Intermittente

Capítulo IV


Os dias que se seguiram depois do aniversário de Eren até agosto passaram rapidamente, como se os dias tivessem em alta velocidade.

Depois da surpresa de Sasha, que foi um bolo de chocolate com frutas silvestres feito por ela e sua mãe, Eren passou a insistir que todas as crianças da mansão fizessem todas as refeições junto com ele a mesa, incluindo o seu guarda-costas - apesar de almoçar com o jovem príncipe, Levi jantava em seu quarto. Os quatro jovens empregados ficaram emocionados com a proposta de seu amo e juraram lealdade eterna.

Enquanto isso, Levi não se incomodou com a proposta do Eren. Pelo contrário, ele ficou aliviado, pois o jovem príncipe teria mais alguém para aguentar as suas reclamações e pudesse entendê-lo melhor.

De qualquer forma, Eren ficou mais próximo das quatro crianças e passava os tempos livres brincando com elas. Já nos seus horários de estudo, o jovem príncipe ficava na biblioteca com o sr.Smith. Erwin acompanhava o pai até a mansão, mas ele ficava nos estábulos junto com Jean e Marco.

Ah, claro. Marco Bodt se tornou a quarta criança da mansão e o mais novo empregado. Ele passou a ajudar Jean e a sra.Kirstein no estábulo, principalmente nas baias dos cavalos. Os dois melhores amigos passavam o tempo do trabalho conversando e treinando equitação quando tinham tempo livre. De vez em quando o jovem príncipe insistia andar de cavalo durante os horários de estudo, o que resultava inúmeras discussões com Keith.

De qualquer forma, o Sr.Smith e Levi nunca mais voltaram a conversar sobre a situação de Eren. O cavaleiro tinha a impressão de que jamais conseguiria revelar algo do tutor do príncipe nem mesmo usando tortura, então decidiu deixar o assunto quieto.

Quase na metade de abril foi o aniversário de Jean. Eren discutiu com o garoto mais alto e os dois acabaram numa aposta de corrida com cavalos, onde o primeiro que completasse cinco voltas mais rápido sairia como vencedor e o perdedor deveria admitir que era um fracote - sim, essa foi a aposta decidida pelo jovem príncipe.

Quando os dois rivais estavam para sair em partida e Marco pronto para anotar as voltas de cada um numa folha, Sasha e Connie apareceram e acabaram por participar da corrida por causa da existência de seu jovem amo. A partir disso, a aposta acabou sendo a seguinte: o último que chegasse deveria admitir que era um fracote pelo resto da vida.

Assim, a disputa mais idiota possível começou e terminou com o Connie sendo o perdedor.

Levi e Keith estavam nas baias, assistindo desde o começo da corrida em silêncio. Sasha, Jean e Eren riam sem piedade do Connie, que tinha a face avermelhada pela irritação. Marco tentava acalmá-lo, mas estava segurando o riso, o que ajudou em nada para acabar com o mau humor de Connie.

Keith suspirou de forma impaciente. Levi julgou que o programa de treinos dos empregados para se tornarem soldados parecia não estar indo muito bem.

Depois de um tempo, o mordomo murmurou:

— Às vezes me pergunto quanto tempo mais vai durar essa vida tranquila para eles.

Levi o olhou de lado, em silêncio. A expressão no rosto do mordomo era indecifrável, mas havia um brilho estranho em seus olhos. O Ackerman voltou os olhos para o grupo distante. As cinco crianças estavam rindo juntas, exibindo grandes sorrisos.

Levi começou a pensar se a sua sanidade já tinha ido embora, pois a sua mente parecia não estar compreendendo mais nada sobre o que acontecia entre aquelas crianças e apenas aceitava como uma coisa normal.

Final de abril passou com Levi e Keith capturando três sequestradores e dois assassinos que estavam atrás do jovem príncipe bastardo. Os cinco revelaram que foram mandados pelos nobres que estavam atrás de algum evidência sobre a suposta traição de Grisha Fritz e a misteriosa mansão no meio de um campo. Resumindo, eles falaram tudo o que já se sabia.

Terminando sem ter o que mais tirar dos sequestradores e dos assassinos, o mordomo saía do porão toda vez que o jovem Ackerman brandia a sua espada e só voltava para dentro quando o garoto aparecia na cozinha com a arma na bainha, limpando as mãos com um lenço que carregava no bolso interno do sobretudo.

Começo de maio teve o aniversário de Connie. Dessa vez foi ele quem começou com uma disputa entre o Jean, o Marco, a Sasha, o Eren e o Levi, sendo esse último arrastado pelo jovem príncipe. A aposta e a disputa foram as mesmas da corrida de cavalos no aniversário de Jean e, mais uma vez, Connie ficou por último.

Sasha, Jean e Eren caíram no chão de tanto rir. Marco não conseguiu segurar o riso e acabou por se apoiar no seu filhote de cavalo, balbuciando palavras de conforto ineficazes. Connie ficou sentado no chão, a cabeça escondida entre os joelhos e lamentando por ser um fracote.

Vendo a cena que se seguia, Levi precisou colocar uma mão na boca para disfarçar o sorriso, mas os seus olhos azuis cinzentos não conseguiram esconder a emoção. O aniversariante soltou uma exclamação de indignação quando voltou-se para o cavaleiro, o que aumentou a gargalhada das outras crianças.

Na metade desse mês, num dia ensolarado e fresco, Eren e Levi conversavam e passeavam juntos pelos jardins da mansão. Mesmo com os avisos do guarda-costas, o jovem príncipe subiu na enorme árvore com alegria. Quando sentou num galho, ele insistiu para o Ackerman subir também. Levi lançou um olhar feio, mas acabou por subir e sentar no outro galho de frente para o príncipe.

Os dois ficaram em silêncio, observando a mansão e o seu redor. O estábulo estava sendo ocupado por Jean e Marco, os jardins estavam sendo regados pelos empregados adultos, Keith andava pelos fundos da casa enquanto olhava para as árvores que formavam uma floresta e seguiam até uma cordilheira de montanhas distantes, Sasha e Coonie estavam provavelmente dentro da mansão fazendo os seus trabalhos de limpeza.

Não importava como olhasse para o local era impossível imaginar que nessa enorme e serena mansão havia um porão que funcionava como uma sala de tortura e matança.

Levi sentiu um leve desconforto no estômago diante desse pensamento.

— Eu gosto de ficar aqui em cima.

A voz de Eren soou suave como o sorriso que exibia em seu rosto. O garoto de olhos verdes começava a crescer, mas ainda estava mais baixo que o garoto de olhos azuis cinzentos.

— Dá para ver o campo, as florestas, as montanhas... - continuou Eren ainda com um sorriso tranquilo - Fico imaginando o que têm além desse lugar, pensando em mil maneiras de fugir da mansão sem ser pego.

Os seus olhos verdes como o mar encaram o cavaleiro.

— Como é a cidade, Levi? - perguntou Eren com entusiasmo.

— Só vou contar, - falou Levi num tom sério - se você não inventar de fugir.

Eren fez uma careta.

— Eu não vou! - exclamou - Não vou sair do campo sem permissão! Prometo! Está bem?

Levi conteve um suspiro de alívio. Agora era só esperar para ver se o jovem príncipe ia manter a promessa. Caso não cumprir, o cavaleiro conhecia umas técnicas psicológicas para fazer o outro garoto se sentir culpado.

— E então? A cidade é legal? - questionou Eren com uma curiosidade inocente.

Levi ficou pensativo antes de dar uma resposta.

— Eu não conheço muito, - admitiu, lembrando-se do único dia que foi para a cidade com Kenny - mas lá havia muitas coisas diferentes.

Os olhos de Eren brilharam com entusiasmo.

— Tipo o quê? - questionou.

— Muitas lojas. - respondeu Levi - Tinha uma loja que vendia vários chás...

— Sério?! - exclamou Eren com um grande sorriso - Ei, Levi, você gosta de chá, não é? - o cavaleiro assentiu - Conte mais!

E assim seguiu uma conversa sobre um dos gostos de Levi e o que ele lembrava da cidade.

Maio terminou com um tiro vindo da floresta atrás da mansão durante o jantar. As cinco crianças ficaram atônitas, então Levi tomou uma atitude rápida de se levantar e seguir em direção do som. Saiu da mansão e seguiu pelos fundos, indo até a floresta que dava para as cordilheiras. Logo no começo avistou uma silhueta alta segurando uma espingarda enquanto outra silhueta estava deitada no chão. A silhueta alta virou o rosto para o Cavaleiro Real.

Era Keith Shadis.

Levi estremeceu com o olhar congelante e mortal do mordomo. Keith suavizou a expressão quando reconheceu o garoto.

— É só mais um lixo.

Keith apontou a arma para o corpo de um homem estirado no chão com uma poça ao redor do peito. Os olhos sem vida estavam arregalados e a boca aberta num grito de pânico silenciado.

Levi ignorou novamente o desconforto no estômago.

— Tem vezes que eu acho que não somos melhores que eles. - murmurou num tom ácido.

— Talvez. - concordou o mordomo com indiferença - Pelo menos temos uma grande diferença em comparação com esses merdas vendidos.

Keith colocou a espingarda por cima do ombro direito.

— Nós estamos protegendo a vida de um jovem príncipe.

Levi o encarou sem dizer nada. O mordomo lançou um olhar sério.

— Não me olhe assim. - resmungou Keith - O que nós fazemos não é nenhum pouco certo, eu sei disso, mas o que seria exatamente "correto"? Me diga, Levi, desde quando enviar assassinos para matar uma criança que não teve culpa de nada é correto?

O guarda-costas continuou em silêncio. Keith proferiu as seguintes palavras numa suavidade assustadoramente fria:

— Para os lordes desse reino é nenhum pouco errado.

Junho começou com dias ensolarados e mais quentes por causa da chegada do verão. Vários insetos passaram a irritar os empregados da mansão que reclamavam dos pernilongos e os jovens empregados se alegravam por usarem roupas mais leves. Na metade do mês foi o aniversário de Marco, porém seguiu-se mais um dia normal e sem disputas dessa vez. O resto do mês seguiu com mais três capturas de sequestradores e nenhuma novidade.

Teve mais uma captura no começo de julho, sendo a última durante um tempo. Na metade do mês, Keith começou a passar lições de esgrima da realeza para Levi. Eren viu os dois treinando e quis participar, então pegou uma espada, porém não aguentou o peso da lâmina e quase cortou a própria mão. O mordomo proibiu o jovem príncipe de treinar esgrima e o cavaleiro ficou do lado dele, o que deixou o príncipe irritado e jurou nunca mais serem amigos.

Depois de dois dias, Eren voltou a conversar normalmente com Levi.

Perto de terminar esse mês teve o aniversário de Sasha. A garota pediu por refeições a base de carnes. Obviamente, a sua mãe deu uma bronca, mas acabou por preparar um churrasco no jantar com a permissão animada do jovem príncipe.

Durante a noite, nos jardins, Sasha, Connie e Jean fizeram uma aposta de quem conseguia comer mais carne por um tempo mínimo. Novamente, Marco ficou como juiz da disputa. Keith e os outros empregados estavam ocupados na limpeza da cozinha até os dois garotos começarem a passar mal e serem obrigados a cuidar deles. Sasha terminou o seu prato cheio de carne satisfeita, exibindo um sorriso de que ganhou uma grande vitória.

Levi e Eren andavam pelos arbustos mais próximos de onde estava acontecendo a disputa. Os dois garotos passaram a se acostumar com a presença de um com o outro ao ponto dos dois dormirem no mesmo quarto - o mais velho dormia numa poltrona do quarto do mais novo. Algumas vezes acabavam discutindo, mas nada muito sério ao ponto de se machucarem, porém eram esses momentos que faziam o cavaleiro refletir se a relação que tinha com o príncipe era uma amizade.

De qualquer forma, as discussões não incomodavam o garoto de olhos azuis cinzentos.

— O que houve, Levi?

Levi encarou Eren, que estava ajoelhado no chão. Ele estava vendo um coelho filhote no meio das folhas enquanto o cavaleiro estava de pé olhando o céu noturno e estrelado.

— O que quer dizer? - indagou Levi.

— Você estava fazendo uma cara triste. - respondeu Eren, preocupado - Está tudo bem?

Levi arregalou minimamente os olhos por causa da surpresa repentina. "Eu estava...?", perguntou para si mesmo. Os seus olhos azuis voltaram-se para o céu e o cavaleiro se manteve num profundo silêncio pensativo. O jovem príncipe não insistiu com as perguntas.

Agosto começou com dias mais frescos e menos abafados. Não houve mais nenhuma captura de sequestradores ou assassinos que invadiam o campo. Esse clima pacífico se seguiu até a metade desse mês.

A partir desse ponto, os tempos tranquilos começaram a mudar aos poucos.