Instinto

Amor Verdadeiro


As velas tremulavam silenciosamente quando Yuuka Okkotsu passou por elas. No fim do corretor, escondidos pelas sombras, estavam os monstros sem rosto da Sociedade Jujutsu.

Abaixar a cabeça para aquelas pessoas nunca tinha tido um gosto tão amargo. Yuuta não era uma pessoa que gostava de conflitos, nem que se irritava facilmente. Mas aquelas pessoas, que se escondiam atrás das paredes de papel, o enojava. O alto escalão ladrava ordens e esperava que as formiguinhas chamadas de feiticeiros jujutsu as cumprissem.

Satoru Gojo havia falado sobre uma reforma, vinda de baixo para cima. Uma nova geração dourada, educada o suficiente para não ser um grupo de sociopatas e forte o suficiente para nunca abandonar um amigo. Satoru Gojo foi selado e declarado um criminoso.

Eles tinham apenas Yuuta.

— Muito obrigado pelo seu trabalho duro, Okkotsu. – Um dos velhos piou.

— Sim, é ótimo saber que temos um Grau Especial com o qual podemos contar. – Outro dos velhos concordou. – Mas ainda é difícil definir sua lealdade por completo, Okkotsu. Deve entender, já que é um aluno do Gojo. Por isso te chamamos para essa reunião.

— Vocês querem que eu faça um voto de restrição. – Yuuta deixou o comentário pairar por alguns momentos. – Certo?

— Gostaríamos de sua cooperação com isso, Okkotsu. Afinal de contas, você se recusa a explicar o que Gojo mandou fazer no exterior, e o que vamos te pedir é de extrema importância para a sociedade como um todo.

— Sim, estão certos. O que prometerei é importante para um dos feiticeiros jujutsu que ainda estão vivos. – Yuuta respirou fundo e levantou a cabeça.

Quando era Yuuta a quem foi dado a ordem de execução, Gojo havia ficado do seu lado. Havia dito que se quisessem encostar em Yuuta, teriam que passar por ele. Yuuta queria ter uma motivação nobre assim, também. Queria pensar que a razão pela qual ele estava ali agora, era porque Itadori Yuuji era importante para aqueles que Yuuta amava.

Não era nem de perto a razão pela qual Yuuta havia se colocado naquela situação. Ele havia matado tantos espíritos, apenas para ter essa única reunião, como todos os membro do Alto Escalão reunidos.

— Por isso eu prometo, com minha vida como colateral. – Yuuta deixou sua energia amaldiçoada esmagadora fluir, Rika cintilando em sua sombra. – Que nenhum membro do Alto Escalão presente aqui vai conseguir fugir de mim. Venha, Rika.

O Professor Gojo queria criar um mundo onde lixos como aqueles em sua frente não existiam, garantindo que nenhum aluno crescesse para ser um lixo. Yuuta iria criar o mundo que Gojo queria, tirando o lixo que já existia, de uma forma um pouco mais radical. Um mundo onde pessoas como Maki teriam uma chance.

Yuuta Okkotsu era o feiticeiro mais forte da atualidade, com Gojo selado. O Alto Escalão ladrava muito bem, e gritava mais ainda, como Yuuta veio a descobrir. Eram todos feiticeiros medíocres, mesmo que gritassem nomes famosos como se agora isso importasse. Quando Yuuta terminasse, a Sociedade Jujutsu inteira não seria mais a mesma.

Só haviam corpos, pelo amanhecer. O que ele havia prometido mesmo? Ah, sim. Ficar de olho em todo estudante do primeiro ano, principalmente Itadori. Isso para o Professor Gojo. Para a Maki…

Onde ficava o Clã Zen’in?

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O corpo de Maki foi sepultado pouco tempo depois de Shibuya. Mai nem mesmo havia conseguido participar do funeral, exausta e machucada de sua luta por sobrevivência em Shibuya. O Clã não permitiu que Mai se despedisse de sua irmã, a enterrando em lugar isolado, com uma lápide simples que mal revelava seu nome. Enterrada como a criança indesejada que era.

Ao contrário da despedida fria que Maki havia recebido, desde que Mai havia acordado dentro das paredes do Clã, ela estava sendo tratada como um milagre. Ogi estava ao seu lado, quando ele acordou. Ele sorriu e acariciou a cabeça de Mai, falando o quão feliz ele estava que ela havia sobrevivido. A mãe de Mai mal a olhava, mantendo os olhos plantados no chão. Haviam serviçais acompanhando Mai, sempre que ela saia do quarto, mesmo que fosse apenas para olhar o jardim.

— Como uma filha do Clã Zen’in, é o cuidado que você merece, Mai. – Ogi havia afirmado, durante um jantar entre os dois. Em todos os 16 anos de vida de Mai, Ogi nunca havia se sentado para comer com nenhuma de suas filhas.

Se Maki tivesse sido aquela a sobreviver, ela teria sido tratada assim, também? Mai sabia há muito tempo que ela estava atrasando Maki em seu caminho como uma feiticeira jujutsu. Dentre as duas, Maki era a forte e que liderava sempre na frente, e Mai era quem a seguia, sempre paralisada pelo medo.

Essa adoração pela percebida “força” que Mai tinha deveria ter sido de Maki. Mai nunca deveria ter nascido, para começo de conversa. Ela era a mais jovem, ela era a filha indesejada. Ela era o fardo, não o contrário.

Eles não permitiram que Mai visitasse o túmulo de Maki. Todos os corpos enterrados no cemitério dos Zen’in estavam sendo escavados e incinerados, por conta de Toji Zen’in ter voltado a vida, de uma forma ou de outra. O Alto Escalão havia multado o Clã com uma bela dívida, por esse erro na segurança. Maki provavelmente já tinha sido cremada, mas até que o cemitério fosse completamente convertido em crematório, Mai não poderia a visitar.

O tanto de energia amaldiçoada que Mai estava conseguindo manipular era aterrorizante. Era como tentar segurar um oceano quando Mai só tinha um copo, e mesmo assim, funcionava. Antes Mai tinha sorte se conseguia fazer duas balas por dia e ontem mesmo, Mai havia feito armas amaldiçoadas para todos os membros do Hei.

— Essas armas são de ótima qualidade, Mai-chan! É um enorme presente para as nossas forças. – Ranta havia agradecido, com um sorriso amigável.

— Até que dão pro gasto. – Naoya havia pego uma das katanas, a examinando. – Mas é uma vergonha que algum membro do Hei precise de armas amaldiçoadas para lutar. O que somos, selvagens? Feiticeiros devem lutar com as suas técnicas! – O primo de Mai jogou a katana no chão, com um sorriso de lado. – Não é verdade, Mai? Por isso a Maki não servia como feiticeira. Mas e você? Consegue lutar com a sua técnica, ou virou só uma ferreira glorificada?

Naoya havia se aproximado até ficar corpo-a-corpo com Mai. Quando se tratava de Naoya, Mai não conseguia reagir. Seu corpo inteiro congelava e a reação embutida nela desde criança de nunca o olhar nos olhos acontecia. Naoya havia dado um riso satisfeito, confirmando algo para si mesmo.

— É verdade, que tolice a minha. A Mai sabe o seu lugar, não sabe? – Naoya a havia acariciado no rosto. – Você sabe que é uma mulher, e não uma “feiticeira jujutsu”. Que boa menina!

O primo de Mai havia saído, rindo baixinho. Ranta ficou em silêncio por alguns segundos, antes de se desculpar e seguir Naoya. Mai tinha se sentido aliviada, pois sabia que havia se safado com pouco. Naoya era capaz de coisas muito piores do que palavras hostis e toques inapropriados. A única bondade em Mai ter sobrevivido, e não Maki, era que Maki jamais saberia desse segredo.

Quando Naobito havia anunciado para o Clã inteiro que eles não iriam atrás de Toji e que a partir daquele momento, Toji Zen’in era um dos criminosos mais procurados da Sociedade Jujutsu, ninguém havia ficado mais revoltado que Naoya. O que era hilário, já que Toji era Maki, mas sem o peso de Mai nas costas. Mai tinha noção o suficiente para saber que comentar sobre isso não traria nada além de dor.

— Então vou eu mesmo atrás de Toji, já que o covarde do meu pai prefere varrer para debaixo do tapete. – Naoya havia proclamado. – Nós somos os Zen’in, nós somos a Sociedade Jujutsu. Um de nós, não importa se uma pária, ser considerado um criminoso é uma blasfêmia.

— Se você ir atrás do Toji, ele vai te encher de soco. – Naobito havia tentado avisar seu filho, porém foi muito lento. Naoya disparou de dentro do Clã, para as ruas de Tóquio. – Aah. Que bom que agora o herdeiro do Clã é o Megumi, ou isso daí seria um problema.

— Como é o assunto, tio? – Jinichi havia questionando, porém foi ignorado pelo líder do Clã, em favor da garrafa de bebida em sua única mão restante.

Foi pura sorte de Naoya, ou talvez puro azar, que Yuuta Okkotsu havia chegado aos portões do Clã Zen’in pouco mais de uma hora depois que ele já havia saído.

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Para uma família que se achava tanto quando o quesito era poder, Yuuta estava surpreso com o quão fraco os feiticeiros do Clã Zen’in eram.

Foi fácil entrar. Quando o perceberam chegar, alguns membros do Clã, que estavam de guarda, o abordaram. Eles haviam questionado: O que você veio fazer aqui?

— Vim visitar a Maki. – Yuuta havia dito.

Os guardas se entreolharam e disseram que Maki Zen’in estava morta e que ninguém tinha permissão para entrar no cemitério, nem mesmo membros do Clã. Eles estavam nervosos, passivos. Certamente sabiam quem ele era, embora Yuuta estivesse surpreso que ninguém havia ouvido falar sobre o massacre do Alto Escalão. Não que Yuuta tivesse deixado alguém vivo para espalhar a surpresa.

Os guardas pediram para que Yuuta se retirasse, se não tivesse mais assuntos a resolver com o Clã.

— Nesse caso, tenho sim. – Yuuta havia desembainhado sua katana. – Vim cumprir uma promessa.

Depois disso, era quase como se Yuuta tivesse desligado o cérebro. Nenhum pensamento se formava, além do zunindo em seus ouvidos. Era como se fossem feitos de papel. Yuuta cortou cada um deles, matando, retalhando. Yuuta Okkotsu teria soluçado ao pensar num massacre desses, antes.

— ORGANIZEM O HEI! CADÊ O VELHO BÊBADO, PORRA? – Um dos membros gritou. Logo depois, a cabeça dele estava rolando, então seu nome não importava.

— É Yuuta Okkotsu, um grau especial! Ataquem para matar, ou não teremos chance! – Um rapaz jovem, de rabo de cavalo, anunciou.

— Que ousadia a sua invadir o Clã Zen’in! Vai pagar por isso. – Um velho de longos cabelos presos em um rabo-de-cavalo e usando uma Katana ameaçou.

Um homem musculoso de cabelos longos e uma grande cicatriz no rosto apareceu, tentando acertar Yuuta com vários socos. Um outro velho, pequeno e sem dentes, controlou o chão para que palmas tentasse agarrar Yuuta, tentando o imobilizar, para que o musculoso o acertasse com mais facilidade. Era hilário, o desespero e o nível das habilidades dos feiticeiros daquele lugar. E todos eles se achavam melhor que Maki.

— Estão todos aqui…? – Yuuta perguntou, desviando facilmente dos ataques. – Todos os feiticeiros de 1º Grau?

Ninguém o respondeu, mas pela forma que o estavam cercando, organizados como uma matilha de lobos de frente a uma presa, era o suficiente para Yuuta.

— Yuuta Okkotsu! Qual é o significado disso? – O rapaz jovem de antes questionou.

— … Não tem mais significado, eu acho. – Yuuta respondeu. – Só estou cumprindo uma promessa que fiz a alguém muito querido.

Os homens murmuravam entre si. O rapaz jovem engoliu seco, olhando para Yuuta com pena. O resto parecia menos compreensível. Seria um ataque planejado do Clã Gojo? Alguns estavam teorizando. Aquelas pessoas não sabiam de nada mesmo.

— … Eu sinto muito. – O rapaz jovem falou.

O rapaz piscou e Yuuta sentiu seu corpo enrijecer. Uma técnica de paralisia? Que problema. O velho da katana usou alguma técnica que colocava fogo em sua espada, o musculoso da cicatriz o socaria de novo, e o velho banguela ergueu um punho de terra… Seria realmente um problema. Se Yuuta tivesse sozinho.

— Yuuta! – Rika esmagou o rapaz, liberando Yuuta bem a tempo de desviar de seus atacantes.

Um golpe era tudo que Yuuta precisava, contra aqueles aqui. Mas havia sido Maki quem primeiramente ensinou Yuuta a usar ferramentas amaldiçoadas, por isso, nada mais justo que todos eles morressem pela habilidade que ele havia herdado de Maki. Yuuta desembainhou a katana.

Os membros do Clã Zen’in caíram um por um. Nenhum deles tinha capacidade de acertar um golpe sequer no Grau Especial - cabeças caíram como se fossem gotas de chuva. O sangue da família de Maki escorria pela katana, manchando as mãos de Yuuta com o sangue que também havia sido dela. Que estava sendo derramado para ela.

Havia uma pilha de corpos rodeando Yuuta, no fim de tudo. Com os principais combatentes do Clã mortos, o restante, composto por servos, em sua maioria mulheres, morreu rapidamente. Yuuta não queria ser cruel, apesar de tudo. O único pecado daquelas pessoas havia sido nascer dentro daquela família.

Caminhando pelos corredores da casa de Maki, Yuuta procurou pelos últimos membros da linhagem dos Zen’in.

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A nova katana era de certa forma rústica. Mai ergueu seu trabalho mais recente, avaliando a obra. Parte da lâmina era decorada com deformações, como se a lâmina tivesse sido derretida naquela parte. A proteção era decorada com cordas e o cabo era longo, propiciando facilidade no manuseio. Era uma espada pesada, Mai mal conseguia erguê-la sem começar a tremer. Preparo físico nunca havia sido seu forte.

Aquela arma teria sido perfeita para Maki. Com muito mais músculo que cérebro, Maki ia conseguir usar aquela Katana, que seria jogada e esquecida no armazém do Clã, junto das outras armas que Mai havia feito, com maestria. Provavelmente, para fazer algo muito egoísta, como morrer e deixar Mai sozinha.

Os acompanhantes que haviam virado sombra de Mai haviam se retirado, há algum tempo, com alguma desculpa. Focava como estava naquela Katana, Mai não tinha notado a comoção fora de seu quarto, até que sua mãe abriu a porta de correr com um baque pouco saudoso.

— Mãe?

— Mai, arrume as suas coisas. Você precisa sair daqui.

Com a porta aberta, ficou fácil ouvir os gritos vindos pelo corredor. Mai soltou a Katana e se levantou, ficando de frente para Sachiko, sua mãe. A mulher a segurou pelo ombro, o primeiro toque dela que Mai havia recebido desde a infância.

— Yuuta Okkotsu enlouqueceu pelo luto e está fazendo um ataque direto contra os Zen’in. Precisamos nos distanciar, enquanto seu pai e os outros membros do Clã o subjugam.

Se Yuuta Okkotsu realmente estivesse atacando o Clã, seria um massacre. Embora os Zen’in fossem um dos clãs mais importantes da Sociedade Jujutsu, não havia um Grau Especial na família há diversas gerações e Yuuta era o homem mais forte do mundo, agora que Gojo havia sido selado.

Se Mai bem se lembrava, Maki era próxima desse garoto. Pelo jeito, próxima o suficiente para que ele fizesse uma matança em seu nome. Mesmo enterrada e esquecida, Maki dava um jeito de dificultar as coisas para Mai e o resto do Clã. Maki os havia odiado tanto assim? Para o que quer que ela tenha dito para esse garoto fosse o motivo de um massacre após sua morte? Mai estava com inveja.

— Se o Okkotsu está vindo atrás do Clã, correr não vai fazer diferença. Ele vai nos matar.

Sachiko apertou o ombro de Mai, de forma quase dolorosa.

— Mai, por favor. Não agora que eu finalmente tenho motivo para ter orgulho de você.

As palavras reabriram uma ferida antiga no coração de Mai. No Clã Zen’in, não havia conceitos tolos como amor incondicional. Para você ser amado, você tinha que valer a pena. Maki, que nasceu e morreu como uma falha, nunca teve direito ao amor ou cuidado da pessoa na frente de Mai.

—... Espero que ele te mate primeiro.

— Que coisa maldosa de se dizer para uma mãe. Não tem coração?

Mai encarou a ponta da Katana que havia atravessado o peito de Sachiko. A própria Sachiko olhou para baixo, com sangue lentamente escorrendo de sua boca, surpresa. O agressor puxou a katana, fazendo sangue jorrar em Mai e Sachiko lentamente cair para frente, encobrindo sua única filha que ainda estava viva. Mai empurrou o corpo de sua mãe para o lado, finalmente tendo visão de Okkotsu.

O rapaz arregalou os olhos levemente, quando a viu. Para ele, Mai deveria se parecer com um fantasma. Ela e Maki eram gêmeas, afinal de contas.

— Maki…?

Mai deu um sorriso de lado, arrogante e altiva. Um último teatro de alguém que estava prestes a perder sua vida. Certamente, seria uma peça trágica.

— Pessoa errada, Okkotsu. Respondendo sua pergunta, eu nunca tive coração, pra começo de conversa. Vem junto do sobrenome, sabe? – Mai deu os ombros.

— Você é a Mai, então. – Okkotsu abaixou a Katana. – A Maki me disse que você agarrava a mão dela, sempre que via uma maldição.

— Ela era tipo um gorila de tão musculosa, era o escudo humano perfeito.

— A Maki também me disse que você tem uma língua afiada, mas a maior parte é só fachada.

— Que ótimo. Ela passou meu aniversário, senha do cartão e RG também?

O rapaz, coberto pelo sangue dos parentes de Mai, que acabara de matar a mãe de Mai bem em sua frente, riu. Ele tinha um riso inocente demais, para um assassino. O sorriso que ele deu para Mai também era gentil e caloroso.

— Você é a única parte da família que ela gostava. A Maki e eu prometemos que iríamos destruir o Clã Zen’in, mas não acho que ela ficaria feliz com a sua morte… Ela morreu por você. – Ele ficou sóbrio novamente, quando disse a última parte.

— Não valeu a pena.

Os dois se encararam, por um momento.

— Eu fiquei com inveja, sabe. – Mai continuou.

— Da Maki?

— Não. Bom, também. Mas estava falando de você. – Mai se abraçou, quebrando o contato visual, encarando os pés de Okkotsu, como havia sido ensinada a fazer quando falando com um superior. – Eu tenho tanto poder, agora. Mais energia amaldiçoada que qualquer um no Clã, as coisas que eu consigo criar agora estão muito além do que consigo compreender. Eu odeio o Clã, quero que ele seja destruído. Esse lugar maldito que só torturou minha irmã e eu… Mas quando voltei para cá e acordei com meu pai do meu lado, eu não consegui nenhuma dessas coisas. Eles nem me deixaram me despedir da Maki direito e eu só abaixei a cabeça. Então, quando eu ouvi que você veio nos matar, em luto pela Maki… Eu senti inveja.

As lágrimas inundaram os olhos de Mai e começaram a cair, chovendo no corpo de Sachiko. Mai levou as mãos à boca, um instinto antigo para se impedir de fazer sons. Se recomponha, Mai. Chorar na frente de alguém era uma humilhação para alguém de um Clã tão nobre.

— O que você veio fazer no Colégio Jujutsu, Mai? – Yuuta falou, depois de um tempo. – “O que você deseja ter? O que quer alcançar?” A Maki me perguntou essas coisas, quando eu tinha acabado de entrar para a escola e não tinha noção do que era ser um feiticeiro. Ela me ajudou a me entender e criar um objetivo que me fizesse ficar mais forte. Ela me salvou.

Mai limpou as lágrimas, respirando devagar pelo nariz, lentamente se acalmando. A explosão de sentimentos a envergonhava e por isso, ela não ousou voltar a olhar Okkotsu nos olhos.

— Quando eu me tornei feiticeira, eu só não queria ficar aqui sozinha. Eu ainda queria ficar perto dela… Ela era bem egoísta, sabe? Sabia que sair do Clã e me deixar para trás ia piorar a minha situação, mas ela foi mesmo assim. Porque se ela se contentasse a viver uma vida sem importância aqui, ela nunca iria se perdoar. A Maki sempre colocava o que ela queria na frente de todo o resto… Eu sentia tanta inveja.

— E agora, você quer fazer?

— Eu quero… – Ela olhou para cima, levantando a cabeça, embora ainda não conseguisse olhar para o Okkotsu. – Me despedir dela direito.

— Que ótimo! – Mai tinha a impressão que ele estava sorrindo, daquela forma gentil de antes. – Eu ia perguntar onde eu podia encontrar ela, mesmo. Eu também quero dizer adeus para ela. Dói, mas se segurar naqueles que já se foram não faz bem. Ah, não olha muito para os lados, por favor. A Rika fez uma baita bagunça…

Mai guiou o assassino de sua família pelos corredores da casa em que cresceu. O cemitério ficava nos fundos do Clã, seria uma longa caminha, e permitiria que Mai visse em primeira mão o estrago que Okkotsu havia feito no Clã. Era satisfatório, contentando alguma fome que ela só estava tendo noção do tamanho naquele momento.

Pela primeira vez desde Shibuya, Mai sentiu felicidade.

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Para ser honesto, Naobito já estava enxergando o fim do Clã há algum tempo.

Talvez isso fizesse dele um líder patético. Mas o único herdeiro decente que o Clã tinha era Megumi, e Megumi nem Zen’in era, graças a Satoru Gojo. Os filhos de Naobito ou eram fracos demais, ou eram Naoya, quem seria devorado no mundo progressista que Gojo estava criando. As outras opções eram as filhas de Ogi, que eram patéticas quando se tratava de força.

Considerando que Naobito estava bebendo na frente do túmulo da filha morta, talvez ele não devesse falar tão mal delas. Se bem que a qualquer momento Naobito seria agraciado pelo fogo do inferno, então não faria diferença alguma.

Ele havia sentido Okkotsu chegar. O Clã inteiro sentiu, e foi encontrá-lo como resposta. Eram tolos, pois se Yuuta Okkotsu os queria mortos, não tinha ninguém no mundo que fosse conseguir manter o Clã vivo. Naobito escolheu outra estratégia.

— Eu te disse que você não deveria ir. Mas nenhum de vocês, moleques insolentes, me escuta. – Naobito tomou outra golada do saquê que trouxera, o melhor que ele tinha em estoque. – Agora teu namorado vai acabar com o Clã.

O cemitério do Clã Zen’in era considerado um local sagrado, com sepulturas de séculos atrás. Líderes de Clã e feiticeiros prestigiosos cujos nomes foram esquecidos pelo tempo todos foram sepultados em mausoléus chiques e decorados. O Clã Zen’in não tinha o costume de cremar seus mortos e Toji havia sido o resultado, por isso esses templos de extrema importância histórica para o Clã estavam sendo minerados e os corpos neles, incinerados.

Não escapava a Naobito a ironia de que, dentre tantos corpos de feiticeiros perigosos, o escavado para ser reencarnado foi o de Toji. Talvez fosse justamente porque ninguém do Clã visitaria o túmulo do Assassino de Feiticeiros para notar que ele foi remexido. De toda a forma, o que restou do primeiro corpo de Toji foi a primeira coisa a ser queimada ali.

Por conta das constantes incinerações, havia uma fina camada de cinzas sujando o local de descanso dos membros do Clã. Visto como não haveria mais Clã, o lugar nunca iria ser limpo de fato.

Tal como Naobito notou Okkotsu chegando, ele sentiu o rapaz se aproximando do túmulo de Maki. Olhando para onde ele sabia que Okkotsu estava vindo, ele não estava tão surpreso assim em ver Mai com ele. Okkotsu estava trazendo flores, um buquê de lírios. Ele havia tido o cuidado de não deixar o sangue o qual o cobria sujar o buquê, que homem romântico Maki tinha.

— Yo! – Naobito ergueu o saquê que estava bebendo, para cumprimentá-los. – Vocês demoraram, crianças. Vai saquê?

— Infelizmente ainda somos menores de idade, Zen’in-san. – Okkotsu respondeu, afável. – Eu não irei aceitar. Mas eu tenho um pedido: poderia sair de perto do túmulo da Maki? Não quero sujá-lo quando cortar a sua cabeça.

A maneira inocente que o garoto falava aquilo era de gelar a espinha. Naobito deu um risinho, tomando outro gole do saquê.

— Direto ao ponto, né? Quanta determinação. – Naobito se levantou, virando o resto da garrafa do saquê caro e bebendo tudo numa golada só. – Fui o único que sobrou? Além da Mai.

— O Naoya ainda não voltou. – A Mai informou.

— Ah, é? Bom, esse daí eu vejo de novo no inferno. Você sabe muito bem o quanto ele merece, Mai. – O último líder do Clã Zen’in se afastou do túmulo de sua sobrinha, passando por Mai e Okkotsu. – Infelizmente para ele, quem vai herdar todos os ativos do Clã é o pirralho do Toji. Acho que vamos todos virar o Clã Fushiguro, hein?

Naobito se afastou o suficiente para que atrapalhasse a despedida dos dois. Estava escuro e o céu estava nublado, o que era uma lástima. A última visão que ele teria era daquele lugar arruinado. Estranhamente, era adequado.

— Últimas palavras? – Okkotsu perguntou.

Naobito respirou fundo.

— Eu sabia sobre as coisas que os membros do Clã faziam com vocês. Nunca tive o interesse em intervir, pois é como as coisas são, Mai. Tentar mudar esse tipo de coisa cria inimigos demais e não era conveniente para mim. – Naobito deu os ombros. – Nunca senti culpa por isso. Não tenho coração, sabe - vem junto com o sobrenome. – O homem riu. – Pensar muito sobre as coisas vai ter corroer por dentro, Mai. Nada importa tanto assim, é melhor só ignorar e aproveitar o que está na sua frente. – O último líder olhou para os dois adolescentes. – Faz o que quiser, Mai.

Foi Rika quem estourou o corpo de Naobito.

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Os dois encararam o túmulo de Maki, em silêncio. Okkotsu havia trazido um buquê de flores, antes escondido dentro de Rika. Maki teria odiado e, secretamente, adorado o gesto. Então falaria que toda esse choro só porque ela morreu estava deixando ela deprimida e por isso era melhor parar.

Maki tinha uma mente de ferro. Nada a deixaria para baixo por muito tempo. Mesmo se Mai tivesse morrido, era provável que Maki continuaria vivendo com aquela vontade inabalável. Mai não sabia se conseguiria fazer o mesmo.

Okkotsu beijou as costas de seus dedos e pressionou contra o túmulo, como um último adeus. Ele se afastou silenciosamente, dando privacidade para a própria Mai se despedir.

— Eu não trouxe flores, me desculpa. Achei careta. – Mai confessou. – Ao invés disso, trouxe algo que eu fiz para você.

Rika havia feito a bondade de carregar a obra-prima que Mai havia produzido mais cedo. Era uma Katana que poderia cortar almas, com um design quase tribal. Mai achava que era perfeita para Maki, por isso, esse era seu último presente. Mai se esforçou para clavar a Katana no chão, atrás do túmulo de Maki.

Encostando na lápide, Mai havia alterado para ser de um modelo mais bonito, e fez com que o nome de Maki, amada irmã e amiga, uma feiticeira jujutsu, sem o sobrenome que ambas odiavam, fosse visível. Era o mínimo que Mai poderia fazer.

— Não se preocupe. Ele destruiu o Clã e em breve, vou estar livre de tudo.

Mai não iria chorar. Ela se levantou e bateu as cinzas do quimono que estava vestindo, levantando a cabeça. Mai não iria chorar, pois agora, não tinha ninguém para segurar sua mão e mantê-la segura. Ela teria que tomar conta de si mesma, a partir de agora.

— Okkotsu. – Mai chamou. – Eu sei o que eu quero fazer, agora.

— E o que vai ser, Mai? Eu te ajudo no que puder. – Ele garantiu.

“Eu sabia sobre as coisas que os membros do Clã faziam com vocês.” Naobito havia dito. As coisas que haviam acontecido com Mai dentro daquele lugar eram impronunciáveis, nem Maki entenderia completamente. Mas Maki não sabia e Mai havia tido a ínfima esperança de que o resto do Clã também era ignorante. Ela estava errada. Mai não poderia mais destruir o Clã, mas ela podia destruir a pessoa que mais a havia causado dor, em todos aqueles anos.

— Eu vou matar Naoya Zen’in.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.