Era um final de tarde comum onde o céu alaranjado começava a misturar suas cores quentes com as frias da noite se aproximando. As nuvens criavam formas por entre os prédios e coloriam os telhados das casas.

Tudo era laranja. A conversa agitada das pessoas andando pelas ruas na volta do trabalho, as janelas dos edifícios onde se via a correria pela uma última chance no dia e os carros que, como formigas, seguiam seus rumos nas estradas deixando o calor da fumaça para trás.

Viver essa vida podia ser cansativo, mas não tirava a beleza que vinha em contraste nos momentos difíceis. Ele sabia disso, o rapaz agachado em frente a garagem olhando o céu com o molho de chaves nas mãos. Sabia que colocar o sorriso no rosto logo que acordasse iria esgotar tudo dele quando o dia terminasse e mesmo assim fazia porque o importante sempre foi trazer significado a vida dos outros.

Cansado suspirou sentindo o corpo todo pesar como se o fardo das decisões ainda estivesse sobre ele. Apoiando as mãos nos joelhos se levantou seguindo para a porta de entrada com passos lentos.

A mão chacoalhou as chaves fazendo um tintilar rítmico acompanhando o piar dos pássaros e os motores dos carros a distância.

A porta foi aberta e com ela o frescor do ar o recebeu. Era um cheiro úmido, mas não ruim, que com delicadeza adentrou as narinas trazendo calma a seus pulmões cansados.

Dando um passo à frente fechou a entrada e com um sorriso exausto gritou:

— Cheguei!

Esperou ouvir um grito irritado ou pelo menos um som alto suficiente para mostrar que já tinha percebido, porém só o silencio permaneceu.

Sabia que tinha chegado cedo, mas aquilo era estranho. O outro que morava com ele normalmente não era de falar muito e menos ainda era honesto com os sentimentos, mas era educado da sua maneira e sempre gritava quando algo o incomodava.

Enquanto pensava no que tinha acontecido tirou os sapatos os colocando no canto e as chaves na prateleira próximo à entrada.

— RanRan! – Continuou sorridente seguindo o corredor em busca do rapaz.

Andou por cada cômodo da pequena casa repetindo o apelido vezes suficiente para ouvir gritos o mandando se calar, mas isso também não aconteceu.

Não fazia ideia de onde ele poderia estar ou para onde tinha ido. Agora, parado no batente da porta cruzou os braços olhando para o quarto que dividiam onde os lençóis estavam arrumados sobre a cama enquanto ponderava se isso era algo comum. Afinal, conseguiu chegar em casa uma hora antes do habitual e não sabia o que o rapaz costumava fazer nesse momento enquanto estava fora.

Soltando um riso sem sorriso foi até o armário pegar sua toalha e uma troca de roupas limpas. Se dirigindo para o banheiro pensou até ser melhor estar sozinho, pelo menos naquele momento.

Sem se preocupar encheu a banheira com água quente tentando encontrar alguma lembrança que respondesse a pergunta de antes. Ao tirar as roupas amassadas sentiu o calor do vapor encobrir seu corpo o permitindo relaxar de uma vez pensando no rosto emburrado do rapaz que tanto queria ver.

• • •

Seus pés caminhavam tão rápido que parecia correr pela rua com as sacolas pesadas nas mãos. Não conseguia pegar o celular no bolso da calça e menos ainda achava que tinha tempo para isso. Com os olhos no céu estalou a língua se amaldiçoando por ter parado no caminho para acariciar os gatos no muro de uma casa tomando mais tempo do que era necessário. Se amaldiçoava, mas não se arrependia.

O céu laranja o confundia fazendo acreditar que estava completamente atrasado e ver as pessoas voltando para casa em seus uniformes de trabalho só o lembrava do motivo de estar correndo tanto. Ele tinha que chegar em casa rápido, tinha que chegar antes dele.

Foi quase sem folego que chegou ao destino empurrando o portão com o corpo e correndo até a porta caçando as chaves pela calça com dificuldade. Com a porta aberta ele finalmente estava salvo e, sem perceber, sorrindo, entretanto seu alivio não durou nem meio minuto.

No canto de sua visão localizou um par de sapatos conhecidos. Par de sapatos que não deveriam estar ali, pelo menos, não ainda.

O sorriso foi substituído por olhos furiosos e maldições enquanto trancava a porta. Continuou em direção a cozinha enquanto culpava o outro, gritava e discutia consigo mesmo mas não reclamou em momento algum dos gatos que ajudaram nessa bagunça.

Seu plano era fazer uma surpresa simples. Um jantar completo antes do rapaz chegar assim poderia se trancar no quarto fingindo dormir para não ter que lidar com a vergonha de ter feito isso. Mas agora estava tudo acabado. Reiji ficaria grudado nele o irritando e atrapalhando cada movimento seu.

Pensou em desistir, se fizesse isso não passaria pela situação e poderia dizer que comprou todos aqueles ingredientes para guardar e não para um jantar carinhoso.

Estalou a língua dando um chute na cadeira enquanto sentia o rosto queimar por ter pensado nisso.

— Eh? RanRan?

A voz confusa o fez se recompor quase automaticamente olhando na direção do corredor onde Reiji estava parado com uma toalha na mão e uma expressão alarmada no rosto.

— A-Ah... o que?

— Por que... chutou a cadeira?

— Por nada! – Gritou sem querer na tentativa de impedir que ele continuasse a falar e, quem sabe, o afastasse dali.

Quando dominado pelos sentimentos Ranmaru costumava se atrapalhar e, nesse momento, ao tentar afastar o amigo só conseguiu atrair ainda mais sua atenção. Reiji não tinha entendido o motivo daquela gritaria e por isso se preocupou em buscar por pisas no local que respondessem a pergunta que o outro se recusou a fazer.

Rapidamente seus olhos encontraram as sacolas sobre a mesa o fazendo supor que tinha ido ao mercado o aliviando das incertezas de quando chegou.

— Fez compras? – Animado correu como uma criança para ver o que tinha ali.

O maior sabia que ele faria isso e mesmo assim não conseguiu pensar em uma barreira rápido o suficiente para impedi-lo de chegar. Antes que pudesse notar sentiu o corpo do outro se aproximar do seu já vasculhando as sacolas.

— Reiji, você-

— Ah, quanta coisa! – O jovem parecia mais animado em ver os produtos do que em saber o motivo deles estarem ali. Ele tirava item por item olhando e sempre fazendo algum comentário contente. — Pra que tudo isso? Vai comemorar algo?

Cada pergunta o deixava ainda mais envergonhado e sem saída. Ele queria desaparecer ao mesmo tempo que queria fazer Reiji desaparecer.

— Quantas latas você comprou? – Questionou retirando o conteúdo alcoólico da última sacola mais interessado do que animado dessa vez. O silêncio que veio a seguir o incomodou fazendo notar que o amigo não tinha dito nada desde que ele começou a bisbilhotar. Intrigado levantou o rosto o procurando. — Eh? RanRan?

O rapaz estava vermelho olhando para o chão em um misto de vergonha e raiva. Reiji largou as compras tentando entender o que fez de errado sentindo a mesma sensação que um pai sente ao perceber que o filho está prestes a começar a chorar no momento errado.

— Eu... – antes do mais velho poder dizer algo Ranmaru começou a falar baixo — me deu vontade de cozinhar, só isso...

— Ah... – a resposta não fazia o menor sentido para aquela reação exagerada entretanto ele também não sabia se deveria realmente apontar isso agora — você quer que eu te-

— Não! Você sai daqui! – Como em um piscar de olhos o jovem cabisbaixo estava o encarando com uma expressão assustadora o fazendo recuar. — Não era nem pra você estar aqui agora!

— Eh?

A gritaria cessou como magica os colocando em um silêncio constrangedor onde se encaravam esperando que alguém dissesse mais alguma coisa.

Ranmaru não conseguiu encarar o rosto tão confuso quanto assustado de Reiji se forçando a fitar o chão frustrado consigo mesmo. Reiji, por outro lado, viu a situação como se estivesse realmente atrapalhando o rapaz a ponto de ser irritante olhar para ele.

Ele sabia que não deveria se intrometer nos assuntos do outro, sabia que o baixista era muito fechado e que se tivesse feito planos não teria motivos para contar a ele. Ranmaru, entretanto, só queria ver o menor feliz, mas não sabia usar as palavras de um jeito que o favorecesse.

Sem querer que o clima estranho permanecesse por mais tempo Reiji riu sem jeito tentando disfarçar a solidão no olhar. Ele tinha chegado cedo demais mesmo.

— RanRan, desculpa.

— Que- – A voz sem jeito deixou claro seu desconforto fazendo o maior se engasgar com as palavras antes de gritar mostrando sua frustração. — Por que tá se desculpando?

— É que-

— Eu só não queria que visse isso! – Gritando o impediu de continuar. Ele sabia que se deixasse talvez ouvisse mais do que queria ou entenderia. Sua voz estava alta, mas não esboçava qualquer sentimento negativo, apenas a frustração de ter falhado com seu plano. — Era pra ser surpresa...

Por instantes as palavras não fizeram sentindo ainda mais olhando para o rosto do jovem que parecia mais estar dando uma bronca do que mostrando conforto. Reiji precisou piscar umas três vezes antes de finalmente entender tudo o que tinha acontecido.

— Que foi? – Questionou quase sem abrir os lábios por conta da vergonha que tentava segurar dentro de si.

Isso foi o suficiente para fazer o mais velho dar o primeiro passo em direção ao pulo em cima dele.

— Reiji! – Bradou tomado pelo irritação.

— RanRan! – Também gritou, porém dominado pela felicidade.

Ranmaru até tentou empurra-lo, porém dessa vez o aperto dele foi mais forte o permitindo somente reclamar alto para a casa toda ouvir.

Levou alguns minutos para o menor se acalmar e finalmente se afastar indo para a mesa ajudar a separar os produtos e organizar tudo mesmo depois do outro ter dito que era para ficar longe.

— Ah, é. – No meio da organização a voz despreocupada do baixista atraiu o olhar pacifico de Reiji rapidamente.

— Hm?

— Bem-vindo de volta.

Os olhos calmos que dificilmente conseguia ver estavam o encarando deixando um sorriso tímido se formar no canto dos lábios. Nesse exato momento Reiji conseguiu ver toda a felicidade que tanto se esforçava para trazer aos outros parada bem a sua frente o acolhendo e afastando todo o peso de seu peito. Com um sorriso que parecia não ser o suficiente para mostrar toda sua gratidão assentiu.

— Hm. Estou em casa.

• • •

Não demorou muito para Ranmaru perder a paciência com as atitudes exageradas de Reiji e gritar o fazendo sentar em uma cadeira como uma criança de castigo podendo somente o assistir trabalhando de longe. O moreno não podia reclamar já que era por ele que o outro estava se esforçando então obedientemente engoliu sua agitação e fez como lhe foi mandado.

Apoiado sobre a mesa com a cabeça sobre as mãos ficou observando seus movimentos cuidadosos e cheio de confiança na cozinha colocando o óleo em uma frigideira enquanto em outra a carne junto da cenoura, repolho e alguns molhos descansava sobre o fogo baixo.

A fumaça ao redor deles abria o apetite com facilidade enquanto a determinação de Ranmaru em frente ao fogão abria um sorriso no rosto dele. De relance o maior pode ver aquela felicidade estampada ali enquanto movimentava o yakisoba e sem querer desviou o olhar tentando não mudar muito a expressão concentrada para não fazer alarme.

— Sabe, RanRan, – rindo ao notar a atitude começou a falar — eu estava realmente cansado quando cheguei aqui e só queria poder deitar em algum lugar. Mas aí quando abri a porta e não te encontrei senti que não tinha forças pra mais nada.

O silêncio tomou conta do olhar distante dele enquanto no fogão a frigideira estourava fazendo sons quase como sussurros. Ranmaru estava certo de que ele ainda tinha algo a dizer e por isso não o interrompeu. Estava curioso para ouvir enquanto partia para o próximo passo do jantar.

— Eu me enganei. – Voltou a falar soltando as palavras quase em um suspiro. Não foi pesado, mas de alivio. — Não era deitar que iria me curar. Era você. – Estava olhando para a parede quando explicou e por isso não viu os olhos do rapaz a frente se arregalarem como se gritassem no susto que seu coração levou. — Foi por isso que corri para voltar rápido pra casa... Foi por isso que fiquei tão feliz quando te vi.

Ranmaru se apressou para se virar de costas fingindo pegar algo na tentativa de esconder o rosto vermelho e acalmar o calor dominando seu peito antes de Reiji o olhar. Entretanto o moreno também estava envergonhado de sua confissão e não conseguiu levar o rosto diretamente para o outro. Apenas riu envergonhado coçando a bochecha sem ouvir qualquer resposta.

— Desculpa. Eu falo demais, né? – Falou alto em seu tom alegre de sempre vendo o rapaz ainda perturbado de costas para ele. Nesse momento seus olhos passaram pelo armário mais próximo vendo as frutas recém compradas repousando ali. — Ah!

Saltou ao mesmo tempo que gritou encurtando o caminho até lá. Ranmaru olhou por cima do ombro com as sobrancelhas curvadas e uma mão cobrindo a boca ainda envergonhado, porém quando viu o menor indo em direção a suas adoradas bananas sua expressão mudou já se pondo a gritar o nome dele.

— Me deixa fazer a sobremesa!

— Eu já disse pra ficar sentado! – Abandonando o fogão ele caminhou até metade do caminho aos gritos enquanto Reiji segurava as frutas com as duas mãos juntas como se implorasse por misericórdia.

— Banana com chocolate. – Ranmaru até abriu os lábios para gritar, mas se interrompeu ao ouvir a sugestão. — Por favor. – Ele não podia discutir mais com ele e não tinha porque negar bananas com chocolate.

— Ah... – Bufou em desistência já se virando de volta para suas tarefas deixando o outro pulando alegre ali.

— Sankyu!

Não demorou muito para terminarem e logo estavam sentados à mesa com seus omeletes recheados e as chocobananas no centro aguardando sua vez de serem saboreadas.

Eles ainda estavam discutindo quando Reiji levou o primeiro pedaço a boca fazendo o outro se calar quase instantaneamente o encarando. Ele não queria mostrar, mas estava apreensivo sobre o resultado depois de falar tudo aquilo. Contudo assim que ouviu os comentários exagerados seguidos de sorrisos honestos do moreno ele pôde respirar tranquilamente e finalmente relaxar.

Era esse o resultado que buscava quando teve a ideia, ver o sorriso dele. Contente consigo mesmo pegou um pedaço levando a boca sem medo.

— Oh... – a surpresa o escapou sem que pudesse se dar conta. O sabor estava muito mais suave e a maciez era gentil o suficiente para o acolher. Estava mais saboroso que o normal.

Um sorriso sutil apareceu em seus lábios ao perceber que era por causa daquele homem agitado e barulhento sentando em sua frente que isso tinha acontecido.

• • •

Após o jantar os dois conversaram sobre as melhores partes do seu dia e o que já tinham planejado para o próximo. Tudo com calma, sorrisos e sinceridade. Depois, quando Reiji decidiu limpar a bagunça que nem era tão grande, Ranmaru foi para a sala onde se sentou sobre o tapete apoiando as costas no sofá assistindo TV.

Não havia nada de importante passando, contudo seus olhos pareciam colados a tela. Ele ouvia os sons dos pratos na cozinha sendo acompanhados pelos risos no programa, mas só conseguia ver em sua mente o rosto contente do outro mais cedo se lembrando de suas palavras gentis como mãos quentes segurando seu coração com cuidado.

Um suspiro lhe escapou permitindo seu corpo se aliviar por completo deixando seu sorriso transparecer.

Os dois viviam uma vida agitada e de esforços intensos que muitas vezes os afastava com trabalhos complicados. Nem todos os dias tinham paciência ou ânimo para lidar um com o outro e os problemas que os cercavam pareciam nunca cessar. Entretanto sempre faziam de tudo para trazer a certeza de que ainda estavam ali.

Perdido em seus pensamentos nem percebeu Reiji entrar na sala colocando o pano do ombro sobre o sofá e perguntando o que assistia. Só foi realmente notar a presença quando o menor se sentou ao lado e inclinou o corpo deitando a cabeça em seu colo.

— Reiji!

— Eu já terminei.

— E o quê que isso tem a ver?!

— Eu tô cansado!

— Então vai pra cama!

— Ah! – Como uma criança birrenta se agarrou a perna gritando com os olhos fechados.

— Reiji!

Irritado o maior começou a se sacudir tentando empurra-lo de perto, contudo só facilitou para que agora sua mão também fosse agarrada por ele.

Ranmaru até tentou os separar, porém desistiu quando percebeu que não tinha jeito. Seus olhos o encarava descrentes tentando entender como um adulto como ele podia ser tão infantil às vezes.

Mais um suspiro e aos poucos seu corpo relaxou permitindo seus dedos se entrelaçarem aos dele que parecia dormir pacificamente ali. Era incrível como quando estava acordado parecia como um dia de sol quente exaustivo, mas quando dormia parecia um filhote indefeso precisando de amor.

Sem notar sua outra mão acariciou o rosto dele afastando os fios de cabelo dali. Ele fazia o caos, mas trazia uma quietude como ninguém. Seu corpo se inclinou como um imã e suavemente beijou sua bochecha.

Ranmaru não tinha dito nada antes, mas também queria vê-lo o mais rápido possível hoje e apesar de ter atrapalhado tudo o baixista estava grato por ele ter chegado mais cedo.

O toque foi demorado e repleto de conforto. Quando se afastou seus olhos semiabertos encontraram os dele seriamente o encarando.

Ele não se afastou ou tentou fugir apenas desviou a direção dos olhos sentindo o rosto ruborescer.

— Você é fofo.

A voz sorridente soou como um sussurro fazendo o maior fechar os olhos impressionado com sua rapidez em pega-lo desprevenido dando um riso curto antes de o encarar novamente.

— É sério?

— Hm. – Ele não queria resposta, mas Reiji deu mesmo assim. Soltando sua perna se virou aproximando seus rosto um pouco mais. — Muito.

O beijo foi suave e quieto, mas tão necessário que era algo que só eles podiam compartilhar. Assim como a vida era difícil, ela também era bela. Só de estar juntos já fazia vale a pena cada um dos esforços. Afinal, o simples sempre combinou com eles.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.