Interativa - Enquanto As Estrelas Brilharem

Azul, Sete, Montanha, Algodão-Doce, Luar, Arco-Íris


P.O.V Hanna

Eu já havia roído tanto minhas unhas, que eu já estava ficando sem o que morder. O pequeno grupo de filhos de Ártemis já havia saído fazia muito tempo, e ainda não tinham voltado. Havia 2 cenários possíveis: ou os traidores eram muito bons em esconder seus rastros, ou alguma coisa havia dado errado. De qualquer forma, era muito agoniante ter que ficar esperando algo acontecer, ao invés de poder ir junto. Claro que eu tinha sabedoria o suficiente para saber que eu provavelmente os atrasaria, mas ainda sim era de me tirar do sério. Encarei a floresta de cima da pedra que eu estava, esperando que eles voltassem, com as árvores parecendo andar lentamente para longe. Era uma sensação quase sufocante, como se quanto mais eles demorassem, pior a situação ficaria.

Respirei fundo e segurei o yin que formava meu colar, que encaixava perfeitamente no yang que ficava no colar de Nard. Não só era um símbolo de que estávamos sempre juntos, mas também uma forma de guardar a memória que havíamos saído do orfanato. Era o objeto material que representava nossa liberdade, o fim do nosso sofrimento, pelo menos por meio do Orfanato. Segurei a ponta do colar entre meu dedo polegar e indicador, e fechei os olhos. Murmurei algumas palavras, palavras que eu e Nard usávamos para tentar nos acalmar em situações de estresse. Azul, Sete, Montanha, Algodão-Doce, Luar, Arco-Íris. 7 pequenas palavras, sem nenhum sentido ou padrão entre si, que nos ajudavam a nos acalmar. Pequenas palavras que escolhemos aleatóriamente em uma manhã de sábado, pouco antes de eu perder minha audição. “Azul, Sete, Montanha, Algodão-Doce, Luar, Arco-Íris…”, murmurei, apertando o yin.

“Desculpe, eu não ouvi direito, você pode repetir por favor, órfã?”, uma voz familiar soou na minha frente. Lá estava o Sr. Kretz, com sua pele vampiresca na minha frente. “Você só tá na minha cabeça, tu não é real”, murmurei, fechando meu punho com força. A figura só ficou em silêncio, me encarando, e minha respiração começou a acelerar, e pequenas gotas de suor se formaram na minha testa. “Azul, Sete, Montanha, Algodão-Doce, Luar, Arco-Íris…”, falei novamente, fechando os olhos. Respirei fundo e os abri novamente, com um enorme alívio ao ver que ele havia sumido. Fiquei sem fôlego por alguns segundos, e esfreguei uma lágrima solitária que se materializou no meu olho esquerdo.

Ouvi um barulho de um galho quebrando atrás de mim, e me virei instantaneamente. A poucos metros de mim, com suas roupas negras e cabelo raspado pela metade, estava Raven, olhando para baixo, de forma que eu não sabia dizer qual expressão estava em seu rosto. Ela continuava andando para frente, e não pareceu ter percebido minha presença ainda, e eu podia jurar que eu via algumas lágrimas em seu rosto, como se ela tivesse um mínimo de emoção. Mordi o interior da minha bochecha em raiva quase automaticamente: só de olhar para Raven, eu já me lembrava de Lana, e de como eu só fiquei segurando a lança como uma criança ao invés de interferir. E de como Raven ficou só olhando quando Alan puxou a faca na garganta de Lana, quando seu corpo caiu no chão, quando a vida saiu de seus olhos em menos de um minuto.

Ela levantou a cabeça, e minhas suspeitas foram confirmadas: ela realmente estava chorando, pequenas gotas transparentes saindo de seus olhos escuros. Me senti um pouco mal momentaneamente, mas dispensei o sentimento rapidamente, eu ainda tinha um longo caminho antes de perdoá-la. Pelo pulo que ela deu, ela provavelmente não esperava me ver, e pude ver que ela carregava uma mochila nas costas. “Indo pra algum lugar?”, perguntei inquisitivamente, fazendo questão de manter contato visual. Ela passou a mão nos olhos, exugando algumas lágrimas, e pigarreou, o que me fez perceber que seu nariz estava vermelho. “Sim… Eu tento fazer algo pra trazer minha namorada de volta e a de outra pessoa morre, eu tento ajudar o Acampamento e todo mundo me ignora e me olha com desdém. Não importa onde eu vá, eu só cago o ambiente, então eu tô indo embora, pra apodrecer em algum lugar cheio de margaridas até que a comida acabe”, ela respondeu, logo depois voltando a andar.

“Você sabe que eu não posso te deixar sair”, respondi, com um pouco de remorso tentando lutar com o avalanche de raiva na minha cabeça. “Nada garante que você simplesmente volte pro grupo do traidores, e a gente precisa do máximo de gente aqui caso algo aconteça”, completei. Ela abriu a boca para responder alguma coisa, mas fechou logo em seguida, provavelmente sem resposta. “Eu prefiro morrer do que voltar pra aquele grupo. Tudo que eu quero é sumir do mapa, desaparecer para sempre”, ela disse, com a voz falhando um pouco. “Então você só quer desistir? Deixar o mundo colapsar ao seu redor porque você não tem coragem de levantar a cabeça e enfrentar os seus problemas? Pelo amor dos Deuses, você é filha de Hécate, tu sabe fazer magia, você sabe o quanto que isso é valioso pra gente? Eu tô pouco me fudendo se você se arrepende de ter ajudado o Alan a fazer o que a Empusa pediu, o que aconteceu, aconteceu. Isso não significa que eu não tenha uma admiração escondida em meio a minha raiva por você ter escolhido a coisa certa. E aí você vai lá e quer sair? Me poupe, mulher, tu é melhor que isso”. respondi, em um misto de incentivo, sinceridade e raiva.

“E ficar ouvindo comentário nas minhas costas, ficar vendo todo mundo se afastar?”, ela perguntou, com uma certa raiva na voz. “Eu passei vários anos escondendo que eu era surda pro Acampamento, achando que iam falar nas minhas costas. E quando descobriram, o que aconteceu? Exatamente isso, E aqui tá minha cara de quem se importa. Falam de você nas costas? Deixa que falem, o problema é deles. Se afastam de tu? Problema DELES. colega. Então engole o choro, e bora voltar pra lá. Eu posso até te odiar, mas vou fazer qualquer coisa pra você parar de chorar no meu cangote. Então, bola pra frente, levanta e anda”, respondi, me levantando da pedra que eu estava sentada.

Fui em sua direção, e ela se virou, voltando para o Acampamento. Vi na distância o que parecia ser Sophie saindo da enfermaria, com uma bengala metálica em mãos, e fiquei curiosa. Segui ela, que estava acompanhada de Flower, até que elas chegassem no Campo de Treino. Raven também ficou curiosa e veio junto, e chegamos no Campo no momento em que Sophie se aproximava de uma cabana de armas. “O que ela tá planejando”, perguntei a Flower, cutucando seu ombro. “Ela quer treinar com teu irmão, o que eu aposto que vai dar errado”, ela respondeu, parecendo ignorar a presença de Raven. “Você acha que vai dar errado ao ponto de que você apostaria?”, respondi, a desafiando. “Três dracmas que o Nard ganha”, ela respondeu, tirando as moedas do bolso. Eu não tinha bolsos na minha saia, mas presa na calça leggings que ficava por baixo da minha saia estava uma sacola de moedas. Coloquei a mão dentro do saco e respondi: “Cinco dracmas que meu irmão não vai ter bolas de atacar ela e vai perder feio”, o que causou um riso curto vindo dela. O dia definitivamente havia ficado mais interessante.