Abro meus olhos num súbito ao ouvir alguém bater na porta do meu quarto.

— Loid! — é Yor — Loid! Por favor! Acorde!

O tom da sua voz é preocupante.

Me sento rapidamente e olho de relance para o relógio na mesa de cabeceira. São quase três da manhã.

— Loid!!! — Yor bate um pouco mais forte.

Checo minha pulsação no pescoço e sinto que meu coração está disparado por conta do susto.

Me levanto num pulo e abro a porta, dando de cara com uma Yor quase à beira das lágrimas.

— Ah! Graças a Deus! — ela suspira.

— O-O que houve?! Está tudo bem?! — Dou um passo à frente. Yor está um pouco descabelada e agarra com força a saia do vestido que usa para dormir.

— É a Anya! — Yor soluça — Está queimando de febre! E-Eu estava dormindo, e então ouvi o Bond chorando aqui no corredor…

Yor de repente pega meu braço e me puxa para o quarto da Anya. Seu toque me faz estremecer um pouco. Ela continua:

— … E-Eu saí para ver o que ele queria e vi que ele estava arranhando a porta do quarto dela… — a essa altura, já estamos dentro do cômodo e pude ver com meus próprios olhos o que Yor diz a seguir —, Quando eu entrei, ela estava assim!

Um calafrio percorre meu corpo ao ver Anya deitadinha em posição fetal em sua cama, completamente vermelha e suada. Ela segura a própria barriga e solta pequenos soluços, enquanto sua mãozinha é lambida por Bond, que ainda choramingava.

— Anya! — Corro e me sento na beirada da cama, com Yor fazendo o mesmo ao meu lado, que agora já deixava as lágrimas caírem.

Pego Anya no colo, a sentando em minha perna, mas ela está toda molenga e sua cabeça pende para frente. Coloco a mão em sua testa e confirmo o que Yor havia dito. Está fervendo.

— Papi… — a voz de Anya quase não sai —, Minha barriguinha tá dodói…

— Oh! Essa não! — Yor cobre o rosto, soltando um clamor pela garganta — Será que foi a janta que preparei ontem?!

Ela levanta seus olhos marejados para mim, fazendo um biquinho de choro. Meu coração pulsa mais forte àquela visão. Engulo em seco.

— Não… Não se preocupe com isso — afago suas costas —, a comida estava maravilhosa. Você está ficando ótima na cozinha — dou um sorrisinho tranquilizador para Yor e, sem que eu nem perceba, enxugo uma lágrima do seu rosto.

Ao sentir sua pele macia, é como se eu levasse um choque, e logo afasto minha mão. Reparo que Yor desvia o olhar, ficando um pouco vermelha nas bochechas. Devagar, ela me olha novamente, dessa vez com um pequeno sorriso tímido.

Voltamos a nos focar em Anya, que já tinha deitado em meu peito e resmungava alguma coisa. Bond late alto e sai correndo do quarto, mas o ignoro. Não é hora de se preocupar com as loucuras de um cachorro.

Anya começa a ficar muito inquieta no meu colo.

— P-Papi… — ela chora, seus olhinhos ficando vermelhos, apertando mais a barriga —, Eu acho que vou–

Bond dispara quarto adentro como um raio, segurando um balde pela alça na boca, e o coloca bem no meio das minhas pernas.

No segundo seguinte, Anya vomita bem no local onde Bond havia colocado o balde.

Eu e Yor damos um pulinho de susto. Ela pega o balde do chão, o trazendo para mais perto da Anya, enquanto eu seguro seus cabelos rosados para trás.

Anya vomita muito.

Ela agarra a camisa do meu pijama, chorando em desespero enquanto vomita mais. Há um momento em que ela se engasga feio e não consegue respirar. Percebo que minhas mãos tremem enquanto tento acalmá-la. Yor corre para pegar panos limpos quando Anya finalmente para de vomitar.

— Pronto, pronto… — dou tapinhas em suas costas.

Anya me encara com aqueles enormes olhos verdes, com lágrimas escorrendo pelo seu rostinho.

Meu coração parece derreter. Sinto uma imensa vontade de abraçá-la, de aninhá-la, de dizer que estou aqui para cuidar dela.

Mas, eu sou um espião.

Não posso me apegar emocionalmente a ninguém.

— Papi… — Anya soluça, apertando minha camisa com mais força, e enfia o rosto em meu peito —, Por favor, não me deixa, Papi… Cuida de mim…

Um soco no estômago teria doído menos. Meus olhos ardem e um nó se forma em minha garganta.

Não! Eu não posso fazer isso!

Controle-se, Twilight!

Pressiono os dentes, fazendo tanta força, que chego a tremer. Sinto um gosto amargo na boca.

Droga!

Envolvo Anya em meus braços e a puxo para perto, beijando o topo de sua cabeça. Ela repousa a cabeça em mim e solta um longo suspiro.

— O papai está aqui… — sussurro, enquanto limpava suas lágrimas, e tentando ao máximo controlar as minhas. Anya se aninha ainda mais. Yor volta com os panos e começamos a limpá-la. Bond nos observa, parecendo inquieto.

“Febre… Dor abdominal… Vômito…” Analiso os sintomas da Anya.

— Vamos para o hospital — informo à Yor —, ela precisa de medicação.

Enquanto damos um banho morno em Anya, explico para Yor que lá no hospital onde eu “trabalhava”, fazia alguns dias que um surto de virose havia começado por conta de uma repentina virada no tempo. Provavelmente Anya deve ter pego de algum coleguinha da escola.

Chamo um táxi enquanto Yor termina de arrumar Anya e preparar uma bolsa com algumas peças de roupas e mais panos limpos. Também levamos um baldinho para caso ela vomitasse mais no caminho.

Quando o táxi chega para nos pegar na portaria do prédio, ainda está tudo escuro e silencioso.

Sentados no banco de trás, observo Yor, com Anya deitada em seu colo, quase pegando no sono, ainda chorando baixinho e massageando a barriga.

Meu peito se infla ao contemplar aquela cena. Yor acaricia o rostinho de Anya, a balançando devagarinho e a aconchegando.

Outro nó se forma em minha garganta.

Ah, como eu queria abraçá-las… Que elas soubessem que eu quero protegê-las mais do que tudo… Que eu nunca, jamais quero soltá-las…

Mas, eu sou um espião.

Não posso me apegar emocionalmente a ninguém.

Yor me olha de maneira doce, dando um pequeno sorriso, e para minha surpresa, ela mesma se achega para mais perto de mim no banco daquele táxi.

Sinto meu corpo estremecer e um frio na barriga ao sentir seu aroma natural. É tão agradável, quase como uma flor silvestre…

Controle-se, Twilight!

Respiro fundo e aperto minhas mãos, até os nós dos meus dedos ficarem brancos.

Droga!

Lentamente, passo meu braço por cima do ombro da Yor e a puxo para mais perto. Ela pisca devagar para mim e deita sua cabeça em meu peito.

Eu realmente espero que ela não perceba o quanto estou tremendo.

Ficamos os três ali, unidos, sentindo o leve sacolejar do táxi nas ruas da cidade.

Anya vomita mais uma vez antes de chegarmos ao hospital e precisamos trocar suas roupas. Como as recepcionistas de lá já me conhecem, ficam assustadas ao me verem chegar no “trabalho” ainda de madrugada.

Yor fica sentada com Anya nos bancos estofados da sala de espera enquanto eu faço a ficha. O local está até que um pouco cheio, com todos parecendo ter o mesmo sintomas de febre, náuseas e vômito.

Por apenas um instante, enquanto eu preencho nossos dados na ficha, olho para Yor, que aninha Anya no colo com carinho. Ela parece perceber e me olha de volta, sorrindo de leve. Não consigo evitar retribuir.

Enquanto aguardamos o médico, Anya tenta vomitar novamente, mas a pobrezinha já não tem mais nada para colocar pra fora, e sai somente secreção da bile do seu estômago. Ela volta a chorar, ficando muito vermelha devido ao esforço.

Desejo que toda aquela dor passe para mim.

Yor também parece pensar na mesma coisa, pois me encara de maneira preocupada. Aposto que ainda pensa que é culpa da comida dela…

Um dos meus colegas pediatra nos chama e também se surpreende ao ver que a paciente é minha filha. A consulta é rápida, praticamente só para confirmar minhas suspeitas. Anya quer vomitar de novo, o que só faz piorar seu estado.

— Você vai precisar tomar um sorinho com um remedinho, tá bom? — diz o pediatra, um idoso bem simpático — Precisa ficar hidratada.

Anya obviamente não entende nada do que aquelas palavras significam, e apenas afunda o rosto em meu pescoço, choramingando. Agradeço ao pediatra e nos encaminhamos para a sala de medicação

Vários pacientes já tomavam soro ali, e pelo menos uns quatro vomitavam, também. Por eu trabalhar lá, as enfermeiras permitem que nós três fiquemos juntos. Me sento com Anya numa das grandes poltronas da sala e Yor pega um banquinho para ficar ao nosso lado.

Não demora muito e uma das enfermeiras vem nos atender.

— É só uma picadinha, tá querida? — ela prepara o acesso venoso da medicação.

“Essa é a maior mentira já inventada”, penso.

Anya de repente me encara e abre o berreiro com medo da agulha, e só conseguimos acalmá-la quando eu e Yor prometemos que ela poderia comer amendoim assim que chegasse em casa (claro que não iríamos permitir isso, mas funcionou).

Enquanto a enfermeira dava a tal “picadinha” numa das mãozinhas da Anya, observo Yor a consolar e afagar seus cabelos rosados com afeto, derramando tantas lágrimas quanto Anya. Tive vontade de abraçar as duas.

Acesso venoso colocado, soro pendurado no suporte, agora é só esperar a medicação fazer efeito. O pediatra já havia me receitado os remédios para comprar depois e terminar o tratamento da virose em casa.

Graças a Deus a medicação parece surtir algum efeito, pois não dá cinco minutos e Anya adormece.

Sua mãozinha com o acesso venoso descansa suavemente em meu peito, com seus dedinhos apertando minha camisa de leve. Eu a envolvo para que se aconchegue mais e coloco minha mão sobre a dela, apoiando minha bochecha no topo de sua cabeça.

Sua respiração suave e compassada me traz paz, e finalmente posso respirar com mais tranquilidade. Mal percebo quando também caio no sono.

Acordo minutos depois, e no mesmo instante percebo que não é prudente eu me mexer.

Yor havia deitado sua cabeça em meu ombro, dormindo profundamente.

E sua mão repousava sobre a minha, que ainda segurava a da Anya.

Uma sensação acolhedora preenche meu coração ao sentir o calor das mãos das minhas meninas, sãs e salvas ali comigo (mesmo que num contexto hospitalar).

Noto que ainda falta um pouco para o soro da Anya terminar. Olho para um relógio num dos cantos da sala, que marcam cerca de seis da manhã.

Então, sinto um movimento ao meu lado. Yor acorda. Ela abre os olhos e boceja, verificando a quantidade de soro restante.

Não ouso nem me mexer. Sua mão ainda está sobre a minha.

Yor parece demorar um pouco para processar esta informação, e quando finalmente olha para nossas mãos unidas, a retira rapidamente, ficando muito corada.

Decido que quero entrelaçar meus dedos nos dela. Ali mesmo.

Não! Eu não posso fazer isso!

Eu sou um espião.

Não posso me apegar emocionalmente a ninguém.

Devagar, busco sua mão.

Controle-se, Twilight!

Meus dedos roçam sua palma tão macia.

Droga!

Gentilmente, entrelaço nossos dedos, dando um pequeno sorriso para Yor.

Um grande alívio me preenche ao sentir que ela aperta nossas mãos com carinho, retribuindo o sorriso.

Me permito fechar meus olhos por mais alguns minutos e, como se tivéssemos combinado, apoiamos nossas cabeças um no outro, enquanto nos acariciamos com os dedos.

Eu devia estar realmente cansado, pois caí no sono de novo.

Ouço a enfermeira me chamar num tom baixo. O soro havia terminado e podíamos ir embora. Anya e Yor ainda dormem repousando em mim.

Enquanto a enfermeira retira o acesso venoso de Anya, sussurro o nome da Yor. Ela remexe um pouco no banquinho, e delicadamente passo meus dedos pelo seu rosto.

— Yor — a chamo de novo —, vamos pra casa.

Devagar, ela ergue a cabeça. Quando nossos olhares se encontram, Yor sorri novamente para mim.

Sinto um desejo de ver este sorriso todas as manhãs.

Anya ainda dormia quando somos liberados. Comunico a administração do hospital que iria tirar o dia de folga para cuidar da minha filha. Quando saímos de lá, paramos numa farmácia logo em frente para comprarmos os remédios necessários para o tratamento da virose em casa.

Dentro do táxi, no caminho de volta, o semblante de Anya parece estar bem melhor. Ela dorme na mais perfeita paz no colo da mãe. Coitada da Yor, também deve estar exausta, pois apoia o rosto na cabeça da Anya, meio dormindo, meio acordada.

Controle-se, Twilight!

Não consigo.

Droga!

Mais uma vez, passo meu braço por cima de seu ombro, a puxando para mais perto, para que pudesse deitar em meu peito.

— Amor, acho melhor eu também tirar o dia de folga hoje, não acha? — Yor murmura, sonolenta.

Meu corpo estremece dos pés à cabeça ao ouvir aquela palavra.

— S-Sim. É-É uma ótima ideia. Vamos tirar o dia para descansar — respondo, enquanto tentava controlar meus batimentos cardíacos (sem sucesso).

Quando finalmente entramos em casa, somos recebidos por um Bond muito eufórico, e preciso pedir para ele se acalmar, garantindo de que Anya já estava se recuperando.

Mesmo assim, ele continua agitado. Enquanto Yor coloca Anya deitada no sofá para ligar para seu chefe e avisar que iria faltar hoje, percebo que Bond está inquieto e abanando o rabo na frente do meu quarto.

Por via das dúvidas, vou verificar o que o cachorro quer. Quando entro no meu quarto, percebo que em cima da minha cama, jogados de qualquer jeito por cima das cobertas, estão o bichinho de pelúcia da Anya, o Sr. Quimera, um pijaminha limpo seu, e o vestido-pijama da Yor.

Franzo o cenho e encaro Bond. Então, fica claro o que aquilo queria dizer.

Meu coração dá uma pulsada mais forte.

Não! Eu não posso fazer isso!

Não posso me apegar emocionalmente a ninguém.

— Ah, entendi… Você acha melhor as meninas dormirem aqui comigo hoje? — Cruzo os braços e ergo uma sobrancelha para Bond, que solta um latidinho e abana o rabo com alegria.

Rio comigo mesmo e respiro fundo.

É… Acho que esse cachorro é um tanto quanto inteligente, afinal.

— Loid — ouço Yor me chamar da porta, segurando Anya no colo —, vou colocar ela para dormir, e também vou descansar, okay? Foi uma madrugada e tanto…

Yor se vira e sinto um frio na barriga.

Controle-se, Twilight!

É melhor eu fazer isso antes que eu me arrependa.

Droga!

— Espere! — sussurro. Ela volta-se para mim, parecendo curiosa. Esfrego a mão atrás do pescoço, evitando seu olhar e sentindo minhas bochechas queimarem — V-Você… não acha melhor dormirmos todos aqui? Só hoje? Assim, caso a Anya passe mal de novo, estamos juntos…

Ouso encará-la, ansioso por sua reação.

Um silêncio paira sobre nós.

Consigo ouvir minha pulsação em meus ouvidos. As pontas dos meus dedos estão geladas.

Yor arregala os olhos e fica muito vermelha.

— T-Tem certeza, L-Loid?! — ela olha para o topo da cabeça da Anya — Não quero te incomodar…

— Você não incomoda — respondo mais rápido do que deveria e limpo a garganta para disfarçar — Isso vai fazer bem para Anya — pauso por um instante e um nó se forma em minha garganta — Somos uma família, não é…?

Apesar de parecer ainda envergonhada, o semblante de Yor se ilumina.

— Sim… — ela responde — Você tem razão. Precisamos ficar unidos.

— Com certeza — aceno e sorrio para ela. Bond dá um latidinho baixinho e animado.

Digo à Yor que vou me trocar no banheiro, para que ela pudesse se trocar mais à vontade, e também aproveitar e colocar o pijama limpo em Anya, que estava literalmente capotada, até mesmo babando de tanto sono.

Quando volto do banheiro, Bond está deitado ao pé da minha cama, e Yor já debaixo das cobertas, com Anya aninhada em seu peito. O abajur ilumina o rosto das duas com uma luz amarelada e aconchegante.

Minhas mãos tremem e, por alguns segundos, fico parado na beirada da cama, sem saber o que fazer. Devo simplesmente… deitar? Devo pedir licença? Devo dizer alguma coisa?!

— P-Posso…? — acabo perguntando, apontando para o travesseiro.

— C-C-Claro! — Yor dá uma risadinha nervosa e puxa os cobertores para que eu deite — P-Por favor, fique à vontade! O-O quarto é seu, afinal…

Deus do céu, como estou tremendo.

Me enfio debaixo das cobertas e chego mais perto das duas.

Anya se mexe um pouco.

— Mami… Papi… — ela fala baixinho — Bligada por cuidar da Anya… Amo vocês mil milhões… Boa noitinha…

Percebo os olhos de Yor se encherem de lágrimas e ela olha para mim demonstrando tanta doçura, que simplesmente não aguento.

Sim! Eu posso fazer isso!

Devagar, passo meu braço ao redor de Yor, puxando minhas meninas para mais perto. Anya dorme entre nós dois.

Eu vou me apegar emocionalmente.

Yor deita a cabeça em meu peito, soltando um longo suspiro satisfeito.

Pego uma de suas mãos e entrelaçamos nossos dedos.

Eu não irei mais controlar o que não precisa ser controlado.

Yor então olha para cima, bem no fundo dos meus olhos.

Sorrimos um para o outro.

Inclino minha cabeça para frente e encosto meus lábios nos dela, lhe dando um selinho longo e profundo.

Yor fica vermelinha como tomate e eu rio, baixinho. Beijo o topo de sua cabeça, acaricio o rostinho de Anya e as aperto em meus braços protetores.

Adormecemos ali, um sentindo o calor e amor do outro.

Eu, Yor e nossa filha.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.