Indelével

Indelével - Parte I


Enquanto o tempo passa, crescemos e amadurecemos e precisamos superar a tristeza e ignorar os sentimentos ruins que carregamos no peito, como o vazio, a solidão, a nostalgia, a saudade. Precisamos sorrir apesar dos problemas e das dificuldades. E o fazemos. Mas o ponto não é saber simplesmente se conseguimos sorrir e quem sabe mostrar aos demais que estamos bem, mesmo quando não estamos. O ponto é saber se podemos superar de verdade, esquecer e seguir adiante sem olhar para trás. É muito fácil esconder do mundo o que alguém sente, mas escondê-lo de você mesmo é impossível.

...

- Felicidades! – Ouviu a voz de seu menino e sentiu seus beijinhos a passear por seu rosto – Felicidades, mamãe! Acorda.

Anahí despertou com o rosto de seu filho bem em frente ao seu, olhando-a com amor e certa adoração. Uma vez mais, assustou-se com aqueles olhos. As semelhanças eram incríveis, dava para perceber de longe que era filho de Alfonso. O encarou, o menino sorria. Alex era como uma recordação eterna e viva do amor de sua vida, do único homem que amara. Alfonso. Seu Alfonso.

Olhou ao redor. Mesmo depois de tantos anos tudo lhe recordava ele. Tudo e cada pequena coisa: as almofadas, as toalhas de banho, as fotos na mesa de centro... até as paredes a faziam lembrar-se dele.

- Você está lindo, meu príncipe – comentou ela.

O menino estava vestido de super-herói.

- A senhora gostou, mamãe?

- Sim, meu amor – lhe aplicou um beijo nas bochechas – onde conseguiu essa roupa?

- O tio Chris me ajudou a consegui-la.

- E por que esta roupa?

- É que sempre que você tem pesadelos e acorda chorando, sempre chama meu nome, mamãe, Alfonso... pensei que poderia ser seu super-herói, assim você não se assustará com os pesadelos.

Anahí o puxou para seus braços. Na verdade, o Alfonso pelo qual ela chamava era o pai do menino.

- Te amo, minha vida.

- Eu também, mamãe, feliz aniversário.

- Obrigada, meu amor.

Hoje, Anahí estava completando 30 anos e se pudesse ter o direito de pedir apenas um presente ou que lhe fosse concedido apenas um desejo, um apenas, pediria que lhe mandassem de volta o pai de Alex. Daria tudo em sua vida para voltar a tê-lo consigo, com eles.

- Alô! – Atendeu o celular, era sua melhor amiga: Dulce.

- Bom dia, minha linda – falou Dulce, sorrindo do outro lado da linha – como está a aniversariante mais linda do mundo?

- Bem – respondeu sem emoção.

- Se anime, é seu aniversário. Feliz aniversário!

- Obrigada, querida.

- Vamos buscar você e Alex às 12 horas, para que almocemos juntos.

- Tudo bem – Anahí sorriu através do telefone – obrigada. De verdade.

- Mamãe? – Chamou Alex, ao vê-la desligar o telefone.

- Sim, meu amor.

- Fiz algo errado?

- Não, meu anjo, por quê?

- Não sei, acho que fiz mal em colocar essa fantasia, acho que a senhora ficou triste.

- Não, bebê – o abraçou – você é meu herói, independente da roupa. Você me salva todos os dias e eu amo você. Obrigada por ter pensado na fantasia. Adorei o presente.

- Sabe, mãe, ontem eu contei na escola aos meus amigos que hoje seria seu aniversário e que estava preparando uma surpresa para você.

- Ah, sim? E o que disseram?

- Me perguntaram se meu pai estava fazendo algo bonito para você. Todos me disseram que seus pais fazem surpresas para suas mães no dia de seu aniversário.

As palavras fugiram, Anahí não sabia o que dizer, seus olhos se encheram de lágrimas.

- Por que eu não tenho um papai?

- Meu amor... você, sim, tem um pai. É que ele não pôde estar com a gente.

- E onde ele está? Nos deixou?

- Sim, meu amor, mas não foi escolha dele. Tenho certeza que se pudesse, teria escolhido ficar conosco, mas Deus tinha planos diferentes para ele.

- Onde ele está, mamãe?

- Está no céu, meu anjo – respondeu com a voz embargada, as lágrimas já corriam livre e silenciosamente por seu rosto.

- Por que a senhora está chorando?

- Porque também sinto saudades de seu pai, da mesma forma que você.

- Algum dia ele voltará, mamãe?

- Me dói dizer isso, pequeno, mas não – respondeu, abraçando-o forte.

Alex tinha apenas pouco mais de 7 anos, era a primeira vez que perguntava tão direta e claramente à sua mãe o que havia acontecido com seu pai. Para Anahí, doía como nunca ter de explicar a seu filho, mesmo que não claramente, o que era a morte, o que era já não ter seu pai. Mas ela precisava fazê-lo entender de alguma forma.

Fechou os olhos, imaginando como seria maravilhoso ter seu Alfonso ali com ela, naquele momento. Como ou quando conseguiria superar a dor de estar sem ele? Quando, Deus?

Depois da linda surpresa que Alfonso fez a Anahí em sua festa de formatura da universidade, propondo-lhe matrimônio, a vida dos dois foi perfeita, como havia sido desde que haviam decidido começar a morar juntos, alguns meses antes. Se casaram 5 meses depois, quando completaram um ano de namoro. O casamento mais bonito que sua cidade já viu e o momento mais lindo da vida dos dois.

Lembrava-se claramente dos ditos do padre, do “sim” sussurrado por cada um deles, do beijo suave que Alfonso lhe deu, tomando-a nos braços. Suave e apaixonado. Amo você, ele lhe dissera ao ouvido, de agora em diante você é minha, oficialmente e para sempre. Aquela lembrança seguia viva na memória de Anahí.

Sua lua de mel foi a mais linda, a mais cheia de amor que jamais houve nesta terra. Alfonso e Anahí trabalharam duro por meses, fazendo extras, tudo para conseguir guardar dinheiro para sua lua de mel. Viajaram por toda a América Latina, caminhando de mãos dadas em areias brancas e mornas de praia, mergulhando nas ondas altas e espumantes, visitando lugares turísticos, beijando-se sob os primeiros raios de sol e de luar, todos os dias e todas as noites. Cada segundo havia sido mágico.

Lembrou-se das diversas vezes que fizeram amor, de forma entregue e única, compartilhando sentimentos que ambos só vieram a conhecer juntos, sentimentos de amor e paixão, de alma e carne, aquela completude inexplicável, sussurros e gemidos, ao fim, beijos e sorrisos e agradecimentos. Eles sempre costumavam agradecer quando se entregavam um ao outro. Agradeciam por todos os momentos que compartilharam e pelos que ainda viriam a compartilhar, agradeciam pela oportunidade de estarem juntos e serem parte um do outro, agradeciam pelo amor que dividiam. Agradeciam por serem um só, em corpo, quando faziam amor, já que em alma eram um só sempre.

Anahí engoliu os soluços que subiram à sua garganta, engasgando-a, e segurou as lágrimas.

- Bebê – falou com o filho – por que você não vai tomar banho e trocar de roupa? Lily vai lhe ajudar.

- Sim, mamãe – retornou o menino e saiu chamando pelo nome da babá.

Anahí se deixou cair novamente na cama, as lágrimas ensopando seu rosto e seus lençóis. Ela só era forte na frente do filho. Bom, pelo menos tentava ser forte na frente dele. Mas quando estava só, sempre chorava, sempre lembrava, sempre sentia a saudade, a dor, a realidade, como fazia agora.

A lembrança do calor do corpo de Alfonso sobre o seu e toda a paixão que compartilhavam seguia ali, era como se ela ainda o pudesse sentir. Sacudiu a cabeça. Você nunca voltará a senti-lo, uma voz em sua mente a advertiu.

Quando voltaram à sua cidade, depois da lua de mel, a vida foi se mostrando um pouco diferente para eles. No princípio, foi tudo perfeito, claro, como em qualquer relacionamento. Mas depois de uns meses começaram a se chatear por qualquer coisa e ficavam jogando a culpa de um para o outro que nem batata quente. Mas, sabe... até disso Anahí sentia falta. As brigas, eles as superavam juntos, conversavam, resolviam, melhoravam, beijavam-se e tudo ficava bem. Mas, e agora? Como consertar? Como superar?

Anahí tocou o próprio peito, massageando devagar, lhe doía o coração.

Depois das discussões por nada, Anahí e Alfonso perceberam que as coisas não iam bem porque seus planos pareciam frustrar-se um a um. Primeiro, ela perdeu o pai. Já era órfã de mãe desde os onze anos de idade, pois a havia perdido para o câncer. O pai nunca fora presente em sua vida, mas quando descobriu que estava terminalmente doente, voltou a aproximar-se do casal de filhos e reconciliou-se com eles. Foi por pouco tempo que Anahí pôde sentir o que era ter um pai, mas, mesmo assim, hoje sentia falta daquela voz séria e solene, da mania de sempre querer dizer-lhe o que fazer e de tentar protegê-la de tudo. Sentia falta de seus pais.

Depois da perda de seu pai, os pais de Alfonso sofreram um acidente quando viajavam de carro de sua cidade no interior para visitar o casal na capital. O carro capotou, mas, felizmente, os dois sobreviveram, apesar de que dona Mara, a mãe de Alfonso, ficou paraplégica, irrecuperável. As lágrimas que rolavam pelo rosto de Anahí com todas aquelas lembranças eram enormes e velozes. A vida quase tinha levado também os pais postiços que ganhara para preencher aquele enorme vazio da falta dos seus.

Quando pareciam ter superado tantas pancadas que a vida lhes havia dado e pensaram que tudo estava caminhando para ficar bem, perceberam que mesmo sem preservativos ou qualquer outro tipo de anticoncepcional, ainda não tinham filhos. Consultaram diferentes médicos e nada parecia haver de errado com nenhum dos dois. Então, por que não tinham filhos? Se perguntavam. Por que não? Naquela época, Anahí não soube a resposta. Apenas escutava sua sogra que dizia: tudo tem seu tempo.

Mas eles não pensavam em desistir, era seu sonho.

- Então? – Anahí lembrou-se da voz rouca de Alfonso a perguntar-lhe pelo teste de farmácia que carregava na mão, ao sair do banheiro.

- Negativo – sussurrou ela, ele a abraçou.

- Não se preocupe, meu amor, vai chegar o momento – acalmou-a, beijando-lhe a testa.

Eles superaram as dificuldades juntos, os problemas, amadureceram. Aprenderam a ser felizes, mesmo com os obstáculos, aprenderam porque seu amor era maior que todos os leões que tinha de enfrentar dia a dia. Por um ano ou mais, continuaram tentando, suportando as desilusões das respostas negativas em testes e aguardando o momento certo em que Deus os agraciaria com um filho.

E foi em um dia comum que suas preces foram ouvidas.

Alfonso, que era biólogo, saíra com um companheiro de trabalho para viajar em busca de novas espécies de flores selvagens em uma pequena mata em uma cidade interiorana não muito longe da capital. Eram pesquisadores e tudo faziam por seu trabalho, mas aquelas viagens, Anahí sabia, para eles era muito mais, era uma verdadeira aventura, era o que amavam fazer da vida.

Anahí sentira um incômodo estranho em seu corpo nos dias anteriores a viagem, mas dessa vez, não quis contar a Alfonso. Preferiu guardar. Já haviam sido tantas desilusões, ele não merecia mais uma, eles não mereciam. Quando o esposo viajou, finalmente, e Anahí calculou certo atraso em sua regra mensal, decidiu ir consultar o médico que a acompanhava.

Primeiro, chorou de felicidade com a possibilidade de estar grávida. Depois chorou de medo. Podia ser qualquer coisa. Podia estar doente. Podia descobrir que nunca mais poderia ter filhos. Mas a notícia ao fazer os exames foi a mais alegre que ela poderia ter recebido na vida.

- Felicidades, Anahí, você vai ser mãe – lhe disse o médico, sorrindo.

Lembrava-se nitidamente da sensação que tivera ao ouvir aquilo, mas se lhe pedissem para explicar, ela não saberia. Era tanta felicidade que um nó de lágrimas se formou em sua garganta e não conseguia falar. Seu coração batia tão forte que ela sentia que iria desmaiar a qualquer momento. Inspirara e expirara diversas vezes, tentando controlar tanta emoção.

- Vou ser mãe? – Confirmou finalmente.

- Sim, minha querida – lhe assegurou o médico.

Depois de ir até sua casa flutuando nas nuvens, a primeira coisa que Anahí fez foi ligar para seu esposo, para perguntar-lhe quando voltariam e marcou um jantar com ele, em sua própria casa, dali a dois dias.

Preparou um jantar para dois, ela mesma se encarregou do menu. Arrumou-se confortavelmente, com um vestido longo que sabia que Alfonso gostava, também colocou seu perfume favorito. Esperou-o sentada no sofá da sala. Ligou a TV porque estava impaciente e ansiosa pelo momento de sua chegada. Ele havia dito que chegaria às seis e meia. Estava tão próximo.

O noticiário das seis anunciava que dois carros haviam se chocado frontalmente na rodovia pela qual Alfonso iria passar, ou melhor, a essa hora já deveria ter passado. O motorista de um dos carros vinha em grande velocidade e tinha grande quantidade de álcool no sangue. Ele invadiu a pista na contramão, chocando-se com o carro que deslizou para a lateral da pista, capotando duas vezes, Anahí ouvi no noticiário. Seu coração palpitava. Pegou o celular e ligou para ele, logo em seguida. Chamava, chamava, mas ninguém atendia. Era um Nissan Frontier, ela ouviu a moça do noticiário continuar a anunciar, a placa do carro atingido era..., a ambulância já levou os feridos para o hospital mais próximo. Anahí ainda a ouviu dizer mais coisas, mas, depois disso, não lembrava de mais nada. Achava que tinha tentado ligar para o telefone dele novamente, mas também não havia obtido resposta. Não podia ter certeza do que estava pensando ou sentindo, mas, por um momento, pensou que não podia haver erro, a placa que a moça citara era a placa do carro de Alfonso.

Depois de permanecer absorta entre lágrimas e ligações sem resposta, Anahí ouviu a confirmação das identidades do motorista e passageiro do carro atingido. Alfonso... não precisava ouvir nada mais, seus ouvidos taparam-se por si só. Alfonso, seu coração sussurrava o nome do esposo, suplicando a todos os santos que fosse mentira e que ele aparecesse do nada e a abraçasse apertado e dissesse que a amava. Alfonso. Anahí esqueceu de respirar, não sentia mais nada, nem o sofá, nem as almofadas a seu redor, nada. Alfonso.

...

Era incrível como hoje, depois de quase oito anos, Anahí continuava sentindo o mesmo que sentira naquela noite: o desespero, a sensação de vazio, de estar só.

Christian, seu irmão, junto a sua esposa, Maite, haviam vindo a seu apartamento e a haviam encontrado desmaiada sobre o sofá. A levaram ao hospital, porque ela estava muito mal quando recobrou os sentidos, seu corpo estava frio, provavelmente pressão baixa, e não conseguia falar muito bem.

Quando conseguiu falar, Anahí pediu a eles que trouxessem seu médico e sua ginecologista, pois precisava cuidar de seu bebê. Depois de mil e um exames para saber como estava o corpo de Anahí e como estava o bebê, ela foi liberada e já estava um pouco mais calma, ou pelo menos controlada.

- Alguma notícia sobre Alfonso? – Perguntara ela a seu irmão e a sua cunhada quando foi liberada. Eles se entreolharam – o que houve? Eu preciso saber, falem de uma vez.

- Anahí – Maite a abraçou cuidadosamente – ligaram para os pais de Alfonso, Tony, irmão dele, estava em uma cidade próxima e foi cuidar de tudo. Nos ligou há pouco, está no hospital.

- E como Alfonso está? Devemos trazê-lo do interior, aqui na capital os hospitais possuem mais recursos e vai ficar junto de mim. Se não o trouxerem, viajo para lá agora mesmo.

- Anahí – Chris falou cuidadosamente – Marco morreu, nem deu tempo de chegar ao hospital – Marco era o amigo de Alfonso. Anahí começou a chorar – Alfonso... ele...

- O que? Me diga de uma vez, não aguento isso, como ele está?

- Sofreu traumatismo craniano e seu cérebro não suportou...

- Não. Isso é mentira. É mentira, você não pode dizer isso – falou, castigando o peito de Christian com murros, debatendo-se de tristeza.

- Calma, querida – Maite tentou acalmá-la, lhe acariciando os cabelos.

- Como querem que me acalme? – Anahí gritou – como?

Continuou a chorar e a gritar qualquer coisa sem sentido, quaisquer palavras sem nexo. Depois foi perdendo as forças, as lágrimas levavam cada resto de brilho e vida que havia em Anahí. Tocou o próprio ventre. Estamos sozinhos, disse para si mesma e para o bebê que carregava no ventre.

...

Tony voltou à capital dois dias depois com tudo pronto para o enterro de Alfonso. Foi solícito e prestativo. Cuidou de Anahí e a apoiou em todos os momentos durante o enterro e, mesmo quando estava distante, também o fez, nos anos subsequentes, sempre mantendo-se presente na vida dela e na vida de seu sobrinho.

Apesar da tristeza e da solidão e da saudade, Anahí seguiu em frente, sobreviveu, reviveu com o nascimento de seu filho e seguiu em frente, por ele, pela injeção de felicidade, ainda que incompleta, que ele lhe trouxe ao nascer, quando Anahí viu pela primeira vez seus olhinhos miúdos e verdes, iguaizinhos aos de Alfonso. De alguma forma, o menino a fazia sentir como se Alfonso ainda estivesse com ela.

Não havia o que tirar ou que colocar em Alex para que se parecesse ao pai, todos pensavam o mesmo, eles tinham os mesmos olhos, o mesmo sorriso, era ele em miniatura. O nome foi justo: Alex Alfonso.

- Mamãe, estou pronto – falou o menino entrando correndo ao quarto, atraindo Anahí à realidade – mas a senhora ainda está assim? – Perguntou, vendo que ela continuava de camisola.

- É que a mamãe está um pouquinho cansada.

- Claro, a senhora trabalha todo dia sempre.

- Você é tão inteligente – falou Anahí, sorrindo levemente – mas, filho, meu trabalho me cansa, mas também me faz bem. Porque a mamãe ama o que faz e é daí que tiro dinheiro para nós, meu anjo, para pagar nossa comida, nossa casa, nossas roupas e passeios... e seus brinquedos.

- Ah, então é bom!

- Sim...

- Ah, mamãe, eu pensei... já que é seu aniversário, vai ter bolo, não é?

- Sim – Anahí sorriu.

- E velinhas?

- Creio que sim, bebê.

- E você vai fazer um pedido.

- Bom, sim. Mas por que essas perguntas?

- É que estava pensando que a senhora podia pedir que meu pai volte quando soprar as velinhas – uma lágrima escapou pelos cantos dos olhos de Anahí – mamãe, se tiver outra coisa que queira mais, não tem problema, eu posso pedir no meu aniversário – a mãe o pôs em seu colo.

- Meu amor – falou calmamente, fazendo-o olhá-la nos olhos – não há nada no mundo que eu queira mais. E adoraria poder dizer que pedirei e que Deus vai realizar este nosso pedido, mas... não seria verdade – as lágrimas corriam livremente pelo rosto de Anahí – seu pai está no céu, de lá ele nos olha todos os dias, mas de lá não pode voltar, Deus o levou e ele não pode voltar porque se tornou um anjo.

- Mas, mãe, Deus é bom. Se eu for bom menino e pedir com paciência, certeza que ele vai me atender.

- Bebê... não dá – Anahí tentava explicar, mas não sabia como.

- Por que não?

- Meu anjo, você é ainda muito pequeno para entender, mas é... você não tem seus avós que eram meus pais, eles não estão mais aqui e não podem voltar – Alex começara a chorar – por favor, pequeno, não chore, por favor...

- Quero meu pai, mamãe, quero um papai que nos leve para passear e me leve para o futebol.

- Sei que não é o mesmo, filho, mas eu estou aqui, eu amo você! – O apertou entre seus braços – posso lhe pedir algo? – Alex sacudiu a cabeça em sinal positivo – hoje é meu aniversário. Por favor, de presente, me dê seu sorriso, não chore mais, a mamãe fica triste.

- Tá bom, mamãe.

Algum tempo depois, Dulce chegou. Anahí trocou de roupa o mais rápido que pôde. Asseou-se e escovou os dentes. Agarrou o filho pela mão e colocou um sorriso no rosto. Desde que Alfonso havia partido, seu sorriso nunca mais havia sido o mesmo, nunca mais havia sido totalmente sincero. Sabia perfeitamente que se ele a visse hoje, não se apaixonaria por aquele meio sorriso, não se apaixonaria como havia feito da primeira vez.

...

O encontro no restaurante para comemorar o aniversário de Anahí foi animado, na medida do possível. Aí estavam Anahí e seu filho; seu irmão com Maite e Eliana, filha dos dois; Dulce e Christopher, seus amigos, com seu filhinho Marcel; e logo chegariam também a irmã e os pais de Alfonso, que amavam Anahí como se ela fosse sua própria filha. Eles eram uma grande e unida família, todos haviam criado laços muito estreitos, especialmente após a morte de Alfonso: não há nada como a dor para estreitar laços entre pessoas que se amam e se importam umas com as outras.

- Chegamos – anunciou Mara, a mãe de Alfonso, ao aproximar-se da mesa. Seu esposo, o senhor Henrique, guiava sua cadeira de rodas.

- Onde está nossa aniversariante? – Perguntou ele.

Anahí levantou-se e abraçou apertado a seus dois anjos que haviam posto no mundo o grande amor da sua vida. Agradeceu sinceramente a presença deles, o amor que lhe dedicavam, a família que haviam se tornado, enfim, a simples e essencial existência deles em sua vida.

- Onde está meu campeão que não veio me abraçar? – Perguntou o senhor Henrique, buscando Alex com o olhar.

- Vovô! – O menino apareceu e saltou em seus braços.

- Cuidado, príncipe, você vai machucar seu avô.

- Estou bem, querida – Henrique apressou-se em dizer – como você está, Alex?

- Bem... só um pouquinho triste, hoje a mamãe estava chorando – explicou o menino.

- Alex, vem cá – chamou Anahí, tomando-o em seus braços – não precisamos falar sobre isso.

Anahí sentou-se à mesa, colocando Alex na cadeira elevada ao lado da sua. Apesar do ligeiro incômodo, todos seguiram o jogo, ninguém queria ficar falando sobre coisas tristes durante um almoço que deveria ser um feliz encontro em família para comemorar o aniversário de Anahí.

- Vamos pedir o almoço – sugeriu ela.

Todos seguiram a deixa. Dali a pouco a estranha sensação passaria. Todos sabiam que ela ainda sofria. Todos adorariam saber o que fazer para curá-la de vez daquela dor que a matava pouco a pouco dia a dia. Mas a verdade é que ninguém sabia como, porque sabiam que consolo e palavras nunca seriam suficientes e muitas vezes até pioravam as coisas. O jeito era ir vivendo como dava, como se podia, superando a saudade, superando o vazio, se fazendo presente na vida dela para ocupar um pouco do espaço que Alfonso havia deixado oco.

Comeram tranquilamente e falaram sobre qualquer coisa: notícias do jornal da manhã, novidades locais, filmes novos que haviam saído, planos para uma viagem no ano novo. Depois do almoço e da sobremesa, as crianças insistiram que fossem ver a nova animação da Pixar que estava no cinema. Todos se animaram, especialmente Anahí, pois ela adorava mimar todas as crianças da família. Saíram do restaurante direto para o cinema.

Entre grãos de pipoca, risadas das crianças e um divertido filme de animação, nem parecia que a vida era tão difícil e machucava tanto às vezes. É que para Anahí só havia uma pessoa que realmente fazia cada dia sem Alfonso ainda valer a pena: esse alguém era seu filho, Alex. Por Alex ela sorria dia a dia, acordava e dormia, trabalhava e estudava, errava e consertava, perdia e recomeçava. Alex a havia sustentado até hoje. Ele era o motivo pelo qual ainda sorria, mesmo que seu sorriso não fosse inteiramente feliz.

Quando a noite já chegava e já era hora de ir para casa, Dulce acompanhou Anahí, pois queria conversar com ela. Christopher ficou com as crianças no playground no jardim do condomínio, enquanto as mulheres subiram com algumas poucas sacolas do mercantil pelo qual passaram antes de vir para casa.

Largaram as sacolas sobre o balcão da cozinha e sentaram-se no sofá, Anahí ligou a TV, quem sabe estivesse passando qualquer coisa interessante, não estava muito a fim de conversar, pois já sabia qual seria o assunto da conversa.

- Desliga isso – pediu Dulce – quero conversar com você.

- Sim, eu estive chorando, se é isso que você quer saber.

- Muitos anos já passaram, querida...

- Não importa e você sabe: o tempo não importa. Sempre vou amá-lo e sempre vou sentir sua falta.

- Sei que sim, mas isso não pode lhe impedir de seguir em frente, conhecer outra pessoa.

- Você não entende. Ele... ele está cravado em mim. Faz parte de mim que nem tatuagem.

- Mas tenho certeza que ele ficaria feliz se você estivesse feliz com alguém, por que não dar a você mesma uma oportunidade? Sei que Tony tem buscado você...

- Me desculpe, querida, mas até pensar nisso é insano, falar sobre isso é absurdo. Eu não quero aproximar-me de ninguém, muito menos do irmão de meu esposo.

Tony nunca havia sido o mais próximo ou cordial irmão para Alfonso. Sempre tiveram muitos problemas por ser ele filho do primeiro casamento de seu pai e ter sido abandonado pela mãe, ele sempre descontara suas frustrações no novo casamento e nos novos filhos de seu pai. De qualquer forma, Anahí e Tony se haviam conhecido, dado que eram parte de uma mesma família e, de alguma forma, mantinham certo contato, raro, mas havia contato. Até o dia do acidente de Alfonso.

Tony estava em uma cidade interiorana próximo de onde tudo havia ocorrido. Foi tão rápido. Um acidente, traumatismo craniano, coma seguido de morte cerebral. Anahí nem chegou a vê-lo, a despedir-se, a chorar sobre seu corpo. Tony explicara que o irmão tivera fratura exposta no crânio, seu corpo tivera de ser embalsamado, mas optara por não fazer reconstrução, queria deixar a alma de seu irmão partir em paz.

O enterro de Alfonso havia sido menos de 48h depois do acidente, pois nada pôde ser feito mesmo ele tendo ido ao hospital: já não tinha vida, de acordo com os laudos médicos. Enterraram-no, caixão fechado e negro, muitas flores brancas e lágrimas sem fim de uma família que amava mais do que palavras poderiam explicar aquele homem, aquele jovem, aquele filho, irmão, esposo, aquele amigo.

Tony fora o melhor dos cunhados, Anahí reconhecia e era grata por isso. A havia apoiado muito nas primeiras semanas depois da morte de Alfonso, ajudando-a a recompor-se, conversando com ela, levando-a ao médico para o pré-natal de seu filho. Ele havia se tornado presente. Até havia se aproximado mais de toda sua família. Ele agora era parte. Fazia parte também da vida de Alex. Mas parte não era tudo. Parte não era Alfonso. Parte não era o que Anahí buscava. E tampouco era o que queria dar a este homem que tanto a apoiara. Ela podia não lhe ter amor. Mas sempre lhe teria enorme gratidão.

Com o tempo, Anahí deu-se conta que gratidão não era suficiente para Tony. Ele começara com a presença, seguira com presentes e presenças, mais adiante já reclamava seu espaço, sua parte. Anahí percebeu suas intenções. Ela não dissera que sim, pois ele nunca lhe havia questionado diretamente. Tampouco dissera que não, pois não achava que era necessário. A possibilidade de "sim" não existia, existia?

- Anahí, Tony ama você. É nítido em seus gestos, em suas ações. Ele está esperando por você, pelo seu tempo – continuou a amiga.

- Eu nunca disse que me esperasse, Dulce. Não seria justo comigo, nem com ele se começasse algo, pois sei que não o amo. Eu amo Alfonso, sou fiel a ele.

- Alfonso não está mais aqui - Dulce falou com certo cuidado: não queria magoá-la mais do que já vivia magoada e dolorida.

- Você não precisa me lembrar isso a cada cinco minutos - falou secamente.

Dulce puxou-a para seu colo quando a viu começar a chorar.

- Desculpe-me, desculpe-me - pediu apressada - por favor, não quis lhe machucar.

- Você disse a verdade - reconheceu Anahí entre soluços - ele não está mais aqui, mas isso não significa que não o ame. Pelo contrário, o amo mais do que poderia explicar a você. Não sou fiel somente a ele, Dulce. O amor que lhe tenho é parte de quem sou, se não sou fiel a ele, não sou fiel a esse sentimento e não sou fiel a mim mesma.

Dulce apenas continuou apertando a amiga dentro de seu abraço, afagando seus cabelos, tentando de alguma forma acalmar aquele coração tão atormentado pela dor e pela saudade.

- Tenho tentado ser forte, todos os dias - confessou Anahí - eu tenho sido. Você não sabe o quanto. Tem dias que sinto como se tivesse fora do meu corpo. Fico assistindo tudo de longe, me perguntando como consigo passar por cima dessa dor enorme e viver. Pode parecer exagero. Mas você sabe quem fui, você sabe o que significa Alfonso em minha vida. Ele me salvou. De todas as formas que alguém pode ser salvo. Ele me salvou de tudo. Ele me salvou de mim mesma.

- Mas agora você tem Alex.

- Sim e, acredite, é só por ele que ainda estou aqui, que ainda levanto todos os dias, que ainda me dedico ao meu trabalho, que ainda sorrio. Alex é a maior prova de que Alfonso ainda continua me salvando de mim mesma e do mundo, todos os dias. É por Alex, antes de qualquer coisa, que faço o que faço e sou quem sou, porque meu amor pelo meu filho é maior que tudo.

- Não tenho dúvidas do quanto tem sido difícil para você e do quanto tem sido forte por Alex, antes de tudo. É exatamente por isso que penso que você deveria se permitir, minha amiga, porque se o fizer, você terá ajuda, terá apoio.

- Não sei... sabe, hoje Alex me perguntou pelo pai. Pela primeira vez me perguntou diretamente sobre isso. Acho que ele já está crescendo e entendendo as coisas.

- O que lhe perguntou?

- Perguntou por que ele nos havia deixado, se voltaria - lágrimas rolavam sem parar por seu rosto - tive de dizer a verdade, que não voltaria e sabe o que ele me disse? Que poderíamos pedir que Deus mandasse seu pai de volta antes de soprar as velas do meu bolo de aniversário - angustiada, massageou o próprio peito, tentando respirar em meio às lágrimas - como explico para uma criança que a vida de seu pai foi tirada por um bêbado inconsequente que matou a si próprio e a mais dois homens que estavam apenas começando a construir suas vidas e suas famílias?

- Você não tem que explicar, querida. Um dia Alex entenderá. O que você precisa é amar alguém novamente, começar de novo, também por Alex, mas principalmente por você mesma. Você é tão jovem!

Anahí não dormiu naquela noite...

Não que não quisesse ou não se sentisse cansada. Na verdade, naquele dia e nos últimos dias, havia se sentido realmente cansada. Tudo que ela precisava era dormir, um minuto, uma hora, um dia, uma semana, ela preferiria hibernar por um tempo, mas não podia, tinha que seguir em frente, tinha que trabalhar, tinha que continuar, talvez até tinha que encontrar alguém. Por Alex, ela tinha que fazê-lo, tinha que continuar a vida, tinha que viver de verdade.

O jantar no dia seguinte, depois de um longo dia de trabalho e de uma noite mal dormida, não havia sido o jantar de sempre em que se sentavam apenas ela e Alex, ele lhe contava sobre a escola e ela apenas sorria pela felicidade de poder estar com seu filho e vê-lo crescer a cada dia. Não, naquela noite o jantar não foi a dois. Foi a três.

Tony chegara pouco antes das sete da noite com um ramalhete de rosas para Anahí e um brinquedo para Alex. O jantar foi tranquilo, conversaram sobre muitas coisas. Mais tarde, quando o menino já havia sido posto para dormir, Anahí e Tony ficaram a sós. O clima era tenso e estranho, apesar de que nenhum dos dois sabia exatamente o porquê.

Anahí sabia por que o chamara para jantar, sabia o que deveria fazer, sabia que deveria dar uma chance a eles, ele merecia, Alex merecia. Mas, ao mesmo tempo, era tão estranho, era tão... sem pé nem cabeça aquela ideia. A conversa se desenrolou meio de qualquer forma, não saberia dizer exatamente quem entrou ao assunto, mas Tony percebera o que ela queria dizer, o que Anahí pretendia com aquele jantar.

- Será apenas pelo Alex? – Perguntou ele.

- Não seria justo – confessou ela – propor que tenhamos algo apenas por Alex sem lhe dar nada em troca. Quero lhe dar o mesmo que qualquer outra mulher lhe daria, eu ainda não sou capaz, mas me tornarei.

Por um momento, Anahí respirou aliviada. Tony diria que não, diria que ela estava tentando aproveitar-se dele, que queria uma mulher que o amasse, que não podia ficar com ela dessa forma. Mas ele não disse nada disso. Foi tranquilo e compassivo, aceitando tudo que ela lhe havia dito.

- Meu amor é suficiente para nós dois – declarou ele – farei de tudo para ser o melhor homem para você.

Anahí teve medo. E se ele quisesse beijá-la? E o que viria depois? E se quisesse casar-se? E se ela nunca pudesse entregar-se a ele? E se ficasse triste por toda sua vida?

Mas o estava fazendo por Alex. Alex valia a pena.

...

Nos dias que se seguiram, Tony passou a visitá-los com mais frequência. Também saíram juntos algumas vezes, para jantar e para ir ao cinema, especialmente no fim de semana. Alex parecia gostar daquilo. Já Anahí sentia-se incômoda. Duas semanas haviam se passado. Ele a havia beijado duas vezes. Duas vezes havia beijado uma parede.

Anahí não saberia explicar sua frieza. Não era só a certeza de que nunca deixaria de amar Alfonso. Tinha mais. Tony era um homem muito bom, especialmente para Alex, mas ela não sentia que podia entregar-se a ele, não sentia que podia apaixonar-se por ele, nem que ele fosse eternamente paciente e esperasse todo o tempo do mundo.

O terceiro fim de semana de seu pseudo-relacionamento passou-se e, na segunda-feira seguinte, depois de deixar Alex na escola, Anahí foi ao trabalho como sempre fazia nos dias úteis da semana. Apesar de tudo, do desânimo, da solidão e... de Tony, trabalhar a ajudava, pois ela gostava do que fazia, gostava de chefiar o Escritório de Advocacia Puente, o maior escritório da capital.

Anahí havia assumido o posto de presidente do escritório depois da morte de seu pai. Seu irmão, Christian, também formado em Direito, atuava como juiz e não tinha interesse em cuidar da empresa e Anahí já trabalhava lá, então, não só por ser filha do falecido fundador e dono da empresa, mas também por sua competência, ela foi eleita diretora do escritório.

Mentiria se dissesse que não gostava do carho. Podia manter a ordem e cuidar de tudo exatamente como seu pai faria: gostava de pensar que ele estaria certamente orgulhoso se visse seu trabalho lá. Além disso, ela ainda podia continuar advogando, apesar de pegar menos casos que antes.

Entrou em sua sala e buscou sua agenda que sua secretária, Lílian, havia acabado de deixar sobre a mesa. Hoje tinha que adiantar-se no processo dos Castelo. Os senhores Castelo haviam morrido em um acidente e tudo que a eles pertencia deveria ficar com seus filhos, ainda crianças, para garantir-lhes um futuro. Mas estava havendo uma enorme briga na família, entre irmãos dos falecidos, todos querendo ficar com o dinheiro e as propriedades e, apenas por consequência, com as crianças. Mas, em uma carta informal, os Castelo deixaram por escrito que queriam que a senhora Carla, babá dos meninos desde a primeira infância, ficasse com eles, pois ela tinha um enorme apreço e cuidado pelas crianças. Era difícil ir contra o direito da família imediata, mas a senhora Carla sempre havia vivido com eles e Anahí sabia que era possível. E se alguém podia dar um jeito nisso, esse alguém era ela.

Naquela manhã, além de confirmar com a sra. Carla a audiência para a semana seguinte, Anahí avaliou novos processos que haviam sido solicitados ao escritório, checando informações gerais e documentações e repassando a seus colegas especializados nas diferentes áreas do Direito.

O telefone tocou quando já passava da metade da manhã, era Lílian, a secretária.

- Uma chamada do interior, posso transmitir?

- Do interior? Quem fala?

- Armando Ruiz.

- Ruiz? – Certificou-se Anahí, buscando o sobrenome em sua memória.

- Me disse que foi amigo e cliente de seu pai.

- Passe-me, então – concluiu Anahí.

- Senhorita Puente? – Perguntou o senhor do outro lado da linha.

- Herrera – corrigiu ela – levo o nome de meu falecido esposo.

- Desculpe, sra. Herrera.

- Sem problemas – Anahí sorriu através do telefone – minha secretária falou que o senhor foi amigo de meu pai.

- Sim, senhora, mas não sabia o que havia acontecido, sinto muito. A srta. Lílian me informou do falecimento.

- Obrigada. Posso ajudá-lo em algo?

- Sim. Seu pai cuidou de um processo para minha família anos atrás, por isso nos conhecemos.

- E qual o caso agora? – Perguntou ela, cordialmente.

- Administramos nossas terras, eu e meu filho, trabalhamos com pecuária e agricultura, mas tenho o péssimo hábito de receber materiais de uso cotidiano e não checar notas. Meu filho percebeu uns furos recentemente e se deu conta que se tratam de cobranças indevidas do fornecedor de ração. Tentamos resolver, mas já há algum tempo temos insatisfações com este fornecedor, acabamos por romper o contrato antes do tempo, então teremos de pagar multa, mas eles que estão nos devendo – contou indignado.

- Entendo. Vocês estão com toda a documentação disponível? Contrato com o fornecedor, recebimento dos materiais, notas, recibos de contagem ou pesagem.

- Sim, temos. Na verdade, meu filho tem. Ele cuida da parte administrativa e dos animais e plantios. Eu o mandarei à capital para que possa conversar com você.

- Na verdade, não creio que seja necessário. Se me mandam os documentos por correio, eu já posso dar início ao processo.

- Bom, ele iria de qualquer forma, pois vai acompanhar minha filha mais nova, ela irá se mudar para cursar a faculdade. Ele irá para cuidar dela por uns tempos.

- Ok, entendo – Anahí riu-se por dentro. Sim, era amigo de seu pai: era incrivelmente protetor como ele fora – bom, então aguardo seu filho, basta que marquem um horário com minha secretária quando venham.

- Obrigada, Sra. Herrera.

- Eu que agradeço por confiar em nosso trabalho.

No horário de almoço, Tony ligou para Anahí. Ela tentou fazer de conta que não vira a chamada, mas ele ligara diversas vezes para seu celular e para o telefone de sua secretária, pedindo-a que a avisasse que ele estava lá fora, esperando-a para que saíssem para almoçar. Ela teve de ir. Mas não estava disposta a sair só com ele, então, ao chegar no carro e cumprimentá-lo com um beijo em cada bochecha, Anahí sugeriu que fossem buscar Alex para que almoçassem juntos. Tony concordou com um aceno e um sorriso.

O menino logo se animou quando chegaram para buscá-lo na escola.

- Vamos almoçar os três juntos que nem família? – Perguntou inocentemente.

Anahí respondeu que sim, apressada e forçadamente. A verdade é que ela não conseguia imaginar aquilo como uma família e a cada dia se sentia menos à vontade com tudo. Ela não o amava. Ela não o amaria. Mas até que Alex parecia gostar muito de seu tio.

- Me levem ao parque, por favor – pediu o garoto depois do almoço.

- Não, senhorzinho. A mamãe tem que voltar ao trabalho.

- Por favor, mamãe, sim? Tio Tony diga a ela que me diga que sim!

- Você não está pretendendo dizer sim para ele sempre, está? – Perguntou ela com cara de enfado, mas ria – hoje você vai para casa, garotinho, fazer suas tarefas.

- Mas não quero! – Esperneou o menino, levantando o tom de voz.

- Nada desse tom, Alex Alfonso.

- Desculpa – pediu rapidamente.

- Peça desculpas direito.

- Desculpa, mamãe, não faço mais – e aplicou-lhe um beijo na bochecha.

- Tudo bem. Já que hoje não poderemos ir ao parque, peça ao tio Tony que lhe pague um sorvete de consolação – riram.

- Depois eu que o mimo – Tony comentou ainda rindo – vamos, Alex, escolher os melhores sorvetes e levar para casa para tomarmos enquanto vemos um filme.

- Nada disso, ele tem tarefa para fazer.

- Eu tenho a tarde livre – explicou Tony – o ajudo com as tarefas e depois vemos o filme. Concorda, Alex? – O menino balançou a cabeça dizendo que sim – então, pode ser assim? – Dirigiu-se à Anahí.

- Tudo bem. Mas com uma condição. Me tragam um Magnum de chocolate branco, para já!

- Agorinha – responderam os dois ao mesmo tempo.

Alex escolheu dois sorvetes, um de chocolate ao leite e o Magnum para sua mãe. Tony preferiu não tomar sorvete naquela hora, escolheu levar um pote de dois litros de creme com chocolate para o lanche da tarde, já que passaria o resto do dia com o menino. Anahí advertiu-os que não se empanturrassem de sorvete, pois perderiam a fome para o jantar no princípio da noite e depois de algumas risadas em meio a uma conversa leve, saíram do restaurante.

Desceram no trabalho de Anahí, pois Alex insistiu que passaria para dar um beijo em Lílian, a secretária de sua mãe.

- Ele se parece a um anjo – comentou Tony, vendo como o menino era carinhoso com todos.

- Sim – Anahí concordou quase em um suspiro – se parece muito a Alfonso.

Tony tossiu e disfarçou o brilho de ciúmes e raiva que passou por seu olhar.

- Desculpe – Anahí pediu, mas não tinha certeza se estava arrependida. Ela dissera a verdade, certo?

Tony apenas sorriu suavemente e disse que não havia problema, que pouco a pouco eles iriam acostumar-se com tudo e que seriam uma família muito feliz. Anahí se moveu um pouco, ajeitando a saia colada que lhe chegava quase até os joelhos. Sentia-se desajeitada. Desconfortável. Fora do lugar. O que ela estava fazendo?

Para sua sorte, não teve muito tempo para pensar sobre o assunto. Tony e Alex logo haviam saído para passar a tarde juntos e Lílian agora chamava a atenção de Anahí sobre alguma coisa que tinha de lhe falar.

- O Sr. Ruiz ligou novamente para você. Me pediu que lhe avisasse que seus filhos virão na semana que vem, que podemos marcar um dia.

- Ok! Confirme um horário de minha disponibilidade com ele, você sabe mais de minha agenda que eu mesma – ambas riram – creio que pode ser na terça – completou.

- Às duas da tarde, está bem? É tempo suficiente? Porque haverá reunião às três.

- Não se preocupe, meu encontro com eles será rápido, o caso deles é um tanto simples.

- Ok.

Quando Anahí concluiu seus afazeres no escritório, dirigiu até sua casa quase correndo, queria banhar-se e deitar-se, estava muito cansada do longo dia de trabalho. No meio do caminho, teve de reduzir a marcha e andar mais devagar, com mais cuidado, porque não conseguia concentrar-se na direção ou no tráfego. Sua cabeça corria lá e cá. Entre Tony e Alfonso.

Tentou focar-se mais uma vez no caminho à sua frente. Tentou não fazer comparações. Comparar Tony e Alfonso era completamente injusto. Quem quer que fosse o outro homem, comparar qualquer pessoa a Alfonso era desleal, pois ela bem sabia que ninguém no mundo lhe faria sentir o que Alfonso fez. Ninguém no mundo seria capaz de fazê-la entregar-se da forma que se entregou a ele. Anahí era outra pessoa agora. Uma pessoa melhor.

Ela era tão jovem quando o conheceu, lembrava-se tão bem, naquela festa na faculdade, ele era amigo de Dulce, mas eles nunca se haviam visto, não até aquela noite. Ele a convidara para dançar e ela se sentira a mulher mais sortuda de toda a festa, exatamente como ele também se sentia. Eles dançaram. Dançaram colados, com seus corpos pegados e suados. Eles queriam mais. Anahí sabia o que queriam. Não seria a primeira vez que ela iria para a cama com alguém na primeira noite.

Telefones tocaram, pessoas apareceram, todos os imprevistos possíveis para que eles não concretizassem seu intuito inicial. Eles só queriam sexo. Mas eles não tiveram sexo. Saíram outras vezes, porque ainda queriam sexo, mas o destino não parecia querer conceder-lhes seu desejo, ainda não. E eles ainda buscaram sexo, Anahí especialmente buscava sexo, Alfonso pouco a pouco se envolvia, mas eles não tiveram sexo. E descobriram que, na verdade, queriam mais.

Fora naquela noite, em que ele a havia levado para jantar e eles dançaram juntos mais uma vez, mas dessa vez a música era diferente, era lenta, era romântica, era envolvente e... Anahí assustou-se. Ele a olhara de forma tão profunda, como se estivesse a desnudá-la, não fisicamente, mas sim, emocionalmente. De uma forma que ela nunca havia sido olhada antes. Como se ele pudesse ler cada milímetro de tudo que estava escrito na alma dela.

Anahí assustou-se... e fugiu. Ela fugiu depois daquela noite, escondeu-se. Esqueceu-se de atender ligações, de retornar mensagens, de cumprimentá-lo nos corredores da universidade, esqueceu-se de que ele existia. Na verdade, ela nunca esquecera, nem por um minuto, ele estava em sua cabeça o tempo inteiro. Mas se fechara em seu casulo, fechara-se de novo, porque apenas uma vez na vida havia se apaixonado e não tinha sequer uma lembrança boa daquele tempo e não queria aquilo de novo.

Afastar Alfonso doera muito mais nela mesmo do que nele, Anahí tinha certeza. Mas tem coisa nessa vida que tem de ser e o universo, por meio de seus amigos, Dulce e Christopher, trataram de juntá-los como deveria ser. Porque eles queriam apenas divertir-se à princípio, mas a vida lhes havia reservado muito mais.

Bastou uma brecha. Anahí abriu-se, falou, confessou seus medos, chorou, exibiu-se como um livro aberto e ele soube lê-la. Mais que isso, ele soube respeitá-la, soube entendê-la, soube esperá-la. Soube ensiná-la, soube aprender com ela. Souberam encaixar-se, completar-se, de uma forma que poucos casais fizeram ou farão. De um jeito que qualquer que entenda um pouco sobre espiritualidade diria que eles nasceram para estar juntos, morreram para estar juntos, Deus sabe quantas encarnações para trás... e eles ainda estavam ali, buscando estar juntos e aprendendo a ser um só em dois corpos.

Uma brecha e ele instalou-se dentro dela. Alfonso e um amor sereno, cheio de plenitude. Um amor que não era perfeito, mas que todos os dias lutava para ser melhor. Um amor que fez com que Anahí perdesse o medo, e visse o lado bom da vida em cada pequena coisa. Um amor que a salvou de uma vida de esconderijos, de uma prisão disfarçada de extrema liberdade e a colocou em um campo aberto, sob uma sensação de vulnerabilidade que Anahí nunca pensou que fosse acostumar-se. Mas acostumou-se. Era a vulnerabilidade de saber que havia alguém que conhecia cada pedaço dela e sobre quem ela conhecia cada mínimo detalhe. A vulnerabilidade de ser mais do outro do que de si mesma. Eles se pertenciam.

Lágrimas rolavam velozmente pelo rosto de Anahí quando ela, finalmente, estacionou o carro na garagem do condomínio onde morava. Inclinou o banco para trás e encostou-se até ficar quase deitada. Secou o rosto e respirou algumas vezes compassadamente. Quanta saudade. Tinha dias que a saudade era tanta que, se ela pudesse, escolheria sumir. Tinha noites que a saudade era tanta que nem sumir parecia ser suficiente. Mas ela tinha Alex. Ele precisava dela. E ela o amava. De tudo que Alfonso havia deixado nela, Alex havia sido o mais lindo presente, a mais maravilhosa dádiva.

Como todos os dias, Alex pulou sobre ela ao vê-la chegar em casa. Encheu seu rosto de beijos e acariciou seus cabelos enquanto ela o abraçava. Perguntou como foi seu dia no trabalho, ele sempre fazia isso. Anahí, ainda com o menino nos braços, contou-lhe que estava ponto de pegar um novo caso e que o escritório estava crescendo cada vez mais.

Ela nunca soube muito bem porque haviam criado esse hábito ou se Alex entendia realmente o que ela lhe falava sobre como fora seu dia, mas amava aquele momento, porque sabia que criavam um elo que, entre mãe e filho, nunca é quebrado: a confiança.

Depois de devolver o menino ao chão, percebeu e lembrou-se que Tony estava aí, afinal ele havia ido passar a tarde com Alex. Cumprimentou-o rapidamente e logo, foi até a cozinha e preparou um espaguete ao molho branco, bem prático e colocou os rapazes para jantar.

Depois do jantar, Anahí ajudou Alex a trocar a roupa pelo pijama e colocou-o para dormir, enquanto Tony a esperava sentado no sofá da sala, assistindo ao noticiário das oito.

De volta a sala, serviram-se de whisky. Tony tomava o seu a seco, Anahí optou por colocar duas pedras de gelo de água de coco em seu copo. Não que fizesse muita diferença. Ela não costumava beber e qualquer percentual de álcool em seu sangue fazia que ela se sentisse... diferente.

- Liberei Lily mais cedo – comentou ele – já que estava aqui com Alex, achei que ela poderia ir para casa mais cedo.

- Sem problemas – Anahí assentiu.

- Sabe... Estas últimas semanas foram as melhores da minha vida – falou Tony depois de tomar alguns goles de sua bebida.

- Fico feliz por você – comentou ela, não era mentira: Tony merecia ser feliz. Mas também não pôde dizer mais nada, pois se dissesse que estava feliz, seria mentira.

- Tem ideia do quanto gosto de você? – Indagou, tomando outra dose de whisky e passando uma das mãos pelas costas de Anahí.

- Tony...

Anahí ia dizer a ele que não estava segura, que aquela aproximação estava assustando-a, que não queria tornar-se... íntima dele. Mas não deu tempo. Os lábios dele colaram-se aos seus, devagar e suavemente. Ela não se sentia forçada, mas também não se sentia à vontade.

Ao ir de encontro com os lábios fechados de Anahí, Tony retrocedeu com o beijo. Beijou a bochecha dela e afastou-se em direção ao canto do sofá com uma expressão de decepção estampada no rosto.

Anahí se sentiu péssima. Tão mal como nunca havia se sentido. O estava usando. E nem sequer estava lhe dando algo em troca. Que tipo de pessoa era ela? Aproveitando-se do sentimento enorme que ele parecia lhe ter?

Voltaram a encher seus copos e brindaram, Anahí tomou tudo de uma vez. Encheram os copos novamente e ela voltou a entornar todo o líquido goela abaixo. Quando já havia enchido e secado o copo umas quatro vezes seguidas, Anahí se sentiu mais leve. Sua visão já não era mais tão clara, seu estômago doía e a cabeça girava.

- Vem – chamou ela, confundida pelo álcool.

Tony se aproximou e a beijou. Ela podia sentir o desejo dele na vibração rouca do gemido discreto que saía do fundo de sua garganta enquanto ele a beijava. Mas na boca dela, a vibração não causava nada: nem desejo, nem vontade, nem mesmo curiosidade. Só sentia gosto de whisky e um enjoo quase insuportável.

Ele subiu sobre o corpo pequeno de Anahí devagar, deitando-a no sofá e agarrando-a pela cintura, aproximando seus corpos cada vez mais. “Você não precisa mais sentir falta dele”, Tony falou entre suspiros, “eu posso satisfazer você”, completou, beijando-lhe o pescoço. Anahí tentou fazer de conta que não ouvira o comentário, mas não conseguia. A verdade é que ela nem sabia como conseguia estar ali, entre náuseas e nada de desejo, beijando um homem que não amava, pelo qual nada sentia.

Agarrou a garrafa de whisky e entornou uma boa quantidade do líquido escuro que desceu por sua garganta queimando até chegar ao estômago. Agora estava realmente bêbada, completamente bêbada. Tony voltou a beijar-lhe a boca, suas línguas banhadas a álcool se enroscavam num encaixe desencaixado. Anahí podia sentir a excitação dele, colada em sua coxa. Suas mãos a agarravam pelos quadris, puxando-a para perto.

- Para – pediu ela quando o sentiu tentar puxar o zíper lateral de sua saia.

Mas ele não a ouviu.

Voltou a beijar-lhe o pescoço e a acariciar seu corpo em cada espaço, mesmo por cima da roupa. Anahí segurou-o, colocando suas pequenas mãos em seu peito e o empurrando para trás, como podia. Pensou em tomar mais do conteúdo restante na garrafa encostada ao pé do sofá, mas sabia que não surtiria efeito. Não tinha como ficar mais bêbada do que já estava. A menos que ficasse inconsciente.

- Por favor, Tony – suplicou ela – para.

Tony levantou-se rapidamente. Pediu perdão apressadamente. Recompôs-se da forma como pôde. Ajudou Anahí a sentar-se. Voltou a pedir-lhe perdão. Beijou-lhe as mãos. Jurou não voltar a tocá-la a menos que ela estivesse à vontade e totalmente pronta para isso.

Depois voltou a colar seus lábios em um beijo suave e simples, nem sequer chegaram a abrir a boca, não havia necessidade, não havia desejo, havia agora certa tranquilidade, porque havia respeito. Nesse beijo suave, Anahí se sentiu respeitada, se sentiu protegida. Se sentiu segura como há tanto tempo não se sentia nem um pouco.

Tony saiu de lá algum tempo depois. Não podia negar que se sentia extremamente desapontado pois não havia chegado tão longe com ela como gostaria. Sua excitação o incomodou durante todo o caminho de volta à sua casa. Mas, apesar do desapontamento, no fundo, no fundo, a sensação era de missão cumprida. Tanta coisa havia se passado. Tanto havia feito por tê-la. E podia não ser de imediato, mas Anahí estava deixando-se levar. Mais cedo ou mais tarde, ela seria sua.

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...

No dia seguinte, Alex passou o dia todo em excursão com a turma da escola. Anahí foi ao trabalho pela manhã, apesar da dor de cabeça e enjoo nojentos que a incomodavam. A tarde decidiu que não conseguia mais ficar no trabalho, não pela dor de cabeça que já havia passado, mas porque precisava conversar. Precisava conversar com Dulce, com urgência.

Encontrou a amiga enrolada na toalha em sua suíte, acabara de sair do banho. Não esperou que trocasse de roupa, pediu-a que se sentasse, pois precisava falar.

- Ele me beijou... e tentou ir mais longe. Eu tentei, mas não consegui.

- Você não precisa ultrapassar seus próprios limites, querida. Vá com calma. Só de que tenha se permitido amar de novo já é um grande passo.

- Eu não disse isso.

- O que?

- Que quero amar de novo.

- E então? – Indagou Dulce.

- Não o amo, creio que nunca irei. Mas ele e Alex se dão bem.

- Eu não lhe disse que sacrificasse sua felicidade para conseguir um pai para Alex.

- Mas ele merece, Dulce. E Tony me trata bem.

- Mas você não precisa fazer isso. Apenas se permita. Se você não sente nada por Tony, espere, você pode encontrar outro alguém.

- Quem lhe entende? Antes me dizia que tentasse com Tony. Agora já me diz que não o faça.

- Eu disse que você se permitisse sentir algo por ele. Estar com ele sem pelo menos querê-lo é absurdo. E é injusto. Com você e com ele.

- Mas ele aceitou, Dulce. Ele sabe como me sinto. E eu... eu não tenho nada para perder.

Quando Christopher chegou do trabalho, Anahí já estava de saída. Dulce estava na cama, ainda de toalha, com uma expressão de puro cansaço no rosto.

- O que houve?

- Anahí... Cismou que Tony é o pai ideal para Alex.

- Mas você não me disse que ela precisava tentar algo com ele ou com alguém?

- Sim, mas ela está fazendo o caminho contrário. Tinha que se apaixonar e o resto viria como consequência. Mas tem certeza que nunca mais vai amar ninguém e você sabe... Quando Anahí se fecha não tem quem consiga tirá-la de dentro de sua fortaleza.

- Alfonso conseguiu.

- É. E começo a crer que ele foi e será o único. Mas a vida tratou de arrancá-lo dela.

- Os planos de Deus são diferentes dos nossos, meu amor.

- Você não entende – Dulce reclamou, lágrimas caíam por seu rosto – não tem ideia do quão difícil é ver sua irmã de alma chorando todos os dias, sofrendo, se destruindo... Por que Deus fez isso com ela?

- Deus escreve certo por linhas tortas, querida. Apenas acredite.

...

Na terça-feira seguinte, o dia de Anahí não podia estar mais cheio ou atarefado. Já havia feito diversos informes dos processos que estavam em suas mãos, tinha organizado uma enorme papelada para uns fiscais do Ministério Público que viriam fazer a auditoria externa do escritório logo mais, acabara de fazer uma reunião com os colegas e subordinados advogados para prestação de contas quanto aos processos e ao andamento de tudo, às 12:30, e teria mais duas reuniões: o encontro com os filhos do Sr. Ruiz, às 14h e, às 15h, reunião com seu irmão e os outros dois cotistas da empresa.

- Querida – Anahí ouviu a voz de Tony do outro lado da linha ao atender o telefone.

- Estou em um dia muito corrido, posso retornar no fim da tarde, Tony?

- É sobre Alex, o trouxe para brincar no parque – seu tom era preocupado – estávamos jogando futebol e a bola escapou e ele correu atrás.

- O que houve? Onde estão? – Perguntou em um tom quase histérico.

- Estamos no hospital infantil. Ele está bem, mas precisa de você.

Desligou o telefone sem nem mesmo pedir o endereço do hospital. Não precisava: era o lugar que sempre levava Alex quando tinha alguma emergência. Tomou sua bolsa, a chave do carro e disparou, parando rapidamente na recepção.

- Peça desculpas aos Ruiz, não poderei recebê-los.

- O que houve? – Perguntou Lílian – está tudo bem, Anahí?

- Alex sofreu algum tipo de acidente, preciso correr para o hospital.

- Tudo bem, eu ajeito as coisas por aqui, vá com cuidado.

- Sim. Desmarque a reunião com os cotistas. Não poderei chegar a tempo.

...

- Olá, boa tarde!

A moça que cumprimentava Lílian na recepção não lhe era familiar. Aparentava ter 20, no máximo 21 anos, era pequena e tinha cabelos curtos, escuros e lisos, a pele era branca como a neve e seus olhos eram de um castanho tão claro que quase pareciam amarelos.

- Em que posso ajudar?

- Sou Melissa Ruiz, temos uma reunião marcada para as 14h com a dra. Anahí Herrera, sou filha de Armando Ruiz.

- Srta. Ruiz, desculpe-me, estava a um segundo de contatar-lhe. Anahí teve um problema. Acaba de sair às pressas. Um problema familiar.

- Entendo, perfeitamente. Nós que nos adiantamos um pouco. Marcamos para outro dia?

- Na sexta, às 15h, é possível?

- Querido – chamou a moça pequena – você pode vir na sexta, às 15h?

- Sim – respondeu o rapaz que aparentava ter 30 e poucos anos e voltara-se para a recepção, pois estivera de costas, reparando num quadro exposto na parede.

- Este é meu irmão, Leonardo. Ele virá na sexta, pois estarei em meu primeiro dia de aula na faculdade.

Lílian e Leonardo olharam-se. Olharam-se por um longo tempo. Talvez não foi tão longo assim, mas parecera uma eternidade. Depois desviaram o olhar, talvez por timidez ou por falta de interesse no fim das contas. Mas quando o casal de irmãos saiu e Lílian voltou a seus afazeres, teve de retocar blush e batom, pois seu rosto estava pálido como se tivesse acabado de ver... um fantasma.

...

- Senhorita... Lílian – falou Leonardo depois de checar o nome da secretária na placa sobre sua mesa.

- Senhor! – Exclamou Lílian em um tom mais assustado do que poderia explicar.

- Desculpe, a assustei?

- Não, perdoe-me o senhor. Posso ajudá-lo em algo?

- Não sei, a forma que me encarou mais cedo... Tem algo errado comigo?

- Perdão? – Lílian disfarçou, sem jeito.

- É que você me olhou tão fixamente.

- Desculpe-me. É que você me lembra muito alguém. Alguém que já não está entre nós – explicou depois de um longo e confuso minuto.

- Poderia saber quem é essa pessoa?

- Não se importe com isso, senhor. Na verdade, reparando bem, a pessoa que conheci era diferente. Talvez não lembre muito bem dele.

- Ok – retornou ele, sem saber o que dizer mais – então, nos vemos na sexta, para a reunião.

Leonardo pensou em deixar o prédio, mas algo lhe dizia para ficar um pouco mais, dar uma volta por aí, quem sabe dar de cara com alguma outra pessoa que o olhasse como Lílian havia feito. Como se o conhecesse do passado ou talvez de outra vida.

Caminhou pelo salão principal devagar. Ficava no sexto andar daquele prédio comercial antigo. Aquele andar era apenas do Escritório de Advocacia Puente e Associados. Os detalhes do edifício eram feitos em pedra polida, como se tudo fosse parte da mesma construção antiga. E havia quadros e poltronas e mesas de centro de um estilo clássico que davam um toque vintage ao lugar. Mas não era isso que fizera Leonardo permanecer ali. Ele gostava da arquitetura e design, sim, mas havia mais. Algo ali o lembrava dele mesmo, de alguma coisa que não conhecia ou da qual não conseguia lembrar-se.

Caminhou um pouco mais. Um largo corredor levava do salão principal às salas dos advogados. Do lado esquerdo do corredor, umas quatro portas enfileiravam-se um ao lado da outra, ao fundo, uma porta maior e mais elegante indicava em uma placa prateada e fosca o escritório da presidente da empresa: Sra. Herrera. Do lado direito, a parede comportava apenas uma entrada para um corredor que devia levar a outras salas, mas, o resto da superfície da parede estava coberta por porta-retratos também de armação prateada, como os detalhes das plaquetas nas portas.

Leonardo resolveu começar do centro. Ainda não sabia por que, mas os três quadros centrais estavam sobre uma base de mármore na parede, em destaque, e eram um pouco maiores que os demais. Bem no centro, uma foto de um senhor robusto de cabelos bem arrumados e grisalhos indicavam o fundador da empresa: Franco Puente, in memoriam. Do lado esquerdo dele, Christian Puente, levava um indicador de magistrado antes do nome, o que mostrava que ele não atuava como advogado, mas sim como juiz. Talvez por isso, apesar de ser o filho homem de Franco Puente, não era ele que se situava à direita de seu pai, como extensão dele.

Abaixo da foto da direita, o nome Anahí Puente Herrera reluzia na prata polida, seguido do nome “presidente” em letras menores. Um ligeiro calafrio percorreu o corpo de Leonardo ao ler aquele nome, mas nada que se comparasse ao que sentiu ao levantar a vista e encarar a foto de busto daquela linda e elegante mulher. A mulher que carregava aqueles olhos com os quais sonhava todas as noites desde que se lembrava. Olhos grandes, olhar penetrante, um tom tão claro que quase transparecia sua alma através daqueles orbes.

Leonardo olhou ao redor buscando qualquer olhar parecido, mas não encontrou. Voltou a olhar a mulher na foto. Não podia estar se confundindo, aquele olhar não era comum, ninguém tinha aquele olhar. Ninguém a não ser a mulher de seus sonhos e Anahí Herrera. Mas... O que fazia a mulher de seus sonhos aí?

Buscou em sua mente qualquer registro daquela mulher ou de seu nome, mas a única coisa de que se lembrava era de seus sonhos. Pensou, pensou, pensou. Espremeu os olhos. Esfregou as têmporas com as mãos. Apertou os próprios dedos até que ficassem completamente brancos. Nada. Saiu dali, não aguentava mais tanta confusão em sua cabeça.

...

O acidente com Alex lhe deixara um braço engessado e muita dor de cabeça para Anahí que perdera várias reuniões e teria de correr três vezes mais nos próximos dias para deixar tudo em ordem. De qualquer forma, ela nem sequer reclamara. Só de saber que fora apenas o braço e que dentro de 15 dias seu filho estaria completamente bem: ela poderia correr até dez vezes mais, desde que ele ficasse bem.

No dia seguinte, Anahí desceu de seu carro em frente ao prédio, deixando a chave na mão do manobrista, pois tinha pressa. A reunião com os cotistas havia sido remarcada e ela ainda tinha de passar em sua sala para pegar alguns documentos e seu notebook. Mas não era isso que a estava incomodando e preocupando. Também não era Alex, pois ele estava bem, já se sentia bem melhor. Também não era a situação com Tony, não que fosse agradável, mas não era aquilo que a estava incomodando naquele momento. Era aquela sensação. Sensação de estar sendo observada.

Olhou ao redor. Se sentia observada, mas não identificou quem a observava. Você está louca, falou para si mesma. Cruzou a calçada e colocou a mão sobre a porta giratória da entrada com o intuito de empurrá-la, mas, antes disso, voltou a olhar ao redor. Não tem ninguém observando você, Anahí, deixe de paranoias, disse para si mesma, e entrou. Mas ao contrário do que ela pensava, sim, havia alguém que a estava observando.

Ela era linda, pensava Leonardo. Linda. Seu cabelo era castanho escuro e volumoso e tinha as laterais frouxamente presas. Uma presilha pequena de pedras que pareciam ser safiras decoravam a parte de trás de seus cabelos. Estava de trajes sociais, como era de se esperar de uma grande advogada. Calça social de um azul marinho quase tão escuro que parecia ser preto. A blusa que usava passada por dentro era de tom bem claro, branco ou gelo. Por cima, um blazer social aberto da mesma cor da calça completava o traje. Os sapatos eram de um tom chumbo um tanto brilhoso e combinava com a bolsa que ela carregava colada ao corpo. Tudo caía perfeitamente bem no corpo dela. Leonardo ficou a perguntar-se se algo não ficaria bem naquela mulher tão encantadora.

Mais uma vez buscou em sua mente alguma lembrança dela que não fosse aquele olhar em seus devaneios da madrugada. Mas nada lhe chegava. Decidiu apenas ficar ali, observando-a, quem sabe com algum tempo pudesse reconhecê-la em alguma coisa. Assim passou toda a quarta-feira. A viu sair para almoçar, falar ao telefone sentada à mesa no restaurante que ficava quase colado ao escritório, a viu voltar caminhando elegantemente para o trabalho e a viu sair horas mais tarde, pegar a chave com o manobrista que já a esperava em frente com seu carro e sair dirigindo, deixando-o lá, com a sensação de ter perdido um dia inteiro para nada.

Leonardo voltou para casa desapontado. Não conseguia entender por que motivo, ao mesmo tempo que ela significava tanto, parecia não significar absolutamente nada. Ele não conseguia saber de onde vinha aquela sensação de familiaridade naquele olhar, mas também não conseguia entender porque ela lhe parecia tão familiar quando não tinha uma só lembrança real com ela.

...

Na quinta-feira, quando Anahí chegou ao escritório bem cedo pela manhã, a sensação de estar sendo vigiada ainda a perseguia. Perguntou a sua secretária se alguém a havia buscado no dia anterior ou naquela manhã, mas Lílian disse que ninguém importante havia passado por lá. No dia seguinte, Anahí receberia a visita do filho do Sr. Ruiz, Leonardo... Lílian se perguntava se deveria comentar qualquer coisa sobre o que vira com a amiga e chefe ou se melhor deixasse as coisas como estavam, afinal ela poderia ter só ficado um pouco impressionada e dado maior destaque às semelhanças. Afinal, conformou-se, só podia ter se enganado e ficado impressionada ou ter ficado impressionada e se enganado, pois aquilo não era possível.

Leonardo, sim, viera observá-la neste dia. Era o segundo dia que passava escondido atrás daquele poste como se fosse um delinquente fugindo da polícia. Mas aquilo não o incomodava. Ele sentia que precisava estar ali. Sentia que se forçasse um pouco mais e estivesse mais próximo a ela, se lembraria. Ele tinha de lembrar-se. Sonhava com aquele olhar todas as noites, desde quando se lembrava, desde que acordara daquele bendito acidente do qual não lembrava.

Sua cabeça apenas recobrava uma memória de um baque abafado, dor e escuridão. Perguntava-se porque não lembrava nada mais sobre o acidente do qual seu Armando e dona Carmen o haviam salvado, mas não sabia explicar. E talvez ninguém mais soubesse. Ou talvez sim... se sua família o tivesse buscado... ou talvez, talvez outra pessoa pudesse responder pelo menos parte de seus questionamentos e preencher as lacunas em sua memória: talvez dona Carmen pudesse ajudá-lo. Era tudo tão confuso que depois de tantos anos, mesmo depois de haver decidido deixar tudo para trás, hoje, Leonardo só conseguia pensar em uma coisa: talvez fosse hora de abrir a pasta que Dona Carmen lhe havia deixado antes de partir.

Anahí cruzou a porta giratória do imenso prédio comercial ao meio-dia, pontualmente, despertando Leonardo que estava absorto entre seus pensamentos e suas lembranças, ou melhor, a falta delas. Caminhou graciosamente ao restaurante lateral no qual almoçava pelo segundo dia consecutivo. Deve ser hábito, pensou ele. Hoje, ela estava ainda mais linda.

Uma saia de tom salmão lhe caía perfeitamente bem, indo de cima de seu umbigo até seus tornozelos, um Scarpin de tom nude delineava os pés pequenos. Em cima, um top de mesma cor da saia fazia parecer que o traje era um vestido e deixava à mostra uma pequena parte da barriga perfeitamente lisa daquela linda mulher. De longe, Leonardo a viu sentar-se na mesa e pedir um suco de laranja. Hoje, seus cabelos estavam soltos. Eram lisos e compridos, apenas algumas ondas davam balanço aqui e ali, em um degradê de tons castanhos e claros. Ela era incrivelmente linda. Se Leonardo pensasse um pouco mais sobre ela, teria de admitir, se estava apaixonando. Ele nunca acreditara nisso, mas acontecera: foi amor à primeira vista.

Quando ela voltou ao trabalho, Leonardo pensou em ir para o apartamento no qual estava morando com a irmã mais nova. Lá na sua mala, ele encontraria a pasta, poderia descobrir o que havia dentro e quem sabe descobrir porque Anahí Puente Herrera despertava tantas coisas nele se ele nem sequer a conhecia. Mas algo o freou. Não era só o medo do que iria descobrir, era também porque não queria sair dali. Queria ficar. Queria observá-la. Queria aproximar-se dela. Queria conhecê-la. Ou reconhecê-la.

Ficou a perguntar-se porque teria trazido a pasta para esta viagem. Claro, ele estava indo morar aí por uns tempos, para acompanhar Melissa, era normal que trouxesse suas coisas, afinal mudar-se é algo tão complicado e ter suas coisas consigo lhe fazem perceber que não perdeu seu lugar no mundo. Mas ele havia decidido deixar tudo atrás quando dona Carmen lhe entregara aquilo. Decidira que não havia por que buscar pessoas que não lhe haviam buscado, se é que havia alguém... mas havia. Hoje, ele sentia que havia. Questionava-se se havia tomado a decisão certa naquele momento, de esquecer a pasta no fundo da gaveta por mais de dois anos. Naquele momento parecera o melhor a se fazer, mas hoje, e se? E se ele a tivesse aberto dois anos atrás? E se tivesse descoberto o que havia lá dentro? E se isso realmente o fizesse lembrar quem era? E se isso o ligasse... a Anahí? E ele havia trazido a bendita pasta para a capital, para seu novo lar, para sua temporária nova vida. Por quê? Seria destino? Seria o universo? Seria um ser superior?

Sem sequer dar-se conta, Leonardo atravessou a rua, cruzou a larga calçada de concreto e subiu a escadaria de entrada do antigo e elegante prédio. Fez girar a porta e dirigiu-se ao elevador, subindo para o sexto andar. Já no salão principal, dirigiu-se ao bebedouro. Tomou alguns, não sabia quantos, copos de água. Estava nervoso. Estava confuso. Suas mãos suavam. E ele não queria sair dali. Queria sentar-se. Sentou-se na última fila, na última cadeira, no canto da parede da recepção. De lá podia ver a mesa da secretária Lílian, posta na diagonal. Naquele canto ele podia vê-la, mas ela não o via. De lá, também tinha visão do corredor principal que levava às salas dos advogados, que levava ao paredão de fotos, que levava ao escritório de Anahí. Tentou aquietar-se. Os minutos foram passando e, logo, algumas horas. Advogados iam deixando suas salas, clientes iam deixando o prédio, finalmente Lílian começava a arrumar suas coisas e, disfarçadamente, Leonardo dirigiu-se ao banheiro masculino mais próximo, escondendo-se atrás da porta semiaberta.

Lílian dirigiu-se à última sala do corredor, falou qualquer coisa, ali mesmo do pé da porta, para quem se encontrava na sala. Só podia ser Anahí, ele pensava. Estivera aí toda a tarde e ela não saíra nem uma vez. Finalmente, a secretária voltou à sua mesa, agarrou sua bolsa, uma pasta de couro e um molho de chaves e deixou o prédio. Quanto mais Anahí ficaria lá? Será que ela tinha costume de trabalhar depois do expediente?

Quando saiu do banheiro, um funcionário da segurança o abordou quase imediatamente.

- Senhor, desculpe-me, mas o horário de atendimento aos clientes já se acabou, o senhor não pode estar aqui.

- Ok – Leonardo atendeu prontamente, tomando o elevador para descer.

Mas não foi embora. Antes decidiu ficar ali no hall de entrada que estava iluminado à meia-luz. Havia alguém no balcão de recepção de frente para a porta giratória, mas não pareceu notá-lo, pois os elevadores estavam dispostos lateralmente: a recepção e o espaço onde se abriam os elevadores formavam um L. Um vaso muito bonito com uma comprida planta ornamental decorava a lateral do elevador e o canto da parede à qual Leonardo se encostou para esperá-la.

Dentro de dez minutos, ele ouviu o ruído que indicava que o elevador havia chegado ao piso térreo novamente. A porta abriu-se e Anahí saiu. Deu alguns passos à frente, girou-se para a direita e ia deixar o espaço dos elevadores para dirigir-se à recepção e de lá à porta de saída, mas ele não pôde frear-se, não pôde evitar atalhá-la. É que ela estava ali tão próxima e seu perfume o havia invadido até os ossos.

Viu medo quando os olhares dos dois se cruzaram, sentiu como o corpo dela preparava-se para gritar e lhe tapou a boca com cuidado com uma de suas mãos.

- Me desculpe, Sra. Herrera – pediu ele sinceramente.

O corpo de Anahí estremeceu sob seu toque.

Por um momento, ela pensou que era ele, bom, não ele, não podia ser, mas... quem mais teria aquela vez tão suave e tão rouca ao mesmo tempo? Podia alguém mais provocar aquele tremor em seu corpo apenas ao falar?