P.O.V Aylee

Por mais que eu odiasse admitir, meu plano dependia completamente em sorte. Em tese, era bem simples: achar nossas armas e sair. Mas obviamente era mais complicado. A primeira parte era fácil, apenas deveríamos desatar os nós em nossas mãos, e com outras pessoas era uma tarefa facilmente terminada. As coisas que começavam a complicar o plano começavam agora: se as armas não estivessem dentro da cabine, era bem provável que eles as tivessem atirado no oceano. Depois, a tarefa de libertar Viren: não sabíamos como ele estava sendo preso. Logo após, precisaríamos de uma forma de sair da lancha, e um bote inflável na lateral da lancha era nossa única esperança. E mesmo depois disso, precisaríamos desabilitar a lancha de alguma forma, para evitar que eles nos seguissem.

Não bastasse o plano depender de muitos fatores, e ter várias possíveis falhas, ainda tínhamos que considerar a perna de Maggie. Alguém teria que carregá-la, o que nos desaceleraria bastante. Mas era um contratempo necessário, eu não estava disposta a deixar ninguém para trás. Os ciclopes fizeram um erro enorme em não deixar ninguém nos vigiando, já que foi bem fácil desatar as cordas. Aurora se ofereceu para carregar Maggie, mas depois do que aconteceu na ilha, eu temia que suas costelas piorassem, o que nos atrapalharia ainda mais. Acabei me oferecendo em seu lugar, e depois de ceder um pouco, ela finalmente concordou.

Puxei Maggie pelo braço, logo depois usando meu outro para segurar sua cintura, deixando seu braço apoiado no meu ombro. “De dois fica mais fácil”, disse Nick, segurando o outro braço de Maggie. Não recusei a ajuda extra, e Maggie conseguiu se apoiar em nós, quase pulando de uma perna só pela dor que sentia na perna machucada. Eve olhou cuidadosamente o corredor curto que levava para a cabine. Fez um sinal de mão para avisar que a barra estava limpa, e Aurora entrou no corredor, tentando fazer o mínimo de barulho possível.

Ela voltou pouco depois, com o arco e aljava nas costas, assim como os leques de Eve. Entrou novamente, e gelei em pensar que ela talvez fosse vista. O corredor era estreito, e o único lugar para se esconder era um minúsculo armazém, o qual ela provavelmente havia pegado as armas. Era praticamente um beco sem saída caso ela fosse vista, e o lugar era muito pequeno para ela usar o arco. Ela poderia usar suas adagas, mas ela já estaria esquartejada pelos ciclopes antes de sequer poder sacá-las.

Ela trouxe a minha lança e a espada de Nick, e Maggie conjurou um martelo com a prótese. Nesse momento eu percebi o quão burra eu tinha sido: eu poderia simplesmente pedir para Maggie conjurar uma faca para cortar as cordas, ou que ela pudesse nos dar armas antes de pegarmos as nossas próprias. Ela provavelmente percebeu minha expressão de decepção, pois logo depois disse “Não teria como, quanto maior o pedido, maior o tempo de espera para outro”. “Como que tão segurando o Vi?”, perguntei, quando Aurora se aproximou. Ela hesitou um pouco antes de falar, o que meu deu uma pontada de preocupação.

“Ele tá com as mãos amarradas no teto e eles tão trocando turnos dando soco nele”, disse, o que foi bem menos pior do que eu imaginava. Mesmo assim, precisávamos de um distração, e a parte complicada viria agora. Precisávamos fazer eles irem para o convés, soltar Viren, sabotar os motores e depois voltar para o bote. Confesso que eu ainda não tinha pensado em uma distração, mas Maggie acabou pensando mais rápido que eu: Ela pegou um objeto pequeno em seu bolso, parecendo um micro-cubo, e o atirou na distância, para a ponta oposta da lancha. Ao bater no chão, o cubo se abriu, mostrando algo que lembrava vagamente uma caixa de som. Um som estridente saiu do objeto, e nos apoiamos na parede para emboscar os ciclopes.

De alguma forma, dois deles conseguiram andar lado a lado no minúsculo corredor, e conseguimos nocauteá-los com uma facilidade surpreendente quando eles se aproximaram de nós, na parede perpendicular. Outros dois ciclopes os seguiam, e não tiveram tempo de frear, e enfrentaram o mesmo destino. Dessa forma, só sobrava o ciclope maior, que estava com os olhos vermelhos de raiva e suas armas em mãos. “Ajuda o Viren, eu seguro ele pra vocês”, disse Eve, pegando os leques e chamando o ciclope. Carregamos Maggie até a cabine, que era um simples domo, com a parte frontal de vidro com alguns controles, e vimos Vi no meio da sala, do jeito que Aurora havia descrito.

Usei minha lança para libertá-lo, e mesmo com o rosto cheio de hematomas, e com a camisa tendo vários respingos de sangue, ele estava energético e pronto para ir para a briga. Usei o martelo que Maggie segurava para danificar os consoles, embora isso doesse internamente(como queimar um livro), e vi Viren dando alguns pulos para esticar os músculos. Ele saiu correndo, se é que você pode chamar o movimento de cauda dele isso, em direção ao convés, e pude jurar que vi ele levitar levemente em alguns momentos. Ele pulou nas costas do ciclope, lhe dando um soco na cabeça, e aproveitei o momento para deixar Nick apoiando Maggie, e jogar o bote inflável, que estava na lateral da lancha, na água.

Mandei Nick e Maggie pularem, e ambos hesitaram. Maggie, obviamente, não queria pular por causa de sua perna, mas Nick parecia ter um complexo de herói muito forte pra simplesmente abandonar uma luta. Ou talvez isso fosse um efeito de “filho de Ares”. De qualquer forma, eu me encontrava encarando seus olhos, cinzas e profundos, e acabei inexplicavelmente observando suas feições. Havia algo entre os olhos, a pele chocolate e o cabelo curto castanho que simplesmente me chamava para ficar apreciando. Mas agora não era hora de ser uma filha de Afrodite ao contrário, precisávamos fugir. Infelizmente, como Nick não pularia, segurei Maggie e apontei com a cabeça para Nick ajudar Vi e Eve, que não pareciam estar indo tão bem.

“Juntas?”, perguntei retoricamente a Maggie. Ela assentiu com a cabeça e me deu um cumprimento de mão meio desajeitado. “Três… Dois… UM!”. Pulamos, e os poucos segundos de queda pareciam ter sido minutos, enquanto o mundo descia em câmera lenta. E então, subitamente batemos na água. As gotas subiram em pequenas ondas no momento em que nossos corpos caíram com tudo no oceano, e senti imediatamente o frio do oceano no meu corpo. Enquanto o frio marítimo me invadia, eu descia cada vez mais para dentro da água salgada, e parecia que eu iria afundar sem fim. Maggie não se movia, ela provavelmente tinha desmaiado de dor com a queda, e afundávamos cada vez mais. Meus pulmões imploravam por ar enquanto eu tentava nadar para cima, com movimentos cada vez mais desesperados, mesmo assim, quanto mais eu tentava subir, mais eu parecia descer.

Minhas pernas doíam de tanto bater, e o mínimo sol entre as nuvens pareciam estar cada vez mais distantes. Não desisti de nadar, continuei batendo meu braço esquerdo e minhas pernas na água, eu me recusaria a deixar alguém morrer afogado por minha culpa. Mesmo assim, eu não parecia subir, e minha visão começou a escurecer, meu peito queimando de falta de ar. Meu desespero aumentava, assim como os borrões escuros na lateral da minha visão, e tudo parecia se deprivar de qualquer som que não fossem minhas nadadas desesperadas. Eu estava quase apagando, quando outras três coisas, ou pessoas, caíram na água. Uma mão me segurou pela cintura, e senti finalmente um movimento ascendente.

Me arrastaram junto com Maggie para dentro do bote, e mal pude ver Aurora indo em sua direção com o alívio que eu sentia. Respirei fundo, como se fosse minha última inspirada, e percebi que ainda seguravam minha cintura. Abri os olhos, para ver um Nick ensopado me segurando. O desgraçado realmente tinha um complexo de herói. O abracei meio sem jeito, murmurando agradecimentos como se ele fosse uma espécie de salvador divino(o que não era muito distante do que havia acontecido). “Relaxa, como a gente sobreviveria sem uma sabe-tudo como você?”, respondeu, abrindo um sorriso. Aquele sorriso… Não têm palavras para descrevê-lo, era simplesmente uma visão mais bonita que o Olimpo.

Uma sensação começou a se espalhar pelo meu corpo, e definitivamente não era a hipotermia. Talvez fosse a adrenalina, mas minha pulsação aumentou, e não pude ignorar seus lábios abertos, de uma forma quase convidativa. Talvez a sensação fosse simplesmente o alívio de estar viva, mas talvez fosse outra coisa. Novamente, eu estava transbordando adrenalina, então eu não pensava direito. Mesmo assim, esse sentimento continuava, e decidi ignorar todo o resto e deixar ele me consumir. Olhei para o rosto de Nick, me apoiei para frente e o beijei. Recuei quase imediatamente, com minhas bochechas ardendo de vergonha. Ele tinha acabado de perder Mevans, e eu havia acabado de invadir completamente a sua privacidade. Fiquei com medo dele brigar comigo ou ficar confuso, e quase pulei de novo no mar. Ao invés disso, ele me surpreendeu. Ao invés de repreender o beijo, ele se aproximou e retribuiu o gesto de afeto.