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Minha perplexidade continuava cada vez que eu via a ruiva em minha frente. Não era possível. Quinn estava de volta, e de alguma maneira salvou minha vida, sendo que eu mesmo lhe mandei pro outro lado. A força.

– Como isso é possível? – Questionei-a. – Eu mesmo te mandei pro inferno, ou o vácuo entre as dimensões.. não sei como definir aquele lugar.

– Definitivamente o inferno.

Ela estava sentada de pernas cruzadas em minha frente.

Depois que o corpo de bombeiros chegou e socorreu a mulher, nos atendeu e nos liberou de imediato, fomos para um café ter uma pequena conversa. Ela não parecia com a Quinn loira que eu exorcizei alguns meses atrás. Tinha a mesma aparência, mas era mais calma.

– Eu não sei como voltei. Só acordei na minha cama nesta manhã. – Ela deu de ombros e tomou um gole de seu café.

– E qual foi a reação dos seus pais? – Arqueei uma sobrancelha.

– Não foi. – Pude notar seu olhar triste. – Saí pela janela, não os vi. Apenas ouvi uma conversa. – Ela mexeu as mãos, como se estivesse sem jeito. – Eles vão se mudar.

Os olhos oliva pareciam mais vivos que antes. Brilhantes. Fiquei me perguntando se esse brilho seria devido as lágrimas que ela estava segurando. Sua família iria se mudar. E por mais que não fossem, ela jamais poderia viver com eles de novo.

– O que vai fazer agora que está de volta? Não pode simplesmente voltar pro seu dia-a-dia. – Peguei meu café e tomei alguns goles observando a garota.

– Já tenho muita coisa resolvida. – Ele se sentou ereta. – De agora em diante sou Lucy Fabray, irmã gêmea de Quinn. Morava em outro estado com meus tios. Graças à inclusão digital, consegui me matricular na escola pelo site. Sem pais para confirmação. – Lhe encarei pasmo.

– Tudo isso você fez hoje? – Perguntei de boca aberta.

– Sim. E pintei meu cabelo. – Ela passou a mão pelos fios ruivos.

– Muito bem, eu preciso voltar para casa. – Levantei-me para pagar a conta.

Caminhei até o caixa. Paguei os dois cafés e comprei alguns chocolates. Quando me virei para sair do estabelecimento dei de cara com Quinn. A garota me seguira até ali, e pelo visto pretendia me seguir até a saída.

– Kurt. – Ela me chamou com cautela.

– O que foi? – Mais uma vez arqueei a sobrancelha.

– Sei que não começamos bem, sabe, comigo tentando te matar. Mas... – Ela travou. – Me desculpe.

– Tudo bem, o que você quer? – Cruzei os braços.

– O que? Não posso ser gentil? – Ela também cruzou os braços.

– Nem um pouco, Fabray. – Ela começou a rir, e não consegui me segurar. Sorri também.

– Posso fingir ser uma Fabray perdida, mas meus pais sabem que não existe uma Lucy Fabray. – Eu já sabia onde ela queria chegar. – Não tenho dinheiro e, bem, queria saber se posso ficar na sua casa por um tempo.

Eu estava ainda mais perplexo com o pedido da ex loira. Ela tenta me matar, vai pro inferno, volta toda queridinha e quer ficar na minha casa. Mas eu aceitei. Prefiro tê-la sobre meus cuidados, observando seus passos.

– Tudo bem, mas antes preciso passar em uma farmácia. – Disse lembrando que tinha de comprar remédios para Rachel.

Quinn/Lucy tinha feito uma pequena mala com algumas roupas antigas. As que não usava com frequência, para que os pais não notassem o desaparecimento. Chegamos em casa em tempo pro jantar, uma tradição de família Hummel-Hudson.

Entramos e a sala estava vazia. Mas assim que a porta se fechou, Carole surgiu da cozinha.

– Kurt, você demorou. – Ela limpava as mãos no avental.

– É que tive um imprevisto. – Olhei de canto para Quinn.

– Oi. – Ela acenou.

– Oi. – Carole disse sem reação. – Ela vai ficar pro jantar?

– Sim. – Respondi indo em direção às escadas.

– Kurt. – Carole chamou.

– Sim? – Virei-me para ela.

– Ela vai dormir aqui hoje? – Carole tinha os braços cruzados.

– Em relação a isso... – Comecei e logo meu pai surgiu descendo as escadas.

– Burt, venha aqui querido. – Carole o chamou, sabia que ela iria complicar a estadia de Quinn.

– O que foi? – Ele parou em seu lado.

– Kurt está trazendo outra menina para casa. – Ela me fitou com os olhos sérios.

– Quem é essa, Kurt? – Ela olhou para Quinn, mas antes que eu respondesse ela se apresentou.

– Sou Lucy Fabray. – Ela estendeu a mão para ambos. – Sou amiga do Kurt tem algum tempo, me mudei recentemente para cá e ainda não achei um lugar para ficar. Kurt disse que não teria problemas eu ficar aqui. – Ela sorriu doce.

– Não tem nenhum problema, mas gostaria de ser avisado com antecedência. – Meu pai me encarou.

– Encontrei ela agora enquanto ia para a farmácia, Pai. – Tentava me manter sério. – Ela disse que não tinha lugar pra passar a noite, eu ofereci nossa casa.

– Tudo bem. – Meu pai deu o assunto por encerrado, mas não Carole.

– Burt! – Ela lhe encarou com desaprovação. – Kurt vai ficar com duas meninas em seu quarto. – Carole começou a ficar vermelha.

– Duas é? – Quinn me olhou divertida.

– Qual o problema? – Meu pai disse dando de ombros.

– Qual o problema? – Repetiu Carole. – Burt!

– Não vejo nenhum problema, Sra. Hummel. – Quinn sorriu doce mais uma vez. – Se Kurt não se satisfaz com uma, ele pode ter duas, não? – Percebi que ela estava se divertindo com a situação.

– Ai meu Deus. – Ela gritou. – Está ouvindo isso, Burt?

Meu pai começou a rir. Lhe encarei. Ele não havia contado para Carole que eu era gay. E por mais que não tivesse contado, como ela não deduziu isso?

– Pode parando, Fabray. – Me coloquei ao lado de Quinn. – Já contei pro meu pai, ele só esqueceu de passar a informação pro outro lado da família. – Meu pai ainda ria da situação.

– Que informação? – Carole o encarou.

– Não vejo nenhum problema, Carole, porque Kurt não é desse time. – Meu pai gargalhou, e eu também sorri.

Carole começou a ficar vermelha, mas desta vez não era de raiva, e sim de constrangimento.

– Eu.. Eu não sabia. – Ela disse com a voz falha.

– Como não notou? Kurt é quase uma mulher. – Quinn disse incrédula.

– Cala boca, Fabray. – Lhe dei um tapa e subi as escadas.

Assim que abri a porta fui atacado por uma garota baixinha. Ela me abraçou forte e começou a falar muito rápido. Não entendi nada.

– Rachel, respire e repita, por favor. – Disse olhando a garota.

– As aulas em New York começarão duas semanas depois. Vou poder ficar mais tempo. – Ela sorriu e me abraçou novamente.

Ela me largou, e começou a falar de tudo que íamos poder fazer juntos, agora com mais tempo, e de como Girafa tem sido atencioso a ela. Mas ela parou de repente olhando pra porta.

– Quem é ela? – Ela fechou a cara e cruzou os braços.

– Essa é a Qu.. Lucy. Lucy Fabray. – Quinn entrou no quarto olhando tudo.

Ela encarou Quinn, que sustentou seu olhar. Elas ficaram se encarando por um tempo. Eu podia sentir a tensão no ar. E não podia ter momento mais estranho que esse. Quinn arqueou uma sobrancelha e sorriu torto.

– Pelo quarto, Hummel. – Ela desviou o olhar de Rachel e largou a mala em um canto.

– O que ela faz aqui? – Rachel me olhava séria.

– Ela vai se mudar para cá. Vai viver conosco. – Disse calmo, com cuidado para que a bomba Berry não explodisse.

– O que? – Rachel disse.

– O QUE? – Uma voz veio do canto da janela, onde se encontrava um Blaine furioso.

Lhe olhei e implorei para que ficasse calmo, iria explicar as coisas depois. Mas ele não parecia nada calmo, bem ao contrário.

– Cala a boca, velhote. – Quinn disse para Blaine.

– Com quem você está falando? – Perguntou Rachel perdida.

Eu fiquei pasmo. Mais uma vez. Quinn podia ver Blaine.

– Isso está virando uma pensão agora, Kurt? – Blaine se aproximou de nosso pequeno grupo, alternando o olhar entre Quinn e eu.

Os três começaram a falar ao mesmo tempo. Rachel queria saber o motivo de Quinn estar ali. Quinn queria que Blaine e Rachel calassem a boca. Blaine queria que as duas fossem embora.

– Preciso falar..

– Por que ela...

– Fiquem quietos!

– ...com você.

– ...tem que ficar aqui?

– CALEM A BOCA.

Eu já não aguentava mais. Eu não falava nada. Apenas observava os três gritando, furiosos uns com os outros. Isso daria o maior trabalho. Manter todos sob o mesmo teto.

Comecei a caminhar na direção da janela.

– Eu preciso de ar.

Foi a única coisa que consegui dizer. Abri a janela e saltei para o pouco de telhado que caída para frente da casa. Sentei-me ali. Um pouco de sossego. Todos se calaram dento do quarto. Espero que não tenha ninguém ferido.