Julie e o Final Alternativo - CIP

Capítulo Único - Episódio 26 - Final Alternativo


Julie estava sentada na cama com um olhar extremamente raivoso para o notebook quando Daniel atravessou metade do corpo pela porta. Ela virou o rosto um instante, mas logo continuou a mexer no aparelho.

— O que cê tá fazendo? — Questionou entrando de vez no quarto.

— Esquecendo o Nicolas. — Respondeu determinada e tão focada que nem percebeu o pequeno movimento de comemoração do guitarrista.

— Posso te ajudar? — Perguntou.

— Pode. — Julie por fim deu atenção ao fantasma, virando o notebook para ele. — Apaga todas as fotos que ele aparece.

— Não. Eu vou te ajudar de outro jeito. — Daniel sorriu e ofereceu a mão para ajudá-la a levantar. — Vem comigo.

A vocalista suspirou e, devolvendo o sorriso, aceitou ser guiada para fora de casa, indo pelas ruas quase desertas àquele horário até um parquinho de uma praça do bairro. A praça existia desde a época do guitarrista e ele costumava sentar nos balanços para pensar quando sua mente ficava conturbada. Claro que já haviam reformado e não eram os mesmos balanços, mas ainda lhe batia o mesmo sentimento de calma ao estar ali.

E Julie acabou se sentindo dessa forma, sem que ele precisasse dizer nada.

E ainda assim, Daniel decidiu quebrar o silêncio. — Sabia que 83% de tudo que existe no universo é feito de uma coisa que ninguém sabe o que é?

Julie sorriu e desdenhou. — Até parece.

— É sério. Chama matéria escura e ninguém sabe do que é feito. Tudo isso que a gente vê é só 17% de tudo que existe.

— Se ninguém sabe o que é, como dá pra saber que existe? — Ela insistiu.

— Como você sabe que eu existo? — Ele desafiou.

— Porqueee eu to falando com você? — Ironizou como se fosse óbvio.

Daniel riu e começou a listar nos dedos. — Eu posso ficar invisível a hora que eu quiser, eu posso ficar intangível a hora que eu quiser, eu não tenho peso. Como você pode ter certeza que eu existo de verdade? É muito mais provável que eu seja só uma alucinação dentro da sua cabeça.

— Ah, brigada. — Julie sorriu com sarcasmo e um toque de diversão. — Eu precisava mesmo questionar o universo e a existência do guitarrista da minha banda.

— Disponha. — Ele respondeu com outra risadinha e desviou o olhar, mas logo voltou a mirá-la ao som de sua voz.

— Quer saber de uma coisa? Eu tenho certeza que você existe.

— Por quê?

— Por que eu não conseguiria te inventar. — Julie constatou com seu sorriso mais fofo estampando o rosto.

E de repente o peito de Daniel se inflamou em um sentimento que era muito maior do que apenas sentir-se vivo, algo que jamais experimentara em seus quase cinquenta anos de existência. Estava de fato amando Julie.

Os corpos foram se aproximando aos poucos, os olhos se fechando devagar e quando os lábios finalmente se tocaram, um tremor estranho percorreu o fantasma e se concentrou onde ficava seu coração e foi ficando mais forte até quase se tornar uma batida fraca, porém, antes que pudesse acontecer, Julie se separou dele de súbito.

— O que foi? — Daniel questionou confuso. — Eu sei que sou um fantasma, mas...

— Não. Não é isso. — Julie suspirou olhando para o chão. — Tá, isso também me deixa um pouco pensativa, mas não é tudo. É que... Você tem sido uma pessoa tão incrível pra mim esses tempos que... — Só depois de uma profunda respiração, ela conseguiu criar coragem para encará-lo. — Se for pra gente ficar junto mesmo, eu quero ter certeza que estou fazendo pelos motivos certos. Preciso de um tempo pra minha história com Nicolas esfriar e eu poder saber de verdade se não to com você só pra esquecer ele. Não sei se é justo te pedir isso, mas quero que tenha paciência comigo. Se não quiser esperar, eu entendo.

— Julie, você é a primeira garota que me faz sentir tão, tão... — Daniel não sabia muito bem como se expressar, afinal nunca havia precisado, em vida ou em morte. — Você é a única que conseguiu me fazer sentir tudo isso. Então qualquer tempo que eu tiver que esperar vai valer a pena.

A vocalista sorriu se perguntando como um fantasma rabugento como ele era quase o tempo todo conseguia também ser tão legal às vezes?

Já há alguns quilômetros de distância dali, Damien suspirou cansado enquanto lia mais uma página de mais um livro velho e em seguida se esticou para mostrar para Nicolas. — Olha aqui. Espalhar sal pela casa ajuda a espantar os espíritos.

— Mas ele não me assombra só em casa. — Lembrou triste. — Ele já me assombrou na escola.

— Cara, eu desisto. — Murmurou coçando o olho por baixo dos óculos e deixando que outro suspiro lhe escapasse. — Eu tenho que ir pra casa.

— Pra casa? — O desespero era óbvio na voz de Nicolas devido ao pânico só de pensar em ficar sozinha. — Não, por favor, cê tem que me ajudar.

— Já fiz tudo que podia ser feito. Não tem mais nada pra descobrir. Ou você contrata um médium pra ser seu guarda costas. Ou você constrói um imã de ectoplasma. Ou você se muda pra uma mina de sal. — Resmungou enquanto guardava suas coisas de volta na mochila.

— Eu preciso me livrar desse fantasma. — Enfatizou pressionando a cabeça com as pontas dos dedos. — Ele tá fazendo eu ser uma pessoa que eu não sou.

Damien estreitou os olhos, tão incrédulo que não conseguiu nem ao menos rir mesmo que aquela frase soasse absurdamente ridícula e cômica vinda dele. — Cê tá brincando, né?

— Como assim? — A expressão confusa de Nicolas era tão irritante.

— Ser alguém que você não é? — Riu com ironia para não acabar socando a cara dele. — Eu acho que você tá fazendo exatamente isso já faz muito tempo.

— Do quê que cê tá falando?

— Foi esse fantasma que te obrigou a parar de jogar RPG?

Finalmente a ficha de Nicolas caiu e por mais que aquilo lhe doesse, tentou disfarçar com um sorriso e mudar de assunto. — Não, mas isso não teve nad...

— Foi ele que te obrigou a jogar fora todos seus livros de ficção cientifica? — Damien aumentou a voz demonstrando o quanto estava magoado. — A se candidatar pra atlética? A ter vergonha dos seus amigos por sermos nerds? Quer saber? Eu tenho que ir! Já tá tarde.

Mesmo depois de horas, aquelas palavras ainda ecoavam na cabeça de Nicolas e ele sabia que Damien estava certo em cada uma. Por isso, antes de dormir tomou uma decisão e prometeu a si mesmo que iria até o fim dessa vez.

(...)

Quando a professora de matemática entrou na sala cumprimentando todos e pedindo que abrissem o livro na página 49 para revisar os exercícios da aula anterior, Julie franziu o cenho e, mesmo ainda estando chateada, não conseguiu conter a preocupação e virou para a melhor amiga na cadeira ao lado para dizer.

— Será que aconteceu alguma coisa com o Nicolas? Ele nunca atrasa.

Mas antes que Bia tivesse tempo de pelo menos tomar ar para responder, uma voz chamou a atenção da turma inteira vinda do lado de fora. “Julie! Julie, aqui no pátio”.

A professora até tentou manter a aula, porém não teve sucesso e logo todos os alunos, incluindo Julie é claro, correram para as janelas e viram Nicolas lá embaixo, com seu traje de Cavalheiro Medieval, gritando bem alto para quem quisesse ouvir.

— Julie. Eu nunca mais vou esconder quem eu sou de verdade. Nunca mais. — algumas pessoas nas janelas da escola riam dele, mas Nicolas já nem ligava mais para a opinião deles, nem mesmo dos que não podia ver. — E não vou ter medo de ninguém. DE NINGUÉM! De fantasma nenhum. Ouviu? DE FANTASMA NENHUM. Pode vir. Eu não tenho medo de você.

Thalita, é claro, não podia perder a chance ser a perfeita megera de sempre, e foi logo desdenhando. — Nossa, Julie. Que mico. Quer ajuda pra se esconder?

Mas Julie nem deu importância, apenas se virou e começou a correr escadarias abaixo, precisava entender o que Nicolas queria dizer com aquilo.

— Como assim “medo de fantasma”? — Questionou ainda ofegante assim que chegou ao pátio.

— Eu menti. Nunca tive vergonha de você. Eu só falei isso porque um fantasma me obrigou. — Nicolas respondeu já tomando ar para começar um discurso. — Mas eu tinha vergonha de mim mesmo e nunca mais...

— Pera aí, pera aí, conta isso direito. Um fantasma te obrigou? Como ele era? — As mãos da vocalista se fecharam lentamente, tremendo em puro ódio.

— Bom... O cabelo era cacheado, ele usava uma camisa vermelha com terno preto...

— Desgraçado. — Julie não deixou que Nicolas terminasse, saiu correndo praticamente atropelando todo mundo que tentou entrar na frente.

Ao chegar na frente de sua casa, parou para tomar um ar e só então foi até a edícula e abriu a porta com tudo, assustando Daniel que tocava sua guitarra na maior tranquilidade do mundo. Ao vê-la, o guitarrista abriu um inocente sorriso, que tão rápido quanto surgiu foi se desmanchando aos poucos ao perceber que ela estava com raiva. Muita raiva.

— Você não tinha o direito!

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.