Jibbs Como Músicas

Queen of Peace - Florence and The Machine


Ele era conhecido como Jethro I, O Rei da Guerra, O Conquistador. Não havia Reino, vilarejo ou pessoa que não se dobrasse diante de seu poder e glória. Desde que assumira o trono, herdando a Coroa quando seu Pai, Jackson I, morreu, tudo o que Jethro I queria era poder e mais poder. E ele conseguiu.

Porém, um certo dia, ao subjugar as distantes terras do Norte, o Rei Jasper, O Sábio, lhe fez uma proposta.

— Em troca da paz que você nunca teve, lhe ofereço a mão de minha filha. Nós encerramos aqui a guerra. E ao invés de você destruir toda uma linhagem de bons e nobres homens que há neste reino, você os terá como aliados. Eu te ofereço a paz, Rei da Guerra. O que me diz?

Jethro não era um homem de fazer acordos ou aceitar rendições, ele só conhecia a violência e o derramamento de sangue, contudo, algo na expressão do Velho Rei e em seus olhos lhe dizia que valia à pena escutar o que ele tinha a dizer e, o mais importante, a oferecer.

E, em um jantar, onde a paz poderia reinar temporariamente ou até mesmo por toda a eternidade, ele se sentou à cabeceira e escutou o que o Velho Rei tinha a dizer.

Ao invés de anexar mais reinos através da violência e às custas das vidas de muitos inocentes, lhe foi oferecido mais reinos por algo muito mais tranquilo e prazeroso, o casamento.

— Veja, Nobre Conquistador, todo este reino será seu e também de seu herdeiro, sem que uma vida seja perdida, sem que o sangue de muitos encharque a terra.

Jethro nunca havia pensado em casamento e herdeiros. Ainda novo, tudo o que lhe agradava era a glória da vitória. Porém, sua curiosidade se inflamou, pois em todo o seu reino, e em todos àqueles nos quais pisou, dama nenhuma chamou sua atenção, e olha que muitas tentaram.

E, olhando ao redor da sala de jantar, observou vários quadros, toda uma dinastia de Reis, Rainhas, Príncipes e Princesas estavam ali a observá-lo e, acima da lareira, no que seria o lugar de destaque, uma bela jovem de pela clara, olhos verdes e cabelos vermelhos sorria enquanto era eternizada em sua beleza.

Jasper, O Sábio, seguiu o olhar de seu visitante, apesar de ter plena consciência para onde ele olhava.

— Sim, é ela. Estou oferecendo a você o meu maior tesouro. Minha filha.

Jethro estava hipnotizado, não somente pela beleza da jovem, que poderia ou não ser a sua futura Rainha, mas por algo muito mais atraente, a paz que emanava de seus olhos verdes.

Ele ainda não a conhecia pessoalmente, não fazia ideia se a sua pintura condizia com a realidade, porém, algo dentro de si dizia, não mandava, que ele aceitasse a proposta e fizesse a bela dama ruiva, sua esposa.

E, com um menear de cabeça e o levantar da taça, Jethro I selou a paz pela primeira vez, aceitando a proposta d’O Sábio.

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A bela dama ruiva, se chamava Jennifer, Jenny para aqueles que conviviam proximamente. Sua beleza sempre chamou a atenção por onde quer que ela passasse, seja por outros reinos, seja pelas vielas e ruas próximas ao castelo onde cresceu.

Ela era conhecida por ter bom coração, tomar partido dos injustiçados e, também, por sua forte personalidade, que contrastava com a paz que a sua figura imóvel transmitia.

E, apesar de ter sonhos e desejos de ter uma vida livre de todas as obrigações que lhe eram impostas desde que sua mãe morrera ao cair de um cavalo, ela sabia o seu lugar e sabia também que um dia poderia desempenhar um papel importante para o Reino.

Assim, foi com resignação que aceitou as ordens de seu pai. Ouviu as palavras que ela sabia que um dia lhe seriam dirigidas, porém, no fundo, bem fundo, ela se sentiu morrer um pouco por dentro.

— Eu sei, minha filha, que não era isso que você sonhava. Eu sei que é um fardo pesado demais para seus ombros.

— É o meu dever como filha, papai. Todos nós sabíamos que esse dia chegaria. Seja por um emissário, seja para manter a paz, como é. Eu sou mulher, sei que não posso ser rainha sem um rei, apesar de não concordar com isso, aceito meu destino. O sacrifício de meus sonhos é menor do que a perda de vidas. Jethro I é perigoso e vil, desconhece a paz. E, com o casamento, pelo menos o senhor e todos de nosso reino estão à salvo de uma morte violenta pelo fio da espada do inimigo. – Ela disse de cabeça erguida na frente do Rei e de todos os seus Conselheiros.

Com uma mesura, deixou a sala, passou pelos corredores desertos do castelo e voltou para seus aposentos e, na beirada da janela, implorou para que sua finada mãe lhe desse forças, resiliência e persistência para sobreviver ao casamento arranjado.

E, longe de todos, ela chorou até que de exaustão, dormiu.

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Como era de se esperar, não demorou muito para que o casamento acontecesse. E, menos de dois meses depois, uma escolta pertencente ao Rei Jethro I veio buscar a sua noiva. Afinal, o casamento fora selado não com uma declaração dos noivos, mas com a assinatura de um Tratado de Paz entre o Reino do Norte e o Reino do Sul, e a mudança de Jenny para viver com seu marido era apenas a conclusão.

Ela, orgulhosa e sabedora do que lhe aguardava, apenas esperou que o emissário dissesse para que veio e, com a cabeça erguida, se levantou da cadeira que ocupava ao lado do trono de seu pai, apresentando-se como a Rainha dos Reinos do Sul e do Norte.

O emissário fez uma breve mesura e manteve os olhos baixos enquanto sua Rainha se despedia do próprio pai e caminhava com passos elegantes e andar altivo até a carruagem que lhe esperava.

Nas ruas da cidade murada, homens, mulheres, velhos, crianças e servos pararam o que faziam para ver a despedida da Princesa, ou como agora ela era conhecida, Rainha dos Reinos do Sul e do Norte. E, entre eles, ela ganhou uma outra alcunha, Rainha da Paz, pois com este casamento, ela trouxe paz para ambos os reinos.

A viagem até sua nova morada foi demorada, levou uma semana, na qual ela dormiu em pousadas, cercada por guardas reais e cavalheiros armados. E, em todas as paradas, o senhorio reconhecia o sacrifício que ela havia feito. E, era cada vez mais forte sua alcunha. A jovem que abdicou de seus sonhos para trazer paz ao seu povo.

E, em uma tarde ensolarada, A Rainha da Paz finalmente chegou ao seu novo lar. Ela, que nunca havia saído dos arredores da cidade murada, via um pedaço do mundo pela primeira vez e, via algo muito mais bonito, o mar.

E, encantada com o azul brilhante das águas, ela se esqueceu de onde estava e do que estava fazendo por um breve momento.

Até que a comitiva real passou pela ponte levadiça que dava acesso ao castelo real.

E, a Rainha da Paz, sozinha dentro de sua carruagem, olhou em desamparo para a enorme construção, tentando não tremer de medo, tentando manter a compostura e não chorar de saudades da sua antiga vida.

— Você é uma Rainha agora, Jenny. Esse é o seu lar. Você reinará pelo resto de sua vida, deste castelo. Componha-se. Mantenha o foco e a cabeça erguida. – Ela falou para si mesma, enquanto a carruagem dava a volta em um jardim que já vira dias melhores e que tinha uma fonte que parecia que nunca havia sido ligada. – Um lugar que poderia ser tão bonito, mas é tão abandonado... – Ela pensou ao ver a desolação da sua futura morada.

A comitiva parou, o estandarte real foi hasteado e o emissário anunciou a chegada de Jennifer, a Rainha dos Reinos do Sul e do Norte.

Um servo estendeu o tapete vermelho e abriu a porta, e, respirando fundo, Jenny se levantou do banco, alisou a saia do vestido verde esmeralda que usava e estendeu a mão direita para fora, com o intuito de que o servo a apoiasse para que ela pudesse descer em segurança da carruagem.

E, ao se colocar de pé do lado de fora da entrada principal do Castelo, A Rainha da Paz fez algo que nenhum morador do Reino do Sul estava acostumado, ela agradeceu ao servo.

Este, pasmo não somente com a sua presença, mas também com sua educação, esqueceu temporariamente como se portava, e ficou encarando, mudo, a sua Rainha.

— Devo ir por este caminho? – Ela perguntou ao próximo da fila.

Ninguém a respondeu, pois, naquele Reino, os nobres não dirigiam a palavra à vassalagem.

Algo que Jenny estava disposta a mudar imediatamente.

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Jethro não admitiria nem se estivesse com uma espada pronta para lhe atravessar o coração, porém, ele contou os dias do calendário, um a um, até que este dia chegasse.

Ele não sabia explicar o motivo, mas ansiava pela presença da sua rainha, desde o dia em que viu aquele quadro na sala de jantar.

Para falar a verdade, ele quase determinou que aquele quadro lhe fosse trazido até que a própria Rainha chegasse.

Contudo, ele se manteve estoico e calado, dando ordens muitas vezes somente com o olhar e encarando os servos que ousavam abrir a boca em sua presença com tamanha força no olhar que eles muitas vezes saiam tremendo de medo.

E, na manhã que antecedeu a chegada de sua rainha, ele ouviu uma conversa, no mínimo, curiosa. Jennifer, a sua Rainha, tinha ganhado uma alcunha.

— Estão chamando a pobre moça de A Rainha da Paz. – Disse uma das servas.

— Ela sacrificou a própria felicidade para nos trazer a paz. – Disse outra.

— Se meu marido e filho estão vivos, eu só tenho que agradecer a ela. – A cozinheira comentou.

— Chega a ser contraditório, O Rei da Guerra encontrou a Rainha da Paz. – Disse a primeira serva.

— Que isso jamais chegue aos ouvidos de Vossa Majestade. Ou não haverá Rainha da Paz que poderá salvar as nossas vidas.

Jethro não ligou para o que as servas disseram depois que ouviu a nova alcunha de sua Rainha. Ele só conseguia pensar que, no fundo, era merecida, tendo em vista o que ele viu naqueles olhos verdes.

E, hoje, enquanto aguardava sentado em seu trono a chegada de sua Rainha, ele ainda pensava no título que ela ganhara, e, pensava em outra coisa, seria ela tão bela e com personalidade tão forte quanto a sua pintura a retratara?

Isso ele logo saberia.

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O emissário entrou na Sala do Trono com passos apressados e, assim que parou em frente ao trono, fez a sua mesura e, olhando para os próprios pés, anunciou a chegada da Rainha.

O Rei se pôs de pé, dispensou o emissário com um balançar de mãos e, todos os presentes abaixaram o olhar, ou o tanto que a curiosidade lhes permitia.

Toda a Corte do Reino do Sul estava em polvorosa com a chegada da Rainha. As mulheres tinham a certeza de que ela não era tão bela assim e logo o Rei iria trocá-la por alguma das beldades do Sul, já os homens queriam saber quem era a mulher que conseguiu fazer um tratado de paz com o mais violento dos Reis do Reino do Sul.

Trombetas foram tocadas, a fila de servos foi se abaixando em reverência a cada passo que a Rainha dava e, quando o Sol ficou à pino, a Rainha da Paz adentrou na Sala do Trono.

Seu andar elegante, sua postura de senhora de si e seus olhos calmos chamaram a atenção de todos que ousaram olhá-la.

E, do lado oposto da sala, o Rei pode, finalmente, ver pessoalmente a sua Rainha.

E, assim como os Reinos do Sul e do Norte são opostos, os dois não poderiam ser mais diferentes.

Enquanto o Rei transmitia em suas feições as marcas de todas as batalhas que venceu e frieza nos olhos azuis de um estrategista guerreador, a Rainha trazia consigo uma beleza atemporal, irradiava uma calma e paz que emanava como ondas de seu corpo e o calor dos dias de verão, que eram relembrados na cor vermelha viva de seu cabelo.

E, assim que um encarou o outro pela primeira vez eles tiveram a plena certeza de que esse casamento seria uma verdadeira batalha.

Agora uma batalha em qual sentido, eles ainda não saberiam dizer.

A Rainha avançou pela sala e, com uma graça ímpar, que mulher nenhuma naquele reino poderia imitar, fez a mesura assim que se colocou frente a frente com seu esposo.

— Meu rei. – Foram as primeiras palavras que ela pronunciou. Sua voz alta e clara ecoou pelo cômodo que ainda estava em silêncio e de alguma forma, reverberou dentro do Rei, acordando algo há muito adormecido em seu peito.

O Rei, por sua vez, relembrando a educação que sua mãe lhe dera e que ele nunca havia usado, estendeu a mão direita em direção à Rainha, ajudando-a a se pôr de pé e, guiando-a até o trono que fora colocado à sua direita.

Jenny se pôs de pé e aceitou de bom grado e até mesmo assustada, a oferta de ajuda. E, assim que ajeitou o vestido verde, olhou para os presentes de seu trono dourado, e, o que viu foi um misto de simpatia com medo. Sentimentos muito diversos dos que ela via nos nobres do Reino do Norte.

Os nobres e convidados que circundavam a Sala do Trono puderam ver Rei e Rainha lado a lado pela primeira vez. Finalmente o Reino do Sul tinha novamente uma Rainha para trazer a vida e a cor que estavam em falta desde que a Rainha Ann falecera, tantos anos antes.

E, quando o emissário proclamou a presença do Rei e da Rainha, todos fizeram a mesura, dizendo ao mesmo tempo:

— Vida Longa ao Rei e à Rainha dos Reinos do Sul e do Norte!

O Casal Real, lado a lado, levantou as mãos entrelaçadas, dando início ao matrimônio que havia sido selado por procuração. E, quem os visse assim, tinha a plena certeza, ele era o Inverno, frio e impiedoso e ela era o Verão, calma e serena.

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Diante dos súditos e de toda a Corte, O Rei e a Rainha mantinham suas posturas de liderança, suas cabeças altas e olhares poderosos. Contudo, quando o banquete de boas-vindas da Rainha se encerrou e o casal pode finalmente ficar às sós, as suas diferenças foram colocadas em destaque.

No meio da noite, quando eles viraram Jethro e Jenny, os dois notaram que o plano de selar a paz com um casamento não seria assim tão simples.

Por um simples fator: como construir um relacionamento se não havia amor? Se não havia cumplicidade? Se os dois nem sequer se conheciam?

Jethro se precipitou ao aceitar a oferta do Rei Sábio, ele não estava procurando por um casamento. Nunca esteve. Ele não precisava de uma mulher ao seu lado.

Já Jenny notou que o que sobrava em sua família, apesar de nos últimos anos foi composta somente por ela e seu pai, o amor e o diálogo, faltariam ali.

E, sem trocar uma palavra, cada um foi para seus aposentos.

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A vida continuou estranha por meses, os dois eram o Casal Real na presença dos súditos e de todo do Reino e, quando eram deixados à sós, como nos jantares, ou até mesmo à noite, mal trocavam uma palavra.

Jenny até tentava, era cortês e saudava o marido todas as vezes em que o via, e também lhe desejava boa noite antes de fechar a porta de comunicação dos quartos. E, nunca ouvira um boa noite de volta.

O casamento arranjado era realmente isso. Uma farsa.

Até que um dia, Jethro se acidentou em um treinamento, vindo a se ferir quando caiu do cavalo em cima do fio da própria espada.

Orgulhoso como era, recusou ajuda, dizendo estar bem, o físico do Reino, Donald Mallard, foi até os aposentos reais para auxiliar o Rei, contudo, foi impedido de entrar.

A Rainha, que tinha tomado para si a tarefa de trazer um pouco mais de vida para o Castelo, e para toda a cidade murada, estava perto da entrada principal, plantando algumas flores na rotatória central, a mesma rotatória que tanto a tinha abismado por sua falta de vida na sua chegada, quando foi avisada por sua dama de companhia, Cynthia, que o Rei havia se acidentado e estava sangrando.

Tendo perdido a mãe em um acidente montando um cavalo, que todos da corte haviam dito ser bobo e do qual ela se recuperaria plenamente, o que não aconteceu, e sua mãe ficou dormindo até que as forças lhe esvaíram do corpo, a Rainha correu de encontro ao Rei.

Sem se preocupar em se trocar por um vestido mais adequado, ou a se arrumar para estar na presença do marido, Jenny, atravessava os corredores do palácio correndo, com a respiração ruidosa e o coração apertado de preocupação.

Sim, por mais que ela e o marido ainda tivessem consumado de fato o casamento, ela se sentia segura na presença muda do Rei, e tinha aprendido a lê-lo, sabendo alguns tiques e manias que muitos não tinham notado, só porque nunca pararam para observar o homem por trás da coroa, assim, uma afeição ia surgindo dia após dia. E, à medida que as imagens da mãe definhando na cama passavam na sua cabeça, ela pedia internamente que ele estivesse bem, pois ela ainda tinha a esperança de que um dia, ela pudesse a vir a ter com ele uma convivência tão boa quanto seus pais tiveram.

Esbaforida, ela chegou até os aposentos reais, atravessou o próprio quarto e, abrindo a porta de comunicação, sem se anunciar, adentrou no quarto do marido, lugar onde, até então, ela só estivera na primeira noite.

— Graças a Deus você está acordado! – Ela soltou sem pensar e correu de encontro a ele, segurando-o pelo braço bom e observando o ferimento no braço esquerdo.

Jethro, pego de surpresa pela reação de Jenny, não conseguiu reagir imediatamente, e, apenas deixou que ela observasse a ferida zangada em seu braço.

— Precisamos chamar Ducky! – Ela disse alarmada, vendo a quantidade de sangue que escorria pelo antebraço do marido.

— Eu estou bem. – Foi o que ele conseguiu proferir, mantendo a pose de que nada o afetava, afinal, ele era o Rei, e Reis não sentem dor.

Jenny levantou a cabeça e o encarou, seus olhos faiscaram de fúria, pois ela sabia que ele mentia.

— Não! Você não está! – Ela disse em um tom que não admitia discussões. – Está sangrando. Precisa de algo para estancar o sangramento e fechar a ferida! Eu vou chamar o Ducky e você fica aqui! – Mandou e o colocou sentado em uma cadeira. Forçando-o a ficar ali.

Jenny saiu do quarto e, ainda no corredor, encontrou-se com Cynthia.

— Ah! Cynthia! Faça-me o favor e chame o Ducky até os aposentos reais. O Rei precisa de ajuda.

— Então ele está bem? – Quis saber a Dama de Companhia.

— Vai ficar.

— Já vou chamá-lo, senhora!

Cynthia seguiu o caminho contrário e Jenny voltou para o quarto do marido e quando chegou lá, viu que ele não tinha obedecido às suas ordens.

— Eu pedi que você ficasse sentado. – Ela falou quando o viu tentando trocar a camisa suja de sangue.

— Eu não pedi que você me ajudasse. – Ele grunhiu rudemente.

— Mas você precisa, mal consegue tirar a camisa, sem quase morrer de dor. – Ela respondeu no mesmo tom, contudo, diminuiu a distância e o ajudou a tirar a camisa, segurando o tecido em cima da ferida para estancar o sangue.

Jethro, que há muito não sabia o que era ter uma pessoa cuidando de si, estranhou o movimento, e, uma parte de sua mente quis expulsar aquela ruiva dali, pois ele sabia que nenhuma mulher ficava por muito tempo ao seu lado, porém, uma outra parte, pequena é verdade, gostou de que finalmente a esposa, que ele havia escolhido e ignorado por tanto tempo, estivesse ao seu lado em um momento que não fosse em um compromisso real.

A presença de Ducky foi anunciada por um lacaio, que, ao ver a proximidade entre Rei e Rainha, tendo em vista que o Rei se encontrava sem camisa, estranhou e de cabeça baixa, deixou o local.

— Você fez bem, Jennifer. – Ducky comentou ao ver que Jenny fazia uma espécie de torniquete no braço de Jethro. – E quanto a você Jethro, deveria ter me deixado olhar a ferida mais cedo, isso poderia ter te feito extremamente mal.

Jenny deu espaço para que Ducky examinasse e cuidasse da ferida, porém, não se afastou muito, vindo a ficar às costas do marido, apoiando as mãos em seus ombros.

Jethro, por sua vez, não queria que ela se fosse, e ficou apreensivo que, com a chegada de Ducky, ela saísse e voltasse para o que quer que estivesse fazendo, antes de entrar como uma chuva torrencial de verão em seu quarto e, quando notou a presença dela à suas costas, fez algo inimaginável até para si, buscou pela mão dela que estava em seu ombro direito.

Ducky levou um tempo considerável até que conseguiu parar o sangramento e suturar a ferida. Jethro manteve a pose de superior e aguentou a dor sem falar nada, mas Jenny, de alguma forma, notou que ele estava com dor, e, a cada vez que a agulha entrava na pele do marido, ela apertava a mão dele com um pouco mais de força, passando a ele um pouco de apoio, mesmo que ela não olhasse diretamente para o procedimento e, de tempos em tempos, escondesse os olhos ao encostar a testa no alto da cabeça do marido.

— Pronto. Aconselho a você, Jethro, a ficar um pouco mais quieto nos próximos dias. – Ducky falou quando terminou e lavava a mão em uma bacia de água limpa que fora deixada no quarto. – E, Jennifer, fique de olho para que ele não se arrisque.

Jenny confirmou com a cabeça e foi com Ducky até a porta do aposento, escutando o que o Físico ia recomendando.

Jethro se levantou e foi buscar por um camisa limpa, quando se virou, Jenny estendia uma em sua direção.

— Deixe que te ajudo. – Ela falou simplesmente.

— Por quê? – Foi tudo o que ele perguntou quando leu os olhos dela.

— Desculpe-me? – Ela disse enquanto fechava os botões.

— Por que me ajudar? Por que ficar? Eu nunca fiz nada por você. Só te tirei do seu pai e da sua casa... – Ele disse, em poucas palavras, tudo o que ele vinha pensando desde a primeira noite de Jenny naquele castelo.

Ela levantou os olhos verdes na direção do rosto do marido, observando com atenção o rosto dele. Afinal, era a primeira vez em que ela ficava tão perto dele.

— Porque você é meu marido. E a esposa tem que cuidar de seu marido. – Ela recitou uma das falas mais repetidas pela mãe quando da sua criação. – E, você pode não saber, mas perdi a minha mãe por conta de uma queda dela do cavalo. Ela bateu a cabeça no chão e nunca mais recobrou a consciência. Fiquei com medo de isso ter acontecido novamente. – Ela foi sincera e, sentindo que os olhos tinham enchido de lágrimas ao lembrar da mãe, ela desviou o rosto para longe do marido e observou o mar lá fora.

Coincidentemente ou não, era verão novamente, e o mar brilhava azul lá fora. Tão azul quanto os olhos de Jethro.

— Seus olhos são da cor do mar lá fora. – Ela falou sem pensar e, ao ver que tinha terminado de abotoar a camisa do marido, deu um passo para trás e se virou na direção da porta do próprio quarto, querendo deixá-lo as sós e, também para se esconder depois de tamanha indiscrição.

Jethro, não querendo ficar sozinho novamente, não depois de sentir o conforto que esposa podia lhe dar, pegou-a pelo braço, fazendo com que ela parasse e o olhasse.

— Obrigado. – Ele disse simplesmente.

Jenny, sem saber como, entendeu o peso daquelas palavras, entendeu que ali havia muito mais do que um mero agradecimento e, dando um passo para frente, levou a mão até o rosto do marido, e simplesmente falou:

— Sempre que precisar.

E esse foi o momento em que o casamento arranjado virou algo muito mais forte.

Jenny tomou para si a tarefa de cuidar do ferimento de Jethro, e todos os duas, por duas vezes, ela trocava o curativo, passava as ervas medicinais e o ajudava a se vestir.

Essa rotina se estabeleceu por quatro semanas, quando Ducky finalmente retirou os pontos. Jenny, assim como fizera quando Jethro se acidentou, ficou ao seu lado, até que o físico completasse o serviço.

— Viu, não foi tão ruim assim. – Ela comentou casualmente, assim que Ducky se despediu.

— Não foi ruim, porque você cuidou de mim. – Jethro falou.

Jenny ficou rubra, surpresa pela sinceridade dele e, foi a vez de Jethro chegar perto dela e acariciar o rosto pelo qual ele tinha se apaixonado, sem saber, e sem ter visto pessoalmente.

Os dois se encararam por um tempo, até que, envoltos por uma força que nenhum dos dois conhecia, chegaram ainda mais perto um do outro, as pontas de seus narizes se tocaram e o Casal Real trocou o primeiro beijo do casamento, sob a luz do sol poente que entrava pela janela e tingia o mar lá fora de vermelho.

Desse dia em diante, os dois passaram a ficar nem que fosse uma hora à sós, conversando, ou pelo menos Jenny falava e Jethro somente escutava. Ela contava sobre a própria vida, sobre o que tinha visto, o que tinha vontade de ver e fazer e tudo aquilo que não gostava.

Jethro não falava muito, mas prestava bastante atenção, guardando na memória cada palavra dita pela esposa.

Os dois fizeram um hábito caminharem pelos jardins do palácio, ou pelo menos pela área que Jenny já havia conseguido trazer de volta.

— Aquelas ali. – Ela apontou, puxando a mão do marido. – São orquídeas. Consegui trazer do jardim do castelo de meu pai! – Ela disse orgulhosa.

— São suas favoritas, suponho. – Jethro falou ao observar a delicada flor.

— Teoricamente elas foram um presente pelo meu nascimento. Um Reino vizinho ao nosso nos enviou como oferta. E, desde que minha mãe me contou isso, sinto como se fossem só minhas. É bobo, eu sei. Mas gosto de pensar assim. – Jenny explicou ficando com as bochechas vermelhas de vergonha.

E, o verão virou outono, e todo o castelo viu algo acontecer. Finalmente o casamento tinha virado um relacionamento, não uma obrigação. E, a Rainha da Paz conseguiu trazer à tona algo que há muito estava perdido debaixo de cicatrizes e sede de vitória, o tímido e educado Príncipe que um dia fora gentil com todos.

Agora, não raro, mesmo quando não havia celebração ou algum jantar real, era possível ouvir o som de risadas ecoando pelos corredores, e flutuando pelas janelas acordes de alguma música que a Rainha tocava ao piano.

E, até mesmo a vassalagem passou a ser tratada de outra forma.

Em todos os aspectos, o Castelo floresceu, como se os jardins restaurados também tivessem trazido a vida de volta para dentro de seus muros.

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Meses se passaram e a Rainha da Paz começou a não se sentir bem pelas manhãs. Ela não estava entendendo muito bem o que acontecia, porém, algo lá no fundo lhe dizia que a notícia era boa. E era muito esperada.

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Um rei aflito esperava do outro lado da porta fechada do quarto que dividia com a esposa. Ele, que já ganhara inúmeras batalhas, que nunca temera sob o fio da espada ou sob a mira de centenas de flechas, estava apavorado. Pois, logo no cômodo ao lado, sua esposa estava trazendo ao mundo o fruto do amor dos dois.

Um amor que foi se desenvolvendo, devagar, ao longo dos últimos quatro anos. Um amor pelo qual ele abandonou as guerras e as conquistas e faria qualquer coisa mais que ela quisesse.

Horas se passaram, ele não aguentava mais, ele precisava ficar ao lado dela. Ele tinha ouvido gritos, tinha ouvido a própria esposa dizer que estava com dor. Ela precisava dele e não havia ama, dama de companhia ou qualquer outra mulher naquele reino que o impediria de ficar ao lado dela.

E, de supetão, assim como ela havia feito quando ele caiu em cima da própria espada, o Rei abriu a porta do quarto e, sem observar muito o que as mulheres faziam, se pôs ao lado da esposa, que estava com uma feição exausta, com os cabelos molhados de suor e grudados na testa.

— Você não pode ficar aqui. – Ela falou com ele, entre uma empurrada e outra.

— E quem disse isso?

Jenny empurrou novamente, fazendo uma força sobre humana.

— Elas.

— Eu sou rei, fico onde quiser. – Ele disse simplesmente. – E não vou te deixar aqui sozinha.

Jenny não sabia se isso era bom ou ruim, mas a presença do marido ao seu lado fez com que todo o processo do nascimento do bebê fosse um pouco menos doloroso. Jethro, a certa altura, até mesmo apoiou as suas costas quando ela, já cansada, pensava em desistir.

E, horas depois, ela sentiu uma dor excruciante, como se algo a rasgasse de dentro para fora, para então não sentir mais nada, e ouvir o som mais doce do mundo.

Um choro de bebê.

As doulas corriam com a criança de um lado para outro, limpando, enrolando-a em panos brancos e limpos.

— Eu quero vê-lo. – Jenny pediu cansada.

— Senhora.

— É o nosso bebê! – Jenny demandou. E, depois de ter carregado essa criança por nove meses, ela tinha esse direito. Queria finalmente poder tê-lo em seus braços.

A doula chegou com o bebê enrolado e o colocou no ninho que eram os braços de Jenny, ela pegou o bebê e fez questão de dar um beijo no alto de sua cabeça, para então olhar para Jethro, que tinha um sorriso imenso ao fitar a criança.

— É um menino. – Disse a doula, mesmo que os pais não tivessem perguntado. – A dinastia continuará. – Anunciou com orgulho.

E, mesmo que fosse uma menina, o Casal Real não estaria menos feliz.

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E o Bebê Real, ou Príncipe Anthony para os súditos, ou simplesmente Tony para os pais, crescia feliz, correndo pelos corredores, rindo das brincadeiras que os pais faziam, e, claro, sendo educado para que um dia assumisse o trono.

Em uma tarde fria e nevoenta do inverno, quando Tony tinha apenas três anos, chegou um emissário do Reino do Norte, informando que o Jasper, O Sábio, havia falecido.

Todo o Reino caiu em luto por sete dias, não havia conversas altas, não havia risadas e passos de crianças ecoando pelo castelo.

Havia somente tristeza e lágrimas por parte da Rainha da Paz.

E, como tudo na vida, o tempo se encarregou de trazer conforto para a Rainha, e muito desse conforto veio através de seu filho, que sentindo a tristeza da mãe, fez de tudo para animá-la.

Os anos passaram, e, apesar de tentarem, Tony acabou sendo o único herdeiro do poderoso Rei dos Reinos do Sul e do Norte e, como tal, foi educado para a diplomacia, função que no presente era de sua mãe, e para a batalha.

Seu pai, tão versado na arte da Guerra, ensinou tudo o que sabia, sendo que Tony, quando crescesse, poderia ser um guerreiro ainda melhor do que ele. Caso, é claro, o Reino não vivesse em paz desde o casamento dos pais.

E, assim, se passaram 25 anos desde que a paz foi efetivamente selada entre todos os Reinos.

Jethro I e sua Rainha, Jenny, reinavam sob súditos felizes, um reino onde não havia desigualdade e injustiças, onde, muitas das vezes, a última palavra era da Rainha.

E, durante todo esse tempo, a população foi se esquecendo do que era guerrear, do que era conflito e o medo constante de se perder alguém que se ama.

Até que um dia, um pouco depois do aniversário de 25 anos do príncipe, em um canto afastado do Reino, uma rebelião eclodiu.

Liderados por Michael, um rincão clamava por liberdade, dizendo ter sido anexado tantos anos antes através de derramamento de sangue, sem a sua vontade. Em sua fúria e vontade de separação, clamavam que cortariam as cabeças do Rei e da Rainha para que todos pudessem viver em paz.

Antes que a rebelião virasse uma batalha, a Rainha propôs que um emissário fosse enviado, para levar uma proposta de paz e, também, para ouvir o que todos daquela região tinham a dizer.

Todo o Reino era representado no Conselho dos Iguais, e todos tinham voz e suas opiniões eram respeitadas, e, assim que ouviram a ideia da Rainha, todos concordaram.

Primeiro tentariam um meio de trazer a paz de volta, caso não funcionasse, buscariam outro método.

Esse outro método era a guerra.

Algo que Jenny não queria, pois há muito ela viu aquele desejo assassino deixar os olhos do marido e não queria que quase trinta anos depois, ele voltasse a ser conhecido como “O Conquistador”.

Porém, a missão de paz foi um fracasso, o emissário foi morto e decapitado antes mesmo que pudesse proferir uma palavra e sua cabeça foi enviada ao Palácio Real, endereçada à Rainha.

Jenny recebeu a caixa e não fazia ideia que, ao abri-la, traria para a própria família a maior das dores.

Quando a cabeça do emissário rolou no chão e parou no meio da sala do trono, um forte cheiro de sangue e podridão tomou o lugar e ela, assustada demais, não percebeu que o marido, ao seu lado, se transformara em questão de segundos.

O Conquistador estava de volta e tinha uma dupla missão, vingar a morte de um dos seus, e ensinar que ninguém provoca a Rainha e sai impune.

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Jenny tentou todas as táticas que conhecia, argumentou, chegou a brigar com o marido. Lembrou a ele o motivo pelo qual estavam casados.

Pela paz.

E nem assim ele desistiu.

Sem avisar, sem mandar mais nenhum batedor, o Rei, o Príncipe e todo o exército saiu em marcha para o Oeste.

E, do momento em que as sombras do Rei e do Príncipe desapareceram de suas vistas, a Rainha se pôs a chorar.

Não foi para isso que ela lutou tão bravamente nos últimos 30 anos.

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Rei e Príncipe, em uma estratégia de dividir para conquistar se separam a certa altura do caminho. Ambos levaram metade do exército, o Rei, como grande estrategista, sabia que atacar de duas frentes, era o meio mais rápido para conseguir a vitória.

E foi isso o que ele conquistou.

A vitória.

O Rincão do Oeste estava em paz.

Mas a que custo.

Que custo!

“Oh, the king

Gone mad within his suffering

Called out for relief

Someone cure him of his grief

His only son

Cut down, but the battle won

Oh, what is it worth?

When all that's left is hurt”

De todo o exército que deixou o Palácio Real naquela madrugada de noite clara e estrelada, somente um não voltou.

A notícia da vitória tinha chegado logo, como se tivesse vindo pelo vento.

O Reino estava novamente em paz.

E, em festa, foram os soldados e o Rei recebidos pelo povo.

Porém, não era esse o clima do batalhão que voltava.

Algo estava errado.

Ao lado do Rei, não vinha o amado Príncipe. Mas sim uma carroça trazendo um caixão.

A Rainha foi a primeira a ver, a notar, a sentir a perda do filho.

Correndo, ela parou ao lado do corcel do marido, procurando nos olhos dele, uma explicação que não fosse aquela que estava clara como o dia.

Só que não havia outra verdade.

E a realidade a atingiu como uma tonelada de pedras despencando da montanha.

E, enquanto as famílias comemoravam o retorno dos seus, a Família Real estava de luto.

Não havia motivos para a felicidade.

E, toda a tristeza do Rei virou culpa, virou ódio. E só havia uma pessoa que poderia tirá-lo da espiral de loucura em que ele se encontrava.

Pois ele havia perdido o seu único e amado filho.

A Rainha, mesmo de luto, mesmo sofrendo tanto, ou até mais que o Rei, fez o que podia e o que estava em suas mãos para trazer seu marido de volta da escuridão onde ele se enfiara.

Não havia pedidos ou promessas ou atos que conseguisse o intento. E, agora ela chorava não somente pelo filho que perdera, mas também pelo marido que ela ainda tinha, mas não estava mais ali com ela.

“Like the stars chase the sun

Over the glowing hill, I will conquer

Blood is running deep

Some things never sleep

E, como se o passado tivesse retornado, o Rei voltou a guerrear, ele, inconformado com a perda do filho, não conseguia mais ficar no Palácio, olhar para cada canto, cada aposento, cada corredor, e não se lembrar de Tony e de seu crescimento. Era doloroso demais lembrar e saber que ele nunca voltaria.

Assim, O Rei da Guerra voltou à tona, em uma ânsia de vingar o próprio sangue derramado, ele voltou a impor o medo. E, aquele guerreiro há muito adormecido, reapareceu para nunca mais ir embora.

“Suddenly I'm overcome

Dissolving like the setting sun

Like a boat into oblivion

'Cause you're driving me away

Now you have me on the run

The damage is already done

Come on, is this what you want?

'Cause you're driving me away”

E, quando menos ela poderia esperar, ela foi vencida. Ela foi derrotada pela única pessoa em quem ela sempre confiou de verdade. O próprio marido fez isso com ela.

E, aos poucos, dia após dia, ela se viu se esvaindo, dissolvendo, viu tudo o que foi conquistado com tanto amor desaparecer. Era como se os últimos trinta anos tivessem sido colocados em um barco e encaminhado para o esquecimento eterno.

E, em um dos retornos do marido, a Rainha da Paz não se dignou a esperá-lo no portão principal, nem mesmo na Sala do Trono. Ela o esperava onde ninguém iria perturbá-los e, aos gritos, ela falou tudo o que estava engasgado em sua garganta desde o momento em que viu o caixão do próprio filho.

— Eu tentei! Eu juro que tentei! Eu compreendo a sua dor, é tão grande quanto a minha. Foi o nosso sangue que foi derramado naquela batalha, mas isso não te dá o direito de me afastar de você. De me colocar de lado, como se fosse a minha culpa! Nós perdemos um filho, Jethro, o nosso filho, a dor será eterna, mas você não pode transformá-la em ódio, não pode querer infligir dor a quem não merece! Há outras maneiras de superar o luto! – Ela gritou.

E, como se o casamento tivesse retrocedido ao primeiro dia, Jethro apenas se virou e fechou a porta que há anos não era fechada, e voltou-se para o seu quarto.

— Vai me deixar aqui? Vai fazer isso comigo? – Jenny esbravejou contra a porta, esmurrando-a. – Foi você quem quis isso, Jethro. Lembre-se que foi você! Agora você vai saber o que é sentir a dor de verdade! – com lágrimas nos olhos, a alma despedaçada e o coração partido, Jenny proclamou aquelas que seriam as últimas palavras que ela dirigiria ao marido: - O mal já está feito, Jethro. Cabe a você saber o que quer. E como parece que eu não faço parte dos seus planos, adeus.

Oh, the queen of peace

Always does her best to please

Is it any use?

Somebody's gotta lose

Like a long stream

I'll bear all this echoing

Oh, what is it worth?

All that's left is hurt”

De que adiantou ter sido chamada de Rainha da Paz? De que adiantou ter feito tantos sacrifícios pessoais pela paz entre Reinos? Ter feito tudo aquilo? Ter sido aquela que deu o primeiro passo para construir a relação?

Nada. Não adiantou nada. Pois todos aqueles anos foram apagados com um piscar de olhos.

Não tinha sobrado um resquício daquela pequena e efêmera felicidade.

E, agora, depois de ter tomado a decisão mais difícil, a Rainha da Paz retornava para o início, para o Castelo de onde saiu tantos anos atrás.

E, aos prantos, ela entrou no lar de sua infância, percorreu todo o castelo, sozinha, somente com a luz da tocha a iluminar o caminho. Passou por cômodos onde memórias mais doces e menos dolorosas voltaram.

Contudo, é na sala do trono, onde o pai reinou por tantos anos e onde ela e o marido reinaram felizes, quando traziam o filho para conhecer um pedaço da própria história, que tudo desmoronou de vez.

Toda a dor veio como uma onda poderosa, destruindo tudo por dentro.

Ela perdeu tudo o que mais amava no lapso de um estalar de dedos, primeiro o filho, seu único filho, depois o marido.

E, um grito se formou e escapou de seus lábios, ela gritava de dor, de desespero, de solidão, um grito que, de alguma forma ecoará por todo o sempre:

— Será que valeu a pena? Quando tudo o que restou foi sofrimento? – Ela perguntou ao vento e ao tempo.

E, ali, ajoelhada no meio da sala fria, ela se desmanchou em lágrimas, sozinha e sem ninguém.

A Rainha da Paz pode ter feito muito, mas não conseguiu trazer paz para a própria família.

E ela fez de tudo, tentou de tudo, mas no fim, ela só encontrou a dor.

“And my love is no good

Against the fortress that it made of you

Blood is running deep

Sorrow that you keep

Suddenly I'm overcome

Dissolving like the setting sun

Like a boat into oblivion

'Cause you're driving me away

Now you have me on the run

The damage is already done

Come on, is this what you want?

'Cause you're driving me away”

Semanas depois de ter abandonado o Sul e voltado para o Norte, a Rainha da Dor recebeu uma visita que não esperava.

Ela estava sentada no jardim de inverno, no meio das orquídeas, vendo o florescer de algumas e querendo se lembrar de como era a sensação de se sentir feliz com tão pouco.

Ela não conseguiu. Jamais conseguiria. Ainda mais quando ela teve tudo e perdeu.

— Essas são as suas favoritas. – Uma voz ecoou do fundo da estufa.

Um arrepio percorreu o corpo da Rainha, mas ela não se virou. Pois essa voz que um dia lhe trouxe paz e segurança, hoje só a fazia sentir dor.

— Eu senti a sua falta, Jen. – Tornou a falar a voz. – Não é o mesmo sem você.

E a Rainha da Dor se mexeu em seu assento, lágrimas brotaram do canto de seus olhos. Ela chorou, não pela declaração que acabara de ouvir, mas por tudo que perdera e que nunca mais voltaria.

— Não sei por que diz isso. – Ela retrucou, ainda sem olhá-lo. Ela podia sentir que ele estava próximo. – Você escolheu esse caminho.

— Porque você foi a única que conseguiu quebrar a maldição.

E Jenny deu uma risada sarcástica.

— Meu amor não adianta contra a fortaleza em que você se transformou, Jethro. Nem em um milhão de anos eu conseguiria arranhar essas paredes que você colocou ao seu redor. Você preferiu guardar o sofrimento todo para você, preferiu viver no luto eterno e transformar esse luto em vingança, só para compensar o que aconteceu com nosso filho. Eu não posso conviver com isso, e muito menos lutar essa guerra.

E o Rei em Luto ficou calado diante das verdades que ouvia.

— Você me afastou, me proibiu de te ver, de te ajudar. Eu te estendi a mão. Eu fiz tudo o que podia e estava ao meu alcance. Eu te pedi para ficar, para não trazer à tona o guerreiro adormecido que vivia em você. Mas você não me escutou. Eu fui vencida pelo seu desejo de vingança, pelo seu desejo de sangue e, assim, você se esqueceu de tudo, do que tivemos, de quem fomos. Todas as nossas memórias se foram junto com o sol que se pôs. Na tarde em que você fechou aquela porta na minha cara, você escolheu um lado, Jethro, escolheu enterrar nosso amor e trocá-lo pela guerra. O dano foi feito e é irremediável. Foi isso que você quis.

O Rei em Luto deu os passos que o separavam da Rainha da Dor, seus olhares se encontraram, e, assim como aconteceu quando o amor deles nasceu, numa tarde de verão, eles notaram que nada mais poderia salvar aquele casamento.

E, aquele foi o crepúsculo de uma história que sempre esteve fadada ao fracasso, não importa quantos anos de paz eles tiveram, pois, logo na primeira vez que eles cruzaram seus olhares, eles sabiam que a junção de suas almas poderia causar uma tempestade.

Antes dessa tempestade, veio a calmaria, anos de um amor sincero e único, que deu frutos, ficou forte, até que Rei da Guerra veio à tona e, aos poucos matou a Rainha da Paz.

— Eu realmente te amei, Jethro. Fiz tudo por você. – Disse a Rainha Vencida. – Espero que um dia você entenda isso.

E, o Rei da Guerra mostrou sensibilidade por uma última e única vez, ao se abaixar na altura da Rainha e beijá-la na testa. E, sem proferir nenhuma palavra, ele deixou a estufa, o Reino do Norte e a única pessoa que ele amou de verdade.

Rei e Rainha nunca mais se encontraram. Viveram o restante dos seus dias separados. Ele era o Rei da Guerra, ela, a Rainha Vencida.

Nos seus últimos momentos, o Rei da Guerra, ferido mortalmente no braço, se lembrou da Rainha da Paz, daquela bela dama que um dia entrou correndo para lhe ajudar, e percebeu, tardiamente, que escolheu o caminho errado quando preferiu a guerra à paz. Ele morreu, sozinho, deitado no meio do campo de batalha, pedindo desculpas à única pessoa que o amou de verdade.

A Rainha Vencida ficou sabendo da morte do Rei da Guerra, e, desse momento em diante, nunca mais ouviram a sua voz, com seu marido derrotado, o Império, pelo qual ele tanto derramou sangue para conquistar e deu a vida, foi se desintegrando pedaço por pedaço e, quando os inimigos chegaram ao Reino do Norte e encontraram a Rainha, ela não ofereceu resistência. Pela última vez ela foi a Rainha da Paz, quando, para salvar àqueles que tanto lhe tinham sido fiéis, ofereceu a própria vida.

Ela morreu dignamente, observando as orquídeas que tanto amava, se lembrando de tempos felizes, onde ela, o Rei e o Príncipe dividiam dias, risadas e planejavam o futuro olhando para as estrelas.

E, a história do Rei da Guerra e da Rainha da Paz foi contada de boca em boca, passada de geração para geração, até que um dia virou uma lenda, que alguns acham romântica e que outros preferem não relembrar, contudo, a lição que perpetuou é a de que nem sempre o amor pode vencer tudo, principalmente na guerra.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.