Interativa - Enquanto As Estrelas Brilharem

A Calmidade Antes Da Tempestade - Parte I


P.O.V Mevans

Verde. Era isso que me cercava, no meio da floresta. Era uma pequena clareira, escondida perto do rio. Um fio de água saía do rio e vinha para cá, fazendo uma pequena poça. A luz refletia na poça, dando uma visão única pro lugar. Eu descobri esse lugar há uns 5 meses, eu venho para cá sempre que eu tenho alguma coisa me incomodando.

Eu tava sentado em uma pedra, com um galho na mão, desenhando na areia ao lado da poça. Pela minha falta de amigos, eu gostava de imaginar como seria se eu tivesse algum, e desenhava as imagens na minha cabeça. No meio da bagunça da Cabana 2, haviam cadernos cheios de desenhos, de pessoas imaginárias e personagens de filmes. Desenhar foi algo que aprendi desde os 10 anos, e me ajudou muito a aguentar o que eu passava com o meu tio.

Ouvi passos e me virei, levando um susto ao ver Nick, se aproximando. Ele estava sem a sua espada dupla, o que era incomum, já que ele carregava ela por todo canto, além de estar com um short azul, dando um contraste enorme com a camisa laranja do Acampamento. Ele olhava ao redor enquanto se aproximava, e logo depois ele se sentou em uma pedra perto do lago, perto da minha.

“Eu achei que fosse te encontrar aqui” ele disse, em um tom amigável. Ele apontou para o desenho que eu estava fazendo na areia e disse “Você desenha muito bem”, o que me deu um pouco de vergonha. Eu achei muito suspeito o jeito que ele simplesmente apareceu, ainda mais porque nós mal conversávamos.

“O que foi, você veio aqui falar que eu desenho muito bem para um assassino?”, eu disse secamente, lembrando dos Campistas me chamando de “assassino” e “esfaqueador” depois que eu acordei. “Na verdade, não” ele disse. “Vim aqui porque eu estou preocupado com o teu estado mental”.

“Ahã, claro”, respondi, sarcasticamente. “Tô falando sério”, ele disse, e ele realmente parecia estar preocupado. “Já era estranho quando você fingia ter gente na sua cabana, mas agora você tá realmente me preocupando” ele complementou. “Não é nada”, disse, tentando desviar o assunto. Ele se levantou e sentou do meu lado. “Óbvio que é alguma coisa” ele respondeu.

Tentei desviar o assunto de novo, perguntando como ele achou o lugar. “Não foi muito difícil, na verdade. Você sempre vem aqui quando tem uma aglomeração” ele disse, mas logo depois acrescentou: “Agora para de desviar o assunto, desembucha”.

Eu não queria falar minhas inseguranças para ele, mas ele não parecia estar querendo me humilhar. Eu fiquei um bom tempo pensando, tentando achar um jeito de explicar com palavras o que eu estava sentindo. Ele viu minha expressão pensativa e disse “Relaxa bro, tudo que tu falar fica entre nós”, dando um tapinha nas minhas costas. “Bom… você já deve ter percebido, eu não sou bom em lidar com outras pessoas”, eu comecei a dizer.

Ele apenas acenou com a cabeça, como se pedisse para que eu continuasse. “E em cima disso ainda teve a ‘pegadinha’ da Aurora, e, sei lá, eu não consegui controlar minha raiva”, eu disse, e senti algumas lágrimas começarem. “Tipo… eu quase matei uma pessoa…”, continuei, já soluçando. “É uma sensação muito ruim. Ela… muda você sabe? E por cima disso ainda tinha meu tio quando ele… Quando ele-” não consegui terminar a frase, e ele simplesmente abriu os braços, oferecendo um abraço.

Eu aceitei o abraço, chorando e praticamente encharquei a camisa dele com minhas lágrimas ao mesmo tempo que ele dava alguns tapinhas na minhas costas. Depois de longos segundos, saí do abraço e me senti um pouco melhor. “Bro… Não vou mentir: tu fez merda. E uma merda bem grande... MAS, você não devia ficar se remoendo por causa disso. Claro, você pode ter tido uma adolescência de merda, mas isso foi longe de ser culpa sua. E eu entendo você ter dificuldade, eu só vi estupro uma vez na minha vida, e aquilo já foi extremamente chocante.” ele disse, tentando me ajudar. "Mas se a gente só pensasse sobre isso, ninguém ia para frente. Eu entendo você evitar multidões, mas você não precisa tentar colocar isso tudo dentro de você, interiorizar seus pensamentos só piora a situação"

Por mais que eu ainda tivesse mal, só poder com alguém já melhorava um pouco. Levantamos e levei um susto quando ele colocou o braço esquerdo em cima do meu ombro, como em um “meio-abraço”. Ele esticou o outro braço para frente e disse “ao infinito e além!” em um tom de voz tão sem-noção que eu ri, e logo depois acrescentou, com um pouco do sotaque espanhol dele: “Bora jogar um ‘truquito’! ¡Vamos!”.

Eu coloquei o meu braço em cima do ombro dele, da mesma forma que ele estava fazendo e caminhamos para fora da floresta, mesmo eu ainda estando com uma vergonha enorme de me mostrar. Ele me levou para uma mesa no refeitório, onde dois amigos dele já estavam com um baralho na mão. Eu rapidamente aprendi a jogar truco, e me pela primeira vez, fiquei feliz de fazer alguma coisa social.

P.O.V Eve

“Ok, já que todo mundo chegou, tá na hora de começar a reunião” eu disse, encarando os outros conselheiros na sala. A sala de reuniões ficava no subsolo da Casa Grande, e consistia de uma mesa redonda e alguns quadros. Em cada cadeira da mesa ficava um conselheiro diferente e encostado na parede do fundo da sala estava Quíron, com uma expressão pensativa. Um lustre simples iluminava a sala e em uma outra mesa perto da entrada estava o Sr. D, comendo um cacho de uvas.

“Ainda não entendo essa bagunça toda pra achar um bando de jovens incompetentes, eles devem estar, como vocês jovens chamam hoje em dia? 'Se divertindo' na floresta. Aquela Lana sempre me pareceu problema”, o Sr. D disse, com um tom de desdém, para a surpresa de ninguém. Todos simplesmente ignoraram o comentário e o erro no nome de Hanna, o que causou ele a comer enraivecidamente outro cacho de uvas.

“Onde foi o lugar que você achou o aparelho?”, Maggie perguntou para Aylee. “Mais ou menos aqui”, ela respondeu, colocando o dedo no mapa na mesa, em um lugar perto da floresta. Maggie ficou pensativa por alguns segundos, mas logo depois disse “Eu acho que a gente deveria dar uma olhada por ali, vai que a gente acha uma pista, um rastro, alguma coisa”

“Eu concordo com a Maggie, o melhor jeito de descobrir o que aconteceu é indo procurar um rastro” eu disse. “E quem olharia os rastros? Você?” disse Hayato, o conselheiro de Ares, com um certo desdém na voz. “Na verdade, sim” respondi, com o tom mais sério que pude. “É, a gente só vai achar eles no próximo milênio” ele respondeu sarcasticamente. “Tô fora”, ele complementou.

“Eu tô junto com o Hayato, a gente precisa de um plano melhor”, disse Hernold, an conselheran de Hermes. Elan apontou para o mapa e disse: “Se a gente só chegar e for procurando rastros, nada garante que seja lá o que fez eles sumirem ainda não esteja lá”. Sophie, a conselheira de Ártemis concordou silenciosamente com a cabeça.

“É um bom argumento” Aylee disse. “Mas é um risco que a gente tem que tomar se for pra achar os Campistas sumidos” ela completou. Houve discussões dos dois lados, mas ninguém parecia chegar à um acordo. Minha paciência esgotou e eu gritei “Cala a boca todo mundo!”, dando um susto em todos.

Respirei fundo e disse “Se ficar nesse bate-boca, ninguém vai chegar a lugar nenhum. Quíron, o que você acha que a gente deveria fazer?”. Ele se aproximou da mesa pensativo e disse “Ainda é muito cedo para tentar uma investigação, o risco é muito grande. Por enquanto eu acho melhor continuarmos agindo normalmente no Acampamento. Não adianta em nada preocupar os Campistas antes da hora, e até termos respostas mais claras acho melhor só recomendar que todos fiquem longe da floresta”.

Eu fiquei decepcionado, porque achei que ele fosse nos apoiar, mas simplesmente assenti silenciosamente. Saímos da Casa Grande e vi Maggie se aproximar da enfermaria. Decidi acompanhar ela para dentro, já que eu queria saber como Nard estava.

P.O.V Nard

Acordei com dor, vendo um borrão de cores no meu arredor. Meu braço estava ardendo de dor e minha cabeça parecia que ia explodir. Tentei me levantar, mas uma explosão de dor subiu para a minha cabeça. “Já acordou, gorducho?” ouvi alguém falar na minha esquerda, em um tom de voz muito baixo. Tentei perguntar quem estava lá, mas a única coisa que saiu da minha garganta foi um ruído rouco.

Havia um borrão marrom à minha direita, que parecia ser uma mesa, mas ao tentar segurá-la, meus dedos arderam como se houvessem agulhas os apertando. “Olha, o viadinho tá com dor na mão”, ouvi outra voz desdenhando, com a voz quase imperceptível. Tentei tampar meus ouvidos, mas um dos meus braços latejou de dor e não consegui mexê-lo.

Minha visão começou a clarear, e reconheci o leito da enfermaria. O lugar estava bizarramente silencioso, com o único som sendo os sussurros na minha cabeça. Tentei chamar alguém, mas nenhum som saiu da minha boca.

Comecei a sentir as cortinas ao meu redor se aproximarem, como se fossem me esmagar e senti minha respiração acelerar. Tentei berrar por ajuda mas apenas um grasnado saiu da minha garganta. As cortinas se aproximavam cada vez mais, lentas e ameaçadoras, e meu coração parecia que ia pular fora do meu peito de tanto que ele estava batendo.

Comecei a respirar pela boca, ofegando e senti suor descendo pela minha testa. “ALGUÉM ME TIRA DAQUI!”, finalmente consegui dizer, berrando. “SOCORRO!”, berrei novamente, esperando que alguma coisa, qualquer coisa, acontecesse para impedir o avanço das cortinas.

A cortina à minha esquerda se abriu subitamente, e o lugar pareceu ficar em seu tamanho normal. Vi Hanna no leito ao lado, com uma cara de espanto. Havia sangue nas costelas dela e ela parecia um cadáver. Ela caiu no chão ao meu lado e começou a vomitar sangue, como se houvesse um chafariz dentro dela. Ela subitamente parou de se mexer e simplesmente disse “É tudo sua culpa” ouvi ela dizer, e antes mesmo de eu poder chorar, um flash de luz ocorreu e eu estava de volta no orfanato.

Entrei em pânico ao ver as paredes brancas daquele lugar novamente. Eu não era mais uma criança, era como se eu estivesse voltando àquele lugar após todos esses anos. O lugar parecia tão sem vida quanto antes, mas agora ele também estava silencioso, não havia nenhum grito ecoando pelas paredes.

Andei pelo corredor vazio, e vi que o lugar estava desgastado em alguns lugares. Quanto mais eu andava, mais desgastadas ficavam as paredes e as luzes começavam a falhar. Reconheci a porta do dormitório e girei a maçaneta com as mãos tremendo.

Nos fundos do corredor, vi o Sr. Kretz me encarando com um sorriso malicioso. “Senti sua falta, bolinha” ele disse, em um tom esquelético. “V-v-voc-você n-não é-é r-r-real” gaguejei, sentindo uma onda de pânico subir pelo meu corpo. “Será mesmo?” ele respondeu, desdenhoso.

Ele começou a se aproximar, mas minhas pernas estavam coladas no chão. Por mais que eu tentasse me mover, nenhum músculo no meu corpo se movimentava. A única coisa que eu conseguia fazer era gritar, o mais alto que eu podia, esperando que alguém pudesse me tirar daquele pesadelo horrendo.