Kolybelnaya

Back into the gloomy place


Pisar pela última vez na Plataforma Nove e Três Quartos fora uma sensação estranha para Tom. Na verdade, todo aquele dia estava repleto de sensações estranhas: arrastar seu malão para fora do castelo pela última vez, ver Hogwarts se erguer no horizonte pela última vez, fazer a última viagem de volta à Londres... E, por mais esquisito que parecesse, uma das coisas que mais fez com que algo em seu peito apertasse foi ver o fantasma da Dama Cinzenta pela última vez: parada ao lado do seu costumeiro vitral, com a luz atravessando o seu corpo fantasmagórico, Helena se despediu dele com a voz mais baixa do que o normal e não parecendo tão séria, mas triste.

O garoto ainda se perguntava se o fantasma estava triste por ele estar partindo ou pela possibilidade de seu pai partir junto. Ele não havia tido coragem de perguntar isso a ela, apenas a agradeceu pela companhia durante os anos de colégio e disse que um dia voltaria (ele realmente pretendia fazer isso). Um sorriso minúsculo havia aparecido nos lábios da garota e ali Tom notou que, apesar de já ter visto mil anos de história naquele castelo, Helena Ravenclaw não passava de uma jovem bruxa muito parecida com os alunos que por ela passavam todos os dias.

De qualquer forma, fora estranho deixar o castelo para trás. O rapaz sabia o que o esperava uma vez que chegassem em Londres: o orfanato, simples e frio. Pelo menos a guerra havia acabado e o medo havia se dissipado das ruas... Agora, pelo que Hermione falara, a capital estava em uma mistura de euforia e necessidade de se reconstruir após os sete anos de guerra.

No mundo bruxo, o fim da guerra também era visível. Desde Abril, quando a notícia chegou a Hogwarts de que Gellert Grindelwald havia sido derrotado por ninguém mais, ninguém menos que Albus Dumbledore, os bruxos e bruxas pareciam estar mais leves. Não mais havia a eterna sombra da ameaça de Grindelwald e seus seguidores, não mais o continente estava relatando um ataque atrás de outro e não mais o Reino Unido estava esperando uma invasão surpresa. Apesar de não querer admitir, o próprio Tom ficou aliviado e sentiu como se a cicatriz em seu braço parasse de incomodar tanto a partir do dia em que a guerra acabou.

Realmente, o mundo estava se abrindo para aquela turma que agora pisava para fora do Expresso de Hogwarts pela última vez. Onde antes havia o medo e a insegurança da guerra, agora havia possibilidades e tranquilidade, um futuro repleto de esperança para os jovens bruxos e bruxas que agora deixavam de lado o status de aprendizes.

“Em uma semana eu passo aqui,” disse Abraxas, enquanto andavam pela plataforma. “E então podemos ir para Hornsea!”

“Eu já disse que podemos aparatar até lá,” Riddle resmungou enquanto se esquivava de uma família de ruivos que esperava ansiosamente alguém... Weasleys, muito provavelmente, a julgar pelos cabelos. “Eu conheço a região.”

“Você conhece uma vila próxima, não vou arriscar você se perder.”

Tom sabia muito bem que a razão de Malfoy não querer que ele aparatasse até Little Hangleton para então seguir para Hornsea era o receio de que alguém o reconhecesse, mesmo depois do rapaz lhe certificar de que ninguém o havia visto naquela noite de verão em 1943. Mas também havia uma parte do loiro, Riddle desconfiava, que simplesmente estava curioso para saber onde ele morava em Londres e era dessa parte que ele tinha medo e vergonha.

“Abraxas...”

“Eu não vou te julgar por nada, Tom,” o loiro falou, parando de andar e o olhando com seriedade. “Relaxe. Em uma semana eu passo para pegar vocês.”

Riddle franziu o cenho e observou enquanto o amigo olhava em volta e sorria abertamente quando encontrou alguém no meio da multidão. O garoto acenou e logo uma mulher loira, alta e muito elegante apareceu por entre as pessoas. A bruxa não pareceu perceber a presença de Tom, já que foi direto até Malfoy e o abraçou com força, murmurando alguma coisa em seu ouvido. Não demorou muito para que um homem se aproximasse, também loiro e com um bigode grosso, ele tinha os mesmos olhos cinzentos de Abraxas e havia um pequeno sorriso em seu rosto.

“Mama, papa,” o amigo falou, afastando-se do abraço e se virando para Tom. “Esse é o Tom. É ele quem vai passar uns dias lá em Hornsea.”

O rapaz sentiu o rosto queimar quando os Malfoy se viraram para olhá-lo.

“Oh, Brax sempre falou muito de você,” disse a Sra. Malfoy, sorrindo gentilmente. “É um prazer finalmente conhecê-lo, querido.”

“Abraxas vive dizendo que é amigo do próximo Ministro da Magia,” o Sr. Malfoy falou e Tom não pôde deixar de notar a forma com a qual ele olhou o filho: orgulhoso. “É um prazer, rapaz. Sou Septimus Malfoy e essa é minha esposa, Anaïs.”

“O prazer é meu, Sr. Malfoy,” o rapaz falou, usando a voz mais aveludada e educada que conseguia no momento. “Eu acho que preciso ir. Eu e Hermione avisamos que chegaríamos antes de anoitecer.”

“Fiquem a vontade para se despedirem,” a bruxa falou, apertando de leve o ombro do filho antes de puxar o marido para longe.

Quando voltou a olhar Abraxas, o garoto se surpreendeu com a forma com a qual ele o olhava. O loiro parecia quase estar sofrendo, com as sobrancelhas meio franzidas e os lábios pressionados um contra o outro. E ele o encarava com tamanha intensidade que chegava a ser assustador.

“Me prometa que não irá fazer besteira,” Malfoy murmurou.

“O que seria besteira?”

“Você sabe.” Ele revirou os olhos. “Eu vou tentar ficar de olho nos rapazes durante essa semana. Alphard quer que eu vá visitá-lo, talvez consiga descobrir alguma coisa... Você sabe como Al é quieto e consegue descobrir várias coisas interessantes desse jeito.”

“Isso se ele não for deserdado até lá,” disse Tom.

“É, bom... Mas vou tentar ficar de olho neles para te atualizar da situação quando nos encontrarmos novamente. Veja se não vai aprontar muita coisa com Hermione.” O loiro sorriu de lado e deu alguns passos para se aproximar dele. “Até daqui a pouco, Tommy.”

Riddle arregalou os olhos por um momento quando sentiu o abraço. Naquela altura, já estava acostumado com os abraços de Malfoy, que eram sempre muito afetuosos e intensos, mas ser abraçado no meio da estação era estranho, com gente em volta os olhando. Uma pequena parte de si queria ter coragem de roubar um beijo do amigo, nem que fosse apenas para ver a reação dele, mas, ao invés disso, apenas apertou-o um pouco mais nos braços.

“Se cuide, Tom,” Abraxas sussurrou. “Te vejo em uma semana.”

***

O abraço de Minerva continuava sendo uma surpresa. Hermione nunca iria se esquecer da professora de Transfiguração séria e um tanto distante, mas sempre se surpreendia com o quão calorosa McGonagall podia ser... Principalmente quando abraços estavam envolvidos.

“E não se esqueça de escrever caso precise de alguma coisa,” a garota falou, apertando-a mais nos braços. “Sei que vou estar na Escócia, mas pode mandar uma coruja ou uma mensagem de Floo ou qualquer outra coisa. É para isso que serve a aparatação, não é?”

“Não se preocupe, Minnie,” disse Charlus Potter, que estava parado atrás delas. “Não acho que Hermione vá esquecer como fazer uma carta.”

“Fico preocupada com ela, Charlus,” a bruxa falou, afastando-se e segurando as mãos de Hermione. “É sério, mande notícias mesmo que não precise de alguma coisa.”

“Pode deixar,” disse Granger, sorrindo e então virando-se para Potter. “Quando é que posso esperar um convite de festa de noivado ou algo assim?”

“Ah, ela é esperta.” O rapaz riu, sacudindo a cabeça. “Logo, minha querida, logo.” Ele deu uma piscadela e olhou em volta, parando por um momento e ficando boquiaberto. “Não acredito nisso. Fleamont!”

Hermione e Minerva viraram o rosto para acompanhar o olhar do amigo e encontraram um homem de pele morena e cabelos escuros que parecia meio perdido no mar de alunos e familiares. O desconhecido abriu um sorriso quando viu Potter e acenou de volta.

“O filho de uma banshee não apareceu na formatura e agora aparece no meio da plataforma,” Charlus resmingou, mas continuava sorrindo enquanto disparava na direção do homem e o abraçava com força.

“Faz mais de um ou dois anos que eles não se veem,” McGonagall murmurou. “Charlus gosta de fingir que não tem um irmão ou que não se importa com ele, mas na verdade o adora.”

Hermione sorriu fraquinho. Então aquele era o avô de Harry... Os cabelos bagunçados eram os mesmos, assim como o nariz e a boca. Naquele momento, ela tinha vontade de ver alguma foto de James Potter para saber como o restante dos traços dos Potter havia modificado até chegar no amigo.

“Minerva,” ela chamou. “Eu realmente preciso ir. Tom deve estar me esperando.”

“Ah, sim... Bom, se cuide,” a garota repetiu. “Não deixe Tom Riddle te chatear e mande notícias. Estarei esperando.”

“Prometo que farei isso!”

Acenando, Hermione começou a puxar o malão por entre os outros ocupantes da plataforma até alcançar a barreira que a separava do resto da estação King’s Cross. Quando atravessou a parede de tijolos, a garota respirou fundo e se viu em um mundo onde não havia pessoas com capas longas e chapéus pontudos: os ternos e saias de cores neutras eram interrompidos aqui e ali por algo mais colorido, provavelmente um sopro de esperança pós-guerra que agora se demonstrava nas roupas dos londrinos.

Não demorou para encontrar Tom Riddle, que estava parado ao lado de uma das colunas da estação, observando um grupo de trouxas que desembarcava de um trem. Ele parecia pensativo e preocupado.

“Tudo pronto,” ela falou, parando ao lado dele e vendo que o rapaz nem se deu o trabalho de olhá-la. “Está tudo bem?”

“Claro,” ele respondeu e piscou algumas vezes. “Vamos.”

Os dois caminharam até o lado de fora da estação e encontraram o primeiro beco vazio mais próximo para entrarem. Tom, ainda em silêncio, esticou a mão para segurar a da garota e, um segundo depois, o puxão da aparatação os fez rodopiar até que outro beco se tornasse visível ao redor deles.

“Tom?” ela chamou, segurando a mão dele e impedindo que ele se afastasse. O rapaz a olhou, confuso. “Logo você vai sair desse lugar.”

“Eu sei,” o garoto respondeu, mordendo o lábio inferior. “Só não queria precisar voltar agora.”

“Vai dar tudo certo.” Hermione sorriu e deu um passo na direção dele, beijando-o de leve nos lábios. “Vamos.”

***

O orfanato estava diferente. A maioria das crianças continuava lá, algumas haviam sido adotadas, outras haviam falecido ao longo do ano, e ainda havia alguns rostos novos... Sebastian Turner, que antes não calava a boca sobre querer ir para a guerra, agora parecia agradecido de não ter ido, depois de ouvir falar sobre a morte de Tommy Baker, um dos garotos do orfanato que havia se alistado. Anna Parker, a companheira de quarto de Hermione, estava mais sorridente do que Tom se lembrava e parecia, de alguma forma, ter conseguido dinheiro para comprar maquiagens e outros cosméticos, pois agora estava com o rosto pintado e os cabelos ruivos mais bem penteados.

No entanto, o rosto novo que mais perturbou Tom Riddle foi o do bebê que ele viu no colo de Martha assim que encontrou a mulher pela primeira vez. Era uma coisinha pequena que nem um mês tinha ainda, mas já era possível ver o chumaço de cabelo ruivos na cabeça da criança e os olhos de um azul escuro. Fyodor, o nome que lhe deram, e Tom tinha quase certeza de que o bebê conseguia olhar dentro dos seus pensamentos quando conseguia se manter acordado por mais de alguns minutos.

“Ele me lembra muito você, Tom,” disse Martha, sentada na enfermaria enquanto fazia o bebê dormir. “Quase não chora, parece muito atento... Você era assim, só que menos ruivo.”

O rapaz deu um sorriso sem graça. Ele se lembrava do ódio que sentiu quando ouviu a notícia de que Martha e Alexei teriam um filho e agora o sentimento incômodo continuava em seu peito enquanto ele observava a mulher segurar a criança com tanto carinho.

“Tom?” A voz de Martha o fez sair de seus pensamentos. “Posso perguntar o que vai acontecer agora?”

“Agora...?” Ele piscou uma, duas vezes. “Um amigo vem nos buscar em uma semana. Hermione e eu. Vamos passar alguns dias com ele e depois pretendo já ir para outro lugar.”

“Então essa é a sua última semana aqui.”

“Sim...”

A mulher ficou em silêncio, antes de se levantar e colocar o bebê no pequeno berço da enfermaria. Quando Martha voltou-se para ele, Riddle franziu o cenho: havia algo estranho no olhar dela.

“Um homem veio lhe procurar há alguns meses,” a mulher falou, cruzando os braços na frente do peito. “Disse que era um médico e estava procurando por algum parente de um tal Tom Riddle. Não quis me dar mais detalhes depois que eu falei que não podia lhe informar nada.”

“Um médico?” o rapaz perguntou.

“Ele não quis me dizer onde trabalhava ou por que estava atrás de você... Bom, ele nunca falou o seu nome, apenas pediu para qualquer criança que pudesse ter algum parentesco com esse Tom Riddle,” ela explicou. “Eu fui... Procurar mais sobre esse homem depois.”

“O médico?”

“Não, Tom Riddle,” ela falou, séria. “Ele me disse que o nome do homem era Thomas Felix Riddle... Alexei conseguiu ir atrás de algumas informações com alguns médicos que conhece e, por acaso, um cirurgião conhecia esse homem. Aparentemente ele morreu faz dois anos. Aparentemente ele-“

“Era meu pai,” Tom completou, sentindo sua cabeça ficar leve e uma leve dor de cabeça se iniciar na sua nuca. “Eu sei. Eu ouvi falar dele.”

“Você sabia...? Por que nunca nos falou?”

“Porque eu só descobri depois que ele morreu.” O rapaz deu de ombros, tentando não deixar transparecer o nervosismo. “Não fazia diferença.”

“Tom,” ela o chamou outra vez, aproximando-se devagar. “Você não está... Você não está envolvido em nada disso, certo?” a mulher perguntou, mordendo o lábio inferior. “Pelo que falaram, a morte dele foi meio suspeita...”

“Como eu poderia estar envolvido, Martha?” Riddle perguntou, respirando fundo e revirando os olhos. “Eu lá tinha sequer meios de ir até onde esse homem estava quando foi morto? Yorkshire, não é? Eu nunca foi para Yorkshire.”

A mulher o observou, seus olhos claros percorrendo o seu rosto com cuidado, antes de suspirar e esticar uma mão para segurar a dele. Os dedos de Martha eram macios contra os seus e o jeito como ela apertou-lhe a mão fora carinhoso.

“Eu sei, Tom, desculpe,” ela sussurrou, mas o rapaz sabia que ela não estava sendo sincera.

Sabia que, no fundo, Martha Mazarovsky desconfiava dele, mas não tinha coragem de confrontá-lo. Sempre fora assim, na verdade... Quando o coelho de Billy Stubbs apareceu morto, Martha o defendeu, mas ele vira como ela o olhara de uma forma estranha. Quando Anna Benson e Dennis Bishop saíram apavorados daquela caverna em Dover, todos os culparam, mas Martha acreditara quando ele falou que não havia feito nada, apesar de evitar fazer perguntas, como se temesse uma resposta diferente. Ela sabia que havia algo errado ali, mas não iria fazer nada que o prejudicasse.

“Como era o nome desse médico, Martha?” ele perguntou, erguendo o olhar para ela e apertando os dedos dela de leve.

“Dr. Ravenwood,” a mulher explicou. “Acho que era Felix ou algo assim... Ele era meio parecido com você. Tinha os mesmos olhos.”

Tom assentiu e sorriu, sentindo a mesma expressão que usava com Slughorn se instalar em suas feições.

***

“Preciso contar uma coisa,” disse Anna, assim que Hermione conseguiu chegar ao seu quarto e enfiar o malão debaixo da cama.

A garota parecia mais feliz e saudável do que da última vez que a vira. Seu rosto estava mais corado, o sorriso parecia mais espontâneo e era fácil ver que ela parecia estar se cuidando mais. Também não era difícil notar a excitação dela, enquanto se sentava na pontinha da cama e batucava com os pés no chão.

“Vá em frente.”

“Lembra que lhe falei em algumas cartas sobre ter me encontrado com Garrick?” perguntou Anna, inclinando-se um pouco para a frente e fazendo Hermione arquear uma sobrancelha.

“Lembro...”

“Você acharia muito impróprio se eu... Estivesse gostando dele?” a garota questionou, abaixando um pouco rosto enquanto corava.

Hermione apenas deixou o queixo cair um pouco enquanto encarava a amiga. Claro, as cartas dela sempre deixavam claro que Anna estava se aproximando de Ollivander mesmo que sem querer, mas, por algum motivo, Granger nunca chegou a pensar que essa aproximação podia significar algo a mais... Ela também não sabia muito sobre o Ollivander do futuro para dizer se aquilo era alguma interferência dela no passado, afinal, Garrick apenas conheceu Anna pois Hermione precisava que alguém entregasse as suas cartas à ela.

“Oh, eu... Não sei dizer exatamente,” Granger murmurou, logo vendo os olhos da outra se arregalarem. “Quero dizer, não, não tem nada de errado em você gostar dele, Anna. Afinal, você é uma garota e ele é um rapaz. A única coisa é que ele é um pouco mais velho...”

“Ele tem trinta e cinco anos,” ela explicou.

“Exatamente. Ele é... Bem mais velho, na verdade.”

“Mas-“

“Não é que seja errado, Anna, é só que você é bem nova... Você tem o que, dezoito anos agora?” A garota assentiu. “Não há nada errado em você gostar dele, mas acho que vocês poderiam permanecer como amigos por mais... uns dois ou três anos e, se o sentimento persistir, vocês podem tentar começar algo diferente.”

A ruiva deixou os ombros caírem e suspirou pesadamente. Hermione sentiu-se mal ao vê-la assim.

“Você acha que ele iria querer continuar meu amigo depois que não precisar mais entregar as suas cartas?” ela sussurrou.

“É claro que sim. Pelo que vocês me falaram, já estão se vendo mesmo sem me usar como desculpa!” Granger riu e se sentiu melhor ao ver a amiga sorrindo. “Não acho que Garrick vá lhe machucar e nada parecido, mas acho que seria interessante você esperar algum tempo...”

“Mas se eu esperar dois anos, ele vai continuar sendo... quase vinte anos mais velho do que eu,” a garota murmurou e Hermione se conteve para não falar que, sim, mas ele também era um bruxo e a jovialidade das pessoas mágicas era algo quase assustador.

“Mas não é a questão de ter vinte anos de diferença ou não. É questão de você estar preparada para ter algum relacionamento com um homem mais velho... Deus, eu não acho que eu teria essa maturidade hoje,” a bruxa explicou. “Mas quando tiver vinte e três anos? Talvez.”

“Pra falar a verdade, eu não sei se ele gosta de mim desse jeito...”

“Mas não duvido que ele queira ser seu amigo,” disse Hermione, encolhendo os ombros. “Não, ele já é seu amigo!”

Anna riu baixinho, ajeitando-se melhor na cama e sorrindo enquanto a olhava. Depois de alguns segundos, a menina se levantou e foi se sentar ao lado de Hermione.

“Você fez o que eu falei.” Parker ergueu a mão e passou pelos cabelos da amiga. “Ficou lindo.”

“Obrigada...”

“E você, Hermione? Passou um ano em um colégio interno com vários meninos ricos.” A garota deu uma piscadela. “O que tem para me contar?”

A bruxa sentiu o rosto esquentar. Ela nunca poderia contar para Anna sobre os encontros dela, de Tom e de Abraxas.

“Nada,” ela falou, rindo sem graça. “Nada desse tipo, pelo menos.”

“Sei.” A ruiva estreitou os olhos, ainda sorrindo de lado. “Sabe... Estou feliz que está de volta, mesmo sabendo que logo vou ir embora.”

“Como é?”

“Tenho dezoito anos, Hermione. Logo vou precisar ir... Você também, e Tom, mas acho que Tom não vai se importar de sair daqui. Estou procurando emprego, apesar de que a Sra. Cole disse que posso ficar por aqui, ajudando com as crianças, por mais alguns meses se for preciso.”

Hermione sorriu fraco. Aquele dia realmente parecia apenas uma longa fila de despedidas.

***

A semana passou lenta. Os dias quentes de verão se arrastavam e as horas pareciam que nunca passavam. O orfanato nunca parecera mais sem graça para Tom, que agora sabia que não havia mais a perspectiva de voltar para Hogwarts ao final de Agosto.

O rapaz ainda arriscou sair nas ruas uma ou duas vezes. Foi até o Beco Diagonal, conversou com o dono do Caldeirão Furado e descobriu que uma bruxa estava querendo alugar um pequeno apartamento há duas ruas dali. Também se embrenhou na Travessa do Tranco e passeou dentro de algumas lojas, em especial a Borgin & Burke’s, já que ouvira Malfoy falar muito do lugar. Chegou a conhecer um dos donos, o Sr. Burke, que o olhou com desdém quando viu as suas roupas de segunda mão e não parou de discutir com um comprador, que insistia queria um tal medalhão mágico.

“Eu já disse, homem, não tenho mais ele!” o Sr. Burke falou, quase cuspindo na cara do outro cliente e ignorando Tom por completo. “Hepzibah o comprou! Você sabe que ela é louca pelos fundadores de Hogwarts! Desde que conseguiu aquela taça da maldita Hufflepuff, ela está sempre atrás de mais...”

“Como você vendeu um objeto de Slytherin para aquela mulher!?” o outro bruxo reclamava. “Essas coisas deviam ficar entre nós!”

“Ela me ofereceu uma fortuna, Abílio!”

Aquela conversa fez as orelhas de Riddle ficarem atentas e algo dentro de si acordar. Aquela loja de terceira categoria havia possuído um objeto que pertencera à Salazar Slytherin e o vendera para uma bruxa qualquer. E, pelo que o homem falara, era um medalhão... Morfin havia lhe dito que sua mãe roubara o medalhão de Slytherin que pertencera à família Gaunt, quando fugiu com o trouxa.

A conversa que escutou na Borgin & Burke’s fez com que o orfanato sumisse dos pensamentos de Riddle pelo resot da semana. Ele queria voltar lá, queria interrogar Burke, mas sabia que não era assim que as coisas funcionavam... Ele precisava ir com calma. Iria aproveitar o tempo em Hornsea para pensar em um plano melhor, apesar de nem saber ainda o que queria com o medalhão.

‘Não,’ ele repetiu para si mesmo durante todos aqueles sete dias. ‘Você sabe o que vai fazer com o medalhão. O mesmo que irá fazer com o anel de Marvolo.’

Na segunda-feira seguinte, sob um céu meio nublado que de vez em quando dava espaço para o sol brilhar, Tom Riddle foi tirado de seu quarto por um menino de dez anos (como era o nome dele? Anthony?) que bateu na sua porta e lhe disse que tinha visita. Um frio se espalhou pelo seu estômago ao notar o que estava acontecendo: Abraxas estava ali. Abraxas Malfoy, com seus sapatos polidos e roupas caras, estava dentro daquele orfanato horrível.

Não demorou mais do que dois minutos para Riddle descer as escadas em disparada, apenas para chegar no hall e encontrar Hermione já ali.

Malfoy realmente não tinha noção das coisas. Para os infernos o Estatuto de Sigilo Mágico, pois o rapaz estava usando um pelo casaco longo, que parecia uma capa, verde escuro, por cima de um colete prateado com belos bordados em verde e uma calça preta. Os sapatos estavam mais brilhantes que o anel de casamento de Martha e a camisa dele era mais branca que o jaleco do Dr. Mazarovsky. A capa tinha botões prateados em formato de pequeninas cobras enroscadas em círculos e ele levava na mão uma bengala preta com o cabo prateado.

A maldita bengala.

Tom odiava aquela maldita bengala e dava graças a Deus que Abraxas havia desistido de arrastá-la para Hogwarts no último ano deles. Mas ali ela estava outra vez. Agora inteira.

“Tommy!” o loiro falou assim que o viu, um sorriso enorme aparecendo em seu rosto.

“Abraxas...” Riddle murmurou, se aproximando e tendo consciência dos olhares tanto das crianças quanto dos funcionários sobre eles.

“Você é um nojento que faz falta em uma semana.” Malfoy o abraçou e Tom sentiu o rosto esquentar. Hermione, ao lado deles, apenas sorria. “Está tudo pronto?”

“Sim,” disse Elston, apontando para o malão que ela já havia levado para baixo.

“Eu preciso pegar as minhas coisas,” o rapaz murmurou.

“Vamos lá então!” Abraxas falou, puxando o amigo pelo braço. “Me dê a direção, Tommy!”

Os outros órfãos praticamente correram para longe quando os dois subiram as escadas, mas Riddle ainda sentia os olhares daqueles que ficaram escondidos por detrás de portas entreabertas para matar a curiosidade. Era aquilo que Abraxas queria, é claro, chamar a atenção e quebrar a monotonia do lugar.

Quando chegaram ao seu quarto, Riddle respirou fundo, fechando a porta atrás de si. O sorriso de Malfoy ainda estava em seu rosto, mas agora estava menor, mais contido.

“Por que você nunca me falou?” o loiro perguntou.

“Acho que já passamos por essa conversa.”

“Sim, mas...” O garoto gesticulou para o quarto cinzento, fazendo uma careta. “Isso é deprimente, Tom! Você podia sempre passar as férias comigo, era só aceitar!”

“Brax, acabou.” Tom virou-se para ele, puxando o malão debaixo da cama. “Eu não vou mais voltar. Já falei com todo mundo que precisava hoje de manhã. Agora eu só quero... Ir embora. Depois de Hornsea, vou procurar um lugar para morar aqui em Londres, mas não vou voltar para cá. Para mim já deu.”

O loiro ficou em silêncio, observando-o, antes de abrir um pouco mais o sorriso e se aproximar. Mais um abraço e Tom já estava se perguntando quando foi que ele havia se acostumado com aquilo... Pelo menos, dessa vez, Abraxas segurou-o pelo queixo e o beijou por alguns longos segundos, antes de se afastar.

“Então vamos embora, Tommy.”