Sasuke andou a passos apressados pela vila, seguindo as instruções de Sakura até a casa de Sai. Foi inevitável não notar os olhares que seus companheiros de time lhe lançaram com a sua saída repentina, porém naquele momento ele simplesmente não se importava. Sentia-se extremamente cansado de toda aquela situação. Irritado com aqueles sentimentos que brotavam em seu ser mesmo sem o seu controle. Exausto de toda aquela pressão que TenTen fazia nele. Insatisfeito com as questões acerca do seu relacionamento. Quanto mais pensava, mais descontente se sentia.

Não é que ele estivesse com raiva só de TenTen. O que mais o chateava era o fato de que ela estava sempre certa e ele sempre errado. A cada vez que ela lhe dava “conselhos” sobre o que fazer, ele percebia que não sabia absolutamente nada sobre se envolver com uma pessoa; todas as casas que tinha avançado naquele ponto iam por água abaixo e ele retornava à estaca zero. Estava se esforçando, mas por quê nunca parecia ser o suficiente? Sempre havia mais. Sempre havia uma abordagem necessária, algo a ser feito. Como poderia seguir um roteiro do qual não sabia nada a respeito?

Era provavelmente por causa disso e outras demais questões que ele se afastou de tudo aquilo. Era bem mais fácil e confortável quando todos o odiavam e ele não mantinha relações profundas com praticamente ninguém. Entretanto Sasuke sabia que nunca voltaria a ser daquele jeito outra vez. Ele estava envolvido demais para simplesmente se desligar das pessoas como fez anteriormente ao deixar Konoha para trás. E também suas motivações eram mais fortes e complexas naquela época.

Foi por isso que, ao chegar na casa de Sai, após uma breve parada em algumas barracas próximas, seu humor estava dos piores possíveis. Ele estava ciente de que não havia como descobrir o que havia acontecido com Sai apenas com o olhar, mas ele deveria ter suspeitado, pois os indícios eram óbvios. Bateu na porta, tentando ignorar aquele sentimento de culpa, aquela sensação amarga que vinha do fundo do seu peito. Odiava aquela sensação.

Bateu novamente quando não obteve resposta e a porta abriu-se poucos minutos depois. Uma parte da sua ira se atenuou quando pôde perceber o estado que Sai se encontrava. Sua expressão estava retorcida de dor e surpresa e uma aparência de extremo cansaço como complemento. Seu rosto parecia mais fino e mais pálido que o de costume. Ele não usava uma camisa e era possível visualizar uma faixa bem posicionada em seu ombro direito, que se estendia até acima do umbigo. Ele parecia realmente péssimo.

“Oi.” Sai foi o primeiro a quebrar o silêncio, depois de uma intensa troca de olhares entre eles. Estar frente a frente com Sasuke ali fez com que ele se sentisse culpado por não ter contado a verdade quando se viram no dia anterior. Estava ciente de que tudo havia acontecido muito rápido, mas, de alguma forma, devia ter falado algo. Qualquer coisa. À sua frente, o Uchiha exibia um semblante terrível que expressava uma possível fúria e, sinceramente, nem poderia criticá-lo por aquilo; era incrível o fato de que era difícil dizer quando ele estava feliz ou alegre, mas era extremamente nítido quando estava irritado ou chateado.

“Como você está?” Foi o que saiu da boca de Sasuke, ignorando deliberadamente a fase inicial de cumprimento, o que não era nenhuma novidade. Ele nunca foi muito bom em enrolação de qualquer forma. Quando percebeu que Sai estava a ponto de dizer que tudo estava bem (estava estampado em sua face que ele seria capaz de fingir que nada de grave havia acontecido), o recém-chegado o cortou antes que ele tivesse a chance. “Não diga que está bem.”

Sai piscou, sentindo os seus olhos pesados e seu corpo parecia consumir doses extras de energia para realizar tarefas simples como respirar.

“Não estou bem. Tudo está doendo.” Revelou, em um tom de voz baixo. Qual era o ponto em mentir quando provavelmente estava estampado em sua face o quão mal ele se sentia? De qualquer forma, mal tinha forças para manter a compostura, imagine discutir com alguém.

“Eu posso entrar?” Sasuke perguntou e, por mais que aqueles movimentos lhe provocassem uma dor intensa, o dono da casa se moveu um pouco para o lado para que o outro pudesse adentrar o recinto.

O Uchiha retirou os sapatos calmamente enquanto ouvia a porta sendo fechada. A casa de Sai era simples. Era composta por dois cômodos e uma varanda. A sala, o quarto e a cozinha eram integrados em um ambiente aberto e o banheiro no canto. Exatamente em frente ao local em que se encontravam, a uma distância considerável, podia ver uma cama de solteiro, uma estante de livros na lateral e uma pequena cômoda com algumas gavetas do outro lado. A cozinha era cercada por uma bancada, que cumpria a função de dividir os espaços, equipada com fogão, geladeira, pia e armários. Mais perto da entrada que os outros móveis, encostada na bancada, estava uma mesa de jantar com três cadeiras.

“Você aceita uma água ou um chá?” Sasuke voltou a se sentir aborrecido quando notou que Sai estava andando a passos lentos na direção da cozinha. Como poderia oferecer algo naquela situação? O Uchiha se colocou na frente dele com agilidade, impedindo-o de continuar se movendo. “O que está fazendo?”

Sem dizer nada e recebendo alguns protestos por parte do outro, o ex-nukenin caminhou ao lado do dono da casa, oferecendo-lhe apoio, enquanto o conduzia até a cama. O Shimura sentou-se, contrariado, observando o moreno deixá-lo ali e ir até a cozinha, se deslocando pelo espaço como se já tivesse estado ali um milhão de vezes.

“Você já comeu? Eu trouxe algumas coisas.” Sai não havia percebido a existência da sacola até aquele momento. De onde podia ver, eram alguns legumes, arroz e um punhado de carne. Sasuke encontrou algumas barracas de venda no caminho e pensou que seria uma boa ideia levar suprimentos para o caso de Sai ainda não ter se alimentado.

“Ainda não. Eu estava a ponto de pegar no sono quando você bateu.” O moreno encostou-se na cabeceira da cama, se aconchegando melhor entre os lençóis. Sua cabeça estava pesada e, por mais que ele soubesse que poderia ser capaz de fechar os olhos e dormir a qualquer momento, ainda estava fazendo um esforço para manter-se acordado. O Uchiha foi até a sua casa para saber como ele estava. Seria o cúmulo da falta de educação se entregar ao sono naquele momento. “Onde está o Reiwa-kun?”

“Primeiro dia na Academia.” Mesmo sem a permissão do dono da casa, Sasuke abriu os armários de forma silenciosa, apenas para se situar onde estavam os equipamentos que ele precisaria para cozinhar. Voltou seu olhar para Sai, mudando de assunto. “Por que não ficou no hospital?”

O herdeiro do Sharingan apertou os olhos quando recebeu um suspiro baixo de insatisfação. Ele conhecia algumas pessoas teimosas, mas não imaginava que o Shimura estaria entre elas.

“Não era necessário.” Respondeu o moreno, com a voz sonolenta, sentindo como se estivesse flutuando. É como se o fato de estar encostado à cama tivesse o poder mágico de deixá-lo com sono. Os remédios com certeza estavam fazendo efeito naquele momento; pelo menos em sua mente, embora não pudesse dizer o mesmo sobre as dores. Talvez aquela fosse a lógica. Não seria capaz de sentir dor se estivesse apagado.

“Por que não descansa um pouco?” Sai abriu os olhos ao perceber a voz de Sasuke tão próxima. Ele nem percebeu que seus olhos haviam se fechado sem o seu comando. O enfermo estava prestes a protestar, mas o outro o ajudou a acomodar até que estivesse devidamente deitado na cama, coberto pelos lençóis.

“Não tem problema?” Foi o que saiu de sua boca em vez disso. Foi incapaz de ouvir a resposta antes de sentir uma sensação de relaxamento tomar conta de si e finalmente entregar-se ao sono.

Depois que Sai dormiu, Sasuke passou um tempo na cozinha preparando o almoço. Ele estava acostumado a fazer comida todos os dias, tanto para si quanto para Reiwa, então realizava alguns preparos sem precisar pensar duas vezes. Ele preparou um pouco de arroz e fez uma sopa de frango com legumes. Depois que a refeição estava pronta, ele serviu um pouco para si mesmo e comeu calmamente enquanto ainda estava quente. Arriscou um olhar ou dois na direção do Shimura, satisfeito que ele parecia estar sereno e confortável.

Após terminar a refeição e deixar a pia livre de louças, ele foi até a estante do canto, percebendo que haviam alguns livros ali. Era uma boa maneira de passar o tempo, já que decidiu que não iria para casa até ter certeza que Sai acordaria bem, comeria e, talvez, pudesse ajudá-lo a tomar banho se ele pedisse. Assim, escolheu um dos livros e sentou-se na mesa próxima ao balcão para ler.

Algumas horas depois, Sai despertou repentinamente. Ele sentou-se na cama e coçou os olhos com a mão livre. Seu ombro ainda estava doendo, mas parecia melhor do que quando havia se deitado. Pelo menos agora parecia mais suportável quando se movia. Olhou ao redor e teve uma surpresa ao perceber que Sasuke ainda se encontrava ali. Ele estava sentado na mesa lendo um livro que parecia com um dos seus. O mestre dos desenhos sentiu um frio no pé da barriga ao se deparar com aquela cena. Era uma sensação estranha, desconfortável. Não um incômodo ruim, como se ele não gostasse da situação. Muito pelo contrário, na verdade. Já fazia algum tempo desde que alguém tinha cuidado dele daquela forma. Poderia se acostumar a algo assim mais fácil do que gostaria de admitir.

O Uchiha interrompeu a leitura, fechou o livro e voltou seus olhos para o outro agora já completamente desperto.

“Oi.” Sai murmurou, de forma tímida. Eles continuaram se encarando por mais alguns segundos de forma intensa. O Shimura queria agradecer que o namorado tinha ficado ali, mas era como se tivesse dificuldade em pronunciar as palavras. Por sorte, Sasuke puxou assunto antes que ele tivesse a chance.

“Você está com fome?” O moreno levantou-se da mesa antes mesmo de ouvir a resposta, indo em direção ao fogão para esquentar a sopa. Ele se moveu pelo espaço com mais familiaridade, já sabendo exatamente onde estavam os equipamentos que poderia precisar.

“Sim, um pouco.” O membro do time 7 sentiu a brisa vindo da varanda aberta e olhou para fora por um momento. Ele não sabia dizer por quanto tempo tinha dormido e também não sabia que horas eram naquele momento. Ainda parecia cedo, mas era difícil dizer. “Por que não me acordou antes?”

“Parecia tranquilo dormindo.” Esclareceu o outro, sem maiores explicações, fazendo com que Sai deixasse de pensar naquela questão. Afinal, Sasuke não estaria ali se tivesse algo mais importante para fazer. Se ainda permanecia, era provavelmente porque não tinha mais obrigações durante o dia e talvez ainda não estivesse na hora de buscar Reiwa na Academia.

Com um pouco mais de resistência à dor, o Shimura virou-se, colocando os pés no chão. Com cuidado, movendo-se lentamente para não forçar seu corpo, ele conseguiu se levantar. Pé ante pé, em câmera lenta, ele andou com tranquilidade até a mesa e puxou uma das cadeiras para sentar-se. Seria muito mais confortável que fizesse a refeição em uma superfície fixa do que em cima da cama.

Sasuke organizou a sopa em uma tigela e uma boa quantidade de arroz em outra, acreditando que o outro teria mais energia se comesse bem. Levou os dois recipientes para a mesa, onde Sai já se encontrava sentado. Nem percebeu ele se levantando da cama e indo para ali, mas aquilo era bom pois significava que ele já estava relativamente melhor. Sentou-se na cadeira ao lado, colocando a refeição ao alcance do moreno.

Sai salivou imediatamente só com o cheiro que vinha da sopa. Sua última refeição havia sido pela manhã, quando Sakura lhe visitou, trazendo um mingau para ele e disposta a se certificar de que ele tomaria todos os remédios de forma certa. Ela também verificou sua faixa e só foi embora depois de estar satisfeita com o resultado. Por mais que a própria não achasse, a Haruno era uma boa amiga.

Ele pegou a colher com a mão esquerda, mergulhando-a no líquido fumegante e levou-a até a boca. Sua mão tremia levemente, porque ele não tinha tanta habilidade com sua mão não dominante, mas pelo menos poderia fazer as funções básicas como se alimentar sem que um acidente ocorresse. Era o suficiente ter um lado da parte superior do corpo imobilizada, ele definitivamente não precisava também de uma queimadura.

Depois de quatro ou cinco colheres de sopa e mais duas de arroz, Sai focou sua atenção novamente em Sasuke, notando que, mesmo depois de dormir e acordar, o humor dele ainda não parecia o melhor.

“Está tudo bem?” Arriscou-se a perguntar. Um minuto inteiro de silêncio após o questionamento e o Shimura estava pronto para dizer que o moreno não precisava falar daquilo se não quisesse quando o outro soltou um suspiro baixo, encarando com intensidade um ponto qualquer em cima da mesa.

“Eu briguei com a TenTen.” Revelou, por fim. Sasuke não se sentiria confortável para falar sobre o assunto se fosse com outra pessoa, mas as palavras apenas saíram de sua boca de forma natural, como se eles tivessem conversas como aquela todos os dias.

“O que aconteceu?” Sai até poderia culpar o efeito dos remédios se fosse antes, porém naquele momento era apenas sua curiosidade aflorada. Ele se lembrou do dia anterior e se perguntou se poderia ter sido o motivo da briga. Quer dizer, não ele mesmo, mas lembrava-se vagamente de ter convencido Naruto a sair com ele pelas ruas de Konoha para mostrar o estabelecimento que encontrou para realizar o aniversário do namorado.

Pensando com mais clareza agora, pareceu uma ideia totalmente estúpida. Como exatamente o Uzumaki havia concordado com aquilo? De qualquer forma, mostrou-se uma fuga perdida, já que não só não tinha conseguido conversar direito com TenTen como Sasuke havia descoberto sobre a festa e ele e o loiro quase haviam sido flagrados por Sakura. Ela iria esfolá-los se tivesse descoberto que eles tinham saído.

O moreno continuou comendo sua refeição em silêncio enquanto esperava por respostas. Sasuke permaneceu calado por mais alguns minutos, ainda encarando o mesmo ponto no canto da mesa. Não que ele não quisesse falar sobre o assunto, mas parecia estúpido. Suas preocupações pareciam tolas agora que estava a ponto de verbalizá-las para alguém. Mas, assim que levantou a cabeça e percebeu aqueles olhos negros nos seus, ele percebeu que talvez estivesse curioso para saber qual era a opinião de Sai sobre o assunto. Seu receio era bobo mesmo?

“Eu e a TenTen discordamos muito.” O Uchiha começou, tomando um segundo para conseguir articular as palavras. “Sempre temos opiniões diferentes. E, no final, ela está sempre certa.” Apertou os olhos, sentindo a raiva sobre a situação se fazer presente novamente. Cerrou os dentes com força antes de revelar, em voz baixa, o que realmente lhe irritava. “Parece que eu nunca sei o que fazer quando estou com você e ela sempre tem todas as respostas.” E me sinto um idiota, complementou, em sua mente.

Sai até tentou segurar, mas foi inevitável que uma risada escapasse de seus lábios. Ele devia estar louco para sentir vontade de rir em um momento como aquele, enquanto Sasuke o encarava de maneira séria. Mas não conseguiu se segurar. O que se mostrou uma péssima ideia mais tarde, quando ele engasgou com a sopa, o que causou uma crise de tosse e fez com que a dor se fizesse presente em várias partes do seu corpo de forma acentuada.

Ele observou o ex-nukenin através dos olhos turvos devido ao ataque de riso e, se a dor havia controlado um pouco da vontade de rir, os olhos mortais do namorado fizeram o resto do trabalho, fazendo com que o Shimura engolisse em seco e o sorriso morresse em seus lábios. Sasuke possuía as sobrancelhas franzidas e os olhos compenetrados, como se ele estivesse prestes a se levantar e ir embora depois de presenciar aquela cena.

“Não é um motivo plausível para você?” O moreno não queria ser rude, mas não conseguiu evitar que sua voz saísse com um tom gélido. Ele estava irritado novamente. Sabia que a briga havia acontecido por um motivo estúpido, mas ouvir outra pessoa praticamente afirmar aquilo era vergonhoso e lhe deixava extremamente chateado.

“Não é isso.” Sai falou, em um tom suave. Não é que ele não entendesse o motivo. Particularmente, não era um fato que teria um grande efeito sobre si, mas Sasuke parecia o tipo de pessoa que ficaria chateado se algo não saísse conforme ele havia planejado. Não só isso, mas naquela pose de confiança que ele estampava não parecia ter espaço para algo como “não saber o que fazer”, então aquele provavelmente era um tópico sensível para ele. “O que eu quero dizer é… se o problema for não saber o que fazer, nunca, então acho que estamos os dois em uma péssima situação.” Porque era exatamente como se sentia na maior parte das vezes.

O Uchiha o olhou, aparentando estar confuso, e ele soltou um mini-bufo antes de continuar.

“Também nunca sei o que fazer quando estou com você.” Revelou, sentindo um momento de extrema coragem. Não era geralmente tão aberto quanto aos seus sentimentos, mas ele sentia que o relacionamento estava começando a evoluir a partir daquele ponto. Sasuke havia tido coragem para expor algo que lhe incomodava e o mínimo que poderia fazer era retribuir a sinceridade.

Normalmente não sentia dificuldade em expressar o que viesse em sua cabeça, Naruto e Sakura eram a prova de quantas vezes ele havia sido indelicado com seus comentários francos, porém era como se tudo fosse apagado quando se tratava do namorado. Ele não sabia exatamente do que havia tido receio no passado, mas aquele limite parecia um pouco mais tênue naquele momento.

“Foi por isso que não falei nada sobre ter me machucado. Não sabia como abordar o assunto e nem se deveria.” Prosseguiu, agora já recebendo um olhar menos feroz. Bem, na ocasião específica do dia anterior, na verdade, lhe pareceu mais importante mostrar a TenTen o estabelecimento do que dizer a Sasuke o que havia acontecido.

No entanto, ele se conhecia bem o suficiente para saber que, mesmo se tivesse tido a oportunidade, provavelmente não teria dito nada. Sentia-se péssimo só em ter a sensação de que estaria incomodando alguém. Foi pelo mesmo motivo que preferiu não ficar no hospital e recuperar-se em casa. Sakura odiou e quase o arrastou para o estabelecimento, mas no fim conseguiu vencê-la com um pouco de drama.

Percebeu que a expressão de Sasuke se suavizou ainda mais, o que, colocando em condições normais, era quase como se ele estivesse sorrindo. Era meio fantástico e assombroso ao mesmo tempo o fato de que eles conseguiam se comunicar, e se acertar, mesmo proferindo tão poucas palavras. Fantástico porque se sentia confortável daquele forma, porém assombroso pois tinha certeza que se alguém os olhasse de fora acharia aquela conjuntura totalmente bizarra.

E, assim, de um segundo para o outro, tudo voltou ao normal. O Uchiha não parecia mais chateado por causa da risada e nem pelo fato de que Sai não havia falado nada sobre seu estado de saúde. O Shimura também parecia confortável e encerrou sua refeição depois de algumas colheres, sentindo seu estômago satisfeito. Ele sentia-se agradecido que Sasuke havia aparecido, pois teria ficado com fome o dia todo se não fosse pela aparição dele; naquela situação específica, parecia ter sido uma escolha ruim recusar o atendimento do hospital de Konoha.

“Devia fazer as pazes com ela.” Sugeriu Sai, diante da expressão de confusão do namorado. Sasuke levantou seus olhos para observá-lo, aparentando não acreditar que aquilo seria simples de ser resolvido.

“Eu não saberia o que dizer.” Sai tinha certeza de que o Uchiha conhecia TenTen melhor do que ele, então sentiu segurança em rebater:

“Ela provavelmente vai falar por vocês dois.” A expressão do outro começou a relaxar e era quase como se ele estivesse sorrindo diante daquela frase. O Shimura tinha certa razão; era a cara da morena ter aquele tipo de atitude. Imaginava ela fazendo todo um discurso, mal se dando tempo de respirar entre uma frase e outra; mal dando tempo a ele de falar alguma coisa. Querendo abraçá-lo se eles fizessem as pazes. Pensar na situação fez com que um pouco da sua raiva se abrandasse. “Tenho certeza de que ela só quis ajudar.”

Claro, uma vez ou outra Sai se sentiu incomodado com o quanto TenTen se sentia confortável para constrangê-los de formas diversas: seja com olhares de canto olho, seja prestando uma atenção desnecessária na conversa deles ou até mesmo tendo algumas atitudes que ele não concordava. Mas, mesmo estando mais próximo dela há pouco tempo, não conseguia sentir maldade em suas ações. Ela os atrapalhava de uma forma quase ingênua e não parecia poupar esforços, mesmo em péssimos momentos, para tentar ajudá-los.

“Eu sei disso.” E Sasuke sabia de verdade. No dia anterior, na hora da raiva, era difícil enxergar com sensatez os fatos, mas revendo hoje ele sabia que TenTen gostava dele e que só queria que as coisas dessem certo. Só precisava fazer ela entender que não podia se envolver tanto, principalmente quando ele não havia dado tanto espaço para ela naquele âmbito da sua vida.

O Uchiha balançou a cabeça, sentindo-se cansado.

“Vamos esquecer esse assunto.” O moreno estava prestes a se levantar para organizar a louça e guardar o restante das coisas na geladeira quando Sai lhe chamou atenção para outro fato que ainda estava pendente.

“Nós precisamos falar sobre o aniversário.” O Shimura odiava estar trazendo aquele assunto à tona quando tudo parecia resolvido, mas se aquele não era o momento certo, nenhum outro seria. Ele observou o namorado franzir as sobrancelhas, aparentando um pingo de irritação, e quase se arrependeu de ter tocado no assunto.

“O que há para dizer?” Sasuke contestou, sentindo-se esgotado. Por um lado, ele poderia entender o motivo da animação que as pessoas tinham com datas comemorativas, principalmente os aniversários; também foi uma dessas pessoas no passado. Mas uma parte dele estava incomodado com o fato de que, até o momento, ninguém parecia interessado no porquê ele não gostaria de comemorar aquela data. Nem sabia se estava pronto para se abrir sobre aquele aspecto da sua vida com alguém.

"Você realmente não quer celebrar o dia?”

"Celebrar?" Sasuke quase bufou ao ouvir a palavra. O que havia para celebrar afinal? Porém, ao invés de discutir, o Uchiha inclinou-se para frente, genuinamente curioso, e olhando para o outro de forma intensa, perguntou:

“Por que isso é tão importante para você?”

Sai permaneceu em silêncio por um tempo considerável, apenas sustentando o olhar do homem à sua frente. Ele não sabia o que dizer, até porque ele não se importava muito sobre o tema “aniversários”, porém, de alguma forma, o fato de ser aniversário de Sasuke fazia diferença. Se interessava por tudo que envolvia o namorado. Mas como poderia explicar isso a ele com palavras que fizessem algum sentido?

Estava pronto para dizer que, se Sasuke realmente não quisesse, ele faria um esforço para convencer TenTen quando o Uchiha falou, em um fio de voz, seus olhos perdendo um pouco daquela intensidade.

“Minha última comemoração de aniversário foi em casa. Minha mãe organizou um banquete, mesmo que fôssemos apenas quatro pessoas. O Itachi chegou atrasado por causa das missões e parecia distante… mas não parecia importante na época. Então duas semanas depois… o Massacre aconteceu. Faltava uma semana pro aniversário do meu pai. Ele deu a ideia de comemorar junto com o meu, até porque não se importava muito com isso, mas eu insisti em comemorações separadas. Tudo isso parece uma idiotice agora.”

O coração de Sai se apertou diante daquela confissão. Ele olhou cada detalhe do rosto de Sasuke com uma atenção exagerada, quase desnecessária. Como pôde sentir raiva dele em algum momento da sua vida? O Uchiha carregava uma série de traumas, que, ao longo do tempo, moldaram sua personalidade e tiveram um papel importante em alguns de seus comportamentos. Apesar de tudo pelo que passou e mesmo entre algumas escolhas duvidosas, ele havia crescido e se tornado um homem bom.

O Shimura sentiu seus olhos marejados. Como ele era estúpido! Pensou que o fato de não querer comemorar seu próprio aniversário era puro capricho por parte do shinobi, imaginou que ele tivesse algum problema em ser o centro das atenções. Nunca considerou que talvez o motivo dele fosse um pouco mais profundo do que apenas não gostar da comemoração. Nem ao menos pensou em perguntar. Um bolo de culpa se instalou em sua garganta.

“Talvez esteja na hora de recuperar essas antigas tradições. Pode ser algo saudável para o Reiwa.” Sasuke não entendia muito das convenções sociais, tudo ainda era muito novo para ele. Evitou uma série de coisas por muito tempo devido ao fato de que elas lhe traziam lembranças do passado. Mas ele queria fazer tudo diferente para o filho. Então provavelmente estava na hora de deixar umas das suas maiores convicções (e maiores dores) para trás e seguir em frente. “Tudo bem, vamos fazer essa festa. Façam como quiserem.”

Expulsou o pensamento de tentar convencê-lo do contrário. Sasuke ficaria possesso se, depois de todo aquele tempo e de ter exposto o que parecia uma grande ferida, Sai apenas desistisse e dissesse que não era mais necessário. Claro, depois de saber de todos os motivos, não estava mais tão animado, mas ir contra a decisão parecia loucura e começar uma nova briga estava fora de cogitação.

Sai pegou a mão de Sasuke em cima da mesa, entrelaçou os dedos com os seus e encostou a testa nas mãos juntas. Foi o timing perfeito, já que as lágrimas escorreram naquele momento. Ele não queria que o namorado o visse chorando. Primeira porque imaginou que aquilo traria a carranca dele de volta; o Uchiha não parecia o tipo de pessoa que aceitaria ver um sentimento como pena direcionado a si. E ele nem merecia. Merecia ver o orgulho nos olhos de alguém. Foi naquele momento que o ninja finalmente conseguiu compreender verdadeiramente o que Naruto significou para Sasuke: o loiro foi o único a estender a mão quando ele se encontrava em um abismo.

Continuou com a cabeça abaixada até que sentiu que as lágrimas começaram a secar em sua face. Limpou os resquícios com a mão livre. Sabia que não havia como apagar totalmente as evidências, já que seus olhos ficariam vermelhos, mas tentou fazer o possível. Ele fechou os olhos com força, levantou a cabeça e depositou um beijo casto no dorso da mão de Sasuke. A pele estava áspera e cheia de pequenos arranhões, provavelmente provocados pelo treinamento ninja, mas era quente na dele. Sai finalmente juntou coragem para abrir os olhos e encarar o outro, enquanto permaneceram de mãos dadas.

Sasuke parecia surpreso e até levemente desconcertado. Um rubor sutil tomava conta de seu rosto, quase imperceptível. O Shimura abriu um sorriso doce diante daquela expressão.

“Obrigado.” E Sai não sabia pelo que exatamente estava agradecendo. Se era pela permissão em fazer a festa. Ou por aquela confissão tão íntima. Ou até mesmo se pelo fato dele simplesmente ter aparecido naquela tarde. Porém, mais importante que tudo, sentia-se grato por ter conhecido Sasuke.

O Uchiha abaixou a cabeça diante da emoção que via nos olhos escuros do namorado. Ele mexeu-se na cadeira, sentindo-se desconfortável. Ele prometeu se habituar com a sensação, mas, em alguns momentos, ainda era estranho. Não um estranho ruim, porém ainda se sentia esquisito. Sai, com os olhos atentos em cada ação do outro, percebendo aquela inquietação, tentou desembaraçar as mãos.

“Desculpe.” Falou, acreditando que o motivo do incômodo fosse o contato, porém Sasuke entrelaçou mais os dedos, olhando para as mãos unidas com determinação.

“Não é ruim. Só preciso de um instante para me acostumar a isso.” O enfermo também observou o contato das palmas. Sentia-se feliz com o fato de que parecia que eles estavam avançando no relacionamento. Aquela tarde com certeza representava um passo importante na trajetória deles.

Depois de um tempo em silêncio, Sasuke levantou e soltou-se dele, pegando as louças e levando-as para a pia. Com calma e destreza, ele lavou os utensílios e organizou o restante da refeição em potes, organizando tudo na geladeira. Sai até tentou dizer a ele que não precisava fazer aquilo, pois ele mesmo poderia cuidar das coisas mais tarde, porém o moreno apenas resmungou que ele não precisava se preocupar.

Quando deixou tudo em ordem na cozinha, o ex-nukenin voltou-se para o dono da casa.

“Eu posso ajudá-lo com o banho, se você quiser.” O Shimura arregalou os olhos diante da fala, enquanto se esforçava para controlar o pânico. Ele já havia se imaginado nu em situações que envolvessem o outro homem, algumas delas mais indecentes do que deveriam ser, porém nenhum dos seus pensamentos envolvia ele estar machucado e receber um banho como se fosse uma criança. Sua face esquentou de vergonha.

“De jeito nenhum. Não mesmo.” Negou com veemência. O ninja já havia feito o suficiente ao trazer suprimentos, fazer comida e lavar as vasilhas.

“Você vai conseguir fazer isso sozinho?” Sasuke o encarou com ceticismo. Duvidava que ele fosse capaz estando naquela condição, então insistiu um pouco mais. De qualquer forma, ele tinha experiência em dar banho em Reiwa, então não devia ser muito diferente. Claro, eles eram dois homens adultos em um relacionamento e outras coisas poderiam surgir a partir daquela situação, porém com Sai machucado daquela forma, sexo estava totalmente fora de cogitação.

“Eu vou dar um jeito.” Evitou pensar em como aquilo seria difícil. Naquela manhã Sakura o ajudou a se limpar, passando um pano molhado por seus braços, pernas e barriga, mas ele não a deixou ir além daquilo. Ela disse que não se importaria de ajudá-lo a tomar um banho decente no banheiro, mas suas ações não condiziam com suas palavras; ela não parecia tão confortável quando proferiu a frase. Porém, de alguma forma, ele ia conseguir fazer aquilo funcionar. Tinha que conseguir.

“Qual é o problema de eu ajudar você?” Sasuke perguntou e Sai poderia sentir uma nota de sorriso em sua voz. Estava claro que estava zombando dele. Era a primeira vez naquele dia, depois de toda aquela aura de chateação, que o Uchiha parecia totalmente relaxado e mais confortável. Tentou manter a máscara de irritação por mais um tempo, mas não conseguiu conter o pequeno sorriso que se abriu um seu rosto ao olhar para o namorado. Mesmo com marcas de cansaço e aparentar estar sobrecarregado por todos os lados, Sasuke ainda era terrivelmente bonito.

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