Intento Perderte - Trendy

Um passo de cada vez


Passageiros do voo L2544 com destino a Los Angeles, favor se dirigirem ao portão de embarque 27.

Arrastava uma pequena mala pelo grande corredor do aeroporto da Cidade do México, já bem familiarizada com as instalações depois de anos de viagens. Sorri, pensando que em algumas horas estaria de volta ao trabalho para concluir aquele sonho que havia sido adiado por tanto tempo.

Durante o voo, meus pensamentos não puderam evitar de chegar à Poncho. LA era importante demais na nossa história, e acho que eu nunca conseguiria viajar para lá sem ficar um pouco nostálgica.

O clima entre nós havia melhorado um pouco nas últimas semanas; já não nos evitávamos tanto e não trocávamos farpas. Conversávamos o necessário sobre Julia, nossas preocupações e planos para com nossa filha. A pequena sentia muita falta do pai, nos fazendo ter um contato cada vez maior, e também nos obrigando a sermos o mais amigáveis possíveis por ela.

Antes de pegar no sono durante o voo, acabei me lembrando de que, afinal, necessitaria falar com Poncho quando chegasse em LA. Precisava pegar algumas coisas no apartamento, o meu violão incluso. Já passava da hora de dar esse passo, o que era só mais um nessa dura jornada que é seguir em frente e continuar a vida após uma desilusão amorosa tão grande como a dissolução de um casamento com quem você achava ser o amor da sua vida. Bom, não que não fosse, mas a partir de agora, precisaria deixar de ser.

Não sei exatamente quanto tempo dormi, mas quando me dei conta, já estávamos quase pousando. Quando o uso da internet foi liberado, me apressei em enviar uma mensagem para Noriega a fim de avisa-lo de que havia chegado e iria fazer o check in no hotel antes de me dirigir ao estúdio.

Porém, o que eu não sabia era que ele já estava me esperando no aeroporto, mesmo eu tendo avisado antes que não precisava. Não pude deixar de sorrir ou vê-lo parado próximo a saída, segurando uma plaquinha com meu nome, enquanto abria o maior sorriso do mundo ao me ver.

Eu disse que não precisava me buscar.— comentei, enquanto o cumprimentava com um abraço.

Pois pra mim não é nenhum esforço.— ele se ofereceu para pegar a minha mala, enquanto eu ri, negando com a cabeça.

Você não tem jeito mesmo. Deve ter tanta coisa pra fazer e fica aqui perdendo tempo.— ele riu. - Eu poderia pegar um táxi.

Dulce, relaxa.— ele piscou, caminhando em direção à saída. – Vamos pro hotel, você deixa suas coisas, almoçamos e vamos para o estúdio. Tudo bem?

Me parece um ótimo plano.

~

Dulce, em 10 minutos vamos começar, ok?

Sim.— respondi, deixando as folhas com as composições de lado enquanto levantava da cadeira e me dirigia até a porta.

Aonde vai?— Noriega perguntou, curioso.

Preciso falar com o Poncho para pegar algumas coisas no apartamento.— respondi, observando a expressão dele entortar um pouco, me tirando uma leve risada. – Eu já volto, ok?

Saí da sala, fechando a porta atrás de mim e caminhando pelo corredor em busca de algum espaço mais isolado no qual eu não fosse atrapalhar ninguém com a conversa. Havia uma sala de descanso logo a frente, e eu aproveitei que não havia ninguém para me jogar em uma das poltronas de frente para uma grande janela de vidro que me permitia observar toda a loucura de LA logo abaixo. Procrastinei por alguns minutos, respondendo algumas mensagens. Abri e fechei o contato de Poncho umas quatro vezes, quando por fim criei coragem suficiente e apertei o botão verde.

Bueno?— ouvi sua voz rouca do outro lado da linha após alguns segundos.

Poncho?— perguntei, meio receosa. Há tempos não nos falávamos sem ser por causa de Julia.

Oi, Dulce.— ele respondeu, com um tom de voz preocupado. – Aconteceu algo com a Ju?

Não.— tranquilei-o. – Está tudo bem com ela. Estou te ligando porque acabei de chegar em LA...

Ah, a gravação do disco...— ele murmurou.

Sim. Eu queria ver com você para pegar algumas coisas minhas que ficaram no apartamento. Meu violão, meu caderno de poemas, algumas roupas, enfim. Você vai estar por lá hoje?

Tenho cenas noturnas hoje, então ficarei em uma locação da série até a madrugada. Mas eu posso levar essas coisas para você na próxima semana, assim eu aproveito e pego a sua assinatura nos documentos do apartamento que estou mudando e colocando no nome da Julia.

Não sabia que você já tinha começado a mexer com isso...— respondi, um pouco desapontada.

Sim... Pode ser assim?— seu tom de voz já começava a ficar meio apressado.

OK, Poncho. Você me liga, então?

Sim.— houve um silêncio de poucos segundos, e então ele voltou a falar. – Oye, Dulce, precisa de mais alguma coisa? Está meio corrido aqui...

Não, era só isso. Obrigada, Poncho.

Hasta luego!

Desliguei a chamada sem conseguir parar de pensar em como Poncho também estava seguindo em frente. Não era fácil ver tudo o que construímos sendo desfeito, peça por peça, todos os dias.

Suspirei, um pouco frustrada comigo mesma. Por que diabos eu estava chateada com aquilo, se foi eu quem quis seguir em frente primeiro? Oras, você não achou que ele fosse ficar te esperando para o resto da vida, não é Dulce?

Respirei fundo e me levantei, indo rumo ao estúdio, decidida a dar o ponta pé inicial dessa nova fase.

~*

A semana em LA foi bastante corrida e cheia de trabalho, não só pelas gravações, mas também por todas as reuniões que tínhamos para o planejamento do lançamento do disco em janeiro. Não tive mais tempo para pensar e remoer o meu fracassado casamento, o que foi um ótimo.

Passei grande parte do tempo ao lado de Noriega. Ele me trazia todos os dias do hotel para o estúdio, almoçávamos juntos, participávamos de várias reuniões e ele estava sempre ao meu lado nas sessões. Inventamos de fazer algo diferente toda noite, mesmo que estivéssemos cansados ou saíssemos muito tarde do estúdio, pois, segundo ele, eu precisava curtir mais. Assim, sempre que acabávamos a última sessão, íamos em busca de algum lugar diferente para ir – normalmente, restaurantes.

Mas nessa sexta-feira, não consegui tirar dele a ideia de ir em uma boate.

Por favor, Dul. Vamos!— ele pediu, parando na minha frente antes de entrarmos no elevador.

Rod, eu só quero dormir hoje. Vamos em algum lugar comer, ok?— eu respondi, rindo de suas súplicas e fazendo ele me dar passagem para entrar no elevador antes que a porta se fechasse.

Para de ser tão idosa, Dulce María. Sexta-feira é dia de se divertir, não de dormir.— ele insistiu, entrando no elevador, enquanto eu ria e negava com a cabeça.

Eu não tenho mais a disposição de antes. Já estou idosa mesmo, quase 35, mãe, divorciada... O que você quer de mim, Noriega?— coloquei as mãos na cintura, tirando-lhe uma risada.

Eu prometo que se você aceitar meu convite, te levo para comer o melhor sushi do mundo.— ele me encarou e eu semicerrei os olhos, pensando na proposta.

Não é o suficiente.— acabei dando de ombros, me fazendo de desinteressada.

E o melhor sorvete de LA.— ele arqueou as sobrancelhas, com um sorriso irônico.

Eu não acredito que somos o casal mais esfomeado do mundo.

Comecei a rir, mas logo reparei que ele fez uma cara de interrogação engraçada e então percebi o que havia falado.

Digo, não no sentido romântico...— tentei desconversar, já sentindo meu rosto ruborizar. – Somos amigos e tal...— não consegui continuar, pois ele explodiu em uma gargalhada. Acredito que meu rosto nunca ficou tão vermelho como nesse dia.

As portas do elevador se abriram no hall do prédio e ele saiu na minha frente, ainda sem conseguir para de rir.

Rodrigo, já chega. Vamos.— tentei ficar séria.

Dulce...— ele negou com a cabeça. – Você precisava ver sua cara.

Não sei porque tanta risada. Seria tão ruim assim?— falei, irônica, lançando um olhar provocativo e ele sorriu de volta.

Claro que não.

~

Eu não podia negar: estava me apegando demais ao Rodrigo. Eu sentia um carinho imenso por ele e, nos dias em que ficávamos mais ocupados, sem muito tempo para conversamos, eu acabava ficando um pouco chateada.

Rodrigo era um sujeito excepcional. Engraçado, companheiro, amigo. Estava sempre conversando, fazia amizades por todo lado, sempre brincalhão. Uma pessoa que qualquer um gostaria ter por perto.

O que eu também não podia negar era que provavelmente ele seria um ótimo cara para se relacionar. A forma como ele me tratava e como cuidava de mim, mesmo sendo somente amigos, era incrível. Era impossível eu me sentir mal quando ele estava por perto. Não conseguia tirar da cabeça que talvez fosse ele o meu próximo passo, ao mesmo tempo em que sabia que ainda não tinha tais sentimentos por ele.

Rodrigo acabou vencendo a discussão e já passava das 23h quando chegamos na tal boate que ele tanto queria ir. Eu realmente não tinha muita disposição para saídas noturnas como há alguns anos atrás, mas ainda assim era bom poder estar em um ambiente como aquele novamente, mesmo por uma noite.

A música tocava alta e o lugar estava relativamente cheio, mas nada muito incômodo. Também não era um lugar lotado de jovens loucos e bêbados; o público ali era da minha própria faixa etária. Estava sendo bem agradável sair depois de tantos anos.

Quando foi que você esteve em uma boate pela última vez?— Rodrigo perguntou ao pé do meu ouvido, percebendo que eu não estava tão familiarizada com tudo, enquanto esperava por nossas bebidas que ele havia acabado de pedir ao barman.

Ah, acho que antes de ficar grávida da Julia. Poncho e eu ainda saíamos algumas vezes depois que nos casamos.— respondi, dando um sorriso torto.

Pois então vamos aproveitar essa noite.— ele me entregou minha bebida, um coquetel que eu não consegui identificar, e brindamos, antes de termos o álcool descendo queimando em nossas gargantas.

Depois de umas duas bebidas, já estávamos bem soltinhos. Não demorou muito para Rodrigo me arrastar para a pista de dança, logo quando começou a tocar reggaeton, um ritmo que eu não conseguia ficar parada.

Comecei a dançar ao ritmo da batida que ecoava por todo o local, tão alta que eu não conseguia nem ouvir meus próprios pensamentos. Deixei meus instintos me guiarem naquela dança enquanto meu corpo era invadido por aquele som que conseguia fazer todo o meu corpo se remexer.

Rodrigo continuava dançando na minha frente e eu sentia meu corpo ficar cada vez mais quente com aquela mistura de reggaeton mais o álcool que já percorria o meu sangue. Me virei de costas para ele, jogando meus cabelos para trás, enquanto rebolava a cintura de um lado para o outro. Olhei por cima do ombro e ele estava mais próximo, me olhando meio embasbacado. Sorri, mordendo meu lábio inferior ao pensar em como seria beijar novamente aquela boca - provavelmente efeito do álcool, o que não me impediu em nada de continuar.

Voltei a ficar de frente para ele, puxando-o pela camisa, fazendo sua cintura se encaixar na minha. Acabei pegando-o um pouco de surpresa, mas logo seu ritmo se convergiu ao meu e nossos corpos começaram a se mover em sintonia. Ele me segurou pela cintura com firmeza e eu subi minhas mãos pelo seu peito enquanto dançávamos. Nossos rostos estavam próximos o suficiente para que eu sentisse sua respiração quente sobre a minha pele.

Elevei minhas mãos para os seus ombros, jogando meus braços ao redor do seu pescoço em seguida, aumentando ainda mais a nossa proximidade. Nossos olhares se encontraram e eu senti um arrepio percorrer minha espinha, desviando e mordendo meu lábio inferior novamente. Ele se aproveitou para colar mais nossos corpos, enquanto eu poderia jurar que meu corpo iria entrar em combustão a qualquer momento.

Dulce...— ele murmurou no meu ouvido e eu pude sentir sua respiração em meu pescoço.

Voltei a encara-lo e o inevitável aconteceu. Como um imã, nossos lábios se encaixaram, iniciando um beijo quente que tanto ansiávamos. Aninhei minhas mãos em seu cabelo enquanto eu sentia sua mão subindo e descendo em minhas costas. Nossas línguas já se encontravam em uma dança tão gostosa quanto aquela que nossos corpos faziam.

Aquela noite estava longe de terminar.

~

Pela quantidade de álcool que bebemos, eu não faço a mínima ideia de como conseguimos chegar ao hotel naquela noite. Na verdade, não só pelo álcool, mas também pelo fogo que emanava de ambos, fazendo com que fosse quase impossível que tirássemos nossas mãos um do outro. Eu estava totalmente fora de mim.

Depois de demorar um certo tempo para achar a chave, finalmente conseguimos entrar no quarto. Rodrigo buscava meus lábios desesperadamente, fechando a porta com os pés, enquanto eu jogava minha bolsa em algum canto do quarto. Quando me dei conta, já estávamos jogados na cama, trocando beijos e carícias mais intensas.

Lembro de murmurar alguma coisa bem estúpida sobre o que estava acontecendo ali, fazendo os beijos dele em meu pescoço cessarem em uma gargalhada. Ele caiu ao meu lado, ainda rindo, me fazendo resmungar por ter interrompido os beijos.

Rod... volta.— me virei de lado, totalmente desajeitada, jogando meu braço em cima do seu peito, puxando-o pela gola da camisa. – Vem aqui me beijar de novo.

Eu não sei se gosto mais de você sóbria ou bêbada.— ele respondeu com a voz arrastada, me puxando em seguida para cima de si.

Apoiei uma mão sobre o seu peitoral, observando seu sorriso bobo, enquanto eu colocava uma mexa do meu cabelo atrás da orelha. Ele levou suas mãos para as minhas coxas e eu aproximei mais meu rosto do seu, tentando impedir que meu cabelo caísse na cara dele.

Ele riu das minhas tentativas frustradas de lidar com meu próprio cabelo e levou uma de suas mãos ao meu rosto. Colocou outra mexa que caía atrás da minha orelha e me puxou para um beijo calmo, subindo a outra mão pela lateral do meu corpo.

Logo senti sua língua pedindo espaço e imediatamente deixei que encontrasse a minha, que também buscava aquele contato. O beijo começava a tomar mais ritmo, aumentando a temperatura, deixando de lado a tranquilidade com que havia começado.

Suas mãos já haviam descido novamente pelo meu corpo e logo senti suas carícias começarem a subir por debaixo do meu vestido. Suspirei, afastando um pouco nossos lábios a fim de puxar um pouco de ar e ele aproveitou para se virar, voltando a ficar por cima de mim.

Como que em um choque de realidade, uma onda de culpa me bateu em cheio quando ele tentou buscar novamente meus lábios, fazendo com que eu levasse minhas mãos ao seu peito, impedindo-o.

Rod...— minha respiração era acelerada e eu ainda tinha um pouco de dificuldade para recuperar o fôlego depois de nosso beijo.

O que foi?— ele me olhou, segurando uma das minhas mãos que ainda estavam em seu peito, acariciando-a.

É melhor irmos com calma.

Ele sorriu, aproximando seu rosto e depositando um beijo no topo da minha cabeça, para então se deitar ao meu lado.

Desculpa.— murmurei, respirando fundo e fechando os olhos.

Relaxa, Dul.— ele afastou minha franja que caía em meus olhos. – Não tem problema.

É só que é tudo tão recente e...— bufei, um pouco irritada, levando as mãos ao rosto.

Você não precisa se explicar.

~

Acordei com o som irritante do toque do meu celular que tocava insistentemente. Tateei o criado mudo em busca do mesmo, mas acabei esbarrando nele e o levando ao chão. Bufei, me arrastando para a beirada da cama e me sentando logo em seguida, sentindo então uma pontada e me lembrando da dor de cabeça terrível que eu estava. Que diabos estava acontecendo para alguém me ligar tão cedo?

Peguei o celular e vi a foto de Poncho no visor, me fazendo suspirar.

Bueno?

Te acordei?

Olhei ao redor do quarto, um tanto quanto perdida. Parecia que algo estava faltando.

Considerando que deve ser umas sete da manhã, sim.— respondi, mal humorada, e Poncho riu do outro lado da linha, me deixando um pouco confusa. – O que foi?

Dulce, são duas da tarde.

Rodrigo. Era Rodrigo que estava faltando naquele quarto. Respirei fundo, sentindo ainda mais minha cabeça latejando, enquanto não conseguia encontrar um sinal do homem que deveria ter passado a noite ali.

Ah...— murmurei.

Você está bem?

Sim, só estou com dor de cabeça. Mas enfim, aconteceu algo?

Não. Eu só queria saber se posso passar aí mais tarde. Sei que é sábado e você deve estar planejando algo para fazer, mas é o único dia de folga que tenho essa semana.

Tudo bem, Poncho. Na verdade, acho que não tenho nenhum plano para hoje, além de dormir o dia inteiro.

Ressaca? — ele deu uma leve risada e eu fiquei irritada por ele me conhecer tão bem.

Sim. Mas que horas você vem, afinal? — desconversei, fazendo com que sua risada cessasse.

Acredito que a noite... umas 21h?

OK.

Bom... tudo bem, então. Hasta luego, Dulce.

Desliguei sem nem ao menos me despedir, jogando o celular sobre a cama. Levei as mãos ao rosto, incomodada com a dor de cabeça e tentei me lembrar da noite anterior. Pouca coisa me veio à mente.

Lembrei de ter voltado para o quarto, do clima esquentando e do meu recuo frente às investidas de Rodrigo. Depois disso, nada. Não sabia se Rodrigo havia passado a noite ali ou se havia ido embora logo depois.

Respirei fundo e me levantei, decidida a ir tomar um banho. Antes, liguei para a recepção do hotel para pedir um remédio para a dor de cabeça. Pedi que deixassem na porta do quarto, já imaginando que o banho seria longo.

Abri o zíper do vestido e deixei que o mesmo deslizasse pelos meus ombros até cair sobre os meus pés. Fui em direção ao banheiro, onde me desfiz das duas últimas peças de roupa. Abri o chuveiro, deixando com que a água quente caísse pelos meus ombros, antes de molhar os cabelos. Respirei fundo, pensando no que havia acontecido na noite anterior. Eu havia perdido completamente a cabeça?

Finalmente tinha acontecido algo entre Rodrigo e eu, mas eu não conseguia evitar me sentir estranha. Aquilo parecia tão errado e eu não conseguia parar de me lembrar de Poncho e de toda a confusão de nossas vidas. Será que já era hora de dar esse passo? Existe uma regra de quanto tempo temos que esperar antes de nos aventurarmos nesse mundo novamente? Eu realmente precisava passar por isso?

Eu gostava de Rodrigo. Talvez eu quisesse estar com ele. Minha família inteira queria que eu estivesse com ele. Ele me fazia tão bem. Então por que eu me sentia tão culpada?

Eu sabia que meus sentimentos por Alfonso não seriam fáceis de ir embora e que na verdade existia uma grande possibilidade deles nunca desaparecerem. Mas desde o começo, enfiei na cabeça de que deveria. Deveria seguir em frente, deveria me permitir amar e ser amada, deveria me dar uma nova chance. E Rodrigo parecia a pessoa perfeita para isso.

É. Acho que era isso o que eu faria. Afinal, o que de tão ruim poderia acontecer caso trocássemos alguns beijos de vez em quando?

~

Depois do banho, tomei o remédio para a dor de cabeça e me deitei, sem muito estômago para comer. Já passava das 18h quando finalmente criei coragem de pedir alguma coisa para comer.

Enquanto esperava pela comida, decidi ligar para os meus pais a fim de saber como Julia estava. Não consegui falar com ela, pois o senhor Fernando havia a levado para passear, o que me deixou um pouco cabisbaixa. Fazia um tempinho que não falava com a minha pequena, com toda a correria que estava vivendo naquela semana em LA.

Conversei um pouco com a minha mãe e ela acabou me perguntando como estavam as coisas com Rodrigo. Desconversei, puxando o assunto para as gravações do CD, mas eu sabia que quando voltasse para o México, não escaparia. Às vezes eu sentia uma certa ansiedade por parte dela que queria que eu desse uma chance a ele logo e deixasse Poncho no passado de uma vez por todas.

Pouco depois que desliguei o telefone, ouvi uma batida na porta. Me levantei correndo, meio desajeitada, achando que era minha comida, mas tive uma surpresa.

Rod?— ele estava parado na porta, os cabelos molhados, com uma roupa bem casual – bermuda e camiseta.

Oi Dul.— ele sorriu, tranquilo, e eu dei passagem para que ele passasse.

Você sumiu...— falei meio receosa, enfiando as mãos nos bolsos da calça de moletom.

Ah, você não viu meu bilhete?— ele perguntou surpreso e eu neguei com a cabeça. – Oras, deve estar por aqui.— ele riu, dando a volta na cama e se abaixando por um instante. – Aqui.— ele se levantou, me entregando um papel com sua caligrafia. – Acho que você derrubou enquanto dormia.— ele riu. – Mas eu tinha uma reunião na hora do almoço e precisava ajeitar algumas coisas e não queria te acordar.

Então você passou a noite aqui.— afirmei, enquanto lia o bilhete.

Você não se lembra?— ele riu novamente e eu subi meu olhar, o encarando confusa.

Não muito.

Você começou a falar sobre o quanto estava recente todo o seu divórcio e tal, mas que queria que eu passasse a noite aqui. E depois caiu no sono enquanto conversávamos.

Não creio!— levei a mão à boca, chocada, e comecei a rir em seguida. – Ai meu Deus, desculpa Rod!— senti minhas bochechas ruborizarem enquanto ele ria, negando com a cabeça.

Desculpa pelo o quê? Não aconteceu nada, Dul. Depois eu acabei apagando também. E foi isso.

Nos encaramos por um tempo, meio desajeitados, quando Rodrigo quebrou o silêncio.

Vamos jantar?— ele perguntou, um pouco sem graça.

Eu acabei de pedir comida.— respondi, fazendo uma cara de “ops”.

Liga lá e cancela. Eu estou te devendo o melhor sushi da cidade, não estou?— ele sorriu.

E o melhor sorvete.— retribui o sorriso.

O que você quiser.— ele deu uma piscadela, me fazendo rir.

~

Você não quer conversar sobre o que rolou ontem?— Rodrigo perguntou, enquanto caminhávamos tomando nossos sorvetes.

Acho que sim...— murmurei, um pouco sem graça, o fazendo rir.

Agora você é tímida, né?— ele provocou, me lembrando do meu assanhamento na noite passada e me fazendo querer enfiar a cabeça no primeiro bueiro que avistássemos.

Eu estava louca de álcool, por favor, releve.— tentei ficar tranquila mas já sentia o rubor tomar conta de mim.

Então quer dizer que foi tudo efeito do álcool? — ele parou de caminhar, ficando de frente pra mim.

Sim... — ele arqueou as sobrancelhas. – Não, não assim... ai, é complicado. Digo, o álcool foi responsável pelo atrevimento, mas... Não é como se eu nunca tivesse pensado nisso... — observei um sorriso começar a se abrir em seus lábios.

Você já pensou nisso?

Bom... — desviei meu olhar do dele, respirando fundo. – A verdade é que sim. Você é um cara incrível Rod, mas... minha vida é tão complicada! As coisas estão começando a se acertar agora... e eu estou tentando recomeçar, entende?

Posso ser parte desse seu recomeço?— ele perguntou, segurando minha mão e se aproximando mais.

Rod...— dei uma leve risada pelo seu gesto galanteador, o fazendo rir também. – Quem sabe? — sorri, acariciando sua mão que segurava a minha. – Vamos ver no que dá...

Sem pressão.— ele falou baixo, aproximando seu rosto do meu.

Sem pressão.— repeti, antes que ele selasse nossos lábios.

Um passo de cada vez.

~

Quando voltamos para o hotel naquela noite já era quase 21h. Conversávamos animados enquanto subíamos para o meu quarto. Animados até demais.

Acho que as pessoas não gostam de barulho por aqui.— ele disse enquanto passávamos por um casal de cara fechada enquanto caminhávamos pelo corredor em direção ao meu quarto.

Talvez porque já seja um pouco tarde.— respondi, abaixando o volume da voz.

Não são nem 22h ainda, por Dios!— ele exclamou, me tirando uma risada.

Demos mais alguns passos e chegamos em frente ao meu quarto. Eu me encostei na porta, olhando para ele, mordiscando meu lábio inferior, tentando segurar um sorriso.

Obrigada pelo jantar. E pelo o sorvete.

Obrigado pela noite.

Nos vemos amanhã?

Almoço?

Uhum.— murmurei, dando um sorriso tímido.

Pois então, já me vou.— ele deu uma leve risada, aproximando seu rosto do meu, enquanto levava as mãos à minha cintura.

Ele tentou me dar um beijo na bochecha, mas acabei virando o rosto e ele acertou o canto da minha boca. Ele abriu um sorriso que eu logo retribui, nossos olhares se encontrando, como que consentindo o que estava por vir.

Ele moveu o rosto alguns centímetros para a direita e eu senti seus lábios nos meus, quando fechamos os olhos e começamos um beijo lento. Passei meus braços ao redor do seu pescoço, colando mais nossos corpos e ignorando totalmente a presença de alguns hóspedes que passavam por ali.

Dulce?— ouvi aquela voz rouca, tão familiar e imediatamente afastei Rodrigo, sem conseguir acreditar que aquilo estava acontecendo.

Poncho?— respondi, conseguindo finalmente vê-lo depois que Rodrigo se afastou para o lado.

Eu só vim te entregar as coisas que você pediu.— ele tinha o olhar perdido com uma expressão de decepção no rosto que fez meu coração apertar.

Poncho...— eu estava sem palavras. Eu deveria me explicar? Deveria fingir que nada estava acontecendo?

Aqui está seu violão.— ele tirou o grande instrumento das costas e o colocou em pé, encostado na parede. – E essas são as outras coisas que você pediu.— ele deixou uma mala ao lado do violão.

Obrigada...— murmurei, sentindo meu coração acelerado e começando a sentir uma falta de ar.

Esses aqui são os documentos que preciso que você assine.— ele falava rápido, ansioso para sair daquele lugar que eu tenho certeza que o sufocava tanto quanto estava me sufocando naquele momento.

Eu vou pegar uma caneta... — respondi, pegando o envelope que ele me entregava e abrindo a porta do quarto.

Havia esquecido completamente que Poncho tinha ficado de passar no hotel hoje. Entrei no quarto, em busca da maldita caneta, tentando puxar a maior quantidade de ar possível, mas parecia que eu precisava de um tanque de oxigênio naquele momento.

Poncho jamais me perdoaria. Ele iria me odiar pelo resto da vida. Meu Deus, como eu pude fazer isso com ele?

Quando finalmente achei uma caneta, peguei os papéis sem me importar de lê-los; naquele momento eu só queria que tudo terminasse logo. Com uma certa dificuldade devido as mãos trêmulas, consegui assinar todos e voei de volta para fora do quarto, só para descobrir que ele já não estava mais ali.

Ele disse para você pedir para alguém entregar os documentos depois, pois estava com pressa.— Rodrigo respondeu ao ver minha cara de interrogação.

Eu respirei fundo, indo em direção ao elevador. Precisava alcança-lo. Precisava falar com ele. Precisava saber que ele não me odiava.

Quando o elevador abriu no térreo, vi sua silhueta saindo pela grande porta de vidro. Apertei o passo, atravessando aquele hall que parecia não ter fim. Passei pela porta, saindo do prédio um pouco perdida, tentando ver para onde ele havia ido. O farol de um carro que acabava de dar partida à alguns metros dali chamou minha atenção e eu reconheci que era o dele. Corri até lá, chamando por seu nome e tive que praticamente me jogar na frente dele para que ele não fosse embora.

Poncho!— coloquei as mãos no capô, um pouco sem ar e ele se assustou.

Dulce? O que está fazendo aqui? Eu disse que...

Eu sei o que você disse. Mas eu queria falar com você.

Ele abriu a porta do carro, saindo dele um pouco relutante. Eu me aproximei dele, estendendo-lhe o envelope.

Poncho...— senti um nó na garganta se formando enquanto eu falava. – Eu só queria dizer que... entre eu e o Rodrigo...

Eu não me importo.— ele respondeu, tentando parecer frio.

Poncho, eu...— tentei falar novamente, mas ele me cortou.

Sério, Dulce. Não é da minha conta.— sua rispidez foi como uma facada em meu peito. – Isso aqui era a última coisa que tínhamos juntos.— ele disse, balançando o envelope. — Agora somos apenas pais da Julia.

Não faz assim...— eu disse em um sussurro, a voz já completamente embargada.

Eu preciso ir. Boa noite.

Em poucos segundos ele entrou no carro, fechando a porta com força e arrancando, me deixando plantada na calçada. Uma Dulce um tanto quanto desolada, com um turbilhão de sentimentos percorrendo todo o seu ser e uma confusão inigualável na mente.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.