Camila e Thomas caminharam pelos longos corredores, entrando diversas vezes em portas aleatórias, mas ainda sem sinal da mais nova. O silencio a estava incomodando um pouco e ela se pegou olhando de tempos em tempos para o garoto ao seu lado. Thomas por sua vez tentava buscar coragem para começar alguma conversa, até que seu olhar desceu para o pescoço da garota.

— Onde você conseguiu isso? — Ele apontou para o cordão, chamando a atenção dela.

— O que? – Lembrou-se então que estava com o pingente de lua – Ah, eu... Achei. —Ela respondeu desconfortável — Por quê?

— Nada, ele só me parece familiar. Acho que eu já vi em algum dos meus livros. — O garoto estendeu a mão quase o tocando — Será que eu poderia dar uma olhada?

— Não! — Camila quase que automaticamente colocou a mão por cima do pingente para protegê-lo da mão do garoto — Digo, eu não vejo por quê. É só um colar bobo. Nem deve ser prata de verdade.

— Oh, tudo bem. De qualquer forma, depois que acharmos sua amiga, sabe, se você quiser, nós podemos subir até o meu quarto. Você pode procurar sobre ele nos meus livros. Eu tenho quase certeza que já li algo sobre um cordão muito parecido.

— Subir pro seu quarto? Eu acabei de conhecer, garoto! — Ela perguntou incrédula — E sério? Uau, eu aqui pensando que você tinha vindo oferecer ajuda porque minha amiga sumiu e você me vem com isso. Me diz, realmente achou que essa cantada bizarra ia funcionar?

— Hãn? O quê? — Ele pareceu confuso por alguns segundos, mas, quando percebeu o que a garota entendera de sua proposta, corou violentamente — Não! Quero dizer, sério, não! Eu realmente quis dizer apenas olhar os livros. A menos que você queira fazer outra coisa, talvez? — Ela o lançou um olhar chocado — Como ver um filme! Ou, não sei... Argh! Eu acho melhor eu só calar a boca e continuarmos procurando. – Terminou envergonhado, as bochechas ainda vermelhas e baixando os olhos para o chão.

— Você não leva muito jeito com pessoas, né? — Perguntou, sentindo-se meio mal por ter assumido aquilo do garoto, mas rindo levemente.

— Nem um pouco.

— Eu notei. E relaxa. De qualquer forma, nós não vamos ficar aqui por muito tempo. Assim que eu a achar, nós vamos embora. Sei lá, ligar para a polícia e dizer que tem uma mulher louca que se diz bruxa e sequestra criancinhas.

— Eu não acho uma boa ideia. Se vocês saírem, principalmente se contarem para mais pessoas sobre esse lugar, eles com certeza irão ir atrás de vocês. Vocês não teriam um segundo de paz.

— Quem iria atrás da gente?

— Os caçadores de bruxas. Eles não ousariam entrar aqui, mas vocês sozinhas lá fora? Com todo mundo sabendo que foram convocadas para cá? Não teriam chance. Além disso, vocês poderiam machucar alguém sem o treinamento necessário.

— Caçadores de bruxas? Ah não, por favor, me diz que você não realmente acredita nessa bobagem.

— Não é bobagem! Olha, eu sei que é muita coisa para processar, todos nós passamos pela fase de negação, mas acredite, isso tudo é muito real.

Camila parou, virando-se de frente para ele. Ela tinha que levantar levemente a cabeça para que conseguisse olhar nos olhos do garoto, graças à diferença de altura, mas, pelo que ela percebia, ele não estava mentindo. O olhar dele parecia sincero. Droga! Por que justo o cara bonitinho tinha que ser um psicopata maluco?

— Certo então, se isso é mesmo verdade, faça uma mágica.

— O quê? — Ele virou a cabeça um pouco de lado parecendo muito como um filhotinho confuso. Foco, Camila!

— Você ouviu. Se você quer que eu acredite, vai ter que me provar. Ora, se você é um bruxo, faça um abracadabra, ou seja lá o que vocês fazem.

— Oh, é, bem, realmente cada um aqui tem uma magia própria. — O garoto riu nervosamente — Você deveria ver o que o Jack faz quando neva! Aquele garoto vai longe.

— Mas...?

— Bem, — Ele suspirou — Digamos que esse “abracadabra”, como você disse, tenha pulado uma geração na minha família. Meu pai não teria hesitado em te mostrar algum truque, mas, bem, eu não tive tanta sorte.

— Sorte? Se você não tem nada de diferente, por que está aqui então?

— Porque eu ainda sei de algumas coisas. Mas toda a magia que sei eu aprendo com os livros. Sabe, poções, encantamentos, essas coisas. E antes que você pergunte, não, eu não uso uma varinha. É tão irritante como os humanos normais acham que nós somos iguais àqueles livros fictícios.

— Então você é um bruxo que não pode me provar que é bruxo? Que conveniente.

— Olha, você não tem ideia do quanto falar sobre isso é constrangedor pra mim. Sério, se você for me zoar, vá em frente. Mas eu realmente estou falando a verdade. — Ele cuspiu as palavras ajeitando os óculos com o indicador. Ela não sabia exatamente por que, mas aquilo a fez sentir-se extremamente mal pelo outro.

— Me desculpa. Você tem razão. Isso é muito pra processar. Deus, eu só quero sair daqui. Desculpa se eu te ofendi ou algo assim.

— Tudo bem. — O bruxo deu um sorriso de canto — Mas e quanto a você?

— E quanto a mim o quê?

— Seu poder. O que você faz?

— O que? Nada! Eu já disse. Eu não sou uma... O que quer que vocês sejam.

— Mas é claro que tem. Você não estaria aqui se não tivesse. Qual é, vai dizer que nunca aconteceu algo estranho ou diferente com você? Algo que você nunca pode explicar?

Camila não teve tempo de pensar em uma resposta. Antes mesmo que ela mentisse dizendo que nunca havia se sentido diferente, uma mão cutucou seu ombro e a virou. Camy ainda tinha as marcas de algumas lagrimas pelas bochechas, mas sorria de lado como se não estivesse mais realmente tão preocupada assim. Atrás dela, Jack vinha com um livro aberto lendo em voz alta as palavras da pagina marcada. Ele quase tropeçou algumas vezes na barra das vestes preta que ainda usava, mas conseguiu parar ao lado da amiga.

— Grande amiga você hein. Jack disse que vocês dois saíram há quase meia hora pra me procurar. Vai me explicar como que ele conseguiu me achar em cinco minutos e você não? — A mais nova perguntou em tom de brincadeira.

— Graças a Deus Camy! Nunca mais suma assim, me ouviu? Quase nos matou do coração. — Repreendeu.

— Ai Mila, sermão agora não. Eu precisava de um tempo pra entender algumas coisas. Vocês não precisavam ter ido feito loucos atrás de mim!

— Certo, certo. Escuta, nós temos que sair desse lugar. Isso aqui é um manicômio. — Thomas e Jack olharam para Camila com as sobrancelhas arqueadas — Desculpa garotos, eu não quis dizer que vocês são loucos. — Disse Camila meio perdida — O ponto é que temos que ir embora logo.

— Eu acho que devemos ficar aqui. — Camy a interrompeu — O Jack tava me explicando umas coisas e eu não quero ter que viver me escondendo, muito menos machucar alguém.

— Por favor, você também? Camy, você não acredita nessa historia, acredita? — Camila perguntou triste.

— Eu... Tem muitas coisas que nós não sabemos, Mila. Nós somos diferentes dos outros. Você sabe disso. Você nunca vai poder ser como os outros seus amigos, você nunca foi como eles.

— Bom, eu posso ajudar vocês. — Comentou Jack com um sorriso — Eu fui o mais novo a conseguir controlar os poderes! A diretora Lana disse que eu tenho muito... Qual era a palavra, Thommy?

— Potencial. — O mais velho completou — E ela tem razão. Não me lembro de ter lido sobre nenhum outro bruxo da sua idade com as mesmas capacidades.

— Vamos Mila! É a nossa chance de entender tudo! Você sempre quis saber da onde viam aqueles suas dores de cabeça!

— Eu... Eu não sei, Camy. Tá, talvez eu esteja um pouco curiosa, mas nós temos que pensar. Além disso, a Leticia... — Então Camila parou e colocou a mão tapando a boca. Deus, como ela pode ter se esquecido da amiga assim? Ela a deixara tremendo em uma sala cheia de desconhecidos — Meu Deus Camy! Jack, qual o caminho de volta para a diretoria?

Os quatro correram em direção à sala em que Letícia estava. Assim que abriram a porta, sentiram o ar abafado. As luzes estavam fracas e alguns livros haviam caído das prateleiras. Leticia estava sentada na ponta do sofá, o canto mais longe o possível da mesa da diretora, que ainda parecia calma com um sorrisinho divertido nos lábios. A garota não estava mais com cara de pânico ou tremendo, mas olhava fixamente para as próprias mãos. Assim que ela percebera que as duas amigas estavam de volta, ergueu a cabeça.

— Eu não posso ir. Acreditem, eu quero, mas... — Ela balançou a cabeça como se para espantar algum pensamento — Nunca mais. — Sussurrou.

— Você tem certeza? — Camila perguntou confusa — O que diabos ela disse que te fez mudar de ideia? — A do meio respirou fundo e, quase que em sincronia, mais livros caíram. Pelo canto do olho, ela percebeu Lana aumentar o sorriso.

— Não importa. — A morena respondeu ríspida e uma das lâmpadas do cômodo estourou no exato momento em que ela terminou a frase — Meus problemas não dizem respeito a vocês. Façam o que quiserem, eu vou ficar.

Camy e Camila se entreolharam e deram de ombros, já acostumadas com as grosserias da outra. Mesmo que elas não quisessem admitir, havia algo diferente na vida das três. Sempre houve. Se aquela era a única oportunidade que elas teriam para compreender suas vidas, bem, recusar não era uma opção.

— Muito bem, agora que já acabamos com o melodrama de vocês, por que não vão conhecer os aposentos? Thomas, leve a Camila até o quarto dela. Será no mesmo andar que o seu. Aline, querida, se puder fazer o mesmo com a pequena Camy. Oh, e Sarah, por favor, cuide dos aposentos da Leticia, sim? O pequeno Jack e eu vamos arrumar a bagunça que a senhorita nervosinha fez no meu escritório. Tenham certeza de prepara-las para as aulas de amanha também. Estão liberados pelo resto do dia.

Depois que os seis saíram, Jack começou rapidamente a guardar os livros, tomando cuidado para não pisar nos estilhaços que a lâmpada quebrada deixara. Antes que a diretora se agachasse para pegar o primeiro livro, no entanto, Ashley entrou no escritório como um furacão.

A roupa curta estava amassada e cabelo solto grudava um pouco no batom chamativo que usava. Ela carregava algumas sacolas de roupa e respirava com dificuldade.

— Lana, tenho uma péssimas notícias. Parece que o clã inimigo ao nosso se juntou com os caçadores de bruxas. Eu ouvi o encontro de um deles no beco ao lado do shopping. Eles querem destruir o Instituto. De novo — disse Ashley afobada, porém irônica. Lana ficou parada por alguns minutos e depois apenas concordou sem palavras, voltando a arrumar em seguida — Ótimo — Comentou a garota em um sussurro para o mais novo — Parece que temos que botar umas vadias pra correr.