P.O.V Rav

Eu nunca pensei que eu iria no subsolo da Casa Grande em algum momento da minha vida. Eu tinha conhecimento que eles faziam as reuniões de Conselheiros lá, mas além disso, não sabia de muito o que havia lá embaixo. Para a surpresa de ninguém, não houve nenhuma formalidade, Hanna praticamente me arremessou em uma cadeira. Em um estilo de interrogação policial, ficaram Nard e Hanna sentados à minha frente, enquanto Flower vigiava a porta.

“Me dá um bom motivo pra eu não te matar aqui e agora”, disse Hanna, sem nem tentar disfarçar a raiva na voz. “Eu voltei”, comecei a dizer, tomando cuidado com as palavras. “Porque a ficha caiu e eu percebi que eu estava ajudando um bando de psicopatas a sequestrar e ameaçar matar outras pessoas”, continuei e Hanna bateu com o punho na mesa. “Você acha que a gente é burro?! É o truque mais velho do mundo mandar alguém pra conquistar a confiança do inimigo pra usar de distração. Então me responda essa pergunta:”, interviu, e dava para ver algumas veias saltadas nos olhos dela “Você acha que a gente é burro?”.

Engoli um seco, eu nunca tinha visto Hanna tão agressiva antes. Eu estava começando a ficar sem palavras, já tinha precisado de muita coragem para impedir Xavier de continuar sendo um babaca. Agora a situação era outra, eu quem era a com a vida em risco. E por bom motivo. Minha língua parecia ter esquecido de saber como formular palavras, e pude sentir algumas gotas de suor descendo da minha testa. “N-nã-n-não e-eu não acho”, comecei a dizer, odiando o fato de eu estar gaguejando de medo. Hanna me encarava com os olhos inquisidores enquanto Nard apenas encarava a situação, com a mão no queixo.

“Eu s-sei q-que vo-vocês n-n-não co-confiam em m-mim, e v-vocês t-t-te-tem to-todo o d-di-d-direito de sus-suspeitar d-de mim”, disse, e respirei fundo, um pouco ofegante, para conseguir terminar a frase. “Mas eu juro pela minha vida que eu tô falando a verdade. E se a minha vida não vale para vocês, eu juro pela Daisy. Eu QUERO ajudar”. Os dois trocaram um olhar, provavelmente em seu jeito silencioso de comunicação antes de me responder. “E o que exatamente você quer ‘fazer’ pra ajudar a gente?”, perguntou Nard, um tanto cético.

“Eu posso mostrar onde estão os Campistas sumidos, pra começar”, respondi, um pouco mais confiante, e vi um brilho nos olhos de Nard. Ele e Hanna foram para um canto, e começaram a conversar. Não consegui ouvir o que eles falavam, e não consegui evitar que eu suasse frio de medo. Nada os impedia de me matar quando chegássemos lá, e do jeito que Hanna estava alterada, ela poderia simplesmente me estrangular aqui e agora. Hanna parecia estar a mais histérica na discussão, enquanto Nard tentava mantê-la calma, e Flower também os olhava com interesse.

Finalmente, os dois vieram para a mesa novamente, e Hanna respirou fundo antes de começar sua frase. “Mostra pra gente onde os outros tão, e explica o plano de vocês quando a gente chegar lá, que a gente não te mata”, ela disse, logo depois se virando na direção de Flower. “Se a gente chegar lá e ela tentar alguma gracinha, sinta-se livre pra meter um flecha nela. De preferência na perna, onde dói mais”, falou, um pouco cinicamente, e Flower assentiu. Nard desembainhou as espadas, enquanto Flower liberava a porta. “De pé”, ele disse, me dando uma cutucada nas costas com um delas.

Me levantei, ainda tremendo um pouco, e acompanhei Hanna para a saída. Ainda havia um forte gosto de bile na minha garganta, e saímos da Casa Grande. Os guiei pela floresta, passando por poças de lama e teias de aranha, sentindo a floresta me engolir viva. Tropecei em um pedaço escorregadio do chão e bati o queixo em uma pedra, o que causou uma forte corrente de sangue a sair. Todos pareceram ignorar o ferimento, e acabei tendo que rasgar um pedaço da minha camisa para usar de pano, deixando o preto em um tom avermelhado.

Quando chegamos finalmente na escotilha, coberta de musgo, Hanna apontou com o cajado para baixo, em um sinal de “entre primeiro”. Desci as escadas lentamente, sentindo a mudança no ar, e o frio do subsolo. Quando virei as costas no entanto, o lugar estava vazio. Várias pegadas estavam no chão, representando uma saída corrida, e a luz estava fraca, as tochas foram apagadas. Provavelmente cansada de esperar, Hanna desceu as escadas, e seu rosto ficou roxo ao ver o local vazio. “Você… Mentiu pra gente…”, ela começou a dizer, incrédula. “Eu realmente fui estúpida de acreditar em você…”, concluiu olhando o chão.

Eu estava prestes a responder, quando ela simplesmente correu em minha direção e me empurrou em uma parede, com as mãos no meu pescoço. Fui tão tomada pelo choque que nem consegui me defender, enquanto ela apertava as mãos, com sangue nos olhos. Tentei puxar as mãos dela para trás, mas ela não soltava. Eu não conseguia nem falar, e comecei a espernear em desespero. A dor era insuportável, e minha visão começou a escurecer. Meus pulmões imploravam por ar e meu peito ardia como se estivesse em brasa.

“Hanna, para!”, disse Nard, a puxando para trás. Respirei fundo, tomando o máximo de ar possível. “Continue respirando, respirar é bom”, meu cérebro parecia dizer. Nard franticamente apontou os rastros e Flower entrou logo após. Mesmo com Hanna longe de mim, eu ainda conseguia sentir suas mãos me estrangulando, e ainda estava difícil respirar. “Desculpa”, ela murmurou em um tom raivoso, mas dava para perceber uma pontada de arrependimento, mesmo que sutil.

Ouvi um som na escuridão, e senti os pelos na parte de trás do meu pescoço se eriçarem. Podia ser apenas algum animal, mas sempre havia a chance de ser um dos outros se preparando para um emboscada. Ouvi um arrastar de terra, e dessa vez os outros também se viraram, encarando a escuridão. Ouvi passos, mas esses não eram regulares e sutis, e sim algo que parecia alguém ofegando. Uma figura se aproximou da luz, e logo reconhecemos quem era, em meio a toda a escuridão. “Nard, Hanna? São vocês?”, disse Sophie, emergindo das sombras com sangue seco decorrendo de onde deveriam estar os olhos.