Jiban End

A decisão de Ayumi


Ayumi estava angustiada. A garotinha não conseguia entender porque não conseguia se lembrar de nada de seu passado. Parecia que sua vida tinha começado há apenas cerca de dois meses, quando ela conhecera Ryu Hayakawa. Ele era um completo estranho, mas até aquele momento, todos lhe eram.

Ayumi sentia fortes dores de cabeça, estava sozinha, confusa e com medo, mas aquele rapaz lhe despertava algo parecido com uma lembrança, um sentimento distante de já ter convivido com alguém, como um irmão mais velho. Talvez por isso ele lhe transmitisse certa confiança e, convenhamos, também era melhor estar acompanhada de um adulto do que ficar vagando sozinha e desprotegida pelas ruas de Tóquio.

A menina não se lembrava de quem era, onde estava sua família e, principalmente, tentava entender por que vivia sendo perseguida por criaturas estranhas, aterrorizantes e perigosas. No entanto, o que mais deixava a menina intrigada, era que sentia uma necessidade quase que irracional de fugir de pessoas que não lhe pareciam querer fazer mal, principalmente de um estranho robô humanoide azul, que combatia as mesmas criaturas que a perseguiam, e também de um rapaz alto de feições gentis, que, ao que tudo indicava, era um policial. Mas por que fugir de um policial? Não fazia sentido algum, mas tudo o que ela sabia e sentia, era que não deveria se aproximar deles em hipótese alguma.

Por diversas vezes, ela tinha sido chamada de Ayumi por aquelas pessoas que pareciam lhe conhecer e então entendeu que aquele só poderia ser o seu nome, mas se perguntava o que ela tinha de tão importante, para tantas pessoas estarem atrás dela. Ela desejava encontrar a família e ter algumas explicações, mas ao mesmo tempo, algo lhe dizia que não deveria procurar por eles, porque aquilo poderia ser perigoso para todos. Por sorte, Ryu Hayakawa havia aparecido em seu caminho e lhe oferecido ajuda, e o passar do tempo provou que confiar nele tinha sido uma boa ideia.

Ela não sabia sua própria idade, mas eles haviam chegado a um consenso de que ela aparentava ter uns 9 ou 10 anos e o rapaz jamais deixaria uma criança sozinha pelas ruas. Ele próprio não tinha família, nem um lar, e a companhia da garotinha até que era agradável, era como se tivesse ganhado uma irmãzinha. Ele não podia lhe oferecer nenhum conforto, porque vivia de bicos e tinha apenas um carro velho que usava como meio de transporte e também como moradia. Era pouco, mas para os dois era suficiente. A menina parecia não se incomodar e estava feliz por ter pelo menos um teto sob onde se abrigar, mesmo que fosse o teto de um carro.

Ayumi também apreciava a companhia do rapaz e lhe era grata por tê-la acolhido. O único problema, era que ela também tinha medo que, por sua causa, Ryu acabasse machucado. Eles já tinham sido atacados e perseguidos várias e vezes e numa próxima investida daquelas criaturas estranhas, eles talvez pudessem não ter tanta sorte de escapar.

Não era justo continuar ao seu lado, ainda que ele fizesse tudo de bom grado. Por isso, mesmo ciente de que o que estava prestes a fazer deixaria seu “irmão mais velho” triste, ela não voltaria atrás. Ayumi viu que era hora de partir. Para onde? Ela não sabia, só sabia que precisava se afastar e o momento havia chegado.

******

Ainda era cedo e uma bela manhã de domingo começava a se desenhar. Eles ainda não tinham tomado café, então Ryu estacionou o carro e foi caminhando até a lanchonete que ficava do outro lado da rua. Ele pediu para que Ayumi o esperasse no automóvel e ela assentiu com a cabeça e sorriu, mas por dentro ela estava triste e decidida. Já estava decidida há alguns dias, apenas esperava pela oportunidade certa e ao observá-lo se afastar e entrar na lanchonete, soube que aquele era o momento aguardado.

A despeito da tristeza que sentia, a menina tirou do bolso da jaqueta uma carta que havia escrito e a deixou sobre o assento do motorista. Logo em seguida saiu apressada do veículo com lágrimas nos olhos. Era melhor assim.

Minutos depois, Ryu retornou e viu que Ayumi não estava no carro. Preocupado, saiu chamando por seu nome pelas redondezas, mas tudo foi em vão. Ela não estava tão longe, apenas havia se escondido enquanto via que ele a procurava. Só foi embora de verdade quando confirmou que ele finalmente havia desistido de sua busca.

Ele voltou desolado para o carro, e foi só aí, que se deu conta da folha de papel, que estava endereçada a ele, dobrada sobre o banco. Pegou-a, desdobrou-a e pôs-se a lê-la.

“Querido Ryu.

Eu agradeço do fundo do meu coração por seu carinho e proteção, mas não posso mais continuar colocando você em risco. Eu ainda não sei quem sou, mas, como você já percebeu, têm pessoas muito más atrás de mim e eu preciso descobrir o que está acontecendo, só que sozinha. Obrigada por tudo. Ayumi.”

A breve carta da menina o deixou verdadeiramente preocupado. Ele não sabia nada sobre Biolon, não sabia do que se tratava a organização criminosa e também não fazia ideia do porque a garota viver sendo perseguida por criaturas estranhas, mas uma coisa ele sabia, sabia que a polícia também estava atrás dela. Ele apenas não a tinha levado até eles por insistência da própria Ayumi, mas agora ele precisava agir.

Embora a menina não fosse nada sua, ele havia se apegado a ela e não permitiria que continuasse sozinha e indefesa, correndo o risco de ser capturada ou algo pior. Não havia tempo a perder e ele estava decidido a ir até a Central de Polícia pedir ajuda. Mesmo não sabendo os nomes dos policiais, ele conhecia pelo menos três deles de vista: um rapaz alto, que parecia ser o mais preocupado com Ayumi; um outro homem, um pouco mais baixo, meio marrento, que usava óculos; e uma moça bonita, que parecia não ter medo de nada, nem mesmo daqueles monstros horríveis. Eram eles a quem Ryu procuraria.

Resoluto, o rapaz girou a chave e acelerou rumo à delegacia.