P.O.V Vi

Dei uma última olhada na pedra em que o resto do grupo entrou, e questionei por alguns segundos se eu deveria ir junto com eles. Não, era melhor não, pelo menos depois que eu vi a consequência da minha arrogância. Nem se passou pela minha cabeça que a onda de azar iria deixar a missão deles mais difícil, ou que seria uma ameaça a mais na vida deles.

Mas eu os veria novamente, em algum momento. Talvez não na missão. Ou eu poderia estar apenas tendo ilusões infantis e eu morreria agora. De qualquer forma, não era tempo para pensar nisso, ainda havia 8 ciclopes vindo em minha direção. Entre eles, havia um que era diferente: tinha quase 3 metros de altura, e era bem mais “musculoso” que os outros, além de ter 2 olhos, um em cima do outro. Segurava um mangual¹ em cada mão e tinha um sorriso lateral, com uma expressão de um tubarão que acabou de farejar sangue. Voei na direção do ciclope mais a esquerda do grupo, oposto ao ciclope gigante. Ele segurava uma espada, mas não teve tempo de reagir quando lhe dei um chute na cabeça. O ciclope ao lado dele tentou me acertar com um golpe descendente com um machado enorme, mas errou e acabou acertando a barriga do ciclope caído, quase o cortando ao meio. Vi raiva nos olhares de cada um dos ciclopes, e um deles pegou um enorme arco e flecha, e mirou em mim.

Voltei a voar, enraivecido por não haver nenhuma nuvem que eu pudesse usar para jogar raios neles. Desviei da flecha por míseros segundos, e ela pegou de raspão nas minhas costelas, deixando um corte não muito grande lá.

Ele mirou outra flecha em mim, mas usei o ciclope com o machado como escudo, e ele acabou morrendo também, com uma flechada no olho. Com dois companheiros a menos, o ciclope maior decidiu finalmente me atacar. Com uma ofensiva rápida e impiedosa, ele girou os manguais em minha direção, sempre errando por poucos centímetros.

Fiquei tanto tempo focado em desviar esses golpes que acabei não percebendo um ciclope atrás de mim jogando uma rede em minha direção. A rede me acertou em cheio, e acabou prendendo minhas mãos, o que significava que eu não conseguiria mais voar.

Sibilei, mostrando minhas “presas”, mas o ciclope enorme pareceu ignorar. Um segundo ciclope usou o cabo de sua espada para acertar minhas têmporas. Ao invés de desmaiar, eu senti uma enorme tontura e uma dor latejante. Essa devia ser a primeira vez que eu praguejava contra minha resistência aumentada, e foram necessárias mais três batidas para que eu desmaiasse.

Acordei com gosto de sangue na minha boca. A primeira coisa que percebi ao abrir os olhos era que eu estava de cabeça para baixo, e senti uma corda forte segurando minha cauda no ar. Minha cabeça devia estar a pouco mais de um metro do chão, que era cinzento e imundo.

O lugar era iluminado por uma fraca luz vermelha, e era grande o suficiente para o ciclope enorme ficar frente à frente comigo. Meus braços pendiam do chão, dormentes de terem ficado naquela posição por tanto tempo. O ciclope foi até um dos cantos do lugar, e pegou um objeto que se assemelhava a um taco de beisebol enorme.

Ele ficava batendo o objeto na palma de uma das mãos, quando perguntou sem nenhum rodeio: “onde estão os outros semideuses?”. “Como se eu fosse te falar”, respondi secamente, cuspindo um pouco de sangue no chão. Ele fechou um de seus punhos enormes e me socou na barriga, me deixando momentaneamente sem ar.

“Acho que você não ouviu a pergunta”, disse ele, já com uma certa raiva na voz. “Então vou repeti-la: ONDE. ESTÃO. OS. SEUS. AMIGUINHOS?”, completou, com um pouco de desdém. “Tá bom, tá bom, e te falo onde eles estão…”, respondi, vendo os olhos dele se abrirem, junto com um sorriso, como se dissesse “isso foi fácil demais”. “ENFIADOS NO MEIO DO SEU CU!”, berrei, levando uma porrada do taco de beisebol no rosto.

Já havia perdido a noção de tempo de quanto eu estava ali. Horas? Um dia? Quinze minutos? Não sabia dizer. Meu lábio inferior estava quase totalmente aberto, jorrando uma quantidade grande de sangue, e um de meus olhos não abria mais de tão roxo. Uma das escamas de minha bochecha direita estava quase caindo, e sangue saía dessa região também.

No momento, o ciclope segurava meu nariz e boca, me impedindo de respirar. Eu me debatia, tentando desesperadamente respirar. Quando ele finalmente soltou, tomei a maior arfada de ar da minha vida, o que foi um grande erro, já que o ele me deu mais um de seus socos na minha barriga, me deixan​do ainda mais sem ar.

“Já tá pronto pra falar?”, perguntou, sem nem tentar esconder a impaciência na voz. Nesse ponto eu estava apenas parcialmente consciente, mas ainda consegui responder “nope”, desdenhosamente. “Você pode arrancar meus dentes, me encher de socos ou me afogar em sangue, eu ainda não vou te falar”, completei, quase desmaiando. Eu já estaria inconsciente a muito tempo se não fosse minha resistência, coisa que o ciclope usou contra mim.

“Infelizmente eu preciso de você vivo, então vou te dar uma pausa curta. Mas não espere um tapete dourado quando eu voltar”, ele ameaçou, logo após saindo por uma porta metálica. Meu primeiro instinto era dormir e esquecer toda essa bagunça, mas eu sabia que isso só me prejudicaria mais.

Eu quase não sentia meus braços, mas consegui levantá-los o suficiente para morder a corda que prendia meus pulsos, mesmo com a enorme dor que isso causava. Meus braços pareciam ter agulhas os pressionando a cada poro, mas ainda sim eu estava focado em retirar a corda de meus pulsos.

Eu estava quase soltando quando minha força acabou e meus braços caíram de novo, doloridos. Respirei fundo e os levantei novamente, ignorando o máximo possível a dor latejante, e consegui soltar as cordas. Usei o resto de minhas forças para voar e soltar a corda prendendo minha cauda. Caí no chão em um estrondo, mal conseguindo ficar de olhos abertos, muito menos me mexer. O ciclope voltou, enfurecido para ver o que estava acontecendo. “Quer saber, cansei de você, vou achar os outros semideuses sozinho!”, ele disse, enraivecido. Antes mesmo que eu pudesse reagir, ele usou os joelhos para segurar meus braços e colocou as mãos em meu pescoço, me estrangulando.

Minha cauda se retorcia freneticamente, mas eu não conseguia fazer nada para tirar as mãos enormes dele da minha garganta. Meu rosto começou a ficar roxo, e minha visão começou a falhar, mas consegui tirar uma última gota de força e levantar a cabeça, mordendo forte o olho dele. Ele me soltou na hora, e usei toda a minha adrenalina acumulada para sair correndo pela porta. Passei pelos outros cinco ciclopes como se fossem tartarugas, usando minha velocidade aumentada junto com a adrenalina para sair o mais rápido possível de lá, indo em direção a uma escada de saída.

Ao subir as escadas, percebi que eu estava em uma pequena cozinha, e havia algumas marcas de sangue no chão. Não pude prestar atenção nos detalhes do lugar, mas ao sair da cozinha, reconheci a lanchonete de ontem. Ou anteontem. Ou hoje, eu genuinamente não sabia. No chão, era possível ver o velho e seu neto que trabalhavam aqui. Pelo menos o que havia sobrado deles, além de uma cara de pânico e um corte na garganta.

Corri para fora, tentando achar novamente o acampamento destruído. Felizmente, a fumaça dos quadriciclos deixou a localização bem fácil a descoberta. Reencontrei a pedra com a escada, e conferi-a umas quinze vezes para ter certeza que era a entrada certa, já que meu azar estava bem presente hoje. Entrei na escuridão e comecei a descer as escadas, ainda tentando me manter consciente. Infelizmente, meu corpo falhou comigo e desmaiei caindo na escuridão.