pra ele, quase um moleque. O jovem mosqueteiro prosseguiu:

- Eu imagino que você ame muito a sua vida, não é? – deu um sorriso sarcástico. – Geralmente, quem ama a vida que tem não é louco pra fazer o que você pensa em fazer. E se pensa em me atacar, desarmado como você está agora, pode ter certeza que vou reagir e te mandar desta pra melhor!

- Moleque atrevido...!

- Pode me chamar do que quiser, mas isso não muda o fato de que você perdeu pra mim, entendeu?

Até então os mosqueteiros do rei não tinham sofrido nenhuma derrota. Mas Jacques enfrentava sérios problemas na luta contra Honoré. Este, além de forte, era habilidoso e tinha se aproveitado dos erros de Jacques para desferir-lhe várias estocadas. Mas o mosqueteiro rebelde resistia bravamente, atacando o adversário. No entanto, Honoré também tinha uma defesa quase impenetrável e um contra-ataque preciso. Num desses contra-ataques, conseguiu atravessar-lhe a espada no ombro esquerdo. Jacques soltou um grito e caiu de joelhos no chão e levou a mão ao ferimento. D’Artagnan e os outros correram até ele e viram seu rosto ficar mortalmente pálido.

Honoré partiu pra cima, com o claro objetivo de aniquilar o seu adversário, mas Porthos conseguiu entrar na frente dele para desarmá-lo e desferir-lhe um forte soco, que o derrubou no chão.

- Essa luta... Essa luta era minha! – Jacques esbravejou, apoiando-se na espada. – Pra que vocês foram se intrometer?!

D’Artagnan não se aguentou e agarrou, exasperado, o outro pelo colarinho:

- Pelo menos uma vez na vida agradeça por alguém salvar a sua maldita carcaça! Se não fosse pela gente, você já teria virado picadinho! Gostaria de ser retalhado por alguém, é? Acho que não!

- D’Artagnan, se controle! – Aramis disse.

O rapaz não ouviu o amigo e prosseguiu:

- Você se acha o melhor mosqueteiro da companhia, mas você não é! Nunca vai ser um mosqueteiro de verdade agindo como um palhaço metido a besta!

Jacques ainda teve forças para encará-lo com muita raiva estampada no rosto. Mas, de repente, desmaiou. D’Artagnan o sacudiu, mas sem resposta.

Athos olhou para o ombro ferido de Jacques:

- Vamos levá-lo para minha casa! Aramis, você vai atrás de um médico! D’Artagnan, depois de deixar ele lá em casa, busque aquela pomada feita com a receita da sua mãe!

- E eu? – Porthos perguntou.

- Você bota esses caras pra correr!

Nem foi preciso esforço para essa parte. Bastou Porthos fazer cara feia e desembainhar a espada, para que Honoré, Desmond, Arsène, Rosenpin e De Lyre saíssem desembestados pelas ruas de Paris... Para irem até o cardeal e contar tudinho...

*

- Athos, o médico deve chegar daqui a pouco! – Aramis disse ao chegar. – Ele pediu para adiantar um pouco, limpando o ferimento.

- Está bem, Aramis. Muito obrigado.

O quarteto estava num dos quartos da casa de Athos e, nesse momento, os amigos olhavam para o paciente na cama. D’Artagnan se ofereceu para limpar o ferimento e assim, tirou a capa de Jacques. Nisso, Aramis escutou batidas na porta:

- Athos, alguém está batendo!

- Deve ser o médico... Grimaud!

Grimaud era o fiel criado de Athos. Este lhe ordenou:

- Vai lá e atende. Se for o médico, manda ele entrar.

Mudo, o criado se retirou.

D’Artagnan, depois de tirar cuidadosamente a capa do ferido, começou a desabotoar-lhe a camisa. Quando abriu a camisa, seu rosto ficou vermelho feito um tomate e, em seguida, o rapaz paralisou de vez.

- D’Artagnan, o que foi...? – Porthos perguntou.

Nenhuma resposta. O rapaz estava catatônico.

- D’Artagnan, o que aconteceu...? – Aramis insistiu.

Nada.

- D’Artagnan! – Athos chamou. – Qual é o problema?

D’Artagnan se retesou todo e balançou a cabeça, como se acordasse de um transe.

- Pessoal... – ele disse. – “Ele” é “ela”...

- Como é que é?! – os outros três amigos perguntaram bastante surpresos.

Os outros três se aproximaram e viram o motivo do espanto do amigo. E não era à toa: por debaixo da camisa havia um par de seios, o que queria dizer que Jacques de Villarmont, na verdade, era uma mulher.

Nisso, ela acordou e ficou furiosa. Em fração de segundos, fechou a camisa e conseguiu desferir, com a mão direita, um belo soco, bem no rosto de D’Artagnan.