O quarto estava escuro como de costume. A fraca iluminação provinha apenas do monitor que ficava em uma de suas extremidades. De pé atrás de mim, em frente à porta, estava uma garota. Ela estava de braços cruzados e tinha uma expressão severa em seu rosto.

Apesar de tê-la notado fingia que ela não estava ali. Ela vestia seu usual uniforme ginasial de marinheira. Eu a sentia me olhar de forma cada vez mais aguda. Essa garota assustadora dois anos mais nova que eu era minha imouto*.

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-Estou em casa- disse ela friamente.

Dessa vez virei minha cabeça parcialmente, a olhando de lado, ainda fazendo pouco caso de sua presença em meu quarto.

-Oh, Imai-chan, bem-vinda de volta- estava jogando um jogo online, continuei concentrado enquanto dizia essas palavras apenas para ser cortês.

Imai deu um longo suspiro. Seu tom de voz que antes era frio e inexpressivo, agora demonstrava sinais de raiva.

-Aniki*, você não foi para a escola hoje de novo?

-...

Continuei mantendo a minha atenção ao computador em minha frente, ignorando completamente suas palavras. Definitivamente ela não agia como uma irmã mais nova, diria que ela estava mais para minha mãe do que para minha irmã...

-Eu estou falando com você!

Imai deu um soco na parede enquanto falava aos berros, esse tipo de situação era relativamente comum. Diferente dos simuladores de encontro com o qual estou acostumado, a minha irmã não era nada compreensiva ou carinhosa e por causa disso nós sempre acabamos discutindo, apesar de eu também ter minha parcela de culpa. Nós moramos sozinhos em casa, nossa mãe morreu há alguns anos e desde então nós estamos sozinhos. Nosso pai mora no exterior e a única participação que ele tem em nossas vidas é depositar todo mês o dinheiro em nossa conta para nossas despesas. Pode-se dizer que a falta de um mediador de certa forma contribui para nossas desavenças.

-EU ESTOU FALANDO COM VOCÊ!! –seu tom de voz gradativamente aumentara.

-Seu otaku desprezível. Não tem nada pior do que ter um irmão inútil que nem você! Seu NEET*vagabundo!

Seus olhos estavam um pouco vermelhos e assustadores, ela andou chorando? Não importa, depois de uma seção diária de xingamentos, não tem que ficasse calado. Normalmente eu apenas ignoraria, mas como isso estava se tornando cada vez mais normal, gradativamente minha paciência ia ficando rala e pouco a pouco a raiva ia me consumindo.

Raiva não pela minha irmã se preocupar comigo, mas pela sua falta de interesse em tentar entender. Ela não era a única que tinha problemas afinal.

Usei de minhas últimas forças para tentar me conter. Experiências passadas me dizem que quando chega ao ponto de eu ter de rebater a coisa sempre fica feia. A olhei diretamente nos seus olhos. Aqueles olhos! Eu estava acostumado com aqueles olhos. Aqueles olhos que demonstram desprezo e superioridade, como se me dissessem que não havia lugar para pessoas como eu na sociedade. Eu já tinha visto esses olhos em muitas faces, mas na de minha irmã era a primeira vez, e isso era algo que eu não podia agüentar. Não dela, não da última pessoa que me restara. Não se dando por satisfeita, ela continuou:

-Você devia morrer trancado no quarto seu hikikomori* imundo!

Ela conseguiu. A bomba dentro de mim havia explodido.

-C-ca-lada... C-CALADA! O que você pensa que você sabe!? Ein!?

-Humpf!

-Por que eu deveria voltar para aquele lugar!? Eu não consigo! Eu não consigo ficar perto daquelas pessoas! Por que você não entende!? Se você realmente se importasse comigo iria entender...

E esse foi o meu desabafo, no tom mais alto que eu consegui. Em seguida levantei e fui em direção a porta. Ao passar por Imai-chan dei um soco na parede ao seu lado, podia jurar que ela estava chorando.

Apressadamente fui em direção ao hall de entrada e abri a porta da frente, saindo de casa batendo a porta com um estrondo. Peguei o meu celular do bolso, passavam das 8 da noite.

*

Minha irmã desabou. Do chão, pegou algo que parecia ser um porta-retrato, provavelmente caiu no meio da discussão. Imai olhou uma foto de nossa infância. Ela estava relaxadamente dormindo em meu colo, enquanto eu sorria para a Oka-chan* que fotografava.

-I-id-idiota... S-seu irmão idiota... Por quê? Por quê? Eu te... Eu te... AAAAHHHHHHHHHHHHH!!! AAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!

Sozinha em casa ela chorou. Por minha culpa, e eu não estava lá por ela.

*

Saí devido à raiva, nem sequer reparei que estava chovendo. Agora eu não podia mais voltar, não por enquanto.

A rua estava escura. Sentei-me perto de um poste de iluminação. A chuva era tão forte que chegava a doer, mas isso de certa forma era bom... Pelo menos era iria lavar meus sentimentos.

-Imai-chan...

Imerso em pensamentos, sem perceber acabei adormecendo.

*

Quando recobrei a consciência percebi que eu já não estava me molhando. Mais eu ainda ouvia o agudo barulho dos pingos de chuva se chocando com o chão e com as demais coisas ao redor. Lentamente fui abrindo meus olhos, tentando colocar a visão em foco.

Seus cabelos loiros brilhavam mesmo na mais densa escuridão. Seu gentil olhar se encontrava com o meu.

-U-Um anjo...

Agachada em frente a mim, havia uma garota. Ela estendia um guarda-chuva em minha direção. Ela era linda, a garota mais linda que eu já vira em toda minha vida. Ela aparentava ter a mesma idade de Imai-chan, não, talvez ela fosse pouco mais nova. Eu estava hipnotizado, então falei mais uma vez:

-Você é... um anjo?

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.