Intuição

Quando a empatia passa dos limites.


Sakura observava Deidara em um estado que parecia de profunda meditação, por mais que sua face mostrasse diferentes expressões. Em certos momentos ele torcia o nariz, franzia as sobrancelhas e ora ou outra ele até mesmo meneava a cabeça em concordância.

A menina tinha que admitir que, sem os olhos malucos, o sorriso arrogante e a expressão desdenhosa quase sempre presente no rosto, Deidara poderia ser considerado atraente. O cabelo loiro estava sujo pela neve e suor e ele estava precisando de um belo banho (e ela não deveria estar em situação diferente), mas o rosto dele tinha feições bonitas. Aquelas bocas nas mãos e as próteses nos braços eram definitivamente intimidadoras e faziam ele perder alguns pontos em questão de estética, porém o rosto permanecia bonito e jovem quando ele não parecia querer explodir todo o mundo ninja enquanto enchia a paciência dos outros se gabando sobre sua arte.

― Tá olhando o quê? ― Deidara reclamou, despertando Sakura da “avaliação” que estava fazendo e mostrando que havia terminado o que estava fazendo.

― Nada, estava só pensando ― mentiu ― Soube de alguma coisa?

― O Líder soube, sim. O Tobi viu um mercenário com a cabeça valiosa e resolveu perseguir ele. Pelo que parece, ele ainda não está no esconderijo ― explicou mal humorado ―, o que não faz o mínimo sentido, já que ele nunca mostrou o mínimo interesse nessas coisas.

Sakura se manteve em silêncio, guardando os pensamentos sobre o recado de Itachi para mais tarde quando pudesse se concentrar e pensar direito. Ela tinha vontade de perguntar como funcionava a comunicação por meio daquela meditação, mas o bombardeiro parecia irritado demais com o parceiro e ela já até sabia que ele não lhe explicaria nada. Deidara havia lhe dito anteriormente que usaria seu anel para procurar saber de Tobi com Pain, porém não deu maiores detalhes.

― Vamos embora? Se ficarmos aqui só vamos ter maiores chances de sermos encontrados ― a menina propôs após alguns segundos de silêncio e o outro assentiu.

Deidara colocou as mãos dentro de suas bolsas de argila e logo depois tirou-as fazendo um pássaro. Sakura aproveitou o momento para rir e achar extremamente irônico como ela viu um inimigo em um momento de meditação e suposta calma e mesmo até enxergou nele feições bonitas, se esquecendo por poucos segundos de como ele era um assassino sem coração. O confinamento estava realmente deixando-a louca!

O Akatsuki não pareceu notar de início que sua “parceira” estava soltando uma risadinha sem motivo algum e quando chamou-a para subir em sua magnífica criação viu o resquício de um sorriso que parecia ter uma pontada de ironia. Resolveu ignorar as covinhas que ela tinha e se focou em voar de volta para o esconderijo.

Vendo o mundo “por cima”, Sakura observou cautelosamente o chão tão distante naquele momento. Ela prestava atenção em cada pequeno ser em movimento no solo, se perguntando se algum deles poderia ser um de seus amigos. Como estariam eles após o seu sequestro?

Após aquela missão, mesmo que parecesse idiota, a esperança da menina aumentou. O País do Ferro era neutro em questões ninjas e não possuía aliados ou inimigos, preferindo se manter com seus samurais e alguns poucos ninjas, como os que protegiam o palácio do Senhor Feudal. Após a Akatsuki ter os atacado, eles chamariam ainda mais a atenção por se envolverem criminalmente com o país e logo descobririam que ela estava viva, mesmo que sendo usada pela organização para seus próprios benefícios. Se Tsunade recebesse a notícia de que ela estava bem (pelo menos fisicamente) e com o coração batendo como sempre estivera, ela não tardaria em planejar missões de resgate, como tanto fazia com Sasuke. Sakura poderia voltar para casa!

O único problema seria descobrir antes como se livrar da “tatuagem” que Pain lhe forçara no pescoço.

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Se permitindo soltar um suspiro de alívio por estar finalmente sozinha, Sakura entrou na banheira cheia d'água após ter se limpado da sujeira que tinha acumulado durante sua missão.

Eles haviam reportado novamente para Pain – desta vez pessoalmente – que tudo ocorrera com sucesso. O homem de olhos púrpura olhara diversas vezes para a menina durante o relatório de missão como se esperasse ouvir de Deidara que ela havia feito alguma coisa de errada e que pudesse ter colocado todos em algum tipo de problema. De fato, ela havia feito isso, mas Deidara parecia não ser tão horrível assim pois não relatou a parte em que ela quase se recusou a matar a menina.

Falando na menina... Sakura havia matado uma pessoa inocente.

Ela só começou a pensar naquela frase tão carregada de remorso naquele momento, quando sabia que não se descontrolaria na frente dos outros. Ela já estava sendo humilhada na situação em que estava, totalmente submissa e sem poder fazer nada para sair daquilo. Se deixasse transparecer qualquer fraqueza – a menor possível –, ficaria ainda mais difícil para ela sobreviver naquele lugar.

Sakura nunca havia matado ninguém que ela não julgasse que merecesse a morte. Havia matado alguns assassinos, um membro da Akatsuki e não hesitaria em matar qualquer um dos outros se tivesse a oportunidade, mas jamais havia derramado o sangue de quem não havia feito mal a ninguém.

Aquela menina havia sido morta por ter nascido filha de um Senhor Feudal que tinha consciência do perigo iminente da Akatsuki e que estava pronto para fazer sua parte para detê-los. Ela não tinha culpa alguma e ainda assim fora morta. Sakura se sentia pior do que uma pilha de lixo, ela se sentia baixa como se fosse parte da Akatsuki.

Sentindo os ombros cada vez mais pesados e acreditando que nem o melhor banho do mundo lhe tiraria a sensação de estar suja de sangue inocente, apagou na banheira, acordando apenas horas depois com a pele totalmente enrugada e tremendo de frio pela água já gelada. Ainda com sono, vestiu-se com um pijama quente e deitou-se em sua cama com um distante pensamento sobre Itachi que, naquele momento, não era mais priorizado que boas horas de sono.

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Já de manhã, Sakura caminhou até a cozinha sentindo o peso de horas a fio sem comer nada. Ela havia dormido demais e certamente já deveria estar perto da hora do almoço.

Foi em direção à cesta de frutas sem se importar em olhar para o ambiente e pegou três maçãs pequenas. Sabia que não deveria comer um almoço pesado antes de colocar algo mais leve no estômago e, ao pegar uma faca e virar-se, viu Kakuzu sentado na mesa. Se perguntou como não havia percebido a presença do homem antes. Ele também deveria ter acordado há pouco tempo, já que sua aura se aproximava à aura de Shikamaru toda vez que tinha alguma missão quando mais novo.

Sentiu um arrepio na espinha e um mal pressentimento quando lembrou-se de Shikamaru, por mais que não entendesse o motivo.

Ele encarou Sakura com olhos de poucos amigos e ela desviou o olhar, se concentrando em cortar e comer suas frutas. Kakuzu nunca havia falado com ela e a própria não fazia a mínima questão que isso acontecesse. Somente a sua presença já a intimidava e quanto mais longe conseguisse ficar daquele homem, melhor seria para ela.

Por sorte, ele saiu do recinto não muito depois dela terminar o trabalho com a faca e ela pôde comer sem ter uma presença tão desagradável ao seu lado. Sentiu-se livre para se sentar em uma das cadeiras e comeu sem pressa, aproveitando a solidão daquele lugar. Eram raros os momentos onde ela estava sozinha por ali. Konan fazia chá todas as manhãs e noites, então elas geralmente se encontravam por ali. Tobi também adorava ficar na cozinha pois sabia que alguém sempre apareceria por lá para ele poder começar a tagarelar e Kisame passava boa parte de seu tempo no campo nos fundos aproveitando da chuva para treinar, sempre passando pela cozinha para beber algo e preencher o estômago vazio.

Contudo, naquele dia aquelas três pessoas típicas da cozinha não estavam lá. Não era tão cedo e Konan deveria estar ocupada com os seus deveres desconhecidos, Kisame estava em missão com Itachi e Tobi provavelmente ainda não havia terminado seja lá o que ele estivesse fazendo.

Pensando nos dois últimos, Sakura encontrou no momento a oportunidade perfeita para poder pensar sem ser incomodada. Itachi estava longe do esconderijo e Tobi se encontrava na mesma situação, então ela poderia aproveitar o tempo livre para estudar direito tudo o que estava acontecendo e procurar entender o recado que o Uchiha tinha deixado para ela.

Terminou de comer o mais rápido que conseguiu e rumou até a biblioteca, pegando alguns livros que ela já havia lido anteriormente para disfarçar suas reais intenções e saiu andando com a pequena pilha até chegar na enfermaria. Colocou os livros em sua mesa, abriu-os em páginas que poderiam incitar que ela estava estudando sobre ervas medicinais caso alguém aparecesse e deixou-os ali, largando o corpo desleixadamente nas costas da sua cadeira.

Recapitulando mentalmente os eventos dos dias anteriores, Sakura concentrou-se na fala de Deidara logo que terminou de se comunicar com Pain. “Já que ele nunca mostrou o mínimo interesse nessas coisas”, ele disse. Por que Tobi resolveria caçar cabeças logo de repente, e ainda mais durante o tempo em que Itachi estivesse em missão? Era lógico que ele tinha uma forte conexão com os problemas que Itachi queria informar para Sakura, mas não fazia o mínimo sentido o porquê do Uchiha querer que ela deduzisse qualquer coisa. Ela era inimiga prisioneira e estava ali para atrair Konoha e cuidar da saúde dele, não era?

Um pensamento um tanto quanto ilógico passou pela cabeça de Sakura. E se Itachi quisesse lhe falar algo ruim sobre o mascarado justamente por ela ser inimiga da organização e, logo, inimiga de Tobi?

Parecia algo um tanto quanto ridículo, mas Itachi era um mistério andante e tentar entender o que se passava pela mente dele era mais complicado do que entender como o Universo fora criado. Contudo, se ela conseguisse ao menos compreender o motivo do recado já seria meio caminho andado, com o restante sendo descobrir o que Itachi queria dela no meio disso tudo.

Duas suposições que havia feito já estavam quase sendo definidas como certas: a primeira era que Tobi oferecia perigo a Itachi ou a algo de seu interesse e ele não podia falar sobre aquilo em palavras concretas com Sakura, principalmente dentro do esconderijo da Akatsuki; a segunda era que o nukenin atrapalhado mentiu para Pain sobre o motivo de ter se afastado do time e o líder da organização engoliu a desculpa.

O segundo acontecimento intrigava Sakura até as raízes dos cabelos. Pain não era um homem tolo de forma alguma e saberia tanto quanto Deidara que caçar cabeças não era da natureza de Tobi. Ela não tinha certeza sobre o usuário do Rinnegan aceitar o desvio de objetivos de missões, e procuraria saber disso depois com Kisame, que era a pessoa menos hostil do lugar.

Pain obviamente não permitiria conflitos físicos entre os seus subordinados, principalmente envolvendo Itachi, que era como a galinha dos ovos de ouro da Akatsuki. Logo, se Tobi havia ido atrás do Uchiha e oferecido algum perigo a ele, Pain não sabia de nada.

Aquilo tudo estava se tornando um quebra-cabeças que jamais parecia ser solucionado. Pain não acreditaria em uma desculpa estúpida de Tobi e, se envolvia Itachi, o mascarado sofreria sérias consequências. Se eles até mesmo a sequestraram para servir de médica para o renegado de Konoha, a importância dele para a organização era enorme, logo Pain não permitiria que nenhum dano fosse feito a Itachi por algum outro nukenin da Akatsuki.

Desistindo de encontrar uma saída para aquele labirinto que Itachi a tinha colocado, Sakura suspirou pesadamente e juntou a pilha de livros que tinha disposto pela mesa, os quais se provaram terem sido um tanto inúteis já que ninguém veio perturbar sua paz.

Mexeu o corpo de um lado para o outro na cadeira giratória enquanto olhava para o nada. Se ela continuasse naquele ritmo, enlouqueceria em breve. Ela não tinha nada para fazer o dia inteiro além de ler livros – o que já tinha a cansado e ela não pretendia ler mais nenhum por mais um bom tempo –, estava sendo mantida em cativeiro pelos piores inimigos do País do Fogo e sendo submetida a uma tortura psicológica lenta e fatal.

Saiu da enfermaria com os livros em mãos com o intuito de devolvê-los para suas prateleiras, porém parou ao ver Konan e Pain conversando em um corredor onde ela não podia entrar. Nenhum dos dois pareceu notar sua presença relativamente distante. Eles conversavam em tom baixo e o assunto não parecia ser nada amigável, já que Konan não estava com a postura calma e contida de sempre. Seus ombros estavam baixos e ela sempre desviava o olhar para baixo.

Poucos segundos depois, Pain partiu para dentro do corredor e Konan finalmente deixou a emoção tomar um pouco do seu rosto. Sakura ficou surpresa com o que viu: o semblante da mulher mais velha era semelhante ao seu próprio quando ela estava apaixonada por Sasuke e ele a magoava profundamente. Konan havia sido machucada por alguém e ela, mesmo tendo sempre uma aura e expressão tão controlada, agora estava tirando a máscara e mostrando sua própria tristeza.

Sakura saiu dali o mais rápido que conseguiu temendo ser vista por Konan que, com certeza, desejaria que ninguém visse o estado em que ela se encontrava.

Passou algumas horas em seu quarto desenhando. Ela costumava fazer isso enquanto estava na Academia Ninja e resolveu reviver o antigo passatempo para se distrair um pouco das opções quase nulas de atividades que podia fazer sem ter a cabeça separada do corpo pelos criminosos mais desejados pelo País do Fogo.

Havia desenhado algumas paisagens que a motivavam a seguir em frente e a aguentar tudo aquilo por Naruto e Sasuke. Fez traços com a intenção de formar o interior do Ichiraku Ramen, nuvens no céu ensolarado sobre a Ponte Naruto e o grama bem aparada do campo onde havia feito os testes dos guizos com Kakashi. Ao menos a representação de espaços onde viveu momentos marcantes acalentava o seu coração repleto de saudades de casa.

Foi surpreendida com o barulho de batidas em sua porta e atendeu sem delongas.

― Boa tarde, Sakura-san ― Konan cumprimentou-a.

― Boa tarde. Algum problema? ― perguntou, já aguardando a possível resposta de que Pain precisava dos serviços dela para algo.

― Eu estou com enxaqueca e preciso partir em missão daqui algumas horas. Preciso que arrume alguma solução para mim, por gentileza.

― Pode me seguir até a enfermaria? ― pediu, achando graça da forma que ela ordenava algo tentando ainda assim manter a educação.

Konan assentiu com a cabeça e as duas rumaram até a enfermaria. A nukenin cambaleava para os lados ora ou outra, porém Sakura não perguntou se ela precisava de ajuda para chegar até o destino de ambas.

Ao adentrarem no recinto que poderia quase ser dito como de Sakura, a menina pediu que Konan se sentasse em uma das macas para que pudesse ser feita uma revisão mais precisa, por mais que Sakura soubesse exatamente o motivo do mal estar de Konan. Ela própria já havia passado por mal de amor um bocado de vezes, afinal.

Durante o exame, a iryou-nin passou a refletir sobre a mulher que estava em sua frente. Konan amava alguém e naquele momento sofria por essa pessoa, como Sakura tanto sofreu por uma paixão que a matava por dentro. Isso a fez sentir como se a criminosa fosse mais semelhante a si, por mais que admitir isso fosse algo difícil. Konan era uma pessoa com sentimentos e isso a fazia parecer mais humana.

Sakura, ao pensar naquilo, passou a ponderar. Haveria um pouco de humanidade dentro de cada um daqueles renegados da Akatsuki, por menor que fosse?

Ao passar para a examinação da garganta e coração, a garota começou a falar.

― Sabe, quando eu era mais nova eu me apaixonei. Era uma paixão louca, platônica e fruto de uma admiração infantil por alguém que eu nem sequer conhecia de verdade. O rapaz sempre me ignorou e eu, bobinha, continuava investindo cegamente em tentativas de conquistar o coração dele. Após um tempo nós acabamos nos conhecendo melhor e a admiração que eu tinha realmente se tornou um sentimento mais forte e verdadeiro. Ele não tinha interesse em nada além de conseguir força e poder para alcançar um objetivo obscuro. Eu passei a desejar com todas as minhas forças que eu conseguisse me tornar a luz que iluminasse aquela alma cheia de escuridão.

"Eventualmente, eu me soltei daquilo pois me fazia mal, me matava por dentro e acabava com qualquer chance que eu tivesse de amadurecer e me tornar uma pessoa melhor para mim e para os outros que me amavam. Foi uma paixão verdadeira e intensa, porém hoje eu vejo que me desprender daquele garoto no sentido romântico acabou sendo tão natural que eu me surpreendi ao ver como é a vida sem me preocupar em ocupar o coração de alguém que não pode ser meu. Eu ainda desejo profundamente poder salvar ele de todo o ódio que ele sente e esse é o meu maior sonho, já que ele é parte da minha segunda família, mas sei que eu jamais vou conseguir fazer isso sozinha. Eu acredito que uma pessoa não se livra dos sentimentos negativos que tem apenas com o afeto de um outro alguém. Essa pessoa tem que querer se desprender do que há de ruim em sua vida. Nem o mais forte brilho de Sol entra em um quarto se as janelas estão fechadas."

Terminando seu discurso e a checagem física simultaneamente, Sakura observou o rosto de Konan, que a encarava com o seu semblante de sempre.

― Por que me falou tudo isso? ― a mulher perguntou.

― Eu não sei ― respondeu sinceramente ― Eu acho que estou tagarela hoje. Não converso muito por aqui. De qualquer modo, é realmente uma enxaqueca comum e não tem nenhuma causa em especial. Todo o seu corpo está bem, exceto pelos olhos um pouco fora de foco. ― Se retirou de perto de Konan e foi em direção ao armário de medicamentos, pegando uma caixa de comprimidos que estava lá desde quando ela foi forçada a usar aquele lugar e que já usava nos pacientes que tratava no hospital de Konoha. ― Este aqui vai fazer as dores maiores passarem em uma ou duas horas, mas se você não descansar até lá o efeito pode demorar mais a acontecer. Tente atrasar a saída para a sua missão em algumas horas, ou vai ter problemas durante ela.

Konan pegou a pequena caixa das mãos de Sakura e encarou-a diretamente nos olhos. A menina mais nova sabia que a outra havia descoberto que ela viu o desentendimento de horas atrás e finalmente entendeu que o que havia dito para Konan era fruto de um pouco de empatia que havia desenvolvido pela mulher. Esperava que ela tivesse entendido a mensagem acidental e escapulida que passou.

― Vou tentar adiar a missão. Agradeço pelo medicamento. ― Dizendo isso, Konan começou a andar para sair da sala, porém Sakura a interrompeu com um som de chamado.

― Você sabe quando o Itachi-san volta? ― perguntou.

― É esperado que volte amanhã pelo início da noite. No dia seguinte pela manhã, ao mais tardar ― respondeu-a e assim se retirou.

A ninja médica concluiu que havia convivido demais com Naruto. Compaixão sempre foi um de seus traços naturais e ela nunca tentou mudar isso, mas simpatizar com o inimigo e até mesmo dar conselhos amorosos não requisitados já estava passando dos limites. Soltou um suspiro longo e fechou os olhos, mais cansada psicologicamente do que ela poderia sequer imaginar que ficaria.

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A chuva havia parado logo no início da noite. Era a primeira vez que Sakura presenciava a ausência de chuva em Ame e ela decidiu ir para o campo de treinamento para sentir o vento fresco e arejar um pouco a cabeça. Ela estava precisando, afinal.

Saiu de seu quarto e passou pelos corredores sem encontrar ninguém. A cozinha também estava vazia e ela se sentiu mais confortável assim. Abriu a porta que direcionava para o campo e saiu da cozinha, se sentando em um banco de cimento que era protegido da chuva por uma estrutura de cimento anexa à parede a cerca de um metro e meio acima do lugar onde a kunoichi estava.

Sakura conseguia sentir o seu rosto ficando mais gelado com a brisa que batia nele e por mais que estivesse bem agasalhada, ainda sentia pequenos calafrios percorrendo os seus braços.

O lugar aberto tinha plenitude de espaço para treinos e poderia até mesmo ser convidativo quando houvesse sol para tirar a umidade da grama macia, por mais que houvessem paredes de concreto altas e grossas em volta de todo o recinto que provavelmente estavam ali para evitar visitas ou olhos inesperados. Não duvidava nada que também fossem protegidas com algum jutsu.

A menina sentia falta do sol. Ela não o via desde o dia em que fora levada para longe de seus amigos e a pele que já era clara naturalmente havia ficado ainda mais pálida pela falta de qualquer luz natural em contato com ela. Também sentia falta do céu estrelado que não podia ser visto nem mesmo durante a ausência de chuva, já que as nuvens não haviam se retirado dali e os prédios altos bloqueavam boa parte da sua visão.

Após um tempo apenas esticando as pernas e sem se preocupar em observar ou pensar em nada específico, Sakura ficou em alerta com o barulho de asas batendo ali por perto. Sentiu um chakra intenso se aproximando e ao olhar para cima viu Deidara em um dos seus pássaros de argila, aterrissando no meio do gramado do campo de treinamento. Ele desceu de sua escultura e ela logo diminuiu em uma nuvem de fumaça, voltando a ser um pedaço mediano de argila.

A kunoichi não imaginou que ele fosse falar qualquer coisa para ela, já que ele nunca havia referido a palavra a ela por vontade própria, então foi surpreendida quando ele iniciou um diálogo.

― São raros os dias em que não chove por aqui ― falou ― e essas também são as poucas vezes em que posso voar sem me preocupar de ter uma missão com uma meta a ser alcançada.

― A argila é pouco resistente à chuva, não é? ― ela perguntou. Deidara mostrou durante a missão deles que ele não era tão idiota se tratado com respeito. Já que Sakura estava precisando de gente para conversar, ela não o ignoraria.

― Os pássaros aguentam por mais ou menos meia hora, mas depois disso eles começam a derreter muito rápido, hm. Desde que esse esconderijo foi criado eu dificilmente posso voar por aí.

― Ele foi feito recentemente? ― Foi respondida com um aceno de cabeça. ― E como vocês faziam antes?

Deidara observou a menina por alguns segundos procurando qualquer sinal de querer aquelas informações para se aproveitar disso, porém não viu nada em seus olhos jade além de curiosidade comum. Sakura estava com a cabeça tão transtornada que nem pensou em coletar dados para ser útil para Konoha, afinal.

― Todos nós vivíamos por aí. Era muito difícil nos encontrarmos com outros membros além de nossa própria dupla e nos abrigávamos em pousadas, cavernas ou o que mais conseguíssemos achar. Quando começamos a agir mais ativamente e conseguimos muito dinheiro, o Líder achou útil reunir todos em uma base.

― Oh, sim... ― Sem saber mais o que falar, Sakura apenas soltou aquelas duas palavras monossílabas. Não era fácil conversar com um nukenin que apareceu de repente, interessado em dialogar com ela sem motivo algum. Baixou o olhar e viu que uma das mãos de Deidara estava enfaixada. ― O que aconteceu com a sua mão?

― Eu machuquei enquanto mexia com uns explosivos. É comum ― o rapaz respondeu. Ele virou a mão para olhar para a própria palma e as ataduras que a envolviam estavam cheias de um líquido amarelado. Ele apertou os olhos, surpreso com o que via. ― Ok, talvez não seja tão comum assim ficar nessa situação.

― Me deixa ver. ― Sakura puxou a mão dele para si quando ele não mostrou objeção e o corpo dele tensionou em defesa, se mantendo rígido enquanto ela olhava o que aconteceu.

Ele havia feito um bom trabalho com as ataduras, mas elas já haviam absorvido uma boa quantidade de pus e isso significava que a ferida havia sido preocupante. A médica desenrolou o curativo e seus olhos se arregalaram com o que viu. A mão havia sido severamente queimada – ela suspeitava que fosse algo de segundo grau – e, com certeza, deixaria várias bolhas que fariam o trabalho dele ser impossível de ser realizado.

― Você não sentiu nenhuma dor anormal depois que encheu a mão de curativos? ― perguntou a ele.

― Senti, mas não imaginei que fosse algo sério. Sempre doía.

Sakura ponderou por um período em silêncio até decidir que ajudaria Deidara mesmo sem ele pedir. Ele estava sendo simpático com ela, mesmo que a expressão de quem comeu e não gostou sempre estivesse em seu rosto. Ela não poderia ver alguém naquela situação e deixá-lo assim, ainda mais se fosse um de seus inimigos que poderia adquirir empatia por ela e tratá-la melhor no meio de todo aquele inferno onde ela fora jogada.

A sua própria mão foi envolvida com chakra esverdeado e logo ela passou a curar a de Deidara. Ela estava dedicada ao próprio trabalho para não perder detalhes, então não percebeu que o nukenin a observava com certa curiosidade e até mesmo incredulidade. Quando terminou o que estava fazendo, Sakura passou a reparar na característica física mais marcante de Deidara e, muito provavelmente, o que o fez ser requisitado pela Akatsuki.

Aquela boca fechada era um tanto quanto peculiar e o seu lado de médica – e provavelmente o lado de curiosa que ela sempre teve – precisava urgentemente de analisar aquilo do jeito que ela queria. Passou o olhar para Deidara com os olhos propositais de quem queria muito alguma coisa.

― Eu posso ver? ― pediu ainda segurando a mão dele virada para cima.

― Você já está vendo, hm ― o loiro respondeu, novamente com sua expressão carrancuda.

― Não com os olhos.

Ele não respondeu nada e apenas continuou a olhando. Sakura entendeu aquilo como uma resposta afirmativa e moveu os dedos para a boca da mão de Deidara, pressionando levemente os lábios e sentindo a mão de Deidara ficar rígida.

― Por favor, relaxe a mão ― e não me morda, continuou em sua cabeça.

Deidara demorou alguns segundos para fazer o que a menina requisitou. Ele não estava acostumado com toques curiosos e muito menos que alguém inspecionasse seu kekkei genkai, então a tensão passou a diminuir com lentidão.

Enquanto isso, Sakura mexia naqueles lábios curiosamente. Era a primeira vez que ela tinha a possibilidade de tocar e ver de perto algo tão inédito. Elas eram aparentemente normais como qualquer outra boca, com garganta (por mais que não tivesse profundidade alguma), arcada dentária e língua. A única coisa que diferenciava aquelas bocas de normais eram os lábios mais grossos e duros, provavelmente por serem formados de pele e somente isso. Voltou o olhar para o artista.

― Você tem elas desde que nasceu?

― Não. ― A forma como ele respondeu tinha uma pontada de hostilidade. Ok, nada de perguntar sobre como ele conseguiu aquilo, Sakura pensou.

― São tão peculiares. Você é o único que tem elas? ― perguntou.

― Sou. Eu sou a única pessoa digna de produzir arte da forma que eu produzo ― Deidara respondeu orgulhosamente. As orelhas de Sakura pareceram até mesmo se mexer com o que ele disse.

― Então é com elas que você faz os seus animais de argila? Eu pensei que modelava com as mãos e depois usava as bocas pra fazer explodir.

― É, sim ― disse. Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios e por mais que ainda tivesse o escárnio comum, mostrava um sentimento mais positivo, por mais que Sakura não conseguisse descobrir o que era. ― As bocas modelam a argila, infundem chakra nela e explodem ao meu comando. É a expressão perfeita de arte.

Impressionante ― ela respondeu. Deidara expandiu o seu sorriso orgulhoso, por mais que Sakura estivesse falando da capacidade do kekkei genkai e não da dita arte. No fim, ele não precisava saber daquele detalhe.

A iryou-nin queria perguntar sobre como ele conseguiu aquelas bocas, mas lembrou a forma como ele tinha falado quando o assunto chegou perto daquele tópico em específico e se calou, finalmente soltando a mão de Deidara. Ele trouxe o próprio braço para si e um silêncio desconfortável se instalou entre os dois, originado pela forma como Deidara a observava. O seu olhar era indecifrável e a garota havia perdido a vontade de ficar ali pela tensão estranha que havia se formado.

― Eu vou para dentro. Está frio e eu vou pegar uma gripe se ficar aqui. ― Dito isso, ela se levantou de onde estava sentada, abaixando a cabeça rapidamente para se despedir de Deidara, que continuou em silêncio. Ela sentiu o olhar dele segui-la até ela sair de seu campo de visão.

Apenas quando passou pela porta e entrou na cozinha que Sakura notou a estupidez do que ela tinha dito. Ela poderia muito bem resolver o menor dos resfriados com o mínimo de trabalho possível!

Algo nos olhos de Deidara a deixou agitada, principalmente pela expressão séria que ele tinha no rosto. A conversa estava indo bem até então e ela estava até mesmo se sentindo mais leve por ter um diálogo que não envolvesse receber ordens ou oferecer diagnósticos – consistia mais dela fazer perguntas sobre Deidara e ele respondê-las satisfeito por falar positivamente de si mesmo, mas ainda contava como algo –, porém de uma hora para outra o ar ficou estranho entre os dois e ela não entendia muito bem o motivo.

Bem, é o Deidara. Ele é estranho por natureza, pensou. Decidindo dar de ombros por enquanto, ela foi ao seu quarto para tomar um banho e dormir. Era esperado que Itachi chegasse no dia seguinte e ela teria mais coisas para se preocupar.