Into Starlight

Into Starlight; Único


Megurine Luka não estava pronta para mais um dia chuvoso de trabalho. As pessoas passavam apressadas umas pelas outras na rua, sem nem levantar os rostos para encararem quem esbarravam e murmuravam desculpas ao resolver um problema muito mais urgente pelo telefone. E estava cansada demais para sentar na frente do computador em um escritório isolado de um prédio da zona comercial, mas precisava fazer aquele sacrifício por si mesma e pelo tão almejado recesso, já que realmente necessitava descansar pelo estresse excessivo e por estar quase para arrancar o teclado da mesa e tacar no primeiro que lhe fosse perguntar as horas no serviço.

Qualquer um que lhe conhecesse ou que lhe visse com frequência, poderia dizer tranquilamente — não perto dela, claro – o quão mal estava. Nem mesmo as fugidas no fim de semana com Meiko e Kaito lhe ajudavam a esfriar a cabeça como nos velhos tempos em que virava vários copos de vodca e se permitia ficar fora de si por uma única noite. Se antes era Kaito quem cuidava das duas, atualmente era ela estava encarregada de arrastá-los para o carro e levá-los para casa em segurança por ter perdido o interesse no álcool que já lhe foi um bom amigo e consolador.

Sem parar de teclar, ela notou alguém se aproximar.

— Não dormiu direito? — A voz de Gakupo era clara, além de acolhedora para Luka que desviou os olhos do monitor e o encarou em silêncio por alguns segundos. — Você não vai sugar minha alma, certo? — Ele apontou, erguendo as mãos em rendição com um sorriso amarelo.

— Me desculpe. — Foi tudo que ela conseguiu dizer, balançando a cabeça levemente e piscando algumas vezes, logo assentiu em um suspiro. — E sim, eu não dormi muito bem noite passada, mas como assim sugar sua alma?

— Bem, você me olhou de uma forma assustadora e foi a primeira coisa que pensei. — Gakupo deu de ombros, abaixando as mãos e cruzando os braços. — Sabe, acho que nem mesmo sua maquiagem está conseguindo esconder suas olheiras.

Luka suspirou pelo comentário, tentando direcionar toda a sua energia para algum pensamento bom o suficiente para lhe manter calma, pois ainda tinha duas horas de trabalho antes do horário do fim do expediente. Havia apenas um fio transparente e delicado lhe impedindo de surtar.

— Eu não passei maquiagem, não tive tempo. — Foi tudo que disse na maior calma possível, voltando a se concentrar no que estava digitando na tela.

O estresse estava realmente fazendo-a achar o colega mais legal do trabalho, o maior chato do mundo. Mas Gakupo Kamui era, de fato, o menos irritante da empresa pelo diálogo nivelado e mente aberta, o que era diferente de Meito que sempre parecia querer sair por cima e não disfarçava seu preconceito. Luka se perguntou porquê gostava mais de Gakupo do que de Haku e mentalizou uma pequena lista de pessoas daquela empresa em ordem de coisas que desgostava.

Meito estava no top um, principalmente pela sua arrogância, prepotência e homofobia. Detestava com todas as suas forças o preconceito com pessoas LGBTQ+, já que fazia parte dessa comunidade. E principalmente a invisibilidade que davam para a letra L que com certeza afirmavam ser de louca, mas era somente uma teoria da sociedade e estariam corretos se fosse referente a mulheres loucas por mulheres de modo não pejorativo.

A jovem Megurine, mesmo sabendo da realidade lesbofóbica, gostava de brincar entre seus amigos íntimos que o L do LGBTQ+ era de Luka, seu nome. Afinal, a vida era curta demais para ficar sempre na seriedade, portanto, apreciava uma brincadeira ou outra entre as pessoas que mais gostava. Mas aquele não era um daqueles momentos bons e divertidos entre amigos.

— Compreendo. — Gakupo comentou, trazendo-o de volta para a realidade ao notar que ele havia acabado de colocar uma latinha de energético em sua mesa, então o encarou e franziu o cenho, logo notando o sorriso gentil em seus lábios. — Apenas para aguentar até o fim do expediente. — Completou.

Num suspiro, pegou a lata e assentiu antes de dizer num murmúrio:

— Obrigada, isso vai ajudar bastante. — Abriu e tomou um longo gole, sentindo como uma descarga elétrica tivesse sido depositada em seu corpo, fazendo com que o sono que estava sentindo desaparecer quase instantaneamente com o choque.

Gakupo assentiu levemente ainda sorrindo, passando a se direcionar para seu lugar e continuar seu trabalho antes que algum superior acabasse lhe repreendendo, mesmo assim, pôs a mão no ombro de Luka e agradeceu.

— Pelo quê? — Ela perguntou, um pouco confusa por não estar se lembrando de nenhuma situação que acabou o ajudando.

— Minha irmã me disse que você a ajudou outro dia. — Ele respondeu, tirando a mão do seu ombro. — Por isso, obrigado. — Então, continuou andando enquanto ela apenas concordou com a cabeça, voltando a se afundar no serviço apesar de sua mente estar voltando para a memória daquele dia.

Era uma noite fria e Luka havia pegado um refrigerante qualquer na loja de conveniência pela necessidade de beber alguma coisa, mas acabou pegando dois a mais ao notar dois estudantes perturbando duas garotas. Ninguém pareceu se incomodar com a situação, nem mesmo o dono na conveniência que voltou a ler a revista após passar suas compras. Toda aquela situação lhe deixou indignada ao ponto de ter saído da loja com uma latinha em mãos, uma expressão irritada e parado para confrontar os dois rapazes que pareciam possuir duplas intenções.

Respirando profundamente, ela forçou um sorriso largo e gentil, mesmo sentindo como se uma veia em sua cabeça fosse estourar. Talvez sua expressão tenha sido apavorante – com uma pequena ajuda de suas olheiras – por eles terem concordado com a cabeça e ido embora com o rabo entre as pernas quanto os mandou ir para casa. Luka resmungou alguma coisa antes de se virar para as duas meninas que lhe agradeceram timidamente, fazendo-a relaxar a expressão.

— Já está bem tarde, então só vão logo para casa. — Foi tudo que disse, dando a sacola com as duas latas de refrigerante para a garota de cabelos loiros amarrados num rabo de cavalo.

Então, cansada deu as costas para elas e começou a andar para finalmente ir para casa enquanto abria a sua latinha e dava um bom gole. Luka já estava há alguns metros de distância das duas e quase dobrando a esquina, quando ouviu um “obrigada”. Ela se lembra que sorriu todo caminho de volta para casa.

Espreguiçando-se, Luka se encostou na cadeira ainda olhando para a teclado do computador completamente aliviada de ter terminado tudo que tinha para fazer até o horário de saída, portanto, ficou liberta de qualquer trabalho que tivesse fazer nos seus sete dias sagrados de descanso merecido. Então, passando os olhos rapidamente pelo que havia feito, checou se não tinha nada visivelmente errado e que precisasse de ajuste imediato. Ela sorriu ao apertar o botão salvar e colocar no arquivo drive, apenas para ter certeza de que não o perderia, antes de desligar o computador. Alguns colegas já passavam por ela para irem embora enquanto a desejavam um bom recesso, mas quando até mesmo Gakupo passou e acenou numa despedida rápida, notou como estava enrolando para terminar de arrumar suas coisas na bolsa e vazar dali.

Assim, desistiu de sua organização e apenas jogou tudo de uma vez dentro da bolsa antes de segurá-la pelas alças e começar a andar para fora dali. Talvez estivesse com medo de que alguém acabasse lhe empurrando alguma coisa para fazer? Com certeza! Mas Luka tentou não pensar nisso enquanto o elevador descia para o estacionamento – aparentemente – no ritmo da música que tocava no fundo. Ela não estava atualizada no mundo musical para saber que tipo de ragatanga era aquela, mas considerava bastante pesquisar algumas músicas novas para atualizar sua playlist.

Saindo do elevador, andou sem pressa em direção ao seu carro e jogou as coisas no banco de trás antes se sentar no banco do motorista e colocar o cinto de segurança. Estava ansiosa para meter o pé para casa e fazer o que bem entendesse, mesmo que isso se resumisse a assistir gameplays e comer fast-food como se fosse um almoço saudável e nutritivo. Luka resmungou baixinho ao se lembrar das vezes em que já havia ouvido sua mãe falando para comer direito e até mesmo de quando seu irmão mais novo – Megurine Luki – tinha lhe puxado a orelha sobre o assunto. Entretanto, continuou ignorando e apenas deixando a conversa de escanteio, mesmo com a possibilidade de piorar a gastrite quase crônica e ter um AVC com sua alimentação desbalanceada e gordurosa. Ela sabia que eles estavam certos e que tinha que mudar quase que radicalmente, mas nunca admitiria isso.

Num suspiro, balançou a cabeça para deixar de lado aqueles pensamentos e lembranças, logo dando partida no carro e começando a sair do estacionamento pela saída que dava na avenida principal.

—X—

Chegando em casa, Megurine Luka apenas trancou a porta e jogou sua bolsa no sofá antes de se direcionar até o banheiro, praticamente, já se despindo pelo caminho. Ela sentia que estava necessitada de um bom e demorado banho quente, mesmo que a ideia de colocar uma música calma de fundo para relaxar tenha sido um pouco tardia pela água já escorrer pelo seu corpo quando veio até sua mente. Mesmo assim, começou a murmurar alguma coisa apenas para fazer um mero som enquanto deixava todo cansaço ser lavado e escorrer para o ralo. Aquele era o seu momento e acabaria o desfrutando com tranquilidade, sem a mínima pressa.

Saindo do banho, Luka enrolou a toalha envolta do corpo e respirou profundamente como se acabasse de renascer. Então, direcionou-se ao quarto para vestir a primeira roupa confortável que encontrasse no guarda-roupa antes de ir para a sala e se jogar no sofá. Ela parou por alguns segundos, considerando não pegar no celular o resto do dia, apenas para se dedicar a assistir os últimos episódios que havia perdido de Steven Universe e depois passar o resto do tempo vendo gameplays até a fome espancar sua porta e lhe forçar a pedir algum fast-food. Mas havia alguma coisa lhe incomodando ao cutucar sua consciência, fazendo-a pegar a sua bolsa para pegar o aparelho que estaria em algum canto dentro dela.

Talvez o cutucar incômodo fosse apenas a vibração do celular por causa de uma ligação. Luka resmungou baixinho e olhou o nome, o que a fez querer soltar alguns palavrões enquanto jogava a bolsa novamente no canto oposto na qual estava no sofá. Ela havia perdido a chamada, mas estava curiosa em saber o motivo da insistência de Kaiko após várias ligações perdidas.

Não demorou dois minutos para que seu celular voltasse a vibrar com o nome da garota. Luka respirou profundamente antes de atender.

— Alô? — Perguntou, logo afastando um pouco o aparelho do outro ao ouvir um barulho alto de algo que foi ajudado pela gravidade a encontrar o chão.

Finalmente! Eu ‘tô tentando falar contigo há um tempão. — Kaiko gritou do outro lado da linha.

Luka estava com medo de soltar algum comentário sobre que parte da casa ela estava demolindo desta vez, portanto, apenas engoliu em seco e sorriu amarelo, mesmo que a amiga não pudesse vê-la.

— Eu ‘tava no banho. — Suspirou, gesticulando minimamente enquanto se ajeitava no sofá e se encostava em algumas almofadas que havia acabado de amontoar. Não estava mentindo, mas sentiu uma leve desconfiança atravessar a linha telefônica. — Não coloquei música dessa vez. — Tratou de se justificar rapidamente.

Imaginei, você geralmente demora mais no banho quando coloca música. — Kaiko murmurou, aparentemente, mais calma.

— Bem, quem foi que morreu? — Luka rolou os olhos, cruzando as pernas e encarando o teto sem ânimo.

Ninguém morreu. — Ela disse confusa. — Do que você ‘tá falando?

— É que pelas quinze ligações perdidas antes dessa que eu atendi, achei que tinha sido algo nesse nível. — Deu de ombros.

Caralho, hein.

— Oras, você que me liga desesperadamente e quer que eu pense no melhor, no mínimo, ‘tava imaginando um acidente e alguém internado. — Ela confessou, passando a olhar os próprios pés enquanto continha um risinho pelo bufar do outro lado da linha. — De qualquer forma, o que foi que aconteceu?

‘Tá, te liguei ‘pra dizer que eu sofri um acidente. — O tom de voz de Maio era sério e por um momento, Luka sentiu que todo o sangue de seu corpo pareceu gelar. — Não soube lidar com as curvas daquele seu amigo e bati na primeira.

Luka sentiu seu queixo despencar. Não deveria ter esperado que algo realmente sério tivesse acontecido com Kaiko. Ela se sentia iludida e com um pouco de raiva ao ponto de não conseguir conter isso em seu tom de voz.

— Porra, Kaiko! — Respondeu, se sentando ereta no sofá enquanto colocava um travesseiro entre as pernas e inserir um soco nele. — Eu realmente ‘tava começando a achar que tu tinhas se machucado de verdade e me vens com uma sacanagem dessas.

Eu não 'tô de sacanagem! — Kaiko tratou de dizer rapidamente. — Realmente cai de cara no chão quando o vi pela primeira vez e--

— Pelo amor de Deus não me diz que me ligaste somente pra falar de macho. — Luka suspiro, se jogando nas almofadas de novo e tombando a cabeça para trás. — Se ao menos fosse um dos meus husbands 2D…

Quando você fala de fêmea, eu fico da mesma forma, sabia? — Ela respondeu com uma pergunta e Luka quase pode a visualizar na sua frente pondo a mão na cintura com o que disse a seguir. — A única diferença nessa frase seria o “husbands” que eu trocaria por “wifes” ou “waifus”.

— Entendi, entendi. — Ela murmurou, soltando um rápido suspiro e virando o rosto. — De qualquer forma… Não acho que você me ligou para falar de amores 2D.

Oh, verdade! Eu nem ia falar sobre isso. — Kaiko disse, fazendo com que Luka franzisse o cenho para a parede.

— Do que você ia falar?

É que um amigo me convidou para ir num Goukon*. — Ela começou enquanto que Luka novamente franzia o cenho e abraçava com força a almofada que havia socado anteriormente.

— Kaiko… — Murmurou, levemente desconfiada.

Tudo bem, tudo bem! — Ouviu em resposta uma mistura de riso de nervoso e choramingo. — Ele marcou um Goukon com os amigos dele e me chamou, dizendo ‘pra eu levar umas amigas...

— E você está me chamando pra ir contigo nessa furada? — Luka perguntou, arqueando uma sobrancelha. — ‘Cê sabe muito bem o que eu penso sobre esses encontros grupais.

Sim, eu sei. — Kaiko suspirou. — É que meio que não tive muitas escolhas, mas eu pensei muito antes de resolver te chamar por saber que não gosta dessas coisas…

— Isso soa quase totalmente deprimente. — Ela murmurou, jogando a almofada do lado e se sentando no sofá. — Mas agradeço pela consideração.

De nada, mas então? O que você me diz?

Luka respirou profundamente, pensando em como acabaria se arrependendo, mas logo assentiu consigo mesma antes de responder.

— Quando vai ser? — Perguntou, cruzando os dedos.

Hoje à noite, 22 hrs. — Kaiko respondeu e ela quase pode visualizá-la mais uma vez na sua frente, mas desta vez com um sorrisinho nervoso nos lábios. O arrependimento veio mais rápido do que estava esperando. Esse foi o tempo record que Kaiko a fez se arrepender de sair de casa e ela ainda nem tinha pisado fora do próprio apartamento.

— Nem pra tu me chamar com um ou dois dias de antecedência. — Resmungou, caindo no sofá ao se sentir derrotada. — Me diz que eu não sou a única que vai te acompanhar nisso? Vai alguém que eu conheço?

Meiko foi a primeira a topar ir, mas eu demorei um pouco para convencer a Lenka… — Ela começou, fazendo com que Luka rolasse os olhos levemente. “Não imagino o porquê”, pensou enquanto que sua amiga continuava a tagarelar sobre como havia convencido Lenka. Mas ela estava cansada demais para prestar atenção e acabou apenas ouvindo a última parte após bocejar. — …E convidei a Miku, mas ela, assim como você, também não demorou muito para a aceitar.

Luka resmungou baixinho a primeira coisa feia que veio a sua mente por ter sido tão fácil. Ela tinha ouvido o nome de apenas três pessoas, sem contar consigo e com Kaiko, e somente conhecia duas dessas três. Aquele Goukon já parecia que ia ser o desastre perfeito só pelo nome.

No total, temos cinco pessoas. — Kaiko murmurou baixinho, possivelmente receosa pelo seu silêncio. — Mas ainda precisamos de mais uma, mas eu ‘tava conversando com meu amigo, o Dell, e ele disse que estava tudo bem se eu não levasse somente garotas.

— E...? — Luka perguntou a incentivando a continuar falando, já que sentiu que ainda não havia terminado. Mas ela não estava confortável com a ideia do que poderia ser falado a seguir.

— E eu ‘tava pensando se você não poderia levar o Gakupo. — E naquele momento, todas as suas partes existentes e inexistentes já queriam somente dizer que não ia e desligar o celular.

— Kaiko, eu sei que você tem uma queda por ele, mas não faço nem ideia se o Gack vai ‘tá livre hoje à noite. — Ela suspirou, olhando para as próprias unhas.

Não! — Kaiko gritou do outro lado, fazendo com que Luka afastasse o telefone do ouvido por alguns segundos. — Não é por eu ter uma queda nele que quero que você o convide... É que talvez seja mais seguro? E se os amigos do Dell forem mafiosos?

— Se fossem você já estaria em apuros há muito tempo com a amizade de longa data que tem com aquele idiota. — Bufou enquanto se levantava do sofá e ia até a cozinha pegar um copo com água. — Mas eu entendi seu ponto.

Se sequestrado e ter seus órgãos vendidos no mercado negro deve ser a última coisa que alguém espera da sua vida. Portanto, Luka entendeu a preocupação de Kaiko com esse encontro, já que elas estariam sozinhas com eles em uma sala de karaokê que impede a saída do som. Se alguma coisa de ruim acontecesse ali, ninguém saberia, então a presença de Gakupo seria apenas uma prevenção.

Então...?

— Vou ver se falo com Gack. — Ela respondeu, dando fracamente de ombros ao mesmo tempo em que esperava o seu copo encher até a metade. — Vou logo avisando que não garanto nada, já que ele pode já ter planos para hoje.

Tudo bem! Só de você tentar, vou estar eternamente agradecida. — Kaiko disse com animação, fazendo com que Luka abrisse um pequeno sorriso antes de começar a beber a água.

— Certo, certo. — Concordou enquanto assentos contigo mesma e virava o copo quase todo de uma vez.

Luka, eu vou ter que desligar agora. — A outra começou, num aparente riso de nervoso. — Mas obrigada mesmo...

— ´Tá tudo bem, Kaiko. — Luka suspirou, colocando o copo na pia e voltando para o sofá. — Eu também vou ter que desligar, vou mandar mensagem pro Gack e mais tarde ligo pra ele.

Não esqueça de descansar!

— Não vou. — Ela riu baixinho, logo retribuindo os beijos e abraços mandados pela amiga antes de desligar.

Respirando profundamente, fez uma pequena lista mental de combinações que poderia usar naquela noite, mesmo que tenha deixado de lado no segundo seguinte e decidido que escolheria somente na hora que fosse se arrumar. Luka não estava animada para ir nesse Goukon e até se sentia um pouco mal por ter que arrastar Gakupo para essa cilada, mesmo assim lhe mandou uma mensagem convidando-o. Então, tirando o telefone do silencioso para caso ligassem novamente, ou ele respondesse sua mensagem, o deixou do seu lado e pegou o controle da TV em cima da mesinha de centro para começar a maratona dos episódios de Steven Universe que havia perdido.

Alguma coisa em seu interior já lhe afirmava que aquela seria uma noite bem longa.

—X—

Luka se perguntou pela milionésima vez como havia sido convencida a estar naquele Goukon, mas o mais surpreendente é como não acabou desmarcando após pesquisar um pouco sobre antes de sair. Um encontro para conhecer novas pessoas em quesito romântico era a última coisa que estava interessada em se envolver, entretanto, não conseguia entender a animação reluzente de Gakupo ao ter caído de paraquedas na situação. Ela chegou a conclusão de que houvesse a mínima chance dele estar procurando por uma parceira ou apenas estava muito feliz não ter que ficar de babá para seu irmão mais novo e a namorada dele que ficariam vendo filme na sala.

Mas a segunda conclusão era mais provável, afinal ter que vigiar Gumiya e Rin era uma tortura, já que ambos já eram bem grandinhos para terem noção das merdas que poderiam fazer juntos e que até poderiam acabar presos por causa delas. Luka compreendeu a alegria de Gakupo, principalmente por esse Goukon ter sido seu pretexto para não ter que cuidar dos pombinhos. Ela sabia perfeitamente que se estivesse no lugar dele teria feito a mesma coisa, sendo assim não o julgou pela fuga e nem pela animação.

— Desculpem o atraso. — Kaiko gritou enquanto se aproximava correndo de Luka e Gakupo com uma garota de cabelos cianos logo atrás. — Engarrafamento…

— Sei… — Luka murmurou, semicerrados os olhos para ela que engoliu em seco e abriu um sorriso amarelo. — De qualquer forma, não estamos há muito tempo, então tudo bem.

— Ah, que bom. — Kaiko suspirou aliviada, logo dando um passo para o lado e gesticulando em direção a garota de cabelos cianos. — Essa é a Miku. — Disse, apresentando-a sem rodeios enquanto que a garota enrubesceu e fez uma breve reverência.

— Prazer. — Ela disse, encolhendo um pouco os ombros de nervosismo ao mesmo tempo em que Gakupo lhe abria um sorriso gentil e estendia a mão para cumprimentá-la.

— Gakupo Kamui. — Ele murmurou paciente, esperando que ela retribuísse o cumprimento. O que não demorou muito. Luka nunca entenderia como Gakupo conseguia ser tão sociável – na sua concepção significava socializar com facilidade.

— Megurine Luka. — Ela disse aproveitando o embalo de Kamui que continuava com a alegria genuína de uma criança que acabou de fazer um novo amigo na sala de aula.

— Então, agora que todos estão apresentados, vamos entrar? — Kaiko perguntou, abrindo um sorrisinho fechado enquanto pegava o celular para ver onde estavam. — Meiko e Lenka já estão com eles.

Luka suspirou, começando a andar logo atrás da amiga no meio de Miku e Gakupo. Ela estava pensando novamente que deveria ter ficado em casa a cada curva que fizeram até chegar numa sala dentro do estabelecimento. Quando todos já estavam acomodados – e devidamente apresentados –, Luka se escorou no canto com seu copo de cerveja e mesmo que estivesse participando da roda de conversa com animação, não estava tão interessada no assunto discutido. Muito menos nos rapazes que tentavam lhe agradar e passam cantadas, achando que conseguiriam alguma coisa.

Ela ficou focada na sua bebida por algum tempo enquanto a conversa rolava solta, mas acabou percebendo que a garota que veio junto com Kaiko também estava meio deslocada. Assim, se aproximou um pouco dela para tentar puxar conversa.

— Também perdida? — Perguntou, abrindo um sorriso fechado para Miku que teve um leve sobressalto aparentemente por ter estado mais concentrada nos próprios pensamentos do que o que acontecia ao seu redor.

— Um pouco. — Ela sorriu em resposta. — Não estou muito acostumada com esses tipos de encontros, então não consigo me enturmar muito bem.

— Entendo. — Luka disse, assentindo de leve. — Admito que só estou aqui porque Kaiko me convenceu, mas eu nem sabia o que era um Goukon antes dela me arrastar ‘pra um.

Miku riu baixinho, bebendo um pouco da sua bebida enquanto se virava em direção de Luka.

— Kaiko tem esse poder persuasivo. — Comentou, gesticulando com uma das mãos. — Mas eu preferiria ficar em casa maratonando do que vir.

— Acho que somos duas.

— Você gosta de maratonar geralmente o quê? — Miku perguntou.

Luka franziu o cenho levemente pensativa, não estando certa sobre o que responder, mas logo dando de ombros.

— Acho que gosto de ficar revendo umas temporadas de Steven Universo ou episódios soltos. — Disse, bebendo um pouco enquanto esperava pela resposta da outra que estava com os olhos brilhando.

— Você também gosta desse desenho? — Miku arregalou os olhos maravilhada.

— Claro. — Ela sorriu orgulhosa e extremamente feliz por ter encontrado alguém para conversar sobre coisas em comum.

Luka perdeu a noção do tempo enquanto conversava com a garota de cabelos cianos. Elas começaram com Steven Universo e depois seguiram uma linha aleatória de assunto que passou por muita coisa até chegar em flores favoritas. Fazia algum tempo desde que Megurine interagia assim com alguém que não fosse com suas amigas e, aparentemente, elas – e Gakupo – não se incomodaram por terem ficado falando somente entre si. Até jurou ter escutado Meiko e Lenka dizerem ter shippado para Kaiko que concordou num risinho com Gack, mas ignorou e voltou sua atenção na sua conversa com Hatsune sobre as mais variadas flores e seus significados.

O seu coração batia acelerado a cada segundo naquele diálogo. E balançando seu corpo enquanto gesticulava com os braços para dar um ar extraordinário para sua história, Luka também estava prestando atenção no que acontecia ao seu redor. A conversa rolava enquanto Lenka soltava a voz cantando A Realistic Logical Ideologist de IA.

Os amigos de Dell eram bem acolhedores, realmente aparentava ser uma noite de karaokê entre amigos que se conheciam há muito tempo e, mesmo que alguns tentassem conseguir alguma coisa a mais ali, não parecia ser um grande problema. As horas se passaram rapidamente com toda a interação, mas somente se tocaram disso quando o momento da despedida chegou. E Luka, junto com Kaiko, se despediu de Dell ao mesmo tempo em que marcavam de todos se encontrarem novamente por ter sido divertido.

Num aceno, seu grupo observou Dell e seus amigos se afastarem. Então, parados na calçada, trocaram olhares de cumplicidade do que fariam a seguir. O silêncio já estava incomodando Luka que soltou um suspiro ao ouvir seu próprio estômago roncar.

— Alguém comeu alguma coisa naquele karaokê? — Perguntou, chamando a atenção de todos para si.

— Acho que ‘tava mais focada nas músicas que eu queria cantar. — Kaiko sorriu amarelo.

— Agora que comentou. — Miku murmurou baixinho, passando a mão na nuca com vergonha. — Eu também não comi nada…

— Nem a gente. — Lenka e Meiko falaram em uníssono enquanto Gakupo ria baixinho, logo todos passaram a olhá-lo.

— Ah, eu também não comi. — Ele disse, desviando o olhar e colocando as mãos nos bolsos. — A gente deveria ir para uma lanchonete ou alguma coisa assim?

As garotas se entreolharam antes de concordarem com a cabeça, quase, ao mesmo tempo, fazendo com que Gack se surpreendesse com a sincronia. Ele sorriu sem jeito, passando a andar do lado delas em direção a lanchonete que, de acordo com Meiko, havia no fim do quarteirão. E conversando sobre a primeira coisa que vissem, Luka estava cada vez mais próxima de Miku ao descobrir as coisas que haviam em comum, mesmo que alguns pontos contrários.

Ela estava feliz ter alguém com quem conversar sobre algumas coisas que gostava, mas que suas amigas detestavam de corpo e alma, mesmo que respeitassem seus gostos. Luka nunca havia encontrado alguém presente com quem pudesse compartilhar suas opiniões mais absurdas, já que a maioria das pessoas com quem conversavam eram amigos virtuais que conheceu em chats. Seu coração até acelerou pelo entusiasmo de falar de céu e mar com Hatsune.

A conversa, envolvendo todos, durou bem mais quando chegaram a lanchonete. Luka nem sentiu o tempo passar enquanto estava em papos divertidos com seus amigos. No entanto, percebeu olhares diferentes, e descarados, entre Kaiko e Gakupo, além do modo em que ela mesma, de vez em quando, encarava Miku. Então, balançando a cabeça em negação para ignorar alguns pensamentos, apenas direcionou sua atenção para a conversa e as gargalhadas escandalosas de Meiko enquanto lanchava.

A jovem Megurine respirou profundamente para recuperar-se do ataque de risos que a deixou sem ar e quase a fez colocar tudo que havia acabado de comer para fora. Ela sentiu a mão de Miku sobre seu ombro enquanto a garota ainda chorava de rir, assim como Lenka. Enquanto que Gakupo olhou no seu relógio de pulso, com Kaiko apoiada em seu braço, e se surpreendeu com o horário.

— Já está bem tarde. — Comentou, logo olhando para o lado de fora do estabelecimento. — Vocês vai voltar como ‘pra casa?

— Meiko vai 'pra minha casa, então vamos rachar um Uber. — Lenka respondeu prontamente, gesticulando como se não fosse nada demais.

— Eu vou sozinha. — Kaiko sussurrou, praticamente dormindo no braço de Gakupo que somente suspirou.

— Eu te levo. — Ele disse, afagando sua cabeça, logo passando a encarar Luka e Miku. — E vocês duas?

Elas se encararam rapidamente antes de Luka voltar seu olhar para Gack.

— Não moro longe, apenas uns três quarteirões abaixo. — Miku se manifestou com as bochechas fervendo. — Então, irei a pé.

— Eu também não moro muito longe daqui. — Luka comentou, dando fracamente de ombros. — Então, posso acompanhá-la até em casa e depois ir pra minha.

Gakupo franziu o cenho levemente, logo dando de ombros.

— Então, tá decidido.

—X—

Não era como se o assunto houvesse acabado. Luka e Miku conversaram durante muito tempo enquanto desciam sem pressa os dois primeiros quarteirões até a casa de Hatsune. Porém no terceiro, e último, o silêncio havia se tornado mais presente entre elas.

A despedida de Meiko e Lenka foram as gargalhadas enquanto entravam no Uber, o jovem rapaz que estava dirigindo pareceu assustado com o escândalo das duas. Gakupo havia guiado Kaiko até o carro após dar boa noite para Luka e Miku, logo entrando no veículo e partindo para levar a garota de cabelos azuis para casa. Enquanto que Luka se arrependia levemente de não ter aceitado a carona de Kamui, já que seria injusto com ele, que morava longe, levar todas para suas respectivas casas. Porém, graças a recusa, obteve um tempo a sós com Hatsune Miku.

— Lua cheia hoje. — Luka pensou alto ao olhar pra cima e ver a grande esfera amarelada no céu noturno, fazendo com que Miku acompanhasse seu olhar.

— Ela está muito bonita! — Exclamou, abrindo um sorriso fechado. — Eu nem havia notado, acho que estou um pouco aérea…

Luka riu baixinho, balançando a cabeça.

— Ficamos conversando e acabamos parando de olhar ao redor. — Disse, gesticulando minimamente.

— Verdade. — Miku concordou, rindo em seguida. — Mas… É bom.

— O quê?

— Conversar com alguém ao ponto de esquecer o que acontece ao redor. — Ela explicou, dando de ombros levemente enquanto as bochechas adquiriram um leve tom avermelhado.

— Ah, isso… — Luka desviou o olhar, sentindo as bochechas ferverem levemente. — Concordo, isso é muito bom.

Miku assentiu com um sorriso.

— E por isso obrigada. — Disse, fazendo com que a Megurine a olhasse com um pouco de confusão, logo continuando. — Obrigada por me fazer esquecer das coisas que acontecem ao redor durante a nossa conversa.

Luka não teve uma reação imediata, mas quando começava a mover os lábios para formular uma pequena palavra, observou Miku acelerar um pouco o passo e dar pulinhos animado em frente a uma casa.

— Eu moro aqui! — Ela disse, abrindo os braços e os fechando rapidamente, logo colocando as mãos nos bolsos da calça. — Obrigada por ter me acompanhado…

— De nada. — Luka disse prontamente enquanto balançava a cabeça em afirmação. — Eu moro umas cinco ou seis casas depois da sua. — Comentou ao observar bem onde estava, logo voltando a encarar Miku que estava com os olhos brilhando. — Naquele prédio. — Apontou.

— Somos praticamente vizinhas e eu nem sabia! — Miku riu baixinho, ajeitando a bolsa atravessada em seu corpo enquanto olhava na direção que Luka havia apontado. — Bom, hoje foi divertido…

— Sim, acho que devemos falar com Kaiko para sairmos mais vezes desse jeito — Ela comentou, passando a mão na nuca.

O silêncio novamente se fez presente, mesmo que ambas ainda quisessem falar alguma coisa, somente não sabiam bem o que dizer. Luka soltou um suspiro e colocou uma mecha atrás da orelha. Ela nunca mais havia ficado dessa forma com alguém, fazendo até com que a situação soasse constrangedora como se fosse a primeira vez.

— Acho que já vou indo… — Murmurou meio nervosa, fazendo com que Miku morde-se levemente o lábio inferior.

— Sim, já está tarde… — Afirmou, dando uma última olhada para lua.

— Então, a gente se vê. — Luka disse, virando-se para a rua e começando a andar calmamente.

— Espera! — Miku exclamou, logo indo em passos curtos e rápidos até ela que a olhou confusa. — Qual seu número de telefone?

A jovem Megurine piscou algumas vezes enquanto se virava de frente para a Hatsune de rosto avermelhado.

— Ah… — Sussurrou, pegando o celular em sua bolsa para checar o número nos contatos enquanto Miku pegava o seu para anotar. — Esse aqui.

Luka virou o celular para ela, mostrando o número na tela que foi anotado com uma rapidez impressionante. Miku sorriu satisfeita enquanto salvava o seu contato com um emoji de coração ao lado do nome.

— Meu celular está descarregando, mas eu vou mandar mensagem mais tarde para você salvar o meu número também! — Ela disse com um sorriso largo, logo guardando o aparelho.

— Vou aguardar então. — Luka sorriu, assentindo levemente com a cabeça.

Assim, se despediram mais uma vez e Megurine partiu para sua casa com o coração acelerado e a lua cheia iluminando a noite. Quando chegou em seu apartamentos, ela largou sua bolsa sobre o sofá, após pegar seu celular, e em seguida deixou seu corpo cair sobre ele também. Havia uma mensagem.

“Olá, Luka. Sou eu, Miku!

Você chegou bem em casa?”

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.