Inspiration

II: Um pingo de esperança.


NOVA YORK - DOIS MESES E MEIO ANTES

O coração de Clary batia disparado em seu peito enquanto ela se forçava, sem sucesso, a dormir. De nada adiantava tentar processar tudo que acontecera nos últimos dias, já que seu peito estava inundado de emoções.

Alguns dias antes, ela havia recebido uma ligação misteriosa no meio da noite de uma mulher que trabalhava na Universidade de Artes de Londres. O que ela menos esperava era que alguém dentro da universidade, um doador rico, havia se interessado pelas suas peças antigas e desejava que Clary enviasse mais alguns trabalhos recentes para que ele avaliasse.

Para sua sorte, ele já havia planejado e executado boa parte de seu novo portfólio, que estava praticamente acabado. A mulher, Nina Roberts, ficara feliz em saber que Clary já tinha boa parte de seu material pronto e pedira que ela o enviasse para a Universidade o mais rápido possível.

Enquanto deitada na cama, sem um pingo de sono, Clary tentava forçar sua mente a ter ideias. Ela queria que sua última peça fosse algo inédito, para arrematar seu portfólio com o melhor que ela tinha a oferecer. Tinha que ser algo forte, cheio de emoção, que mostrasse que ela era sim uma artista que merecia o emprego que o doador tinha a oferecer se gostasse de seu trabalho.

Clary nunca tivera dificuldades em ter ideias para arte, elas simplesmente brotavam em sua mente como flores a serem colhidas em um campo florido. Ela não se via com uma artista, mas como uma tradutora. Ela era capaz de transmitir seus sentimentos — o que quer que fosse que ela estava sentindo no momento: alegria, saudade, tristeza... — em belos desenhos que passavam essa mesma emoção ao seu interlocutor. Esse era seu verdadeiro talento. Transmitir sentimentos.

Foi como um estralo na mente de Clary. É obvio, pensou a ruiva. Algo que transmita o que estou sentindo nesse exato momento.

A menina sentou-se na cama rapidamente, tateando com as mãos pelo seu caderno. Quando a ideia surgia, ela não tinha muito tempo. Quanto mais rapidamente ela conseguisse despejar aqueles sentimentos no papel, mais verdadeiros eram eles.

Correndo para a mesa da sala, Clary organizou seus papeis, lápis de todas as espessuras possíveis e um pote de tinta aquarela vermelha, com um pincel macio sobre ele. Ela pôs-se a desenhar, esvaziando todo aquele sentimento que abarrotava seu peito: o medo de não gostarem dos seus desenhos, desespero por aceitação, tristeza com a possibilidade de ficar longe de sua família e amigos... Todo aquele mar de sensações fluiu sobre seu lápis, cobrindo o papel.

Sem que percebesse, Clary havia prendido a respiração. Quando finalmente parou para recuperar o fôlego, ela se sentiu toneladas mais leve. Isso era o que ela realmente amava em fazer arte. Era como se todo aquele sentimento negativo que a impedia de respirar, um peso enorme comprimindo seu peito, desaparecesse.

— Ficou... — a menina foi pega de surpresa pelo melhor amigo, Simon, que olhava sua mais recente obra por cima de seus ombros — intenso.

— Você quase me matou de susto! — Clary respirou aceleradamente.

— Eu que o diga. — Simon arregalou os olhos. — Imagine meu susto quando sou acordado de meu sono de beleza por uma artista maluca. Sabe, você faz uns barulhos bizarros enquanto desenha, Clary. Achei que estava morrendo ou algo do tipo.

Os dois se encaram por um segundo e explodiram em uma gargalhada que provavelmente acordou os vizinhos de baixo. Juntando-se ao amigo de pé, ela admirou seu desenho de longe. Ele tinha razão. Intenso era uma boa palavra para descrever. A obra emanava todos aqueles sentimentos que Clary sentia alguns segundos atrás.

— Sabe, por um segundo eu esperava que todo seu dom artístico sumisse magicamente para que você não tivesse que ir. — a voz de Simon era triste, melancólica. Eke voltou-se a Clary e a envolveu num apertado abraço. Seus corações batiam compassados, sofrendo com a possibilidade de separação. — Você é uma verdadeira artista, Clary. Vou sentir sua falta.

LONDRES - DOIS MESES E MEIO ANTES

Quando o avião de Jonathan pousou em Londres, a chuva caia furiosamente do lado de fora. O vento frio soprava sem piedade sobre o pátio de pouso quando o homem experimentou o ar metálico de Londres. Jonathan havia até se esquecido do quanto gostava daquela cidade. O tempo sempre ameno e chuvoso, céus sempre cinzentos e melancólicos. O clima perfeito para escrever seus livros.

Guardando a pequena caderneta preta de capa de couro onde o escritor anotava alguns pensamentos e ideias no bolso interno do paletó, ele seguiu até o prédio e passou pelas portas de vidro automáticas. O vento que soprava seus cabelos louros cessou e ele foi envolvido por uma atmosfera morna e aconchegante. Finalmente em casa.

Contudo, antes que pudesse tomar mais um passo em direção ao seu lar, o qual ele já não visitava há várias semanas, seu telefone celular emitiu um chiado baixo. Xingando mentalmente, Jonathan deslizou o aparelho para fora do bolso e o colocou no ouvido.

— Sim? – o homem disparou impacientemente.

— Com licença, senhor Herondale. – a voz de uma mulher soou do outro lado da linha. – Peço desculpas por incomodá-lo após sua longa viagem, mas acho que encontrei aquilo que o senhor havia me pedido.

Jonathan ficou em silêncio por alguns segundos, preso em pensamentos.

— Traga para mim imediatamente.

E, rispidamente, desligou.

***

Os cabelos recém lavados pingavam levemente sobre a camisa branca de Jonathan enquanto ele caminhava pela sala com os pés descalços. O elegante cômodo tinha um piso de mármore cor de marfim e uma grande mesa de vidro no centro, cercada por cadeiras de veludo vermelho sangue. Sobre a mesa, repousava uma pasta de couro recheada de papeis.

— Uma mulher da Universidade mandou isso para o senhor, senhor Herondale. — o mordomo que ocupava o canto da sala, parado como uma estátua com as mãos para trás esclareceu.

Jonathan recolheu a pasta e folhou o conteúdo rapidamente. Eram obras de arte, desenhos cuidadosamente traçados a mão. Ele era um grande fã de arte, sempre fora. Para Jonathan, a mais pura beleza era ver uma obra de arte que tocasse o fundo de sua alma. Algo que o arrepiasse por dentro, o fizesse sentir-se vivo. E foi isso que ele sentiu quando admirava pausadamente cada um dos desenhos impressos na folhas.

O homem parou por um segundo diante um desenho específico. Um abstrato. Era difícil dizer exatamente o que estrava retratado naquela figura. Para Jonathan, parecia algo como um coração sangrando. Uma figura indistinta vermelha pingava sobre o preto e branco do resto do desenho. Era como a figura de uma cidade, fria e melancólica, e no centro um grande coração que sofria. Jonathan sentiu um arrepio gelado subindo por sua espinha. Isso era exatamente o que ele buscava.

Tomando o aparelho celular nas mãos, Jonathan discou rapidamente o número que o ligara apenas alguns minutos antes e a chamada foi atendida em questão de segundos.

— É ela. — o homem brandiu. — Eu a quero em Londres o mais breve possível.