Infinite Arms

As passagens foram compradas


Aronne abriu a porta fazendo um barulho engraçado. Observei-o olhar-nos com um sorriso no rosto e logo me senti menos nervosa, mas para piorar, odiava ter que mentir sobre algo que ele valorizava tanto, o amor, e fingir que estava tudo mil maravilhas.

– Casal... - disse sorrindo. Sua aparência era cansada e estava um pouco pálido, fora isso parecia feliz. - Bom vê-los.

– Digo o mesmo. - abracei-o sem saber se aquilo o incomodaria.

– Entrem. Preparei chá e bolo. - entrei e Fabrizio fez o mesmo logo em seguida. - Bem, não preparei nada. - cochichou para ele. - Mas está tão gostoso que vale a pena mentir um pouquinho.

Sorri com o que ouvi e senti cheiro de tinta misturado com cheiro de chocolate. No meio da sala, vi uma enorme tela coberta por um pano branco com manchas coloridas de tinta.

– Está pintando? - perguntei.

– Sim. Vai ser uma surpresa. - falou sem se dirigir a nenhum de nós dois.

Não toquei no assunto da tela e talvez não deveria.

– Sentem-se. - apontou para a mesa de vidro perto da enorme janela que dava vista para outras casas e a água lá embaixo. - É a melhor visita que recebo em anos.

Fiquei sem ter o que falar.

– É a melhor pessoa que visito em anos. - Fabrizio disse, fazendo-o rir. - Mas, por que veio para Veneza?

– Queria pintar a última obra aqui.

– Última? Pretende parar de pintar?

– Filho, - olhou-o nos olhos com certa tristeza. - já estou no final da vida. Sabe o que isso significa.

– Vai viver muito ainda. - sorriu.

– Assim fosse.

Seguiu-se um silêncio. Mordi o bolo de chocolate e tomei um pouco de chá, mas apesar de muito bom, não tinha vontade de comer. Ficamos por mais de hora conversando sobre sua carreira ou coisas nada a ver com o trabalho. Era agradável estar ali.

– Aronne... somos de um museu de Nova Iorque. - tentei não evitar o assunto, mesmo não querendo falar sobre aquilo.

– Sim, lembro de me dizer.

– Queríamos saber se seria possível usarmos suas telas em uma exposição que vai ter. Olha, tudo bem se não aceitar. - minhas palavras saíram quase sem querer, mas aquilo já não importava tanto. Aronne tinha se tornado praticamente um amigo. Pensei que Fabrizio iria ficar bravo, mas apenas sorriu com minhas palavras. Acho que ele sentia o mesmo. - É tudo tão incrível... as telas, o sentimento que envolve isso... - não consegui terminar. Meus olhos encheram de lágrimas e fiz o possível para disfarçar aquilo.

– É um pouco difícil pra mim. Tudo tem a ver com lembranças minhas com minha esposa. Acho que seria difícil ajudá-los com isso. As obras são protegidas, não teria como deixá-los levá-las para outro país, outro continente.

– Eu te entendo.

Levantei-me da cadeira. Sentia-me cansada.

– Acho que já está na hora de irmos. - Fabrizio disse. - Obrigado, de qualquer jeito.

– Vão voltar para Nova Iorque?

– Provavelmente. - respondeu.

Caminhei até a porta.

– Mas acho que tem um jeito de ajudar vocês. Passem-me o endereço do museu e a data da exposição. - olhei-o com dúvida se havia escutado certo.

– Sério? - disse anotando em um papel e entregando-o, um pouco agitada.

– Fiquem tranquilos. Não vou decepcioná-los. - piscou para nós dois abrindo a porta.

– Obrigada, não sei como agradecer.

– Apareçam por aqui vez ou outra. Vocês são sempre bem-vindos.

"Vocês." Era aquele o problema.

– Aronne... acho que devemos contar algo a você. - minha voz saiu fraca.

– Vocês não fazem um casal, não é? Não são namorados, noivos, nem marido e mulher. - sorriu com um menino esperto.

– Como você sabe? - Fabrizio perguntou.

– No começo vocês pareciam perdidos nisso de fingir.

– Então por que nos chamou para o "grande beijo"?

– Sabia que não me decepcionariam. No fundo eu sabia. - olhou para um retrato de Margareth na parede. - Ela também saberia se estivesse aqui.

Senti meu coração disparar. Olhei para o horizonte e vi o sol se pondo fazendo o céu tomar um tom cor-de-rosa.

– Boa sorte. Eu cuido da parte da exposição por vocês. - fechou a porta com um sorriso. Tentei pensar no que ele disse nos últimos minutos e no que faria para a exposição, mas tudo parecia confuso demais.

– Vamos. Sua tão esperada Nova Iorque te espera. - Fabrizio interrompeu meus pensamentos.

*

Contei toda a história para James. As passagens foram compradas e nossa autorização para voltar aos Estados Unidos concedida.

Arrumar as malas com o quarto silencioso não foi tão fácil quando eu pensei. Peguei meu vestido e lembrei-me da noite em que houve o tal “grande beijo” e senti saudade. Uma saudade que não deveria ser sentida.

Do outro lado do quarto vi Fabrizio arrumando também suas coisas. Fiquei observando-o por algum tempo, esperando que ele não percebesse. Assim como eu, também não estava falando nada.

– Acho que acabou. – resolvi falar e ele me olhou.

– É. Acabou.