P.O.V Hanna

Tudo o que aconteceu depois foi em câmera lenta, como se Cronos tivesse decidido voltar e desacelerar o momento apenas para me atormentar. Alan empurrou Lana para frente, enquanto se virava para trás para correr, e Flower levantou o arco rapidamente, atirando na perna dele. Segurei Lana nos braços antes mesmo dela bater no chão, enquanto a flecha ricocheteava no escudo de Alan.

Nard saiu correndo em direção à Alan, enquanto Flower corria para longe, provavelmente para achar um paramédico. Segurei o corte no pescoço de Lana, em uma tentativa desesperada de estancar o sangue. Mas era inútil, todo mundo sabia que todo o sangue do corpo consegue sair daquela artéria em 6 segundos. Um paramédico de Hermes chegou, mas apenas constatou o óbvio. Ela estava morta.

Abracei o corpo morto dela, como se isso fosse magicamente revivê-la, como se ela pudesse sentir o nosso último abraço. Eu queria berrar como se não tivesse mais o amanhã, até que minhas cordas vocais rasgassem. Mas não fiz isso. Não consegui. Me limitei a derramar lágrimas ácidas, e a cada lágrima que caía no chão, Nard dava mais um golpe no escudo de Alan. Era inútil abraçá-la e eu sabia, mas a lógica não condizia com o meu emocional agora.

Eu queria esquartejar Alan e jogá-lo ainda vivo no Tártaro, mas Nard já estava cuidando disso para mim ao atacar ele. Mas por estar em seu ódio cego, ele não estava atacando direito. Nard acertou o ar, errando um golpe, e Alan bateu com o escudo no rosto dele. Nard caiu no chão, tonto, e Alan saiu correndo, desviando das flechas de Flower.

Raven provavelmente deveria ter mexido com o campo de proteção do equipamento, porque começou a chover. Enquanto as gotas d’água caíam na terra, uma dor muito forte me atingiu. Não era uma dor física, como as muitas que eu tive no orfanato, era algo diferente, interno. Flower se ajoelhou ao meu lado, e colocou delicadamente os dedos nos olhos de Lana, os fechando.

Mesmo que eu não a conhecesse muito, a abracei logo depois. Ela retribuiu, enquanto eu chorava ainda mais, e Nard se levantava depois de ter ficado tonto. Ele ficou gritando “merda!” repetidamente, enquanto judiava uma das árvores as acertando com as espadas repetidas vezes. Enfiou uns 3 comprimidos na boca, e se aproximou, enquanto Flower saía do abraço. Me levantei enquanto Nard embainhava as espadas, pisando no chão que já havia poças de água. Era um truque inteligente da parte dos traidores, a água cobriria seus rastros.

Eu já não sabia o que mais eram lágrimas e o que era chuva, mas Nard simplesmente se aproximou e me abraçou. Ele não disse nada, mas aprendemos a nos comunicar em silêncio, então eu sabia que o simples abraço representava mil consolos. “Esse não é um bom lugar para ficar”, ele disse, transformando o abraço em um meio-abraço. “Tem muita tristeza”.

Fiquei apoiada no ombro dele, enquanto ele me levava para a enfermaria. Eu não estava machucada, mas apreciei o gesto. Passei cabisbaixa por outros campistas, e vi que Nard também estava chorando, embora tentasse disfarçar. A diferença de Campistas era ainda mais aparente, agora que sabíamos que sete haviam sido sequestrados. Sete no mínimo, já que esse foi só o número de Alan.

Nem mesmo a cama macia da enfermaria acabou com a tristeza que eu estava sentindo. Nem me importei em me secar, fiquei ensopada na cama mesmo. Nard consolava outras pessoas que estavam no lugar, explicando a situação da chuva. Enquanto eu tossia de frio, eu só conseguia imaginar Alan puxando a faca e eu segurando Lana. O momento ficou em loop na minha cabeça, não saindo por nada.

Mal comecei a fechar os olhos, quando dois Campistas entraram carregando um terceiro nos braços, que estava sangrando fortemente na perna. Não era qualquer Campista, porém, era ninguém menos que Flower, que tossia e mancava. “O Odd… Apareceu do nada… O filho da puta acertou o chicote na minha perna”, ela disse, dando pausas por causa da dor. “Saiu correndo quando o Rogelio chegou perto, mas quase que ele me leva também”, completou, enquanto se deitava na cama ao lado.

Pude ver quem carregava ela melhor, e vi que eram Rogelio e Hernold, e o primeiro tentava estancar o sangue. Hernold saiu, provavelmente para procurar um enfermeiro, e Rogelio deu um pedaço de ambrosia para Flower. Nard se aproximou novamente, se sentando no banco ao lado da cama. Segurei forte a mão dele, enquanto ele ficava de cabeça baixa, sem falar. “Dorme”, ele disse. “Tu tá precisando”, completou. Ele deu um aperto um pouco mais forte na minha mão e saiu, fechando toda a cortina que me cercava, e me deixando sozinha.

O que me destruía era o fato de não ter como eu dormir, não importasse o quão cansada eu estava. Dormir envolveria aceitar o fato que Lana realmente estava morta, e eu não estava disposta a fazer isso, não agora. A morte não me era desconhecida, no entanto. Eu ainda me lembro daquele dia no orfanato, como se tivesse sido ontem. Eu me lembro de gritos, muitos gritos. Eu me lembro de passar na frente do dormitório e ver um dos meninos mais velhos do orfanato na frente dele, com um caco de vidro nas mãos. E é claro, eu me lembro do sangue, espalhado pelas paredes.

É perfeitamente compreensível que não exista vida sem ter a morte, mas agora o porquê de a morte vir tão subitamente ainda me escapava. Existem tantas pessoas no mundo que poderiam estar mortas, tantas pessoas apenas destruindo as vidas dos outros. Pessoas como Alan, que matam sua namorada a sangue-frio de forma gratuita, que poderiam estar mortas. E mesmo assim, quem acaba morrendo no final das contas são as pessoas que você mais se importa. Porque, obviamente, que a vida não podia ser justa.

Mais lágrimas caíram, mas eu já nem me importava mais nesse ponto. Os lençóis da cama estavam convidativos, certamente não seria difícil fazer uma forca com eles. Até as vigas do teto, a forma de como elas estavam inclinadas deixariam um bom ponto de apoio. Era só esperar ninguém estar olhando, e tudo acabaria. Todo o sofrimento, toda a confusão, tudo iria embora. E assim eu fiz facilmente o formato curvado, e me preparei para prendê-lo no teto.

Mas não consegui fazê-lo, apenas o larguei ao lado da cama. Era uma idéia estúpida, não era como se todo o conflito do Acampamento acabasse do nada, muito pelo contrário, a situação provavelmente pioraria. E Nard, eu não sabia o que ia ser dele quando ele descobrisse, o quão destruído ele ficaria. Abracei meus joelhos e chorei silenciosamente enquanto a escuridão me cobria.