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Koi no Yokan

Parte 4

Por Chibis

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Todo ser humano tem o seu limite, Sanosuke Sagara havia encontrado o seu. Cinco dias de busca. Aeroportos, estações de trem, hospitais, e nada de Kaoru Kamiya. Quando o expediente no escritório acabou Sano recebeu uma ligação. Era seu amigo, o jornalista Katsushiro Tsukioka. Katsu, como era conhecido, tinha contatos na policia. Ele estava acostumado a cobrir as noticias mais importantes da cidade,e também estava ajudando na busca.

Sem alarde, Sanosuke partiu para o seu destino. Ele nunca tinha entrado em um lugar como aquele e não tinha o menor desejo de entrar novamente. Como Megumi conseguiu se formar médica era um mistério para Sano. A namorada era definitivamente mais forte, Sano não conseguia lidar com a morbidez daquilo.

Mas Sanosuke foi sozinho mesmo assim, ele não queria criar agitação. E se a noticia fosse verdadeira todos saberiam, infelizmente.

A sala ficava no subsolo. No final de um imenso corredor que parecia não ter mais fim. A cada passo ele se sentia cada vez mais claustrofóbico, o cheiro horrivel de formol, fixadores e antisséptico no ar.

Sanosuke viu um casal de meia idade saindo aos prantos da sala ao lado. Infelizmente para eles a identificação tinha sido positiva. O filho faleceu vitima do desastre de automóvel. Não teve tempo de resgate, foi direto para o instituto médico legal.

"Entre por favor!" Um senhor usando roupas brancas, luvas até a altura do cotovelo e uma mascara de proteção plastica na frente do rosto lhe recepcionou. "Mulher, branca, magra , 1,55, cabelos negros cortados na altura do ombro. Foi encontrada essa manhã com sinais de espancamento e estrangulamento no pescoço...Se prepare, o estado dela é terrível. A data provável do óbito foi segunda feira..."

Sanosuke fechou os olhos e os punhos ...Jou chan...Pelas características pode ser ela...

Existia uma probabilidade. Sano rezou para qualquer Deus que tivesse ouvindo, para que quando abrisse os olhos não fosse Jou chan deitada ali naquela maca de necrotério.

Ele colocou a mão na boca! Tremeu. "Oh... Não é ela. Não é Kaoru Kamiya!" Um misto de alivio e tristeza. Não era Kaoru.

"Tem certeza?" O legista perguntou, e logo já pegou um prancheta preenchendo alguns dados.

Dizem que homem não deve chorar, mas Sano derramou algumas lágrimas ali na frente do legista, que estava mais do que acostumado com elas. "Tenho, não é a Kaoru Kamiya!"

Ao sair do necroterio, correu para seu automovel. Ele entrou no carro, deitando a testa no volante. Sanosuke Sagara nunca mais esqueceria. "Cara, eu preciso de uma bebida!" Ele agradeceu ao Deus que o tinha escutado e fez um pedido para que nunca mais tivesse que passar por isso. Reconhecer um corpo no necrotério.

Como prometido, imediatamente pegou o celular e agradeceu o amigo jornalista que lhe passou a informação do corpo encontrado. "Valeu Katsu, graças a Deus não é ela!"

Sanosuke deu partida no veiculo e começou a rodar, pensando no próximo passo.

Normalmente Sanosuke pediria ajuda para seu amigo e chefe Kenshin Himura, mas nesses últimos dias , Kenshin esteve tão desesperado para voltar para casa todo final de tarde, que Sanosuke nem teve muito tempo para conversar com o amigo.

O ruivo chegava atrasado todos os dias e contava os minutos para colocar os pés para fora da empresa no final do dia. Sano tinha certeza de que o amigo estava envolvido com alguma mulher e brincava. "Quando é que você vai nos apresentar sua nova garota?"

O ruivo sorria e dizia. "Oro?! Oro!"

Kenshin, apesar de ajudar na busca, contratando os melhores advogados e detetives particulares, estava tranquilo, vivendo algum romance secreto. Misao dizia que Kenshin estava estranho. Ela chegou a ficar brava e magoada com o chefe "Achei que Himura se importava com a Kaoru, mas ele simplesmente não parece tão preocupado assim..."

Sano teve que admitir para Misao, Kenshin estava diferente. Mas Sanosuke também ficou feliz pelo amigo, que parecia andar nas nuvens a semana toda. O Kenshin dos últimos seis meses tinha se tornado praticamente um monge melancólico, teve um único encontro com a bióloga marinha Shura, dois meses atrás, que saiu do nada e foi para lugar algum.

Sanosuke sabia que Kenshin estava de olho em uma pessoa em especial, Kaoru Kamiya. Mas com o desparecimento de Kaoru, Kenshin parecia ter seguido em frente e conhecido alguém novo. "Deixa ele, Kenshin já passou por maus bocados nessa vida... merece ser feliz. Quando Jou chan voltar ela também vai ficar feliz pelo Kenshin, que não está mais fazendo cara feia aqui na firma."

"Kaoru..."

Kaoru Kamiya era o nome que rodava na mente de Sanosuke, e lhe tirava o sono. Se ao menos Sanosuke tivesse aberto o arquivo do email antes da apresentaçao, mas preguiçoso como sempre, deixou para a última hora e causou o maior vexame. Todas as pessoas do escritório assistiram o vídeo....Pobre Jou chan... Depois do maldito vídeo, sua amiga, a bela morena de olhos azuis simplesmente tinha sumido do mapa. O final de semana se aproximando e nada de Kaoru.

Sanosuke não conseguia evitar e se sentir culpado. Dirigindo pela cidade de Tóquio no seu jipe Toyota FJ amarelo, Sano tinha uma foto com o profile de Kaoru no banco do passageiro. O celular tocou, e ele abaixou o som do rock pauleira que escutava. "Sanosuke falando..."

"Cabeça de Galo! Pelo amor de Deus, para de rodar com esse carro pela cidade e vem logo pra casa..." Megumi também estava empenhada em procurar nos hospitais, Misao estava visitando todos os hotéis de Tóquio, e tinha encomendado panfletos com a foto de Kaoru que seriam distribuídos nas estações de trem no final de semana.

"Raposa...Eu vou pra casa sim. Logo logo, mesmo porque acho que vou precisar dos seus serviços médicos! Antes de ir pra casa eu quero confrontar Enishi, quem sabe acabar com a raça de um cara com cabelinho prateado!" Sanosuke estava voltando do necrotério que ficava um pouco afastado do distrito de Tóquio. Depois de encontrar um celular destruído na garagem da empresa ele começou a pensar na possibilidade de ela realmente estava morta. O celular de Kaoru, cor de rosa ,com capinha de gueixa toda cheia de strass.

Sano não contou para ninguém, nem mesmo para Megumi.

"SANO! O que pensa que está fazendo? Quer arrumar briga com um investigador da policia? Eu sempre soube que você é um estúpido cabeça oca, mas isso já é demais! VOLTA PRA CASA! AGORA!" Megumi estava possessa, claro que ela se preocupava com Kaoru, também estava procurando pela amiga como podia, de hospital em hospital, mas essa culpa de Sanosuke estava chegando em um limite que não era saudável.

"Megumi, hoje eu fui no necrotério!" Sanosuke apertou o volante do carro com força. "Eu fui procurar a Jou-chan no necrotério..." Sano precisava se abrir, ele pensava em ligar e contar para Kenshin, mas seu amigo tinha um ar tão positivo e tão feliz ao seu redor que ele não quis acabar com a alegria do ruivo, chamando-o para procurar pelo corpo de Kaoru Kamiya. Claro, se a visita ao necrotério tivesse um final trágico, todos saberiam.

"Jou-chan não estava lá." A voz de Sanosuke estava embargada. Ele não estava bem.

"Oh Sano...Oh Graças a Deus... Mas deveria ter me ligado... oh meu Deus, você enfrentou isso sozinho... Amor, a culpa não é sua, tanto da briga entre eles, quanto o vídeo. Como você poderia saber que o Enishi estava tão doente a ponto de não entender uma simples brincadeira entre amigos? Eu estava do seu lado no restaurante. A culpa não foi sua. E nem o maldito vírus que espalhou o vídeo!"A voz de Megumi amoleceu. "Volta pra casa, por favor!"

"Meg..." Sanosuke finalmente começou a confessar para Megumi o que estava lhe tirando o sono. "Quarta feira eu achei o celular da Jou-chan jogado na garagem. Estava com a tela destruída... Megumi, eu peguei o chip e coloquei no meu celular, 27 mensagens, 12 chamadas perdidas. E a última ligação que a Jou-chan fez antes de desaparecer foi para Enishi... Raposa, se a gente não procurar pela Kaoru, quem vai procurar? A policia? Como se a própria policia é responsável pelo sumiço dela!"

"Amor...mais essa... tsc..."Megumi já não sabia mais o que fazer. Ela entendeu o que o namorado estava sentindo, mas o peso não deveria estar nas costas dele.

"Meg...Eu vou pra casa logo logo. Mesmo porque eu já achei o desgraçado! Não se preocupe, ok?" Sanosuke estacionou o jipe na frente do bar. Ele havia passado reto com o carro, mas ao avistou a cabeça prateada, fez um retorno para poder estacionar. Lá estava ele, Enishi Yukushiro.

"Sano...Sanosuke Sagara!" Megumi começou a gritar. "Você vai se meter em uma enrascada! O que o idiota estava pensando em fazer?

"Me perdoa, depois eu te compenso todo o stress com um milhão de beijos, ok?!" Sano desligou o telefone na cara da namorada.

Saiu do jipe e caminhou feito um touro para frente do bar.

Lá estava Enishi Yukushiro, sozinho, fumando um cigarro na frente do bar. O homem de cabelos prateados nem teve tempo pra nada. Sanosuke socou o rosto de Enishi com toda fúria e frustração que estava sentindo desde que o maldito vídeo apareceu na tela da sala de apresentações. Kaoru era como sua irmã, e ninguém machucaria sua irmã.

"DESGRAÇADO!" Sanosuke fez com que Enishi perdesse o equilíbrio e fosse jogado no chão. Ele agarrou a gola da roupa do policial, e gritou "O QUE VOCÊ FEZ COM A KAORU, SEU MALDITO?!"

"EU? Não se esqueça que Kaoru é a minha noiva que desapareceu!" Os dois começaram a rolar, ambos se socando sem dó. O soco que Enishi deu em Sano, fez com que seu super cílio abrisse, fazendo com que sangue escorresse pelo rosto dele, molhando a camiseta branca que tinha o ideograma "MAU" escrito atrás.

As pessoas que estavam no interior do bar saíram para ver a confusão. Quando as testemunhas começaram a filmar e tirar fotos da briga, Enishi simplesmente parou de atacar e se mover. Ele percebeu os flashs e sabia que tudo aquilo cairia na internet. Sanosuke estava tão bravo que não percebeu a pequena multidão se formando . Sano continuou atacando, com uma testada bem no meio da cabeça de Enishi que cambaleou para trás tonto. "NOIVA? Que noiva Enishi, a Jou-chan rompeu o namoro! ACEITE ISSO! O QUE VOCÊ FEZ COM A KAORUUUU?" Sanosuke partiu enfurecido novamente para cima de Enishi. Socando o estômago de Enishi com vontade.

Enishi se curvou com os braços na frente da barriga, antes de ajoelhar, cuspiu sangue, toda sua testa sangrava. Ele estava furioso, mas pior do que isso, tinha se dado conta de uma coisa, uma resolução começou a cair nos seus ombros. Sanosuke Sagara não sabia onde Kaoru estava. Enishi tinha a esperança que esse desgraçado estava escondendo Kaoru. Ele já tinha revirado a cidade atrás dela. Aeroportos, estações de trem, o hotel onde ela estava hospedada e outros e nada.

Estava esperando o maldito mandato de busca e apreensão ser aprovado pelo juiz. Ele queria o vídeo das câmeras de segurança do prédio onde Kaoru trabalhava, mas o ruivo desgraçado dono da empresa tinha dado cabo das filmagens. "Foi para analise do perito particular" Foi à explicação que seu infiltrado na empresa tinha para informar.

"Onde está a Kaoru? ONDE? ONDEEEEE?"Ajoelhado, literalmente de quatro na frente do bar Enishi, estava tão furioso que até mesmo algumas veias começaram a saltar. Veias, ou nervos ou qualquer outra coisa estranha, mesmo assim ficou ali, de quatro, segurando o estômago com a mão, enquanto suas gotas de sangue manchavam o chão.

Sanosuke se aproximou novamente, ele se ajoelhou na frente de Enishi. "Essa obsessão...Você está doente Enishi! Por que você não procura tratamento?" Sano se levantou e deu dois passos para trás, apontando o dedo para Enishi, furioso. "Não importa esse seu teatro, porque você vai pagar por tudo que fez com a Kaoru! Eu vou atrás de justiça, até o fim!"

Ainda com a cabeça baixa Enishi começou a rir provocando. "Sua namorada Megumi, aquela médica com jeito de vadia, sabe o quanto você quer transar com a minha noiva? Eu aposto que vocês dois treparam nos quatro cantos daquela firma quando não tinha ninguém vendo! MAS ESCUTA SEU MALDITO! A KAORU É MINHAA, eu vou tirar qualquer sinal seu que ela possa ter, nem que eu tenha que arrancar a pele da Kaoru!"

Sanosuke voltou, agarrou novamente a gola da camisa e socou duas vezes Enishi, que ainda no chão, ria com a boca cheia de sangue. "Primeiro, nunca mais chame minha namorada de vadia, e nem ouse repetir o nome dela novamente. E segundo você nunca entenderia, mesmo que eu desenhasse o que significa amizade,e Kaoru é minha amiga. É uma pessoa boa, que ajuda os outros, que se importa com todos, e que sofreu muito com a morte do pai. Ela não merece respirar o mesmo ar poluído que um crápula como você!" Sanosuke queria tirar aquele sorriso cínico do rosto de Enishi esfregando sua cara no asfalto.

Enishi se lembrou da noite fatídica, a noite do noivado. E como perdeu o controle, acabou até cortando o cabelo da mulher que amava por causa de ciúmes, mas a culpa não era dele, a culpa era de Sanosuke. "Você é o culpado por tudo. A Kaoru mudou por sua causa. A Kaoru não aceitou o meu pedido de noivado no restaurante por sua causa. Você! Maldito que ficou acariciando o cabelo da minha mulher! DESGRAÇADO!"

Sano jogou Enishi longe, o homem de cabelos espetados e descoloridos começou a rir mais alto. "Você acha que isso vai ficar assim Sagara? O bar tem câmera de vigilância! Eu fui brutalmente atacado, sem chance de defesa. Eu fui espancado enquanto estava no chão. Vencido...Olha só todas essas testemunhas...Tsc...tsc...Nem titio Saitou Hajime te livra dessa vez...Zanza..."

Sanosuke então finalmente percebeu as pessoas ao seu redor. Assustados com sua violência.

"Foge Sanosuke, foge! Hahahahaha. Oh boy, você está tão fodido!" Enishi ficou no chão, rindo cada vez mais alto.

"Maldito!" Sanosuke escutou alguém comentando no celular como um "homem descontrolado tinha espancado do nada o pobre homem de cabelo branco". Ele cuspiu o sangue do machucado na boca e se afastou. Quando estava indo embora no jipe amarelo, escutou o som dos carros de policia. Sanosuke discou o número que só ligava em caso de vida ou morte. Lidar com esse homem era pior do que ligar com Enishi, mas era o jeito. "Saitou Hajime por favor!... Tio? Eu preciso da sua ajuda!"

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Noite de sexta feira, Kenshin Himura aceitou o desafio, ensinar Kaoru Kamiya a cozinhar. O que parecia fácil se tornou uma tarefa árdua. Ela simplesmente não tinha jeito pra coisa.

"Kaoru é fácil! Aperta desse jeito." Kaoru tinha um punhado de arroz nas mãos. Ela tentou fazer como Kenshin estava ensinando, mas não estava dando muito certo. "Ah, nãooo se eu aperto ele desmancha!" Kaoru fez cara de choro.

"Porque você aperta demais!" Kenshin se posicionou atrás de Kaoru, passando os dois braços ao redor dela, alcançando as mãos da morena, ensinando-a como moldar os bolinhos de arroz.

Kaoru sentiu o tórax de Kenshin bem próximo de suas costas, e o ar que ele expirava acariciando delicadamente seu pescoço. O perfume do ruivo era tão gostoso, uma essência amadeirada com um toque de gengibre.

"Viu? É fácil!" Ele disse baixinho bem perto de seu ouvido. Kaoru sentiu uma certa quentura nas bochechas. ...Ele precisa ficar tão perto assim?...

Kaoru balançou o corpo tentando se distanciar, mas ela não precisou se esforçar, Kenshin já se afastava e retornava para sua própria tigela de arroz."Hmm Kenshin! Acho que eu vou ficar só com a parte de experimentar. Ok?"

"Experimenta então" Kenshin riu e enfiou um onigiri na boca Kaoru.

"MOU!" Ela reclamou enquanto lutava para mastigar o enorme bolinho de arroz que encheu toda sua boca. Kaoru engoliu finalmente e com uma colher de pau deu uma pancadinha na cabeça de Kenshin, que tinha um sorrisinho bobo no rosto o tempo todo.

"ORO!"

"Hmm...Acho que falta um pouco de sal, deixa que eu..." Para desespero de Kenshin, Kaoru pegou rapidamente o saleiro. Ela o virou sobre a tigela de arroz, mas a tampa do saleiro estava mal rosqueada e caiu dentro da tigela de arroz, despejando todo o conteúdo em cima do alimento. "salgo...OHH"

"KAORU!" Kenshin não se moveu rápido suficiente, e o arroz foi arruinado.

"Ops... MOU! Como eu poderia saber que a tampa do saleiro estava solta?" Kaoru enfiou as duas mãos dentro da tigela, tentando tirar o sal extra, mas o que ela conseguiu foi espalhar ainda mais.

"Daijoubo de gozaru yo! Vamos começar de novo. Mas dessa vez você fica aí brincando de estatua, quietinha com as com as duas em cima da mesa... Sem se mexer!" Kenshin foi até a pia, abriu a torneira e encheu uma nova chaleira de água.

"Baka!" Kaoru mostrou a língua para Kenshin, mas obedeceu. "Não posso nem beber um gole de cerveja?" O sorriso de Kaoru se abriu, Enishi nunca a deixava beber, dizia que Kaoru causava vexame, mas Kenshin não se opunha, apesar das brincadeiras.

Kenshin colocou a chaleira para ferver, e pegou uma garrafa long neck para Kaoru na geladeira, tirou a tampa e ofereceu para ela. Ela sorriu toda feliz, por algum motivo gostava do gosto amargo da bebida "Isso bebe mesmo. Enche a cara dona Kaoru! Contanto que você acorde amanhã às seis da manhã pra treinar comigo. Sem choro, nem vela! Nem reclamar da ressaca ou da pressão baixa!

Kaoru dividiu a garrafa, enchendo o copo de Kenshin. "Quando eu reclamei pra acordar cedo?... Ok... Eu só demoro um pouco para despertar. Certo?"

Kenshin bebeu seu copo de cerveja, mas nem respondeu. Kaoru reclamava sim pra acordar as seis. Ela fazia o aquecimento do treino praticamente dormindo, e ainda falava que era culpa da pressão baixa porque estava em jejum. Mas como alguém vai treinar kendo com a barriga cheia? Mas apesar de todas as reclamações, quando Kaoru acordava de verdade para o treino, ela era fantástica. Conhecia todos os golpes, os movimentos. Não tinha tanta força física quanto Kenshin, mas tinha conhecimento tático incrível. Se o pai não tivesse adoecido, a essa altura Kaoru certamente seria a shihandai, a assistente mestra do extinto dojo Kamiya.

"PRIMIIIIIIIIMMMMMMMMMM"

O interfone tocou, Kaoru tomou um baita susto com o barulhão, quase botando pra fora o gole de cerveja que estava na sua boca. "KAMI SAMA! Qual o seu problema com telefones discretos?"

Kenshin ignorou o comentário, e atendeu o interfone. "Himura falando!...Ah ela está ai? Hmmm... Ok... Me dê dez minutos, depois peça para subir por favor! Oh Arigato Senhor Nagata!"

No rosto de Kaoru estava estampado um gigante ponto de interrogação "Quem está na portaria? Enishi?"

"Hã? Não!" Kenshin fez uma careta. "Shura está na portaria!"

"Oh..." Kaoru se levantou imediatamente. "Eu não sabia que você esperava visita!"

"Eu não esperava!" Kenshin lavou as mãos e tirou o avental vermelho e branco, que quase fez Kaoru enfartar de tanto rir quando viu pela primeira vez. Na estampa do tecido estava escrita a frase. "EL Coziñero sexy!" Com várias pimentas vermelhas sorridentes com chapéu mexicano ao redor.

"Shura é ?..." Kaoru terminou a cerveja, colocando a garrafa no lixo reciclável. Tinha alguma coisa estranha no estômago dela, e não era por causa da bebida. "Hei Kenshin não precisa disfarçar, todo mundo sabe que ela é uma das suas namoradas. Eu não quero te atrapalhar!"

Kenshin se ajeitava. Ele olhou para a cozinha só agora percebendo a zona que estava. Tudo fora do lugar. "Ela não é minha namorada, nós saímos só algumas vezes, nada demais..."

Os dois saíram para a cozinha, caminhando para a sala. A admissão de que Kenshin e Shura saíram juntos algumas vezes fez o estômago de Kaoru arder ainda mais.

"Estou subindo para o terraço..." Kaoru fez o movimento de que subiria os degraus, mas parou no terceiro degrau. "Quer saber? Melhor não, vai que você resolve levar a sua namorada para ver as estrelas e a lua lá de cima, não é?"

Kaoru voltou , agora caminhando para o corredor dos quartos.

Kenshin balançou a cabeça. ...Que mulher teimosa... "Eu já disse que não tenho nada com a Shura. Ela é uma bióloga marinha que admira o trabalho de exploração dos meus pais."

"Exploração, he?" Kaoru se virou para ele e cruzou os braços. Ela olhou para os próprios pés. "E eu já disse que você não me deve explicações!"

Kenshin estava tentando esconder o sorriso surgindo no cantinho da boca. "Você não precisa ter ciúmes."

"Ciúmes?" Kaoru voltou a olhar para Kenshin. Ela abriu a boca e balançou a cabeça, ultrajada.

O sorriso de Kenshin finalmente aumentou, ele não conseguiu esconder. "Nee? De gozaru ka!"

"HÁ HÁ HÁ! Muito engraçado Himura! Que ciúmes? Quem está com ciúmes? Depois dessa eu vou para o meu quarto! Boa noite Kenshin, até amanhã! Divirta-se com a sua namorada." Kaoru se virou, balançando a cabeça.

"Dinnndon"

Os dez minutos que Kenshin havia pedido para o porteiro tinham passado. Shura estava no hall de entrada do duplex, provavelmente se ajeitando no enorme espelho que ficava na saída do elevador.

"Dinnnndon!"

"Vai Kenshin, pelo amor de Kami-sama, ela está desesperada! Vai quebrar a campainha desse jeito!" Kaoru não esperou a resposta, partiu na direção dos seus aposentos pisando firme.

"Oro?"

No momento que Kaoru bateu a porta do quarto, com mais força do que o necessário, Kenshin abriu a porta do apartamento.

"Kenny! Que saudades!" A tal bióloga marinha, com seus longos cabelos ondulados se jogou nos braços de Kenshin. "Que saudadessss! Eu estou cheias de novidades, uma que você vai amar!"

Kaoru abriu um pouco porta do quarto, tentando escutar alguma coisa pela fresta. O apartamento era enorme, não tinha como escutar tudo, a não ser que ela se arriscasse e fosse espiar no corredor. Ela pegava só uma ou duas palavras, e a tal mulher praticamente gritando. "Blah blah blah blah KENNY...OH KENNY! Há há há Kenny!"

"Kenny!" Kaoru imitou a voz fazendo uma careta emburrada.

Kaoru sentou-se na cama frustrada por ter que dividir Kenshin com outra pessoa. "Ok. Dá onde veio isso? Eu nunca me senti desse jeito antes! Mas também eu nunca tive um amigo como Kenshin antes!"

Ela não resistiu, pisando ponta dos pés saiu do quarto e caminhou pelo corredor. Apesar do pacote de batatinha frita que tinha comido, estava com fome. A tal Shura os atrapalhou bem no meio da preparação do jantar, Kaoru estava ansiosa pra experimentar o peixe que Kenshin tinha colocado no forno. O cheiro delicioso estava no ar, instigando o apetite. O que ela queria mesmo era ir até a despensa pegar uma vassoura e colocar de ponta cabeça atrás da porta. Não era essa uma simpatia para afastar visitas indesejadas?

"SHURA!"

Kaoru escutou a voz brava de Kenshin e pensou...A conversa não está muito boa não...

A mulher parecia magoada. "É verdade! Oh, estou ultrajada, como você não acredita em mim? Nossa tarde no iate foi tão especial... é obvio que só podia resultar nisso, no nosso bebê! Oh Kenny, não vejo a hora de ver a carinha dele, tomara que nasça com o cabelinho ruivo como o seu!"

"SHURA!" A voz de Kenshin...Não parecia Kenshin, ele estava furioso! Realmente furioso.

"SIM, EU ESTOU GRÁVIDA DO SEU FILHO KENSHIN HIMURA!" A mulher gritou indignada.

As duas mãos de Kaoru voaram para sua boca, tampando qualquer som, abafando o grito que quase saiu. O choque foi imenso. O sangue de Kaoru gelou. Então Kenshin seria pai? Kenshin tinha engravidado a namorada?

Kaoru não entendeu muito bem por que, nem como reagiu desse jeito. Ela não escutou mais nada do que Kenshin e Shura conversavam. Seu coração batia tão forte, mesmo que o sangue tivesse gelado nas veias. Ela só lembra que correu para a cozinha, abriu o hall de serviço e desceu pelo elevador de funcionários. Saindo do maravilhoso prédio pela portaria de serviço, Kaoru correu, atravessando a famosa Omotesando fora da faixa de pedestre, fazendo com que os carros de luxo buzinassem e desviassem dela.

Do outro lado da rua, Kaoru percebeu que estava vestindo só uma camiseta velha de banda de rock, shorts jeans e chinelo. Não era uma vestimenta muito adequada para aquela vizinhança cheia de botiques de luxo, mas ela estava tão confortável, tão descontraída batendo papo e aprendendo a cozinhar. Kenshin havia lhe dado sua camiseta favorita, uma preta com as letras AC/DC estampada, e Kaoru não queria mais tirar.

A morena se sentou em um dos bancos que ficava embaixo de uma das magnificas cerejeiras se sentindo miserável. Ela segurou a cabeça com as mãos, e seus cabelo Chanel caiu para frente, cobrindo o rosto. "E agora?"

...Essa semana foi só uma fantasia! Eu me deixei levar, mas a verdade é que eu preciso tomar um rumo. Com a namorada de Kenshin gravida significa que eu não posso mais ficar no apartamento. Preciso arrumar um lugar para morar, preciso de um emprego... droga!...

Durante a semana vivendo no luxuoso apartamento de Kenshin, ela não tinha colocado os pés na rua. Entrou naquela Mercedez Benz, desembarcou na casa de Kenshin e ficou...Vendo o mundo de lá de cima. Da cobertura. Sentiu-se tão bem e tão protegida que nem se deu conta que estava vivendo em um universo imaginário.

De lá de cima, onde só existiam ela e Kenshin.

...Kenshin...Engraçado, atencioso, teimoso, tão forte e inteligente...

A maior ironia do universo, ela se sentia um pouco possessiva em relação ao amigo. Não queria dividir a atenção do ruivo com ninguém. ...Como posso me sentir assim, principalmente quando estou fugindo justamente da obsessão de Enishi?...Oh meu Deus. Eu sou uma pessoa horrível... É óbvio que Kenshin tem uma vida além daquilo que nós vivemos no apartamento...E u deveria estar feliz porque meu amigo vai ser pai...

...Mas eu não consigo...Por que?...

...Porque significa que eu vou ter que ir embora...

...Eu não quero ir embora...

Kaoru sentiu uma lágrima escorrendo. Ela olhou para cima e suspirou. Com toda a confusão em sua vida, nem tinha notado que estava no comecinho de abril, bem na época do hanami. Quando as festas para admirar o florescimento das Cerejeiras Japonesas estavam começando, as admirar as sakuras ao lado de quem se ama...

...Me sinto tão solitária embaixo dessa cerejeira...

Quando seu pai estava vivo, ela nunca deixava de festejar e comtemplar as flores e as árvores. Kaoru pôde ouvir a voz de seu pai no fundo da sua mente, citando uma das suas frases favoritas de um antigo poema.

"Se não houvesse cerejeiras florescendo neste mundo;
Quão mais tranquilos seriam nossos corações na primavera." (Ariwara no Narihira)

"O que eu faço agora?" Kaoru perguntou para a árvore. Uma pétala de Cerejeira caiu delicadamente no seu cabelo. A morena fechou os olhos com força, mais uma lágrima insistia em escorrer pelo rosto.

"Quer me matar do coração?"

Kenshin respirou aliviado ao encontra-la sentada do outro lado da rua, embaixo da árvore de Cerejeira. "Kami-sama. Nunca mais faça isso. Eu quase infartei quando não te achei no apartamento!" O ruivo se sentou ao lado dela no banco.

A morena abriu seus imensos olhos azuis, surpresos em encontrar Kenshin ao seu lado. Ela disfarçou rapidamente sua tristeza enxugando a lágrima no rosto com seus dedos finos. "Kenshin?"

O ruivo tirou a pétala que tinha caído no cabelo dela. Prendendo-a entre o polegar e o dedo médio. A pétala tinha uma coloração rosa escura, com um formato curioso que lembrava um coração. Kenshin entregou seu pequeno coração para Kaoru, que o guardou, seguro, na palma da sua mão.

Tum tum...tum tum..

Kaoru engoliu seco. Ela balançou a cabeça, tentando não pensar muito no significado daquela pétala em forma de coração. Não quando seu próprio coração batia tão forte no peito. Ela riu sem graça, disfarçando, e titubiando ao falar. "Sumi...masen...Me desculpe! Eu já estava voltando para o seu apartamento, só precisava sair... Precisava respirar um pouco de ar..."

"Por que?" Kenshin tinha uma esperança de que ela abrisse mais um pouco o coração para ele.

A morena ignorou a pergunta. "Kenshin..." Balançou os pés, mostrando que estava de chinelo, e um shorts jeans velho, cheio de rasgos. "Eu estava aqui pensando se o porteiro vai me deixar subir ou não. Estou no estilo mendiga!"

"Não faz mais isso..." Kenshin soltou o corpo no encosto do banco, e fechou os olhos. Quando ele abriu a porta do quarto e percebeu que Kaoru não estava ali, se desesperou. "Onegai...! Eu preciso de você por perto!"

"Ken... Ken...shin..." Kaoru não sabia bem o que fazer naquele momento. Era sobre ele e Shura? Sobre o medo de ser pai? Era um assunto pessoal. Ela deveria falar que escutou a conversa íntima ou não?

Kaoru desejava tudo de melhor na vida de Kenshin, só não queria ser um estorvo na nova vida dele. "Hei! Estou aqui pra te ajudar no que for preciso..." Kaoru colocou a mão no braço de Kenshin, afagando com carinho.

"Shura tentou me enganar... Não é a primeira, nem vai ser a última vez que alguém tenta me aplicar um golpe... Esse dinheiro todo...É quase uma maldição. As pessoas só se aproximam de mim pra tirar proveito." Kenshin ainda tinha os olhos fechados.

"Menos você... Você é a única pessoa que parece não se importar nem um pouco com o que eu tenho, ou deixo de ter." A voz do ruivo agora parecia tão triste, tão chateada.

Kaoru soltou o ar que nem sabia que estava segurando. "Como assim?"

A voz de Kenshin cada vez mais entristecida pela tentativa de golpe que havia acabado de sofrer. "Dois meses atrás Shura e eu fizemos um passeio de iate. Eu nem queria ir porque senti as intenções dela, mas acabei aceitando culpa do Sanosuke que me convenceu de que eu precisava de uma mulher..."

Kaoru rolou os olhos. "ai Sano..."

Kenshin continuou. "Shura tentou me embebedar de todos os jeitos possíveis. Eu bebi, mas nem tanto. Tirei um cochilo de meia hora. Quando acordei, ela estava nua do meu lado. Dizendo que nós tínhamos acabado de fazer amor... Eu sabia que era mentira, nunca nem beijei a mulher! Mas me fingi de morto, nossas famílias sempre foram próximas. Nossos pais trabalharam juntos em algumas expedições. Eu não pensei que Shura fosse tão burra de persistir com a mentira... Anos e anos de convivência com meu tio Hiko me ensinaram uma coisa ou duas sobre bebida e sexo... Eu não sou um completo idiota!"

Kaoru se levantou do banco furiosa, apertando o punho no ar. "Aquela pirata... Vagabunda! Eu vou arrebentar com ela! Piranha dos sete mares!"

Kenshin se levantou, rindo. Todos os traços de tristeza desapareceram de sua feição "Kaoru! Calma, você está assustando as pessoas!" Kenshin viu o casal de idosos cochichando alguma coisa sobre a moça louca de chinelo gritando profanidades no meio da calçada. "Meu advogado já está cuidando disso também. Shura já não vai mais inventar nada. Depois da dura que eu dei nela, ela disse que vai ficar na Europa por tempo indeterminado."

"MOU!" Kaoru exalou o ar, como um touro bravo. Shura que não cruzasse o caminho dela, aquela piranha viraria sardinha em lata na mão de Kaoru."QUE DURA VOCÊ DEU NELA?"

"KAORU? Orororororo!" Kenshin riu tanto que colocou a mão na barriga! "Mente suja!"

"BAKAAAAAA!" A morena estava de cabelos em pé, com as bochechas muito vermelhas.

Com a risada morrendo, o ruivo sorriu. "Eu sei que você está com ciúmes e tudo... Mas precisava ter fugido pra rua feito uma louca?!" Kenshin não disfarçava o imenso prazer em vê-la assim, se importando.

"Cismou que eu tenho ciúmes! MOU!" Enfezada, Kaoru emburrou.

Kenshin ganhou uma pancada na cabeça, e soltou uma sequencia inacreditável de "oros", que fez com que os outros pedestres começassem a rir dos dois malucos. O ruivo pegou na mão de Kaoru, e a dirigiu para a faixa de pedestre. Os dois atravessaram de mãos dadas, e voltaram para o conforto do apartamento. Para o mundo alternativo e paralelo que haviam criado ali. Rindo e se provocando durante todo o jantar, e xingando Shura, que provavelmente estava com a orelha pegando fogo uma horas dessas.

Eles assistiram um pouco de televisão, e por volta das onze horas deram boa noite dirigindo-se para seus respectivos quartos.

Kaoru foi para seu banheiro, colocou o pijama, escovou os dentes, depois se enfiou debaixo das cobertas. Ela ficou um tempão olhando para o teto e relembrando todos os sentimentos vividos naquele dia. Treinar com ele logo cedinho, se despedir quando ele ia trabalhar, a expectativa de ver Kenshin entrando em casa. A dor de estomago quando escutou Shura mentindo sobre gravidez. A tristeza ao imaginar que teria que se separar de Kenshin. Que teria que sair de casa. ...Casa? Meu Deus! Eu preciso arrumar alguma coisa pra fazer...

Olhou um última vez antes de fechar o livro, Kaoru guardou a delicada pétala de sakura em forma de coração dentro de um livro que Kenshin havia trazido para ela ler.

Ela fechou os olhos, e o rosto de Kenshin veio no pensamento. Cada sorriso. Cada "oro". Os olhos concentrados durante o treino de kendo. A voz dele...Séria, engraçada, esganada, brava, suave...O cabelo ruivo e a vontade de passar os dedos no meio dos fios...

"Mou! O que está acontecendo comigo?" Kaoru soltou os braços em cima do cobertor. ...Não, eu não vou permitir! Eu vou lutar! Eu não vou cair na besteira de me apaixonar e destruir nosso relacionamento... Não seja burra! Não acabe com essa amizade Kaoru Kamiya...

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Kenshin escutou o celular tocando, abriu os olhos. O letreiro gigante do radio relógio berrava, 01 da manhã. Ele abriu o aparelho celular e franziu as sobrancelhas para o nome que aparecia na tela. Megumi Takani. "Alo?"

"Pelo amor de Deus Kenshin, Sano perdeu a cabeça fez a maior besteira...Eu preciso de ajuda! Eu preciso que você pague a fiança dele!"Megumi estava quase tendo um colapso. Quando Sanosuke ligou avisando que tinha sido preso e que aquela era sua única ligação, ela desmontou aos prantos.

"O que? Como assim?" Kenshin se sentou na cama. Tentando entender que raios estava acontecendo no meio da madrugada.

"O Sanosuke espancou Enishi Yukushiro!"

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Continua...