“Nós estamos nos tornando fortes agora”

Change — Taylor Swift

Fazia uma semana que Beto havia assumido o controle do Café Boutique, ele havia tido algumas ideias, mas para colocá-las em prática precisava da aprovação de Maria Cecília e Júnior. Havia entregado a eles um documento que relatava todos os seus planos e estava aguardando uma resposta. Enquanto ela não vinha, ele tinha resolvido observar o comportamento dos funcionários, sabia dizer quais eram os favoritos dos clientes e quais não eram tão queridos assim.

Por exemplo, ele sabia que todos adoravam Tobias e suas trapalhadas, sempre que o confeiteiro estava presente os clientes acenavam para ele de forma bastante amigável, o que já não acontecia com Francis. Apesar de apreciarem a qualidade do trabalho do rapaz, que era excelente para o desagrado de Beto, os clientes se mantinham mais afastados dele.

Dentre as garçonetes, Clarita e Le eram as mais famosas. Beto sabia o porquê. Elas eram extremamente simples e alegres. Clarita tinha o seu jeito de menina, doce e encantadora, e Le estava sempre fazendo comentários divertidos com os clientes, eram uma dupla e tanto.

— Beto? — ele ouviu Maria Cecília chamar.

— Sim? — ele respondeu a encarando.

— Podemos conversar um instante, já tenho a resposta para as suas sugestões.

— Claro.

Beto seguiu a mulher em silêncio. Ele estava apreensivo, não sabia o que esperar. Por mais que a irmã tivesse lhe garantido que Júnior adoraria a ideia, ele não tinha tanta confiança no que Maria Cecília acharia.

Entraram no escritório em silêncio, Beto mal podia respirar tamanha era sua ansiedade. Quando a mulher se sentou e indicou a cadeira a frente de sua mesa para que ele fizesse o mesmo, muitas coisas rondaram a sua mente. A primeira delas era que ela havia detestado a ideia.

Mas quem não detestaria? O Café estava há anos funcionando exatamente daquele modo, desde que fora criado era sempre o mesmo padrão de funcionamento, o mesmo uniforme, o mesmo cardápio, apenas os funcionários mudavam. Beto se lembrava de quando era criança, de observar as garçonetes em suas blusas rosa e suas calças beges, os confeiteiros e baristas sempre com a mesma camisa azul. Ele estava cansado daquilo. Das mesmas coisas. Ele queria mudar tudo o que fosse possível. Só precisava de uma chance.

— Bom, eu andei lendo os papeis que você me mandou — Maria Cecília começou. — Estudei os orçamentos e tudo mais. Eu gosto da sua ideia. Júnior também. Mas temos que ter cautela.

— Cautela? — Beto não entendia o que ela queria dizer com aquilo.

— Digamos que o nosso fundo de emergência ainda está em uma situação delicada — a mulher comentou com um leve sorriso. — Não teríamos como arcar com todas as despesas que você apontou, e não posso permitir que seu cunhado resolva tirar o dinheiro do próprio bolso…

Beto entendeu o que ela quis dizer, estava tão extasiado pela ideia que tivera que mal se deu conta da situação delicada que o estabelecimento enfrentava. Ele deveria ter sido um pouco menos afobado.

— Eu entendo Maria Cecília — Beto disse tranquilamente. — Foi imprudência minha não levar em consideração esse tipo de detalhe importante.

— Eu discordo — ela retrucou sorrindo. — O fato de você não pensar nesse detalhe só mostra que você vê um futuro melhor para esse local. Analisando todos os tópicos, Júnior e eu escolhemos os que podem ser implementados imediatamente. Assim, conforme o resultado deles forem surgindo poderemos começar a investir no restante. O que acha?

Ele não acreditava no que estava ouvindo, então iriam mesmo colocar suas ideias em prática?

— Eu acho isso incrível — ele disse sorrindo genuinamente.

— Ah só mais uma coisa, o doutor José Ricardo não quer mudar as cores do uniforme — Maria Cecília contou. — Ele diz que são as cores do Café, que são a marca do estabelecimento. Mas isso não significa que não possamos pensar em novos modelos.

— Claro, claro — Beto afirmou com a cabeça. — Ele tem toda razão.

— Quanto ao cardápio — ela chamou a atenção dele. — Quero que você se encarregue de conversar com Tobias e Francis. Saber quais são os mais pedidos, os que não fazem tanto sucesso, esse tipo de coisa.

— Claro, pode deixar comigo.

— Júnior tinha razão — Maria Cecília comentou antes de dispensá-lo. — Você só precisava de um empurrãozinho.

Beto saiu da sala sorrindo. Sentia-se útil pela primeira vez em muitos anos. Queria contar a novidade para a irmã, embora desconfiasse que ela já sabia do ocorrido. Mas havia uma pessoa em particular que ele gostaria de deixar orgulhosa. Uma pessoa para quem ele queria mostrar o quanto tinha mudado. Mas essa pessoa não gostaria de falar com ele.

Andou até o balcão onde Tobias, Le e Clarita se encontravam Precisava falar com o confeiteiro, seria ótimo se Francis estivesse ali também para que não precisasse falar com ele a sós. Beto não sabia o que acontecia entre ele e Clarita, mas desconfiava que eles estavam juntos e isso o deixava possesso. Ele não queria que o rapaz tocasse a sua menina, a sua nanica. Não do modo como só ele deveria poder tocar.

— Bom dia galera — ele disse sorrindo para os três.

— Bom dia, Beto — Le respondeu também sorrindo. — O que faz aqui tão cedo?

— Estava tendo uma reunião com a Maria Cecília, estávamos acertando alguns detalhes para a nova fase do café — Beto estava animado e isso não passou despercebido por ninguém.

— E como vai ser essa nova fase? — Tobias perguntou ao rapaz.

— Por enquanto vamos fazer algumas pequenas mudanças — Beto disse mantendo o sorriso.

— Que tipo de mudanças? — a pergunta, que veio de Clarita, despertou em Beto uma felicidade ainda maior do que a ele estava sentindo. Não por ter sido feita, mas por quem a havia feito. Ela estava falando com ele, mesmo que profissionalmente, de novo.

— Vamos mexer no uniforme de vocês, não me levem a mal mas vocês parecem operários daquelas fábricas gigantes — Beto disse fazendo Le rir. — Vamos trazer um pouco mais de vida para esse lugar, as pessoas vêm aqui para relaxar, para se distrair, encontrar os amigos, não para fazerem reuniões, embora algumas aconteçam aqui. E vamos mexer no cardápio.

— No cardápio? — Tobias ergueu uma sobrancelha não sabendo se gostava da ideia.

— Sim — Beto riu da expressão dele. — Por isso preciso que você e o Francis me digam quando estão disponíveis para conversarmos sobre isso. Vocês são os donos da cozinha, sabem dizer o que é mais pedido e o que não é. Eu sei que vocês sabem bastante, e por isso podem trazer novas receitas para o Café. Algo que vocês gostem de fazer ou que tenham criado e acreditam que pode ser uma boa opção para os clientes.

— Parece que finalmente alguém ouviu suas orações Letícia — Tobias riu. — Não aguentava mais ouvir você reclamar sobre o cardápio.

— Você sabe que eu tenho razão — ela devolveu no mesmo tom.

— Eu estava pensando também em desenvolvermos um menu especial para as pessoas que têm diabetes ou são intolerantes a lactose — Beto continuou. — Mas isso você e o Francis são quem tem que me dizer se dá para fazer.

— Claro, claro — Tobias disse. — Vou conversar com o Francis, saber quando é a folga dele e já mandar ele ficar de olho em novas receitas, novas formas de preparar algumas bebidas. Assim que tiver uma resposta te aviso, pode sr?

Se podia ser? É claro que podia ser. Nada daria mais alegria a Beto que não ter que falar com Francis a sós.

— Por mim tudo bem — Beto concordou mantendo-se sóbrio. — Bom, vou começar a minha busca por costureiras e lojas de tecidos para já ir fazendo um orçamento inicial dos novos uniformes. Como eu não tenho nenhum talento para desenhar ou para moda, se vocês souberem de alguém que possa fazer alguns modelos para a gente eu agradeceria se me informassem.

— Eu faço! — Le se animou. — Sempre gostei de mexer com roupas, eu fazia a maioria das roupinhas das minhas bonecas, minha avó costurava, era verdade, mas a ideia era minha. Posso fazer alguns esboços para você escolher.

— Eu adoraria, mas mostre-os primeiro ao pessoal — Beto disse. — Quando você tiver os mais votados me mostra que eu levo até a Maria Cecília e o Júnior para ver qual eles aprovam.

— Combinado.

— Bom, não quero mais atrapalhar o trabalho de vocês — ele começou a se despedir. — Nos vemos em breve. Até mais.

— Até — os três disseram.

Beto saiu do Café pensando no passo que daria a seguir. Tinha passado a última semana planejando um modo de organizar sua vida. Que tipo de pessoa era ele que se propunha a revolucionar um estabelecimento que funcionava há meio século e não conseguia arrumar a própria vida? Ele precisava tomar as rédeas da situação, precisava decidir o rumo que iria tomar a partir daquele momento.

Depois de rodar a cidade atrás do preço mais favorável para a fabricação dos novos uniformes, Beto finalmente pode parar. Chegou em casa e logo ligou para Érica, precisavam ter uma conversa definitiva. Não poderia mais adiar aquilo, ela estava há menos de duas semanas de voltar para os Estados Unidos para iniciar as gravações do filme, se ele não falasse agora, enquanto ainda teria tempo para ao menos deixar a situação entre eles amigável, não falaria nunca.

— Tudo bem Beto? Você parece ansioso — Júnior comentou enquanto encarava o rapaz que estava sentado no sofá batendo o pé no chão de forma frenética.

— Vou terminar com a Érica — ele respondeu simplesmente, assustando o cunhado.

— Isso é sério? Por quê? — Júnior realmente não estava vendo motivos para tal atitude vinda de Beto.

— Porque não é ela — Beto respondeu simplesmente. — Não é ela que eu amo. Não é nela que eu penso. Eu gosto dela, mas não do modo que ela merece. Manter esse namoro não é justo comigo, não é justo com ela.

— Eu deveria querer saber quando foi que você tomou essa decisão? — Júnior se sentou ao lado dele.

— Há mais de um mês — ele disse. — Mas faltava coragem. Faltava determinação. Falta aquele senso de maturidade, que me diz, hoje, que eu devo tomar cuidado com as minhas atitudes porque elas afetam outras pessoas, direta ou indiretamente.

— Explique-se.

— Tem uma garota que há muito tempo mexe comigo, nós passamos onze anos fora e ela ainda tá aqui dentro — Beto indicou a própria cabeça. — Mais que isso, ela tá aqui — ele apontou para o próprio peito — e não dá para tirar. Não dá para tentar colocar outra no lugar que todo dela. Não dá. Mas eu não sei lidar com isso. Quando eu a vi, depois que a gente voltou pra São Paulo, eu a quis para mim. Quis ser o dono do sorriso dela, do coração dela. Mas tinha Érica no meio, tinha onze anos de distância, tinha um monte de ressentimento. Eu deveria ter lutado por ela enquanto ainda tinha alguma chance, mas eu não fiz isso, eu agi sem pensar e acabei com qualquer aproximação que nós tínhamos. E mesmo sabendo que ela era a pessoa que eu sempre amei, eu continuei com a Érica, continuei fingindo que seria capaz de amá-la. Não é justo que ela se dedique tanto a mim e não faça o mesmo por ela.

— Quando foi mesmo que você cresceu tanto? — Júnior olhava abismado para o rapaz. Sempre soube que Beto era mais que um rostinho bonito, que ele era um rapaz que tinha mais a oferecer. Mas vê-lo daquela forma, tão racional e maduro, era simplesmente surpreendente.

— Não sei — Beto riu de si mesmo. — Acho que apenas cresci.

O barulho da campainha indicou que Érica havia chegado. Júnior se retirou da sala no mesmo instante em que Beto caminhou para abrir a porta para a, até então, namorada. Érica estava sorrindo, estava feliz com algo, Beto lamentava ter que estragar o dia dela.

— Disse que precisávamos conversar, aqui estou — Érica pronunciou se sentando no sofá. — O que houve?

— Érica, eu poderia fazer um discurso e te dar milhões de desculpas para o que eu vou te dizer, mas eu aprendi que quanto mais simples somos, mais fáceis tornamos as coisas — Beto estava diante dela olhando-a nos olhos. — Eu quero terminar.

— Como? — Érica se levantou bruscamente. — Por quê?

— O sentimento que talvez você tenha por mim não é recíproco — ele disse calmo. — Eu não vou fingir uma coisa que pode machucar você mais cedo ou mais tarde. Não vou levar essa história até um ponto onde não tenha retorno.

— Beto eu amo você! — Érica gritou desesperada. — Nós estamos juntos há um tempão! Eu suportei muita coisa por você. Suportei farras, noitadas, até supostas traições. Você não pode terminar comigo. Não tem esse direito.

— Eu nunca te pedi para suportar nada disso — ele afirmou. — E é por isso que eu quero terminar. Porque você suportou coisa demais, e mesmo assim não é capaz de suportar a maior verdade entre a gente.

— E qual seria ela?

— Eu não amo você — ele soltou se levantando para encará-la novamente. — E você não me ama.

— É claro que eu amo!

— Não Érica, não ama — ele rebateu. — Amar é mais que ficar calada diante de situações que não te agradam, é mais que ficar monitorando cada passo que o outro dá. Amar é mais que ciúme, é mais que submissão.

— Nunca fui submissa a você — ela disse começando a ficar furiosa.

— Eu sei, mas fingiu-se de cega muitas vezes. Eu não trai você, nunca faria isso — pelo menos ele não contava o beijo com Clarita uma traição. — Mas menti, enganei de outras formas, e muitas vezes nem era discreto quanto a isso.

— Amor é perdoar, Beto — Érica rebateu.

— Então me perdoe por estar terminando o nosso relacionamento — ele disse simplesmente.

— É por causa dela, não é? — os olhos da morena adquiriam um brilho furioso.

Beto a olhou sem entender.

— Clarita — Érica pronunciou entre dentes. — Eu sabia que vocês estavam estranhos. Você estava me traindo com ela! Ai ela terminou com você e resolveu ficar com o Francis e agora você termina comigo para tentar reconquistá-la.

O que Érica dizia só fazia sentido na cabeça dela, essa era a certeza que Beto tinha. Mas a mísera possibilidade de a garota achar que Clarita estava envolvida diretamente no problema entre eles o deixava preocupado.

— Eu nunca tive nada com ela — Beto contou, iria ser sincero com Érica. — Mas foi porque ela não quis. Porque se dependesse de mim, nós estaríamos juntos. Eu amo a Clarita.

Beto nunca antes tinha tido noção do quanto a mão de Érica era pesada. Agora que certamente tinha os cinco dedos dela desenhados em sua face pode perceber o quão forte ela era.

— Você é um idiota! — foi tudo o que Érica disse antes de sair da casa de Beto batendo a porta com força.

Beto suspirou cansado, ao menos havia conseguido cumprir a promessa que tinha feito a si mesmo. Agora só torcia para que a situação não piorasse pelo resto das semanas que ainda veria Érica, mesmo que brevemente.

Infelizmente algo lá no fundo dizia que ele deveria se preparar para algo ainda pior que o tapa de Érica.