Após seus dois dias de folga, Kate retornou ao hospital preparada para o seu plantão de vinte e quatro horas.

Diferentemente dos outros dias, ela chegou uma hora mais cedo do que o normal e, depois de se trocar no vestiário, foi quase correndo para a sala de sua Orientadora, a esperando com ansiedade, pois sabia que Lanie gostava de chegar bem cedo para dar tempo de estudar prontuários antes de começar as atividades diárias.

Como Kate previra, a Dra. Lanie Parish Esposito chegou muito antes do início do seu plantão e arqueou as sobrancelhas ao encontrar sua Residente ali.

— Hey! Bom dia, Kate! – apesar de sorrir com cordialidade, Lanie demonstrou não entender a presença da jovem ali.

— Bom dia, Lanie. Cheguei cedo...

— Ah, estou vendo. – a médica entortou os lábios e piscou o olho para a moça, deduzindo que ela deveria ter algo muito importante para falar — O que você faz aqui tão cedo, garota?

Por mais que quisesse se abrir com a Lanie, Kate não sabia como tocar no assunto.

— Kate, porque não está junto das suas colegas esperando o início da jornada, eihm? Ok! Entendi! É uma coisa meio óbvia... Você chegou cedo porque quer falar algo delicado comigo. Acertei?

Kate franziu a testa e o nariz — Preciso te pedir uma coisa.

— Bingo! Você quer me pedir uma coisa.

— Ah, Lanie... Para de repetir o que eu falo... Assim a gente perde tempo e eu fico apreensiva. Eu quero pedir uma coisa para a Médica Lanie, que é minha amiga, entende?

— Huuummm! Você madrugou, eihm? O que é que você quer garota? Aliás, antes de me fazer esse tal pedido, resuma aí os seus dois dias de folga... – Lanie fez uma expressão de ansiedade — Pelo amor de Deus, me conte se o pai da Alexis te procurou e se vocês conversaram e se.... – a médica deu um sorriso traquinas — E se vocês se entenderam... – Lanie deu uma piscada de olho cheia de malícia.

Kate revirou os olhos e arquejou, pois, imaginava que Lanie queria mesmo saber sobre aquele assunto — Bem, ao invés de te responder eu vou fazer o tal pedido... Daí você tira sua conclusão.

Ao falar aquilo, Kate sentiu seu rosto e seu pescoço pegarem fogo, sinal de que enrubescera.

— Ah, você ficou rubra... – Lanie abriu um largo sorriso— Prevejo boas notícias... Mas confesso que não entendi direito este suspense, mas tudo bem... Diga o que você quer.

— Mas só peço que não me julgue, ok?

Ainda à porta da sua sala segurando a chave da porta ainda fechada, Lanie consultou o relógio — Menina, peça logo o que você quer porque o tempo está correndo e eu tenho que estudar prontuários.

Kate continuava vermelha.

— Huuumm!! Pelo visto a coisa é séria – Lanie deduziu, diante da expressão assustada de Kate.

Sem responder, Kate foi direto ao ponto, jogando as palavras de uma só vez, mas o fez bem baixinho, quase sussurrando, para que ninguém mais escutasse, já que estavam no corredor do hospital— Lanie, eu preciso que você me dê uma requisição de exames...

— Que exame, menina?

— Preciso saber se estou ou se não estou grávida. Pronto, falei!

Lanie arregalou os olhos diante daquela pergunta inesperada e, completamente atônita, ela olhou de um lado para o outro do corredor vazio e destrancou a porta da sua sala e colocou Kate para dentro, fechando-a em seguida. Mandou que a moça se sentasse e ela própria se acomodou na sua cadeira giratória e, literalmente boquiaberta, recostou-se nela como se precisasse de apoio para não cair.

— Eu ouvi errado ou você me pediu uma requisição para você fazer um teste de gravidez, Kate?

Em silêncio, Kate apenas aquiesceu, fazendo um sinal afirmativo com a cabeça.

— Meu Deus! – Lanie se desencostou da cadeira e colocou os cotovelos na superfície da mesa, apoiando o queixo com as mãos fechadas, mas logo recostou-se novamente e desta vez colocou o cotovelo direito no braço da cadeira e apoiou o queixo com a mão direita fechada. — Garota, eu te perguntei se você conseguiu falar com o pai da Alexis e você vem me dizer que talvez ele seja pai novamente... E de um filho seu... – Lanie não escondia sua surpresa com aquela notícia. — Isso que eu chamo de resumir com poucas palavras seus dois dias de folga.

— Lanie!

— Quem menos anda, voa... – Lanie ainda estava pasma.

— Lanie!

— Acho que além de fazer uma requisição para você fazer o teste de gravidez eu deveria também te encaminhar para uma consulta com um Neurologista, pois, como eu sei que você é muito inteligente e estudiosa..., Além, claro, de ter se lembrado do seu local de trabalho, inclusive o meu nome, eu calculo que você só pode estar com amnésia global transitória.

Kate não alcançou o que sua Orientadora queria dizer — Não entendi, Lanie.

— Minha querida, você sempre foi uma excelente aluna. É criteriosa, é muito inteligente e, com certeza sabe de todos os riscos de fazer sexo sem proteção..., então, mesmo que esta não seja a minha área de medicina, aliás, entendo muito pouco disso... quase nada para dizer a verdade, mas você só pode estar com uma amnésia parcial.

Kate olhava Lanie e esperava uma explicação.

— Kate, querida, a gravidez seria o menor dos riscos... Você mesma poderia listar para mim dezenas de doenças sexualmente transmissíveis. – vendo a expressão de enfado na face de Kate, Lanie retrucou — E nem me olhe com essa cara de chateada porque você sabe que eu estou certa.

— Lanie, sem querer ser impertinente, mas já sendo, você engravidou da sua filha mais velha quando tinha a minha idade e também não era casada... E ainda faltavam alguns meses para a conclusão da sua Residência Médica.

Mostrando-se tranquila com a pergunta de Kate, Lanie até sorriu levemente — Vejo que sua memória está voltando. – Lanie ironizou— Boa garota! Você se lembrou disto, não é? Então também deve se lembrar que eu já namorava o Javier desde o ensino médio e, por mais que ninguém saiba cem por cento de tudo sobre o seu parceiro, eu e ele tínhamos um relacionamento monogâmico, ou seja, as chances de doenças sexualmente transmissíveis eram quase nulas. Mesmo assim, sempre usamos contraceptivos... Inclusive, na noite em que eu engravidei, só que o preservativo estourou.

— Mas o Castle não tem cara de quem tem doenças sexualment...

Lanie riu diante daquele comentário infantil que nem parecia que vinha de uma médica — Ah, Kate... Nem vou discorrer sobre isso. Você sabe que falou uma grande besteira, não sabe?

Kate concordou.

— Tenho até medo de ouvir você falando uma besteira atrás da outra, porque isso é um dos sintomas da gravidez... Muito raro, é verdade, mas não deixa de ser um dos sintomas... Sei que não existem muitos estudos sobre isso, mas alguns relatos indicam que a mulher fica com o raciocínio mais lento... Acho que menos de um porcento e, pelo visto, você está incluída aí...

Kate ficou preocupada ao ouvir aquela informação, mas logo viu que Lanie a estava assustando somente.

Lanie ergueu os braços, uniu suas mãos na sua nuca e esticou suas costas. Levantou o rosto e os cotovelos para ao teto e fechou os olhos. Ela refletia sobre tudo que ouviu de Kate e, muito rapidamente, endireitou a postura, abriu os olhos, abaixou os braços, uniu as duas mãos e entrelaçou os dedos como se estivesse orando, colocando-a sobre a mesa e encarou Kate com olhar meigo.

Lanie encheu o peito de ar e o soltou pela boca, demonstrando resignação — Bem, garota... Está feito, né... Relaxa!! Você me conhece há muitos anos e desde o início ficamos amigas, independentemente de eu ser sua professora e agora, sua Orientadora e nunca houve choque de ideia por causa disso. E você, principalmente, nunca usou o nosso relacionamento estreito para se favorecer. Por isso eu tenho certeza que você entendeu que tudo que eu te disse agora não foi com o intuito de te insultar e apavorar. Sou dez anos mais velha que você, ou seja, não tenho idade para ser sua mãe, mas, como sua amiga e Orientadora, agi como tal. Também como amiga e Orientadora, não vou pedir desculpas se falei mais do que devia.

— Ah, Lanie, não se preocupe... Eu entendo perfeitamente o motivo de suas preocupações comigo e até agradeço. Acho que isso prova o quanto você gosta de mim e quer o melhor para mim, por isso eu aceito cada palavra e cada reprimenda que você me deu, porque tenho consciência que fui descuidada. Eu sei o casal é responsável por se proteger... Sei também que cabia a mim ficar alerta para o uso de preservativo, mas te juro que isso não me passou pela cabeça naquele momento.

— Sim, querida! Eu sei... Mas... Sejamos práticas! A gente sabe que tem alguns testes de gravidez que podem ser realizados de dois a cinco dias após a concepção, mas os resultados não são tão confiáveis, então, para evitar um falso positivo ou um falso negativo, e dor de cabeça sem motivo, acho mais prudente esperar pelo menos dez dias.

— Dez dias? – Kate ficou tensa— Mas Lanie...

— Sim, Kate, dez dias. Se der “positivo”, é pensar como você vai fazer para...

— Não quero abortar.

— Hey! Nem pensei nesta hipótese, querida. O que eu queria falar, mas você me interrompeu, é que se der “positivo” é para começar fazer o pré-natal e comprar o enxoval.

— Ah, entendi.

— E se o exame der “negativo”, aconselho fazer novo exame depois de alguns dias, para confirmar o resultado. Combinado?

— Entendi. Sei que serão dez dias tensos, mas não tem jeito.

— Mas até lá, garota, sexo seguro, ok?

— Sim.

Kate consultou seu relógio de pulso e se levantou apressada, pois, viu que faltavam apenas cinco minutos para o início das atividades — Obrigada, Lanie. Preciso correr para me reunir com as demais Residentes e começarmos o plantão.

— Vá lá, garota. – Lanie consultou seu celular corporativo para saber quais eram os médicos plantonistas da Emergência Pediátrica daquele dia — O Dr. Sorrentino, a Dra. Martinelli e o Dr. Silveira são os plantonistas de hoje. Mais tarde eu chego lá para dar algumas orientações para a minha turma.

Kate já ia saindo da sala quando Lanie a chamou de volta— Mas não pense que não estou interessada em saber como foi esse seu encontro com o Bonitão, viu?

Kate arregalou os olhos ao ouvir aquele comunicado e novamente ficou rubra.

Lanie achou graça da reação da moça — Hey, por mais que eu queira saber dos detalhes sórdidos, vou fazer um esforço para dispensá-los... – Lanie gargalhou.

— Você, eihm... – Kate soriu e abriu a porta esbaforida — Vou correr senão me atraso. Fui!

Assim que se viu sozinha, Lanie se recostou na cadeira e, pensativa, com o cotovelo direito sobre o braço da cadeira, ela deu um longo suspiro — A sorte está lançada! Façam suas apostas! – ela pensou alto — “positivo” ou “negativo”, eihm?

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Continua...