Eu sempre tive oportunidade de me aventurar, minhas escolhas eram feitas somente por mim, lembro-me do meu pai falar desde criança: “Filha, se algum dia eu tentar opinar em suas escolhas... Eu deixo você me dar um soco.” Obvio que ele nunca iria deixar eu dar um suco nele e eu nunca faria isso, sempre achamos que conversa existe para isso.

“Eu tinha uma família perfeita... Mas porque eles acabaram com isso?”

Mas eu ainda estava aqui, sentada na areia e com meus olhos atentos no mar, minha respiração estava calma e meus cabelos estavam bagunçando com o vento forte que estava no local, ainda estava cedo e por isso ouvia algumas crianças brincando, eles estavam felizes e eu estava triste.

Acabei de chegar na cidade, fazia alguns dias que minha mãe pedia para eu conhecer sua nova família, mas eu não queria, não naquele momento, eu sei que eu estava sendo egoísta e que ela estava feliz.

Eu não deveria ter a culpado, falando que ela acabou com nossa família.

Mas porque eu não consigo pensar diferente?

— Merda, isso tudo é uma grande merda. – Disse em um tom cansado, eu estava cansada.

Porem acabo saindo dos meus pensamentos ao ouvir uma risada baixa ao meu lado, meus olhos foram rapidamente em direção a risada e acabo vendo alguém a poucos metros de mim, porem não era uma risada feliz, era tudo, menos feliz.

— Concordo, isso tudo é uma merda. – Resmungou o garoto e seus olhos foram em minha direção, naquele momento somente nos encaramos, seus olhos me analisavam atentamente e eu fazia a mesma coisa.

— Merda é como sua cara esta. – Comentei ao ver seu olho roxo, isso somente fez ele fazer uma breve careta, aquilo provavelmente estava doendo.

— Pensei que era um charme. – Falou ele apontando para o machucado.

— Esse roxo deixa você com um ar misterioso. – Disse em um tom sarcástico, meus olhos foram novamente para a praia e somente senti vontade de entrar, mas não estava vestida adequadamente.

— Então... O que é uma merda? – Perguntou o garoto, porem dessa vez ele sentou ao meu lado.

Abusado? Muito.

— Porque eu contaria o meu problema para um estranho? – Em nenhum momento voltei meus olhos para ele, porem eu sentia que ele estava me olhando e aquilo fez abrir um sorriso cansado.

— Não tem como ficar pior, certo?

Isso é verdade, nada poderia ficar pior de como estava, porem eu sabia como tinha que resolver o meu problema, porem eu não conseguia, eu sou egoísta, somente uma garota egoísta.

— Sempre tem como ficar pior. – Falei soltando um breve suspiro. – Somente não queria estar aqui.

— Então vai para outro lugar, não é todos que gostam de praia mesmo. – Falou em um tom sério, como se tivesse resolvendo meus problemas.

— Não estou falando da praia, estou falando da cidade. – Soltei uma gargalhada baixa. – Acabei de chegar de viagem.

— Porque está em uma cidade que não quer? – Perguntou-me, seus olhos agora estava concentrado no mesmo local que eu olhava.

Porque eu estava na cidade? Eu poderia ter ficado com meu pai, poderia estar com ele e estaríamos comendo pizza e assistindo jogo, reclamaríamos quando alguém perdeu um gol e depois desistiríamos de assistir e colocaríamos em um filme qualquer.

Mas eu estou tentando ser menos egoísta e aqui estou, em uma cidade que eu não queria... Ela iria feliz, era por isso que eu estava aqui.

— Minha mãe. – Somente falei isso, uma resposta vaga, igual meus sentimentos.

— Ela te forçou a vir? – Seu tom era curioso e aquilo fez eu soltar uma gargalhada baixa.

— Sim, ela mandou a policia me buscar... Ela disse que eu era traficante de drogas. – Falei fingindo um tom triste e vejo seus olhos me analisando novamente, sua face estava apavorada.

— Sério? Ela fez isso mesmo? Eu não consigo acreditar nisso.

Agora eu voltei a analisa-lo novamente, ele era bonito, seu rosto estava um pouco inchado e seu cabelo estava amaçado, parecia que tinha acabo de acordar e acabei por voltar a rir, porem da sua inocência.

— Não, ela não fez isso. – Respondi ainda olhando para ele e logo ele abriu um sorriso de canto. – Mas ela usou a arma mais poderosa que existe... As palavras.

— Você é uma mentirosa. – Resmungou. – Palavras são fortes, como são forte.

Ele agora estava serio, seus olhos não brilhavam e isso era um pecado, seus belos olhos parecia não ter vida. Qual seria o problema dele? Bem, algo eu tenho certeza, não era nada comparado ao meu.

— Toma cuidado, tudo que eu falei pode ser mentira. – Brinquei e isso fez ele voltar a sorrir, porem seus olhos ainda não sorria.

— Não se pode confiar em uma estranha.

— Oh, eu que o diga... Merda, eu sabia que deveria ter ficado em silencio. – Falei em um falso tão de medo. – Vai saber o que você é capaz de fazer.

— Verdade, melhor sair correndo. – Brincou.

Meus olhos foram agora para o céu que estava escurecendo, não me lembrava do quanto estava aqui, parada e perdida em meus pensamentos, provavelmente fazia bastante tempo, minha mãe vai querer me matar, será que eu devo ir com um colete ou um segurança? Ela vai ficar uma fera.

— Eu preciso ir... Mas antes de eu ir, como conseguiu esse belo roxo? – Perguntei já me levantando e isso fez o mesmo se levantar também.

— Eu briguei com uns caras ai. – Falou dando de ombros e aquilo só fez eu revirar os olhos, ele estava mentindo.

— Já disseram que você não sabe mentir?

— Já disseram que você é bastante curiosa. – Perguntou ele, enquanto limpava sua roupa.

— Não fala de alguém se você é a mesma coisa, querido. – Respondi. – Mas eu sei que não vai adiantar eu perguntar.

Eu sabia disso, ele não falaria sobre o olho dele estar daquele jeito e isso era triste, mas eu nunca iria ver ele novamente e provavelmente ele iria voltar para a luta diária dele, que eu não imaginava o que era.

— Porque esta me encarando?

Solto um breve suspiro e balanço minha cabeça de um lado para o outro, odiava quando ficava perdida em meus pensamentos e encarava as pessoas, provavelmente eu estava com uma cara estranha, uma louca.

— Às vezes as coisas são difíceis e o mundo sempre parece não esta ao nosso favor, parece que tudo está dando errado e que as coisas nunca vão dar certo. – Comentei ainda encarando-o. – Mas eu acho que não devemos desistir, porque um dia tudo vai dar certo e se isso não acontecer... Bem, temos que tentar, porque tudo é tão complicado, muito complicado.

— Às vezes desistir é algo tentador. – Falou.

— Oh, você não querer ser o cara que desistiu, pode contar com isso. – Abrir um sorriso sincero e coloquei a mão no bolso do meu moletom, logo senti a chave do carro e uma barra de chocolate pequena, pego a mesma e entrego para ele. – Chocolate sempre deixa as pessoas felizes.

— E se eu não gostar de chocolate? – Ele falou em um tom alto, vendo eu me afastar dele.

— Então você vai fingir que gostou e falar obrigada, poxa... Eu não dou chocolate para todos. – Disse em um tom descontraído.

Voltei a andar e logo ouvi ele gritar obrigado, porem eu não me virei novamente, logo estava indo em direção ao meu carro e iria enfrentar meus problemas, tentaria ser uma filha melhor, minha mãe estava feliz e hoje aprendi que tem pessoas com problemas que eu nunca vou imaginar, só espero que ele fique bem e que o mundo comece a sorrir para ele.