Jaque viu a moto largada em plena rodovia com as chaves no painel enquanto Nicky e Ashley distraiam-se a beira da estrada tentando ajudar a garota. Ela simplesmente não pode se conter. Um sentimento lhe envolvia e era tão arrebatador quanto sua vontade de crescer na vida. Era insustentável. Jaque subiu na moto, excitada e desferiu “Tchau otárias!” enquanto dirigia rumando ao desmanche. Sabia que as garotas não lhe acompanhariam, já que elas estavam longe da cidade, mas bem sabia também que teria troco.

Ao anoitecer, Jaque já com seu carro e dinheiro no bolso seguia sua vida de forma normalmente. Disfarçara-se para não ser reconhecida pelas bandidas, mas tudo fora em vão. Nicky e Ashley encontraram Jaque e conseguiram derruba-la. Finalizaram-na, roubaram o carro e o dinheiro e, após Nicky desferir uma cusparada certeira em sua cara, ambas saíram vangloriando-se.

Jaque foi encontrada desmaiada por volta das oito da noite e logo após foi encaminhada ao hospital. Lá mesmo recebera a noticia que lhe custaria quarenta mil dólares para ter seu carro de volta. Enquanto isso a garota sequer podia pagar sua fatura do hospital.

A garota ia cada vez mais se enchendo de ira. Sentia que não estava em plenas faculdades mentais e poderia atirar em alguém facilmente, não fosse o fato de não possuir nenhuma arma. Implorou para que os médicos aliviassem sua conta e estes o fizeram. Chegou mesmo a pedir a quantia que precisava para uma médica amiga, mas foi recusada. Desamparada e sem rumo, Jaque saiu do hospital sentindo o sangue ferver em suas veias.

Foi à praça e começou a pedir dinheiro. Não conseguiu mais que dez mil reais e algumas doses de bebida. Seus sentidos iam cada vez mais se perdendo, junto com sua sanidade. Jaque agora abordava desconhecidos, policiais e até bandidos em busca do dinheiro. Encontrou Chris, sua amiga e parceira de roubo e lhe tomou a moto para vender. Para seu infortúnio, o desmanche estava desativado naquele dia. Irresoluta, a garota bateu a moto e precisou novamente ir ao hospital.

Ao chegar e ser mais uma vez tratada de graça, Jaque exigiu falar com o supervisor do hospital. Alcoolizada e recoberta em adrenalina, ambos seguiram à cobertura do prédio, já que Jaque exigira privacidade. Chegando ao local, elaborou uma história mirabolante que envolvia um contagio com um vírus que ela apenas ouvira falar:

“Doutor, é que eu to precisando muito de dinheiro pra fazer meu tratamento” ela falou soluçando com uma lágrima nos olhos “Eu peguei corona e já gastei todo o meu dinheiro, tive que vender meu carro e tudo, e eu ouvi falar que tu era bondoso, por favor, me ajuda” e neste ponto seu choro falso se tornara audível.

“Quanto você precisa?” perguntou desconfiado.

“Quarenta mil”

“Perdoe-me” disse o médico. “Mas eu não posso, não tenho todo esse dinheiro comigo. Mesmo que possuísse não poderia lhe dar”

A mente de Jaque deu voltas. O ódio acumulava-se. Só agora suas ações pesaram em sua consciência. Terminara com Juninho, perdera casa, amigos e influencia, perdera o carro, traíra todos que conhecera nessa cidade. Não tinha nada, além de dividas e desespero. Olhou para o parapeito do prédio. Olhou para as nuvens. Tudo estava sem cor. Uma infinita paisagem sem esperança.

“Tá bom” respondeu enquanto se dirigiu ao parapeito determinada. Subiu e, naquele momento, desistiu de sua vida. Arremessou-se sem remorso. Desta vez uma lágrima real lhe percorria a face.

Uma mão lhe deteve a tempo. O supervisor a agarrara e era tudo o que poderia se lembrar.

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A garota simplesmente se entregou ao surto. Agrediu médicos, agrediu pacientes e por fim, teve de ser parada por teasers e amarrada na cama. A polícia foi acionada e só então Jaque acalmou-se e falou friamente que dali por diante se comportaria.

Pediu desculpas falsamente, enquanto seu espirito se encontrava exacerbado de rancor. Precisaria se vingar. Tudo aquilo que sofreu precisava ser liberado de alguma forma.

Astuta como era, Jaque convida uma médica do hospital para conversar. Criou então uma mentira a qual dizia que seu maior sonho era conhecer a praia. A médica compadeceu-se da garota que a pouco tentara se matar e experienciara um surto e disse que a ajudaria.

Seguiram em um belo caso cor-de-rosa da medica e, em silencio, chegaram ao local. A médica era uma pessoa bondosa e estava com sincera vontade de chorar por estar fazendo o bem a esta garota que parecia ter sofrido tanto. Voltou ao carro para buscar o celular e fotografar a vista da praia à noite e ao voltar sua visão, deu de cara com Jaque.

A garota trazia um olhar obscuro. As veias saltadas em suas têmporas, o cabelo mal arrumado, uma gota de suor lhe percorria a face. E sua boca. Sua boca trazia um riso macabro de orelha a orelha. Levantando a visão, a médica notou que Jaque portava um machado prestes a desferir um golpe. A médica não entedia nada e ouviu por ultimo a garota dizer: “Toma isso, sua vagabunda!”

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Jaque seguiu no carro da médica. Sentia-se feliz. Ainda estava tonta dos calmantes e do álcool.

“Deuses, Me dá meu carro de volta!” gritou para ninguém em particular.

Nada aconteceu.

“Me tirem dessa cidade então!”

“Precisamos de uma prova da sua devoção” Jaque ouviu em sua cabeça. Gelou-se por inteiro e desatinou a rir-se.

“Pode ser sacrifício?” perguntou para as vozes que nada responderam. “Acho que isso é um sim.”

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Jaque matou naquele dia. Matou desconhecidos e lhes roubou o carro. Nada aconteceu. Matou sua amiga Chris e alguém que lhe acompanhava. Nada aconteceu.

“O que eu tenho que fazer?” Gritava desesperada, com uma garrafa de vodca que comprara (e pra policia dissera que era um suquinho).

E por fim recebeu uma ligação.

“Cof, cof” A voz tossiu do outro lado da linha.

“Quem é?” A garota questionou irritada.

“Jaque? É eu, menina! Tua prima, parceira dos assalto.” Uma voz rouca e mórbida respondia.

“Qual delas?”

“Eu, menina, Kelly Corona”

“Hm! Onde você tá? To indo aí.” Respondeu maliciosamente. “Esse sacrifício cês vão ter que aceitar” pensou.

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Kelly era uma figura espontânea. Alegre, agitada e nervosa, estava sempre a tossir e a gritar que estava doente. Costumar dizer que seu toque já causava sífilis. Tinha os cabelos verdes e a pele morena e seu corpo magro refletia dificuldades que passara. Estava ali, pois acabara de ser solta da cadeia e a primeira pessoa que lembrou ter ouvido o nome foi Jaque.

Encontraram-se e após breve conversa, já decidiram assaltar, uma vez que ambas estavam sem dinheiro.

Mas Jaque não queria isso. Jaque sabia que os deuses não ignorariam sacrifício de sangue de seu sangue. Levou sua prima a um beco escuro.

“Desce do carro!”

“O que foi?” Corona perguntou assustada, mas obedeceu.

“Eu sei que tu tá doente, e eu preciso por um fim nisso!”

“Não, por favor!” implorava por sua vida. Sem entender o que acontecia, seus olhos se encheram de lágrimas. Kelly saiu com esperanças da cadeia e confiando em Jaque, mas conhecia aquele olhar de ódio que a garota tinha. Em seus 22 anos viu muita coisa e passou por muita coisa. Jamais deixara ter sua confiança abalada. Tinha esperanças em um futuro melhor. “Jaque, por favor!”

“Vai ser melhor pra tu e pra mim” Jaque pôs-se a chorar involuntariamente. Estava triste. Estava confusa. Mas a garota não sabia lidar com seus sentimentos. Se alguma coisa, estes lhe faziam ter mais vontade ainda de acabar tudo.

Ao mata-la, Jaque entendeu o que havia feito e os limites que haviam sido ultrapassados a muito. Ela chorava incontrolavelmente. Precisava por um fim em tudo de ruim que havia feito. E isso só atingiria fruição quando ela pusesse fim a ela mesmo. Dirigindo-se até um precipício, arremessou o carro e fechou os olhos.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.