No entanto, para dizer a verdade, hoje em dia a razão e o amor quase não andam juntos. – Sonho de uma noite de verão, Shakespeare

FERNANDO MENDIOLA

Chegando ao limite da paciência, aguento as piadas de Omar Carvajal até retornamos para a empresa. Mas prudentemente guio o patife que chamo de amigo até a sala de reuniões. Não posso arriscar permitir que Letícia escute as asneiras que saem da boca desse imbecil.

Negando com a cabeça e, notoriamente furioso, cruzo meus braços enquanto Omar gargalha. Lanço um olhar ríspido na sua direção.

Mas é claro que isso pareceu incentivá-lo.

— Ah, Fernandinho... Vamos, me diga o que vocês estavam fazendo quando cheguei? – ele não parava de rir. – Credo! Com aquela horrorosa...

É inevitável quando rujo:

— Eu juro, Omar Carvajal, que se você não calar essa boca eu te faço engolir os dentes!

Quase fico incrédulo quando continua, nada afetado com a ameaça.

— Deixa de ser chato, Fernandinho, me diz, vai – Meu amigo deu dois tapinhas amigáveis no meu ombro. Afastei-me dele – o que a mostrenga fez com você, hein?

O vice-presidente da Conceitos sorriu maliciosamente para mim.

Eu simplesmente encaro seu rosto com seriedade. Meneei a cabeça para os lados, reprovando sua atitude. Detesto quando zomba de Letícia.

Seu rosto se torce numa careta quando finalmente percebe que não estou achando graça.

— O quê?

— Você é decepcionante - sibilo.

Omar simplesmente dá de ombros.

— Pelo menos não sou horrível igual aquela capivara... – mais uma vez explode de rir.

Decido sair daquela sala antes que eu faça algo da qual posso me arrepender. Disparo para a porta mas Omar me impede no último segundo.

— Calma, maninho, calma, eu estou brincando. – ele sorri. – Você está perdendo o senso de humor.

— Não tem graça, seu animal. Acha que gosto quando fala assim da Letícia?

Ele revira os olhos.

— Ah, faça-me o favor, Fernando. Você era o primeiro a rir desses apelidos...

— Agora as coisas são diferentes.

Quando me sento, ele me acompanha.

— Essa mulher me ama, Carvajal, exijo que a respeite.

— Se eu não te conhecesse, diria que está se apaixonando pela mostrenga. – O escárnio na voz dele me enfurece. Bato a mão na mesa.

— Omar! – rugi.

Ele levanta as mãos.

— Está bem, Fernando, calma.

Mesmo irritado mudo de assunto.

— Bem, tenho más notícias... Ariel, aquele que caiu quando era bebê, quer vender a parte dele da empresa.

— O quê? – Omar se levantou. – Mas ele ao menos explicou o por quê?

— Ele quer investir num negócio ou algo assim, eu sei lá.

Omar se levanta e caminha de um lado para o outro, preocupado.

— E agora? Fernando, ele não pode fazer isso. Esse cara é um... – Dei de ombros. – Bom, ele pode. Mas a empresa está embargada. O que faremos? O conselho vai descobrir que a empresa não nos pertence mais...

Gesticulei com as mãos no ar exigindo que se cale.

— Não me pressione, não me deixe nervoso, animal. – Resmungo. – Eu não sei o que fazer, pra ser honesto. Mas não acho que há uma solução para isso.

— Ah, não. Fernando, tem que haver uma solução.

— Por favor, doutor Carvajal, - reviro os olhos – Você que tudo sabe e que faz tudo perfeito e que tudo resolve, me diga como resolvo isso?

Omar soltou um riso seco e se apoiou no umbral da cadeira. Ao se inclinar, apontou para a sala da Letícia.

— Pergunte pra sua guru e amante, a Letícia... – o vice-presidente sorriu zombeteiro. – Parece que está mais acessível que os outros dias.

Encarei-o.

— Ah... Sim e não... – franzo a testa. - Ela está esquisita, distante...

— Sério?

Sem responder, fito seu rosto com preocupação.

— Será que isso tem a ver com o Tomás? – pergunta ele.

Bufo.

— Eu não sei, não sei. – faço uma careta. – Eu me ofereci para almoçar com ela e adivinhe só? Ela rejeitou... Bom... Márcia descobriu que ela me esbofeteou... O resto você sabe, dava para ouvir os gritos dela da recepção.

— Não...

— Sim...

— Não...

— Sim, Omar. – Assenti algumas vezes – Mas eu honestamente não acho que esteja chateada comigo por isso, eu acredito que tenha a ver com outra coisa.

Omar estreitou os olhos e comecei a roer a unha. Eu estou ficando louco por causa dessa mulher.

— Ela sabe que você sabe? Você foi defendê-la?

Nego com a cabeça.

— Não, achei que eu poderia acabar piorando a situação – Inclinei-me na mesa e gesticulei para que ele se aproximasse. Sussurrei. – Será que está deixando de me amar?

— Ou pode ser que... – ele arregalou os olhos repentinamente. – Pode ser que...

— Fala, seu animal, anda.

— Ela tenha descoberto que é horrorosa! – Omar cai na gargalhada.

Não esboço reação antes de enxotá-lo para fora da sala e gritar:

— Quando você amadurecer, me procure, seu animal!

Entro pisando duro na minha sala. Considero que talvez deva fazer novas amizades. Omar Carvajal é um impávido desprovido de qualquer sentimento humano. Por essas e outras que me recuso a confessar o que sinto. Eu tenho certeza que vai debochar do amor que sinto pela Letícia. Por Deus, ele não respeita ninguém.

Ao sentar-me e cruzar os braços, penso nela.

Eu estou enlouquecendo. Nos últimos dias o comportamento dela mudou da água para o vinho. Está calada e distante, não demonstra mais que está apaixonada por mim. Sinto falta do sorriso doce, das carícias. Sinto falta dela. E suas atitudes tem me preocupado além do normal. Estou ficando paranoico e inseguro. O que está acontecendo? Será que não está mais apaixonada por mim? Será que se apaixonou por aquele idiota que não sabe nem se defender direito? Suspiro e balanço a cabeça. Não, é impossível. Um homem como Tomás não pode competir com um homem como eu.

Faço uma avaliação dos últimos dias mesmo agoniada. Com exceção da Márcia, tudo está parcialmente perfeito. A única coisa que tem criado uma barreira entre nós é aquele amiguinho dela. Contrariado e enciumado, controlo a vontade de virar a mesa.

Letícia está me fazendo de bobo?

Pego meu cantil e sorvo uma dose de uísque. Eu estou conturbado demais, talvez ficando maluco. Eu conheço a Letícia. Ela não faria mal a uma mosca.

— Eu sou um canalha. – sussurro.

Batuco os dedos na mesa e pondero. Não durmo direito há meses. Estou tão atracado nas mentiras que criei que não consigo pregar os olhos. Estou enganado todo mundo, principalmente a Márcia com essa história de casamento. Pressiono os dedos na ponte do nariz.

Eu não sei até onde vou suportar, mas eu tenho que aguentar. É isso ou perco a presidência para Ariel Villarroel... E eu não quero dar a ele esse gostinho.

Sei que sou um miserável. Não faltam adjetivos negativos a meu respeito, esta é a verdade. Mas não vou abrir mão da Conceitos, não darei o braço a torcer. Meu plano de negócios eventualmente dará certo, continuarei na empresa e deixarei meu pai orgulhoso. A Conceitos é minha prioridade. Meu pai é minha prioridade.

Estou sendo egoísta e admito isso, mas também não abrirei mão da Letícia. Preciso dela. Tanto por amá-la quanto pelo bem da empresa.

— Ah, Letícia... – Sorrio quando me recordo do beijo de hoje cedo, de como seu corpo reage ao meu toque. Passo os dedos nos meus lábios e dou uma risada quando noto o quanto pertenço a ela.

Sou imensamente apaixonado por essa mulher. Ela é... Perfeita. Perfeita demais para mim. Não a mereço. Lembro-me da carta e de como aquela ideia de conquista-la surgiu...

— É, eu caí na minha própria armadilha.

Pego a única foto que temos juntos e a admiro.

Por pouco Omar nos flagra juntos mais cedo. Não é como se eu temesse por isso, ele sabe da nossa relação apesar da Lety não saber. Mas poderia ter sido qualquer outra pessoa. Ela tem razão, tenho que ser cuidadoso... No entanto é difícil quando estou perto dela. Sua presença me enlouquece.

Queria arranjar um jeito de ficar com a Letícia e romper com a Márcia. Está cada vez mais óbvio que nosso relacionamento não dá mais certo, que somos completamente incompatíveis. Que não há e nunca houve amor da minha parte. Além do mais, detesto a forma como trata a Letícia. Como se ela fosse um animal. Eu fiquei furioso quando exigiu que Letícia distribuísse os convites, tentei intervir, mas a própria posicionou-se contra mim me assegurando que estava tudo bem. Fiquei preocupado, é claro. Eu sabia o quanto isso a magoava.

Suspirando, guardo a foto dentro do terno e observo o nada. O que eu devo fazer?

Mesmo que eu queira terminar meu relacionamento com a Márcia e queira ficar com a Lety, o peso da responsabilidade com relação a Conceitos me impossibilita de escolher o que realmente quero.

Um momento depois escuto a voz de Leticia soar através da porta. Deve ter chegado mais cedo do almoço. Eu a ouço rir e um pouco curioso, ando vagarosamente até a porta.

— ... Vou, Tomás. Hihihi – ela deu uma risadinha. – Só você mesmo, Hihihihihih. Ok. Te vejo mais tarde, então. Hihihi. Obrigada, até mais. Manda beijo pros meus pais.

Paralisei. Eles vão se encontrar novamente.

Sem pensar no que eu estava fazendo, empurrei a porta com o pé de qualquer jeito. Com as mãos no bolso da calça entro na sala a tempo de vê-la levar um susto.

— Ai, Seu Fernando! Que susto. Aconteceu alguma coisa?

Encara-o de cima a baixo e nego com a cabeça.

— Que feio, Letícia, que feio... Enquanto estou me esforçando para não ver a Márcia, você está marcando encontro com Tomás...

Minha lindíssima Lety torceu os lábios num bico e evitou contato visual comigo.

— Ah, seu Fernando... Que isso... Somos só amigos.

Eu a fitei em silêncio. Ela me olha timidamente entre os cílios. Tento manter-me austero enquanto a encarava, estava me corroendo de ciúmes ao mesmo tempo em que meu corpo rugia de desejo por ela. Eu a queria intensamente. Ali, naquela sala. Eu a queria ali. Aproximo-me a passos lentos e Letícia treme para meu deleite. Sei que também me deseja. Agarro seus braços e a puxo para mim e ela fica de pé.

Não consigo conter meu anseio por ela. Então inclino-me e beijo provocativamente seu queixo.

Letícia vira o rosto, mas não sabe que isso me dá abertura para atacar seu pescoço e é isso mesmo que eu faço.

— Detesto quando vocês se encontram. – Sussurro enquanto mordisco sua pele.

Ela suspira.

— Já disse que somos apenas amigos...

— Não acredito, - insisto. – você está me escondendo alguma coisa.

Eu a beijo no pescoço. Estou completamente ciente das suas reações, principalmente quando ela amolece nos meus braços. Como um bom merda convencido que sou, esfrego a ponta do nariz na pele dela.

— Eu estou falando sério... – sua voz sai baixa e entrecortada. – Chega, Seu Fernando...

— Não acredito. O que ele quer com você? Não o disse que você é minha?

Sinto-a se irritar.

— Quer saber? Eu não lhe devo explicações, seu Fernando, me solte!

Desta vez, quem se ira sou eu.

— É claro que deve, Letícia, é claro que deve – Puxo seu corpo contra o meu com firmeza, e deposito beijos atrás de sua orelha até a clavícula. Lhe mordo suavemente quando ela se encolhe. – Eu sou seu chefe e seu homem, se eu quiser você não sai dessa sala. Você é minha.

Compreendo que sou um lixo quando tomo-a num beijo intenso, mesmo sabendo que não mereço. É claro que estou jogando sujo, sei que esta mulher é fiel a mim. Mas quando se trata de Tomás... Eles dois tem um laço que parece errado aos meus olhos. Não consigo conter esse sentimento impiedoso que se apodera de mim quando se trata dele, ou quando considero que outro homem pode tocá-la. Não me recordo de ter uma emoção parecida com qualquer outra mulher na vida e isso é esmagador. Ao mesmo tempo me sinto inseguro; quero me assegurar de que essa mulher realmente me quer. Que me ama.

Enquanto a beijo, dou-me conta mais uma vez que sou enlouquecido de amor por essa mulher. A única mulher que despertou o melhor de mim. A única mulher que me amou pelo que sou, com meus defeitos e tudo mais. Quando estou perto dela, esqueço de tudo e fico totalmente consciente dela. Nunca amei alguém com tanta veemência, se é que amei alguém.

Só Deus sabe o quanto a amo, só Ele sabe.

E é indescritível a sensação que tenho quando a toco, quando a beijo. Me sinto em paz. Quero amá-la como merece, como nenhum homem a amou. Quero mimá-la, dar-lhe tudo o que quiser, casar-me com ela. Fazê-la feliz, mesmo sabendo que em nossas circunstâncias é impossível...

Decido, por mim, parar o beijo. Não podia nos pôr em mais riscos, principalmente porque a maior prejudicada seria ela. Nós estamos ofegantes e, mesmo assim, noto como suas bochechas estão coradas. Encantado, toco seu rosto.

— Eu te amo, Letícia.

Ela arregala os olhos, assimilando.

— Eu te amo, minha Lety. – repito, encostando a minha testa na dela.

Em silêncio, simplesmente observa meu rosto. Há uma sombra de um sorriso nos lábios dela e, pela forma como seus olhos brilham, sei que me ama igualmente.

— Eu também... Te amo, seu Fernando.

Sorrio.

— Ótimo. Você vai comigo esta noite, certo?

Ela moveu a cabeça num sinal positivo. Yes! 10 Fernando, 0 Tomás.

— Sim.

Beijo-lhe os lábios rapidamente.

— Ótimo. Estou ansioso para saber qual é a proposta.

Ela ri.

— Eu também, seu Fernando.

Horas mais tarde...

Sondo-a discretamente.

Letícia tem uma ótima postura, mas está totalmente empertigada. Sua coluna está mais reta do que ocasionalmente. E está me ignorando completamente enquanto bebe o vinho caro que faço questão de pagar.

Ao chegarmos ao Le Noir fui bombardeado por rostos conhecidos, sendo a maioria mulheres, cujo nomes tenho dificuldade de lembrar. Eu havia dormido com boa parte delas, estando e não estando com a Márcia. Mas esse não é meu maior problema, Letícia sabe muito bem que não toco em nenhuma outra mulher além dela desde a primeira vez que fizemos amor. O problema principal é que não apresentei a Letícia aos meus velhos amigos. Eu posso pressupor tudo o que está passando pela sua cabeça neste momento, no entanto não há justificativa para meu ato irresponsável.

Não entendo... Porque agi assim.

Sorvo um gole do uísque aborrecido comigo mesmo.

Eu senti vergonha dela. Vergonha da aparência da mulher pela qual sou apaixonado. Eu sou um merda. Uma pessoa da mais baixa categoria. Não sei nem se posso me considerar um ser humano.

Observo-a pelo canto do olho. Não há nada de errado com ela... Digo, suas roupas não lhe valorizam, mas...

Por Deus. Eu sou um lixo.

Entretido pelos meus pensamentos hipérboles, mal percebo quando Christopher de La Fuente surge. O homem aparenta ter uns sessenta anos. Apesar da idade, é visível que está em forma.

— Christopher de La Fuente! – digo ao me levantar. Nós trocamos um aperto de mãos. – Prazer em conhecê-lo finalmente.

— Digo o mesmo, Fernando. Como vai Humberto? Trabalhamos juntos na juventude.

— Muito bem, obrigado. Aliás, - apontei para a minha adorável assistente. – Essa é Letícia Padilha, minha assistente.

Com um sorriso agradável, Christopher lhe apertou a mão.

— Prazer, senhorita Padilha. Como está?

— Muito bem, senhor Christopher. – ela sorri. – O prazer é meu!

Após acenar para que sentássemos, falei:

— Antes que me pergunte porque trouxe minha assistente, Christopher, preciso lhe explicar que esta é a mulher mais...

— Mais bonita e inteligente da América Latina.

Confuso, busco o dono da voz.

Quando o encontro, o homem tem os olhos azulados colados na Letícia. Com a sobrancelha erguida, eu a olho e há um sorriso surpreso nos lábios dela.

— Cassian? – pergunta ao se levantar. – É você mesmo?

— E quem mais poderia ser? Que eu saiba, só existe um Cassian de La Fuente.

Rindo, Letícia sai ao encontro dele e fico chocado quando se abraçam.

Uma risadinha sai dos lábios de Christopher.

— Quanto tempo, minha querida nerd.