— Pai, pai, pai! — chamou Bubbles, eufórica, correndo para a janela.

— Oi — ele disse chegando correndo, com dois béqueres nas mãos, pois estava no meio de um experimento em seu laboratório.

— A Bloss, ela chegou, acompanhada de um garoto! — exaltou na tentativa de se camuflar atrás da cortina. O pai, curioso, colocou os béqueres em cima do sofá, que por um triz não se espatifaram no chão, e juntou-se à loira. — É aquele garoto do dia do cinema! Achei que ela tivesse dispensado ele! — ficou boquiaberta.

— Que garoto? — Professor perguntou curioso.

— Um garoto que conhecemos na fila do cinema quando fomos lá pela última vez. Eu achei ele chatinho no dia, mas pelo visto a Bloss se deu bem até demais com ele.

— Mas ele é gente boa?

— Deve ser — deu de ombros. — Se não fosse a Bloss teria cortado ele há muito tempo, sabe como ela é.

— É, você tem razão.

Os ruivos ainda se encaravam intensamente, sem conversar. Bubbles torceu o nariz, começando a perder a paciência com isso.

— Será que nenhum dos dois vai tomar atitude? Pela deusa!

O professor, ou simplesmente Enzo para os mais íntimos, por outro lado, estava gostando dessa lentidão, afinal mal conhecia o rapaz e tinha medo que aquele garoto, de alguma maneira, pudesse ferir sua filha. Preferiria mil vezes ter tido a oportunidade de verificar a ficha de antecedentes do rapaz, que nem o primeiro nome ele sabia, antes de saber que ele teria um encontro com sua filha.

Poderia soar como superproteção parental, mas não importava.

Suas filhas eram seu maior tesouro e as protegeria com unhas e dentes sempre que possível, prometeu isso a si mesmo a partir do momento que as viu nas incubadoras neonatais do hospital, suas doces trigêmeas, iria a lua e voltaria por elas. E isso se intensificou quando infelizmente Bella, sua esposa, morreu duas semanas após dar à luz aquele parto complicado, em decorrência de uma pré-eclâmpsia.

No entanto, quando as trigêmeas completaram 5 anos, algo terrível aconteceu. Ele estava as supervisionando no playground, bastou um momento de descuido enquanto foi socorrer a pequena Butter, que havia caído do trepa-trepa e ralado o joelho, que Bubbles desapareceu. Reuniu Butter e Blossom e gritou por seu nome, pediu a ajuda de conhecidos do parquinho, olhou os estabelecimentos vizinhos, mas nada. Um comerciante local comentou ter visto uma garotinha loira de maria-chiquinha acompanhada de homens altos e magros, que nunca havia visto antes na região, seu relato foi o suficiente para notificarem a polícia.

Não pôde proteger Bubbles e se arrependia amargamente por ter falhado, desde então sempre dá o seu melhor para recompensá-la.

— Ela beijou ele! — a voz surpresa de Bubbles fê-lo voltar à realidade. Blossom tinha se inclinado e dado um selinho no rapaz. — Será que eles pretendem começar um relacionamento sério?

— Tem probabilidade. Realmente é uma boa pessoa?

— Não sei, acho que sim. O achei um folgado naquele dia do cinema, ele e o amigo dele, mas o amigo parece gente fina, logo ele também deve ser.

— Amigo?

Nesse momento, Bloss entrou pela porta da frente, rapidamente Bubbles e Enzo saíram de perto da cortina, ela sentou-se no sofá, fingindo ler uma revista de moda e ele voltou a pegar os béqueres e começou a assobiar baixo, fingindo estar concentrado.

— Boa noite, família, cheguei! — anunciou Bloss após ficar alguns minutos com os olhos fortemente fechados encostada na porta. — O que tem de comer? — perguntou encaminhando-se para a cozinha, com um sorriso no rosto.

Bubbles sorriu maliciosa, olhou para trás, para visualizar seus passos. Deixou a revista na mesinha de centro e seguiu-a. A ruiva estava abrindo a porta da geladeira quando a loira pressionou suas duas mãos em seus ombros.

Hm... — Bloss deu um pulinho ao ouvir onomatopeia que veio do nada. — Pelo visto, a tarde de alguém foi bem movimentada.

— Do que você está falando? Eu fui estudar na casa da Jessica. — tentou se esquivar.

— Na Jessica, sei. E desde quando a Jessica tem um irmão da nossa idade que dirige moto e que, coincidentemente, se esbarrou com a gente na porta do cinema no dia em que fomos assistir Composição perfeita? — sorriu amarelo, se divertindo com a vermelhidão da irmã.

— O quê?! Não…

— Não adianta esconder, eu vi vocês se beijando, eu e o papai vimos.

— O papai viu?

— Viu sim.

A ruiva ruborizou mais ainda, fazendo o tom de sua pele se confundir com o tom de vermelho do seu cabelo.

— Ai ai, que vergonha! Como pude me esquecer que moro numa família de fofoqueiros?

— Ei! — Bubbles a olhou feio e a empurrou de leve, mas logo as duas caíram na risada.

Pegou nas mãos da irmã e aproveitando que a porta da geladeira estava aberta, puxou-a para uma dança sobre a luz do refrigerador. Dançou e cantou baixinho.

Blossom tá apaixonada! Blossom tá apaixonada! Minha emburradinha favorita descobriu o amoooor! — cantarolou fazendo-a dar uma voltinha no último verso.

— Tá bom, já chega, engraçadinha! — pediu aos risos.

— Ainda bem que está feliz, irmã — abraçou-a. — A única coisa que te desejo é o seu sucesso e felicidade.

— Obrigada, maninha. Mas e aí, e você e o Boomer?

Bubbles fechou a cara e revirou os olhos.

— Ah, começou! — reclamou, dando-lhe as costas.

— Agora você foge, né? — comentou correndo atrás dela. Bubbles apressou o passo enquanto subia as escadas, a fim de fugir da conversa.

No andar de baixo, no arco que dividia a sala da cozinha, Enzo encarava o local onde as filhas estavam há poucos minutos e deu um meio sorriso.

Suas menininhas estavam crescendo.

xxx

De volta ao colégio Maverick, Buttercup já estava em seu quarto, de banho tomado e de pijama (um que o professor emprestou para ela) largo e chinelo. Ficou fuçando no celular até Butch aparecer.

— Ué, onde que cê tava? — indagou a morena que fingia ser um rapaz, disfarçando a voz.

— Andando pelos corredores. Fui falar com o Boomer. Ele disse que o Brick saiu com uma garota.

Buttercup engoliu em seco. Estava torcendo para essa “garota” não ser sua irmã Blossom.

— Ah, é? Hummm… — tentou provocar, mas não estava no clima.

— A propósito, só estamos nós dois, Boomer, Brick e o Mitch na escola. Os outros voltam amanhã de tardezinha. — informou Butch, deslizando o dedo pela tela do celular e rindo de algum meme que mandaram para ele.

— Que tédio — reclamou o "garoto". — A gente podia fazer alguma coisa legal amanhã, né?

— Tipo?

— Tipo sair um pouco dessa escola e curtir um pouco de liberdade e ar puro! — dito isso, ela inspirou ar puro, fazendo Butch rir.

— Cê fala como se aqui fosse uma prisão… Mas claro, eu topo sair também, se quiser. É chato ficar aqui encarando o teto.

— Verdade. Ah! E eu quero comer um monte de coisas gostosas! — salivou “Drake”, parecendo morto de fome.

— Podemos fazer tudo isso sim. — assentiu Butch, rindo com a animação inocente dela.

Os dois ficaram em silêncio por um tempo. Butch estava bebendo um pouco de sua água na garrafinha, quando Buttercup lhe fez uma pergunta que o fez engasgar:

— Será que o Mitch pode sair junto amanhã?

COF COF COF! Butch tinha se afogado com a água. Que tipo de pergunta era aquela?!

— Quê?! Cof cof… Por quê?! — saíram lágrimas dos olhos de Butch enquanto ele tentava cessar a tosse.

— Por que não? Ele é da hora. Não sei porquê não vai com a cara dele.

— Longa história… Mas enfim, quer chamar ele, chama, ué. Ele é seu amigo.

— Opa, valeu, Butchzão! — “Drake” apertou a mão de Butch.

A mão dela é pequena e forte. Não quero que o Mitch saiba disso.

xxx

Andando pelos corredores da escola, estava um certo sardento com dentes separados. Andava pensando com frequência em um novato que não conseguia tirar da cabeça. Aquilo não fazia sentido. Ele não poderia se interessar por um garoto… podia?

— Meu Deus… Será possível que eu… seja gay?

Várias coisas passaram pela mente dele. Caso ele fosse mesmo gay, ele iria contar para a família, que não iria aceitar e o expulsaria de vez de casa. Ele contaria ao “tampinha” que achava ele interessante, mas ele não retribuiria. Ninguém mais iria querer vê-lo na frente. Aquela projeção falsa o desesperou.

— Mas quando eu penso nele… Eu fico feliz. Será possível que esse sentimento seja tão errado? — murmurou, perambulando pela escola.

Ao lembrar do sorriso travesso e da garra do baixinho no futebol, um sorriso se instalou nos lábios de Mitch. Não faria diferença se fosse menino ou menina, era uma pessoa e era dessa pessoa que Mitch gostava.

Rumando para seu quarto, sentiu o celular vibrar no bolso. Era uma mensagem justamente de Drake.

Bora sair amanhã? Eu, vc e o Butch? Ainda n decidimos nd, mas queremos que vc vá xD

Um sorriso bobo invadiu o rosto de Mitchelson, pensando em como aquele garoto era mesmo interessante.

— Eu sei que o Jojo não vai com a minha cara. Mas eu vou por causa do Utonium, afinal. — dando de ombros, ele digitou uma resposta:

Já é! Vlw pelo convite! xD

Tava quase desmaiando de tédio.

Rapidamente, a resposta do baixinho veio:

Aí sim, mano. Tamo junto! (emoji de óculos escuros)

— Tamo junto mesmo. Mas quero ficar ainda mais junto… — murmurou Mitch, suspirando.

xxxx

O dia seguinte chegou depressa. A saída de Utonium, Mitchelson e Jojo era nada mais, nada menos do que a Techsville — feira subdividida entre cultura pop e Ciências da computação e suas novas tecnologias de Townsville. O que eles tinham em comum era que os três eram geeks, por mais que não parecessem.

Jojo e Mitchelson ainda se encaravam emburrados, mas o que lhes trazia alegria era o sorriso de Drake ou fosse ele quem fosse.

— Mano do céu! Olha o tamanho disso aqui! — comentava com o queixo caído, fazendo Mitch e Butch sorrirem de canto. Parecia uma criança em um parque de diversões.

— É maneiro mesmo — concordou Mitch, com as duas mãos no bolso.

— Até que não é nada mal… — disse Butch, olhando algo em seu celular.

Buttercup, como Drake, fez cara de emburrada e puxou os dois amigos.

— Vamos nos divertir! Nada de ficar de canto, não! Fazia uma cara que eu queria vir numa convenção dessas! Agora, venham!

Sem terem muita escolha, Mitch e Butch seguiram a baixinha, que não parava de tagarelar, tamanha era sua empolgação.

Os corredores da primeira parte da convenção estavam lotados de pessoas fazendo cosplays de animes e super-heróis de franquias famosas. Antes de chegarem ao local da convenção que queriam, se depararam com cinco homens-aranhas. Os olhos verdes de Buttercup percorreram pelos telões que exibiam trailers dos filmes que estreariam no segundo semestre daquele ano, adicionou o máximo que se lembrou na sua lista mental.

Notou uma rodinha de adolescentes próxima a um dos mostruários, no final da sessão que apresentava os mais novos modelos de carros elétricos das multinacionais e os últimos lançamentos de carros de corrida. Eles pareciam estudar na mesma instituição pública de ensino devido ao uniforme azul e branco que vestiam. Aproximou-se e viu um dos adolescentes dentro de um carrinho baixo e fino de fórmula 1, este era verde musgo e suas rodas eram em um tom de preto reluzente. A mini-pista, ao ar livre, onde o card andaria era arredondada e inclinada, com direito a uma linha de partida e chegada. Oito protótipos estavam disponíveis para os visitantes. Os estudantes estavam com os devidos equipamentos de segurança colocados.

Olhou-o impressionada.

O rapaz que estava apresentando a tese do projeto para quem vinha começou a discursar, entretanto foi ignorado rapidamente pela morena.

— Eu preciso dar uma volta nisso! — exclamou debruçando-se sobre a grade de segurança.

— É, parece ser bem divertido. — Butch comentou, finalmente guardando seu celular para prestar atenção.

A convenção de T. I. poderia esperar mais um pouco.

Esperaram cerca de meia-hora até chegarem a vez deles na fila. Vez ou outra Mitch comentava sobre deixar isso para lá, porém Buttercup não estava a fim de lhe dar ouvidos, para a alegria de Butch.

— Pra quem esperou 30 minutos, o que são mais 10? — comentou, havia apenas mais quatro alunos na sua frente. — Vocês vão correr comigo, não vão?

— Já é a décima vez que você pergunta isso, baixinho — Butch deu risada. — E é claro que vamos, pelo menos eu vou.

— Então se prepare para perder.

— Nunca daria esse gostinho para você. — deu um soquinho sobre o ombro da morena.

Mitch fez uma careta.

— Eu não sei não. — Mitch disse descontraído. — Não me parece ser muito seguro. Acho que apenas vou torcer por você.

— Corta essa Mitchelson! Entregando os pontos fácil assim? Tá é com medo de engolir minha poeira.

— Não é isso, apenas… esquece.

Butch arqueou uma sobrancelha.

— Se ele não quer se divertir, azar o dele. — deu de ombros. — Deixa ele pra lá. Se não quer, então vamos só a gente.

— Tem razão, não iremos obrigar ninguém. — disse e suspirou fundo. — Está quase na nossa vez, finalmente irei mostrar para todos quem é o campeão da pista.

Butch sorriu.

— Que sou eu, no caso.

— Nem pensar! — ela bateu no peito. Iria se gabar mais sobre seu potencial quando a moça abriu o portão para os estudantes saírem e uma nova turma entrar.

Apenas Butch e Butter entraram, Mitch, como mencionado, deixou a fila e foi assisti-los de perto encostado na grade. Não quis dizer na frente deles, principalmente na de Drake, mas tinha medo de carros. Era um trauma de infância que o perseguia até hoje. Sofreu um acidente com a mãe quando tinha 10 anos, ambos sobreviveram, mas o receio o perseguiu. Fazia terapia desde então e com certeza a última coisa que queria era que Drake o visse como um covarde. Logo, apenas torceria por ele.

Em sua concepção, Drake iria ganhar, porque além de ser talentoso, não devia ser muito difícil superar o engomadinho do Butch. Ah não ser, é claro, que ele manipule o resultado da corrida com o dinheiro do papaizinho dele. Como sempre fez a vida toda para se destacar.

Viu eles colocarem os capacetes e tornozeleiras. Os dois conversavam e riam muito, nesse momento bateu uma pontada de arrependimento por não ter aceitado competir com eles. Metade de si sentia ciúmes enquanto a outra dizia que era besteira. Afinal, Butch era hétero, não era? Ele nunca olharia para Drake de uma maneira amorosa. Impossível! Não tinha o que temer. Mas, aquele olhar que Butch dirigia ao Drake…

Balançou a cabeça.

Se repreendeu. “Pare de paranoias, isso é apenas aquele típico olhar dele de superioridade, não tem nada de carinhoso nisso”.

Sem contar que Drake nunca se apaixonaria por Butch. Tanto que Drake apenas o convidou por mera formalidade, afinal ambos dividem o mesmo quarto, provavelmente ele ouviu por acaso os planos de Drake enquanto estava no telefone e o sem noção aceitou, apenas. Drake queria passar tempo com ele e não com Butch.

O amigo mais próximo era ele, não Butch. Se Drake se apaixonasse por alguém, as probabilidades estariam a favor dele e não do JoJo.

E ele deve estar pensando que Mitch era um babaca, por não querer competir com ele, agora… Encostou a cabeça na grade.

Na pista, Butch e Buttercup entraram nos carrinhos. Eles eram apertados e um pouco desconfortáveis, mas isso não iria impedi-los, os dois carros eram verdes, porém em tonalidades diferentes — o de Butter era de verde musgo e o de Butch era verde claro.

— Boa sorte, tampinha! — desejou Butch antes de abaixar a viseira.

— Igualmente. — virou a cabeça para ele. — Que vença o melhor!

— Claro, e o perdedor paga um lanche para os dois. Sabe, lanche de graça é mais gostoso.

— Por mim tudo bem. Mas é uma pena que quem o pagará vai ser você.

— Até parece — riu.

Eles realmente estavam levando aquilo a sério demais.

A funcionária se dirigiu de frente a eles e fez a contagem regressiva para a partida.

Concentrada, Butter apertou as mãos no volante. Já havia dirigido em carros semelhantes antes, esse não seria lá muito difícil. Iria mostrar para o exibido do Butch que a mamãe era capaz disso e muito mais coisa. A cara dele de desapontado quando ficasse em segundo lugar seria impagável.

Decretada a largada, Butter pressionou fundo o pé no acelerador. Eles estavam na frente, um do lado do outro, durante as quatro primeiras voltas, na quinta e última ficaram oscilando. Butch já estava com um sorriso alargado, contando vitória precipitadamente na curva da última volta, quando Butter o surpreendeu, o ultrapassando e cruzando a linha de chegada primeiro.

Na grade de proteção, Mitch vibrou o nome de Drake.

— Hahahaha! Parece que vou ganhar um lanche grátis! — deu um sorrisinho — Foi uma boa corrida! — estendeu a mão direita.

— O resultado não foi bem o que eu esperava, mas... É, apesar de tudo, foi uma boa corrida. Você correu bem, tampinha! — se aproximou sorrindo e apertando sua mão. — Mas me diz aí, você tem bastante experiência com essas coisas ou foi sorte de principiante?

— Eu já corri em carrinhos semelhantes a esse, então não foi sorte não, diria que é que eu sou bom mesmo — piscou, convencida.

— Então você teve vantagem, não valeu! — protestou divertido.

— Ei, e cadê o Mitchelson?

Sua alegria diminuiu bruscamente com a aproximação de Mitch e seu abraço repentino na baixinha. Conseguiu ver em seu rosto que ela foi pega de surpresa pelo gesto, ficando desconfortável.

— Ih cara, que isso, tá me estranhando? — ri amarelo, tentando esconder o rubor de suas bochechas.

— É, foi mal, me empolguei. — disse se afastando, desconcertado. Butch o encarou intrigado ao notar que a pele do rapaz estava corada.

Nesse momento, se questionou se Mitch também suspeitava que Drake poderia ser uma garota.

Butchzinhooooo! — uma voz enjoativa gritou no meio da multidão que assistia, interrompendo seus pensamentos. Essa não! — Você pode não ter ganhado em primeiro lugar, mas você é o campeão do meu coração, amooor!

Me perseguindo até aqui, sério?

— Hm… Butchzinho? — Mitch deu um sorrisinho sacana.

Butch sentiu uma veia se sobressaltar na testa.

— Mas o que você está fazendo aqui, Patrícia? — ele perguntou exasperado, saindo da pista de corrida ainda com o capacete posto.

— Não sabia que você tinha chamado a sua namoradinha para vir junto com a gente. — comentou a baixinha de braços cruzados, colocando a réplica da medalha, que havia acabado de receber da funcionária, no pescoço.

— Eu não a chamei... E ela não é minha namorada!

A ruiva correu até eles, atropelando alguns estudantes no meio do caminho. De frente ao amado, arrumou o cabelo e mordeu o lábio inferior.

Amooor, não sabia que você gostava dessas corridas de automobilismo, se precisar de um empresário para iniciar a carreira, eu te patrocínio, sem pensar duas vezes e... — falou perto de seu ouvido. — Se quiser essa medalha idiota, eu falo agora com meus contatos e invalido a vitória desse daí. — olhou para Butter de soslaio, com desdém.

— Ora, sua... — Butter grunhiu, espumando de raiva.

— Sua o quê? — cruzou os braços e ergueu a cabeça, afrontando-a. — Algum problema, amore?

— Patrícia, pare — pediu Butch, sendo ignorado.

— É, Patrícia, pega leve com o Drake — Mitch estava ficando impaciente de repente.

— Eu ia dizer “sua vaca mimada”, mas nem vale a pena... Coitadas das vacas — Buttercup deu de ombros, enquanto escutava Patrícia praguejar e os garotos rirem.

— Você é bem atrevido, sabia? Mas saiba que eu posso te fazer se arrepender de cada palavra em um minuto. — estralou os dedos. — Se bem que de você, eu tenho pena, afinal, alguém que trapaceou para ganhar uma corrida de Stock Car amadora e se veste como se nunca tivesse saído do final dos anos 80, é digno de se sentir pena.

— Quem você tá chamando de trapaceiro, sua bruxa velha? — aponta com o indicador para a cara da megera. — Fique sabendo que eu não venço na base da vigarice, diferente de você! Eu sou honesto!

— Honesto? — repetiu irônica, inclinando o pescoço para trás e fingindo gargalhar. — Isso foi a coisa mais engraçada que já ouvi. Oh, você é tão patético que chega a ser cômico. Eu vi com meus próprios olhos, você trapaceou, mas sei que o Butchzinho é precioso demais para se deixar abater por isso e... — nesse momento o relógio digital dela vibrou no braço. — Tenho compromisso mais importante do que discutir com você agora. — fez sinal de “estou de olho em você” com os dedos. — Até mais, Butchzinho! Você verá sua estrela daqui a pouco. — despediu-se, beijando estalado a bochecha do rapaz.

E assim, ela foi embora.

— Butchzinho é o caralho... — murmurou o moreno, impaciente. Limpando o rosto rapidamente em seguida.

— Argh!! Eu não suporto essa... Essa... Riquinha dos infernos!! — cerrou os punhos, muito irritada.

— Eu te entendo, ela não é muito agradável não. Mas bora curtir o resto do festival? Deixa ela pra lá. — Sugeriu Mitch.

— É a melhor coisa a ser feita. — Butch respondeu e foi até a funcionária, que estava o esperando, entregar seu capacete.

O local das feiras e projeções sobre T. I. estava uma euforia com repórteres e suas equipes de prontidão. No centro do local, haviam instalado uma estrutura grande e revestida, ali dentre três horas começaria a palestra com o Sr. Chris Morbucks, um dos maiores investidores de tecnologia da cidade nas últimas duas décadas. Além de relatar um pouco sobre sua inspiradora trajetória, o magnata iria apresentar à plateia, com exclusividade, o seu mais novo projeto.

Durante o tempo antes da palestra, eles passaram pelas barracas. Interagiram com mini-robôs; realizaram um quiz sobre conhecimentos tecnológicos — Mitch gabaritou a maioria; viram projetos mirabolantes de futuras construções na cidade e um simulador 3D sobre arquitetura e engenharia, como também babaram nos modelos exuberantes de veículos de última geração. Quase uma hora antes da palestra, aproveitaram para ir fazer uma boquinha, e como prometido, Butch pagou o lanche de Butter.

— Olha — disse ela entre uma mordida e outra — Você tava certo. Lanche de graça é mais gostoso, cara.

Jojo fez uma careta.

— Imagino que deva ser uma delícia mesmo, mas você ganhou com mérito, então, só hoje, irei tolerar suas provocações, tampinha. — comentou levando uma batata frita à boca.

Butch se sujou todo de ketchup no rosto, fazendo Buttercup misturar ainda mais em sua bochecha, rindo sapeca. Ele a olhou novamente de uma maneira diferente, amena, como se estivesse gostando da brincadeira da Utonium.

Mitch observou isso calado e levemente irritado, acabando amassando o sachê de maionese que colocava em seu lanche, enchendo o pão com o molho.

— Sabe — Butter iniciou, tentando voltar a ficar séria. — Ainda bem que seu pai descolou esses ingressos para a gente de última hora, cara.

— É, aconteceram uns contratempos na empresa dele, e eles e os sócios não puderam vir, então, perguntou se eu poderia ir. Aí lembrei de você e pensei: por que não?

— Ainda bem que se lembrou de mim.

A declaração do bisneto de Maverick fez Mitch se sentir estranho. Talvez as coisas não estavam na ordem que imaginava. Foi ele quem propôs o passeio, então foi Mitch quem fora chamado por mera formalidade, não o contrário.

A maneira que Drake sorri para o astro enquanto o provoca, a satisfação. A maneira como as suas covinhas se mostram mesmo quando o moreno não falava nada demais. A maneira como se estressou quando a patricinha se aproximou deles, como não abaixou a voz para ela, parecendo que estavam marcando território.

Nesse momento, sentiu-se um bobo iludido.

Estava sobrando, essa era a verdade. Talvez Butch nunca retribuísse Drake, entretanto devia reconhecer que as probabilidades de ter o coração de Drake, eram a favor dele.

Mais uma vez, o engomadinho estava ali, para chamar a atenção e roubar sua conquista antes mesmo que pudesse alcançá-la.

— Eu... Lembrei que tenho algo para fazer agora. — Mitch disse, de cabeça baixa. — Agradeço pela diversão, mas tenho que ir. Até.

O Mitchelson sai correndo, deixando a Utonium e o Jojo sem entender nada.

— O que deu nele? — Butch coçou a cabeça.

— Vai ver deu piriri — ela riu da própria piada. — Sei lá, o Mitchelson é tão misterioso às vezes...

Butch tentou desconversar.

— Mas... Eu tô aqui ainda! Que tal a gente se divertir, hein, meu chapa?

Butter sorriu, sapeca.

— Demorô, bro.

Olharam o relógio, faltavam vinte e cinco minutos para o início da palestra, passaram no banheiro antes de se direcionarem para o local da apresentação. As fileiras próximas do palco se encontravam lotadas, porém as do meio ainda estavam disponíveis. Escolheram um bom momento para se sentarem.

— Ansioso? — perguntou o rapaz, sentado ao lado da companheira.

— Um pouco — confessou — O que será isso de tão importante que irão anunciar? Quanto suspense — olhou ao redor e ao reparar nos trajes dos demais visitantes, se encolheu no assento — Nossa, todos aqui parecem tão chiques. Se soubesse teria me vestido melhor…

— Você está bem com essa roupa.

— É, mas eu poderia ter me produzido melhor.

Antes que ele respondesse, o apresentador calvo entrou no palco.

— Boa tarde, senhoras e senhores! Fico muitíssimo feliz pela presença de vocês! — saudou todos presentes — Hoje, como bem sabem, todos aqui presentes terão a oportunidade de conhecer em primeira mão o projeto revolucionário que o excelentíssimo e visionário Dr. Chris Morbucks trará para nossa cidade. Uma salva de palmas para o Dr. Morbucks — orientou e nesse momento um homem ruivo, de meia idade, vestindo um smoking preto chique e com um sorriso branco que chegava a brilhar, adentrou o palco.

Todos aplaudiram de pé. Butch e Butter se levantaram também, pois acharam que poderiam ser mal vistos pelo restante pelo “desrespeito”. Com todos de pé, Butter teve que ficar na ponta dos pés e se inclinar para os lados para ver direito o que estava acontecendo. Uma música reverberou e flashes de câmeras foram percebidos.

— Agradeço pela calorosa recepção — respondeu Chris. — Mas, por favor, se sentem — pediu educadamente e a plateia voltou a se sentar.

O ilustre voltou a falar, nesse momento Butter se aproximou da orelha de Butch e sussurrou:

— Quem é o esquisitão?

O rapaz arregalou os olhos, em surpresa.

— Como assim você não sabe?

— Eu deveria saber...?

— Bom, você tá na palestra dele, num evento promovido por ele, então saber quem ele é deveria ser o mínimo — riu baixo. Butter o encarou, séria.

— Eu nem queria estar nessa palestra... Na real, odeio palestras... — revirou os olhos — Tô é com fome.

— Mas você acabou de comer, tampinha! — relembrou ele. — E agora que eu estou na palestra de Chris Morbucks, não irei pra lugar algum. — cruzou os braços.

— Seu chato! — acusou a morena.

Butch relaxou na cadeira.

— Ele é o maior investidor de novas tecnologias de Townsville. Foi ele quem trouxe a estação de metrô e o novo shopping para cá. Além de abrir filiais e dar visibilidade para a cidade.

— Claro, claro... — concordou desinteressada. — Dá licença? Eu vou ao banheiro.

"Esse binder tá apertado... E eu acho que tô naqueles dias..." pensou a morena se levantando da cadeira.

— Toda. Mas, enquanto estiver no banheiro, pense: “Esse sobrenome, Morbucks, não me remete alguém?”

— Hmm… — colocou mão no queixo, sem entender, até que uma luz se acendeu em sua cabeça — AH NÃO, VELHO! A CHATÍCIA?!

Nesse momento, Chris, no palco, chamou sua adorável sobrinha para ser sua assistente de palco.

Buttercup e Butch ficam emburrados de repente.

E Butter aproveita ainda mais a deixa para subir correndo as escadas para sair dali. Enquanto Butch se encolhe na cadeira e cobre o rosto com a blusa de frio, a fim da garota não reconhecê-lo no meio da plateia

— Sério que ela tinha que ser assistente? Justo hoje? Tsc!

Patrícia enxerga Butch do palco e acena com um sorrisinho.

— Oi, Butchzinhooo!! — ela somente sibilou e mandou um beijo no ar para ele.

Apenas alguns presentes olharam para trás, por curiosidade.

POV BUTTERCUP

No banheiro, eu tive a comprovação de que realmente estava longe de ter um dia de sorte e paz. Foi só sentar no vaso do banheiro unisex que me deparei com a minha menstruação que havia acabado de descer.

— Droga, justo hoje! — praguejei baixo — Que dia maravilhoso… — resmunguei para mim mesma e abri com pressa a bolsa que havia trago. Revirei a mesma e encontrei o pacote de absorventes que sempre levava consigo, para sempre estar preparada para momentos como aquele.

Aproveitei também para trocar de calça, vestindo a reserva, pois estava ameaçando manchar.

Voltei pra palestra, ainda olhando pro meu traseiro, achando que algo estava aparecendo ainda. Deve ser só minha imaginação. Mas sério, que falta de sorte... Justo hoje, essa porcaria tinha que vir?

— E ae, man, mals a demora. — sentei ao lado do Jojo, que me olhou de soslaio. Parecendo ainda estar muito concentrado na palestra.

— Que foi, mano? Mudou de calça?

— Er... Sim.

No palco, o parente ricaço da Chatícia ainda tagarelava e depois de 10 minutos eu já estava lutando contra o sono, usando minhas forças para continuar com os olhos abertos. Ao contrário do Butch, ele o escutava atentamente e era perceptível que estava ansioso, porque sua perna não parava de mexer, seus olhos pareciam brilhar e ele respondia as perguntas retóricas que o palestrando fazia.

A Chatícia, por sua vez, auxiliava o Dr. Morbucks, mas vez ou outra ela olhava em direção a Butch, com um sorriso largo, como se estivesse na esperança de estar roubando a atenção do rapaz naquele momento, como se fosse possível, Butch estava imerso demais nas palavras sábias do visionário. O que, em tese, é muito bom e me deixava aliviada, afinal ele não estava dando a mínima para aquela ruiva sebosa — não que eu me importe com isso, nem em mil anos.

— A sua namorada não para de olhar pra você, cara — sussurrei provocativa.

Butch apenas me mostrou o dedo do meio, sem manter contato visual. Eu achei graça.

— Então, com tudo isso em mentes, irei finalmente mostrar para vocês, meus amados fãs, o meu novo projeto que não só revolucionará Townsville, como o mundo! — ergueu as mãos para cima, emblemático, e as luzes dos holofotes se voltaram todas para ele. Os repórteres se aproximaram do palco pelo máximo que a grade de proteção os permitia.

— É agora! — Butch vibrou numa posição pronta para se levantar e aplaudir.

Enquanto isso eu somente fiz uma careta e pensei: “Ih, lá vem!”.

— Então, é com o maior prazer do mundo, que eu os apresento: — anunciou Chris, puxando os panos que cobriam uma grande tela na parte superior do palco, apertando o botão do controle que estava na sua mão em seguida. — PATTY! A primeira AGI (Artificial General Intelligence) de Townsville!

Nesse momento, um holograma de quase 2 metros, estranhamente semelhante a Chatícia, se fez presente atrás dele e na telona começou a passar um vídeo, mostrando todas as informações da I. A.

O brilho nos olhos de Butch sumiu.

Duvido nada que ela tenha enchido muito o saco dele para que fosse a cara dela. Nem me surpreendo, essa garota sempre faz de tudo para chamar atenção.

— A inteligência da PATTY se equipara a de um ser humano. Imagino que seus olhos vislumbrados já se encontram encantados por essa belezinha, não é? Mas não se desesperem, logo mais ela estará mais próxima do que vocês imaginam. — sua fala atiçou a curiosidade da maioria dos ouvintes, pelo menos a minha foi. — Sabem por que? Alguém tem algum palpite — apontou o dedo para as pessoas. — Alguém? Não? Nem uma ideiazinha?

Algumas pessoas ergueram a mão e deram palpites, porém ninguém acertou. Eu realmente não sabia o que me irritava mais, todo aquele suspense desnecessário ou a Chatícia gigante holográfica que ficava “me encarando”, como se pudesse me ler como um livro. Aquilo me arrepiou toda.

— Mais alguém? Não? Lamento dizer isso, mas ninguém acertou. Bom, isso não é problema, apenas ajuda a aumentar a surpresa. — deu uma risada. — Antes da grande revelação, darei mais uma última dica. Ela se ambientará num local onde a maioria de vocês, meus caros fãs, se encontram todo dia para se locomoverem para o trabalho, para a casa, para a casa de algum 'namoradinhe — deu uma piscadela, que provocou uma risada coletiva. — Eu já fui jovem, pessoal! Eu sei exatamente como é, não precisam ficar encabulados.

— É sério que você quer continuar aqui para ouvir esse cara? — dirigi a palavra para Butch. — Ele não para de enrolar.

— Um lugar onde sempre nos encontramos nos nossos afazeres…? — ele pensava alto, com a mão debaixo do queixo. — Será que ele tá falando da praça pública?

Fui ignorada com sucesso.

Inclinei-me para trás, encostando a costa no almofadado da cadeira.

— Bom, já que ninguém acertou, terei que falar, fazer o quê — deu de ombros, risonho. — PATTY ficará ao ladinho de vocês, todos os dias, nas estações de metrôs! Liberando as passagens, dando orientações, supervisionando a superlotação e, claro, fazendo um catálogo com as melhores opções de lanchonetes para cada gosto em particular e com os melhores preços baseando-se na sua quantia gasta estimada. Além de começar a ser responsável pela prefeitura, estações do correio, centrais de abastecimento de água, empresas de energia não terceirizadas e do shopping, ajudando a modernizá-lo.

Após ele terminar de falar, um vozerio se fez presente.

— Isso que eu chamo de robô multi-tarefas — ironizei, olhando para Butch, que parecia transtornado.

— Eu. Não. A-cre-di-to! — disse pausadamente, sua expressão facial denunciava que ele se encontrava irritado.

— Tá tudo bem, mano?

— Além de ter que aturar a Patrícia original me perseguindo todos os dias, terei que tolerar sua versão digital quando tiver que usar o metrô. Isso é um complô contra minha pessoa.

— Ih, para de drama, você é rico, aposto que nunca precisou usar metrô na vida! — acusei.

— Mas vai que, hipoteticamente, eu precise usar algum dia

— Sério? — eu o interrompi.

Impressionante como privilegiados sempre criam esse cenário hipotético, mesmo sabendo que dificilmente viriam a vivenciar esses cenários na prática.

— Acredito que estejam curiosos agora. Então, deixarei um de cada vez me fazer perguntas, ok? Mas lembrem-se, vamos ser educados, levantar a mão e esperar a sua vez, respeitando o momento de fala do amiguinho, para que possa ser respeitado quando chegar o seu. — informou levantando a mão, como demonstrativo.

Aquele cara estava achando que estava falando com quem? Com a quinta série? “Amiguinho”, jura?

Balancei a cabeça e novamente senti meu estômago me pedir comida de novo. Aquele papo todo somado a situação que me encontro atualmente, me trouxe fome.

Avisei o Butch que iria sair rapidinho para comer alguma coisa, ele só concordou.

Enquanto a sessão de perguntas e respostas começou, eu fui para a lanchonete comprar um salgado. Demorei cerca de 10 minutos — tive que enfrentar fila — e quando voltei o ruivo continuava a falar. Nem me surpreendi.

No momento que me sentei, uma jovem, de no máximo 22 anos, usando óculos grande e redondos e vestindo um vestido longo e amarelo, com o cabelo preto aderido ao penteado chanel de bico; levantou a mão e pude perceber que ela usava uma pulseira de flores brancas. A atenção de Chris se voltou a ela:

— Pode perguntar, linda mocinha. — disse e a jovem se levantou, erguendo os óculos para cima com o dedo indicador antes de começar sua pergunta.

— Primeiramente, boa tarde para o senhor, sua palestra está incrível.

— Me alegra muito saber que esteja sendo de seu agrado.

— Sim, tudo muito lindo e sua dicção e maneira espontânea de se comunicar é maravilhosa. Mas, fiquei com uma dúvida sobre a parte dos cargos que você mencionou ficarem sob o comando da PATTY a partir desse momento. Por acaso, ela ocupará os cargos públicos e consequentemente, causará uma grande taxa de desemprego para nossos munícipes?

E é agora que o clima começa a ficar tenso!

A maioria das pessoas olharam para Morbucks com expectativa pela resposta.

— Olha, perdão, mas a maneira como a senhorita formulou sua pergunta me vilanizou, mas sei que não foi por mal. — forçou um sorriso. — A PATTY irá sim ocupar esses espaços e com sua presença, a mão de obra humana será dispensada. — nesse momento, uma onda de uivos se iniciou. — Por favor, antes de criticarem, me deixem terminar de explicar — colocou a mão na cintura e olhou para a multidão, meio irritado.

Chatícia, ao seu lado, colocou uma mecha de cabelo para trás da orelha, parecendo estar constrangida com a má recepção do projeto do tio.

— Oportunidades de emprego iram se fechar, porém com o avanço, novas portas poderão se abrir…

— Me perdoe a interrupção. — a jovem de vestido amarelo voltou a se pronunciar. — Mas essas novas oportunidades que irão surgir abrangerão todas as pessoas que ficarão desempregadas com sua nova tecnologia ou essas vagas irão unicamente visar pessoas com mestrado em T. I. e com um longo histórico de experiências na área no currículo?

Os espectadores entoaram um “Ooooh!”.

— Aonde quer chegar, senhorita…?

— Nancy, Nancy Dyer — informou. — E, sinceramente, não sei se o senhor sabe, mas a porcentagem da pobreza na nossa cidade aumentou cerca de 10% nos últimos dois anos por consequência da pandemia da Covic-19, e o senhor achou mesmo que a sua ideia, de trazer uma I. A. para desempregar mais milhares de pais e mães de família, fosse prudente em favor do bem da maioria? Se realmente foi isso, perdão a palavra, mas o senhor é bem ingênuo.

Uma união de aplausos começou após sua fala.

— Eu gostei dela. — falei para Butch, aplaudindo-a também.

— A senhorita é bem direta, não é mesmo? — reparou pegando um lenço do bolso do terno e limpando a testa suada. — Eu adoraria mesmo explicar a tese para você, e para todos que aqui estão criticando, para fazer entrar em suas mente rasas o real significado desse projeto e a importância que o seu avanço trará não só para essa cidade, como para o mundo, mas…

— Ele literalmente acabou de chamar mais da metade das pessoas presentes de burras? — fiquei incrédula.

— Sim, ele fez isso. — Butch respondeu. — Isso daqui vai gerar muita confusão ainda.

— Realmente.

— O meu tempo está acabando, então acho melhor prosseguirmos com as demais perguntas, para dar tempo para os outros colegas presentes também manifestarem suas dúvidas. — esclareceu e um dos seguranças tomou o microfone da jovem de vestido amarelo, chamada Nancy.

Ei! — ela soltou, ríspida. — Não podem nos calar assim!

O caos começou a se instalar nesse momento, e uma grande parcela, junto a Nancy, começaram a erguer os punhos várias vezes para cima, gritando que precisariam ser ouvidos e que aquela ideia absurda seria uma grande regressão para a classe mais pobre, que ficaria mais pobre, pela ambição dos mais poderosas e mais outros protestos que não pude ouvir, pois Butch orientou que saíssemos de lá antes que a confusão aumentasse, era possível ver desordeiros, se aproveitando da situação, ameaçando quebrar as cadeiras reforçadas; além do som começar a ficar periodicamente abafado.

Parecia que outras pessoas tinham tido a mesma ideia que a gente, visto que demoramos dois ou três minutos naquele empurra-empurra até voltarmos a ver a luz artificial da feira novamente.

POV BUTCH

Depois desse grande desentendimento na palestra, eu e a Tampinha, resolvemos ir embora da feira e voltar para a Maverick.

Independente dos contratempos, foi bom demais passar esse tempo divertido com ela, ela é bem mais legal e maneira do que eu idealizei. Todo dia me mostrando uma coisa nova, uma verdadeira caixinha de surpresas.

Durante o trajeto, “Drake” resolveu puxar assunto.

— Err… — coçou a garganta. — Que dia, hein! A palestra foi bem... sabe…

Aparentava querer puxar assunto, não obstante tropeçou nas palavras. Então resolvi ajudá-la, relatando a minha opinião sobre a freira que visitamos.

— Pra ser sincero, fiquei decepcionado. Quer dizer, a palestra tava indo bem, mas daí ficou meio... Sei lá, estranha. Tipo, quão longe vai o egocentrismo da Patrícia? Ela é uma stalker — eu estava bolado com tudo aquilo, sendo que tinha muita expectativa.

— O quê? — franziu o cenho, parecendo não entender. — É sério que com toda a pauta levantada, você só prestou atenção nesse detalhe? Tipo, eu também não suporto a Chatícia, mas o argumento levantado pela mulher vestida de amarelo tem relevância.

— É, faz sentido, ela foi bem pertinente — concordei — Mas ainda assim, é meio assustador o que a Patrícia faz por atenção.

— Tá, a Patrícia é uma sem noção e isso surpreende o total de 0 pessoas. E, convenhamos, bem possível que ela tenha ameaçado até a décima geração dos projetores envolvidos caso eles não colocassem o resto lindo dela no holograma. Um verdadeiro descaso público. Mas isso não é importante e às vezes acredito que você também é meio obcecado por ela, mesmo que não perceba, mas enfim não quero brigar por causa dela, cara. — levantou as mãos para cima, como se estivesse em rendição.

Fiquei abismado com sua comparação. Eu, obcecado pela Patrícia?! Nunca na minha vida! Que ideia era aquela? Como ela pôde ponderar isso? O que tinha naquele último salgado que ela comeu?!

— Eu tô é obcecado com outra coisa... O campeonato de futebol do mês que vem, já se inscreveu? — tentei desconversar. Tava com dor de cabeça e não queria debater nada, muito menos sobre a Patrícia.

— Mas é claro, né? Não perderia a oportunidade de me mostrar melhor que você, mais uma vez. — passou as mãos no cabelo, fingindo ser metida. — Mas, voltando ao assunto da feira, o que você achou dessa I. A. super inteligente que o... o que ele é da Patrícia mesmo?

— É tio, tampinha. — dou um tapinha de leve no ombro dele, digo, dela. — E você é um convencido, hahaha. Bom, sobre a feira, eu gostei da I.A em si, achei a proposta interessante, mas ter a cara daquela garota é o pior.

— Um dia você supera isso — mostrou um sorriso amarelo. — Eu achei a ideia inovadora e boa, porém ela está sendo mal executada. Ao meu ver, a tecnologia deveria ser utilizada como aliada, para ajudar a deixar o trabalho mais dinâmico, e não uma substituta, gerando assim tanto desemprego.

— É, você tem razão, mó vacilo uma máquina tirar o emprego do humano. Se bem que, em alguns lugares, isso já acontece. — a gente chegou ao nosso quarto. — Bom, tampinha, vou tomar banho, belê?

— Vá mesmo, eu não ia falar nada, mas já que mencionou, o seu cheiro estava forte e dava para senti-lo lá do banheiro da feira. — zombou, tampando o nariz.

— Exagerado — ri, mostrando a língua — Falando em banheiro, tu demorou lá, hein, baixinho? Foi soltar um barrão? — gargalhei alto.

Nesse momento as bochechas dela enrubesceram e a tampinha prendeu a respiração, apertando firme a alça de sua bolsa.

— Houve um pequeno incidente, com outra pessoa que estava lá dentro, mas não é nada que você precise saber.

— Beleza, cara! — concordei, ainda desconfiado. — Vou lá então. Quero ver você reclamar do meu cheiro depois.

E me tranquei lá dentro sentindo minhas bochechas enrubescerem sem eu saber a razão.