“Eu gosto de você / E gosto de ficar com você”

Velha Infância — Tribalistas

— Olhe Maria Cecília, eu agradeço a chance, mas eu acabei de chegar, não faz nem três meses que eu trabalho aqui, não posso ficar responsável por ela — Clarita tentava se explicar para Maria Cecília.

— Eu sei disso Clarita e é justamente por isso que eu quero que você a ajude — a mulher explicou calmamente. — Você pode inspirá-la, sabe, a tentar levar isso a sério. Até porque eu, particularmente, não acho que essa história vá adiante por muito tempo.

— Como assim Maria Cecília? Não estou entendendo mais nada — Clarita confessou.

— Clarita, posso ser franca com você? — Maria Cecília não esperou pela resposta, que era óbvia. — Eu não vejo uma garota como a Érica trabalhando aqui, não importa se é para um filme ou por um capricho ou para ficar perto do Beto, ela não vai durar aqui. Garotas como ela foram criadas como princesas, não sabem sequer lavar um garfo.

“Agora imagine servir uma mesa? Você sabe muito bem que não é só se aproximar do cliente e perguntar o que ele quer, tem muitas coisas envolvidas, muitos detalhes que só quem faz com paixão, com dedicação é capaz de perceber. Não é o emprego mais difícil do mundo, mas também não é o mais fácil. Lidar com várias pessoas ao mesmo tempo, manter sempre um sorriso no rosto, equilibrar bandejas com pedidos diversos, essa vida é complicada. Ela não vai conseguir.

Mas mesmo assim nós não podemos desanimá-la, temos que fazer o nosso melhor para poder ajudá-la. Eu poderia colocar qualquer um para ajudá-la, mas os que estão aqui a mais tempo já tem suas manias e seus métodos de trabalhar, você não. Você, Clarita, ainda está criando o seu estilo de trabalho, ainda está amadurecendo aqui, então acho, ou melhor, tenho certeza de que ela vai aprender tudo o que é preciso com você”.

Clarita fitou a mulher à sua frente por longos segundos. Ela não conseguia imaginar que Maria Cecília tinha tanto conhecimento do papel desempenhado pelos garçons e garçonetes que trabalhavam para ela. Sempre pensou que ela era como muitas chefes que só se preocupam com o fato de seus empregados lhe renderem dinheiro, mas agora diante do que ouvira da boca de Maria Cecília tinha certeza de que ela era uma profissional competente e uma chefe dedicada. Era bom trabalhar com alguém assim, alguém que depositava tamanha confiança nela merecia ser retribuída da melhor forma possível.

Respirando mais uma vez Clarita olhou diretamente nos olhos da chefe e lhe respondeu sorrindo:

— Tudo bem Maria Cecília, eu fico responsável pela Érica.

A chefe sorriu para ela, que se sentiu confiante e plenamente capaz de realizar a função.

— Sabia que podia contar com você Clarita, sempre soube — Maria Cecília sorriu novamente.

— Bom, então eu vou voltar para o Café e começar a minha missão — Clarita disse se levantando da mesa, com a permissão da mulher.

— Clarita, só uma coisa — Maria Cecília fez com que Clarita parasse antes de abrir a porta da sala e sair — Ela é uma garota mimada, então se ela te desrespeitar não hesite em me contar. Aqui dentro ela é só uma funcionária.

— Pode deixar. Com licença.

Assim que saiu da sala Clarita sentiu como se houvessem jogado todo o peso do mundo em suas costas, ela não sabia se estava preparada para isso, mas iria tentar. Por ela, por Maria Cecília, pelo Café e até mesmo por Érica. Ia dar tudo certo.

— x —

Beto não conseguia prestar atenção no que Érica lhe dizia, estava preocupado com Clarita, viu quando ela subiu provavelmente para falar com Maria Cecília. Será que iriam demiti-la para que Érica ficasse no café? Não, isso não. Se fosse acontecer ele iria tomar providencias, iria interferir diretamente no Café, não era justo que Clarita perdesse seu emprego para que Érica brincasse de ser garçonete.

— Beto! Beto! — ele ouviu Érica chamar.

— Eu? — ele respondeu sem emoção.

— Você ouviu o que eu disse? — antes que Beto pudesse responder Clarita surgiu pela porta chamando a atenção dos dois.

— Oi gente, voltei — ela disse sorrindo, como sempre. — Tenho uma boa notícia.

— Então diga nanica — Beto se dirigiu a ela.

— Bem, Maria Cecília me pediu para ficar responsável por te ajudar aqui no Café, Érica.

— Sério? Nossa que bom! Vou me sentir bem mais a vontade com você.

“Quem vê pensa que são melhores amigas”, Beto pensou observando a cena, esperando que as duas não se tornassem tão amigas de fato. As duas conversavam sobre alguma coisa que ele não fez questão de prestar atenção, precisava sair daquele lugar. Despediu-se das duas e saiu pelas ruas sem saber exatamente para onde ir.

No meio do caminho acabou esbarrando em alguém que lhe chamou atenção.

— Hey Beto? — o rapaz moreno se dirigiu a Beto.

Beto encarou-o por um tempo tentando reconhecer o rosto, até que de repente se deu conta de quem era.

— Mosca? Puxa você mudou cara! — Beto exclamou entusiasmado abraçando o velho amigo. — Quase não te reconheci!

— Ah como você é mentiroso Beto! — Mosca riu junto do amigo. — Como é que vai a vida? A quanto tempo você está na cidade?

— Ah a minha vida tá na mesma — ele brincou, óbvio que sua vida não era a mesma. — Cheguei faz uma semana, ou um pouco mais. Mas e você como vai? Soube que finalmente se acertou com a Mili. Fico feliz por você irmão.

— Ah cara cada dia é um dia, não é? Assim, a vida não tá fácil nem difícil. Mas é verdade sim, eu e a Mili estamos juntos, já vai fazer um ano. Mas quem foi que te contou?

— Clarita.

— Ah claro, Clarita. Vem cá agora que você está de volta vocês podem se assumirem de vez.

— Como assim Mosca?

— Beto nunca foi segredo para ninguém que vocês dois se gostavam, e isso foi sempre tão sério para ela que cara até hoje eu não soube de um cara com quem ela tenha ficado.

— Você está falando sério?

— Estou, claro. Ela e a Mili são muito amigas, contam tudo uma para outra. As vezes a Mili deixa escapar algumas coisas.

— Sério? Cara eu não posso ficar com a Clarita.

— E porque não?

— Porque eu tenho namorada.

— Como é?

— É uma história complicada, ainda mais agora que elas vão meio que trabalhar juntas.

— Beto você realmente está namorando a tal da Érica Melo?

— Sim.

— Vocês dois não tem nada a ver. E você sabe disso.

— É eu sei, mas eu não posso simplesmente largar dela agora. E também, por mais que você e a Carol digam que a Clarita gosta de mim, ela não demonstra. Então eu não vou atirar no escuro.

— Beto, você está usando frases de velho. Está pensando demais e agindo pouco.

— E o que você quer que eu faça?

— Pergunte a ela a verdade!

— Como?

— Isso eu não sei, mas você tem que perguntar. Assim você pode ficar mais tranquilo.

— Eu vou fazer isso.

— Olhe eu tenho que ir, estou trabalhando no orfanato como voluntario, aparece lá para gente conversar mais.

— Pode deixar, eu vou aparecer.

Mosca deu mais um abraço no amigo e seguiu rumo ao orfanato. Enquanto isso Beto já havia tomado sua decisão. Iria confrontar Clarita ainda naquele dia, esperaria o expediente dela acabar, levaria Érica para casa, e depois bateria na porta da garota e perguntaria o que ela sentia por ele. Depois disso, ele não sabia o que iria fazer, talvez uma loucura.

Quanto mais Beto olhava para o relógio mais devagar o tempo passava. Quando finalmente o horário de buscar Érica no Café chegou ele começou a ficar nervoso, estava chegando a hora. Assim que estacionou na porta do Café uma Érica toda alegre se jogou em seus braços. Beto riu da situação, mas não foi sincero, não estava prestando atenção em nada que não fosse a garota loira que saía acenando pela porta da frente. Sua atenção em Clarita era tamanha que só consegui ligar o carro depois que ela sumiu de seu campo de vista.

Assim que deixou Érica em casa, avisou que precisava sair. Inventou que iria encontrar um antigo amigo e que já estava atrasado. A irmã que ouvira a conversa perguntou quem era e como ele sabia que Mosca trabalhava no orfanato não podia arriscar usar o nome dele. Disse que era um amigo da escola, um dos muitos que Carol não aprovava. A irmã não o questionou mais e a namorada que estava empolgada para contar sobre o seu dia nem fez questão de interroga-lo também.

Diante da situação extremamente favorável, Beto saiu apressado pelas ruas e só parou quando se viu diante da casa de Clarita. Tocou a campainha várias vezes, o nervosismo o deixava pensar e, quando Clarita apareceu diante dele, sua voz não quis sair.

— Beto? — ela ficou surpresa. — Aconteceu alguma coisa? Algum problema?

Ele apenas a olhava, ele não sabia o que falar. Tinha tentado planejar um discurso, mas agora ele fugira de sua cabeça. O olhar curioso e preocupado de Clarita não o ajudava muito. Ele sabia o que tinha que fazer só não sabia como fazer.

— Anda Beto diz alguma coisa!

Ele não disse. Apenas agiu por impulso. Passou um braço pela cintura da garota e a puxou contra seu corpo, com o outro colocou o cabelo dela que caía sobre a face para trás e colou sua boca na dela, acabando de vez com o mistério que rondava os dois.