In the Shadows

And always in time I lose my mind to forget you


I know you remember how the leaves fell in November

The cold wind of December and how we just fell apart

I know you could hear me but you pretend you don’t have a heart

Then you took my halo and you left me in the dark

Londres estava enevoada. O clima não ajudava muito e os transportes estavam soltando cada vez mais fumaça. Geralmente, caminhar o acalmava, pois passava a prestar atenção nos detalhes de outras vidas. Mas não naquele dia. Naquele dia, sua cabeça rodava com milhares de possibilidades, com milhares de tentativas frustradas de resolver o seu problema.

Era a primeira vez que Holmes assumia que possuía tal coisa. E que não tinha ideia de sua solução. Watson o alertara; havia prevenido, conversado, cansado de quebrar a cabeça pelo seu amigo. E ele fora muito orgulhoso para perceber.

E agora ela estava na França. Longe do alcance de suas mãos. Longe da ameaça que sua vida poderia ser para ela. Provavelmente com um novo e rico marido ao seu lado, concedendo todos os seus desejos, todas as suas vontades e seus caprichos. E Holmes estava ali, novamente deixado para trás, novamente tendo negado o pedido de acompanhá-la pelo mundo.

E arrependido. Mas, ainda assim, isso seu orgulho não o deixaria assumir em voz alta. Não, isso nunca.

Seu vestido era perfeito. Suas joias eram perfeitas. Seu cabelo estava do jeito que imaginara. O espelho refletia uma mulher altiva e confiante, capaz de feitos honráveis (e de alguns nem tanto). Seria um conto de fadas para qualquer uma...

...tirando o fato, é claro, que Irene Adler não era, nunca fora e nunca seria qualquer uma.

A aventura de um novo casamento não era nada comparada aos excitantes momentos que passara fugindo pelo mundo, conhecendo cada canto e tirando proveito de cada situação, para, logo depois, voltar correndo para as ruas abarrotadas de Londres e aparecer à porta da 221B Baker Street. E mergulhar de cabeça no jogo de cão e gato que fazia com Holmes havia tantos anos.

Ah, haviam passado por tanta coisa...

A mulher suspirou, olhando a correria eufórica das pessoas ao seu redor.

Por onde sua cabeça andava, afinal? Aliás, por onde andava o seu coração?...

O antigo quarto do The Grand estava preenchido pelo seu perfume inconfundível. Os travesseiros, os lençóis... o seu corpo...

Holmes estirou o braço por cima da cama, mas não a sentiu. Seus olhos se abriram no mesmo instante, atentos e perscrutadores. Precisou se certificar de que, desta vez, não estava algemado. Então, definitivamente, aquilo não era algum tipo de jogo. O que não era do feitio de Irene Adler. E nem do dele.

Ao se levantar, todo seu corpo doía. Sua cabeça rodou, fazendo-o lembrar das duas garrafas de vinho esvaziadas na noite anterior. Como se deixara levar tão facilmente? Precisava voltar à Baker Street o mais rápido possível.

Seus pensamentos foram interrompidos por um barulho de água. E lá estava ela... sua pele branca e imaculada sendo iluminada pelos primeiros raios de sol enquanto relaxava na banheira. Era começo de dezembro e o clima não estava nada amigável, mas Adler parecia não sentir incômodo algum. Os olhos fechados e o pequeno sorriso nos lábios diziam totalmente o contrário.

E, mesmo sem querer, ele também sorriu. Sherlock Holmes estava oficialmente entregue à sua pior – e, ao mesmo tempo, melhor – rival. Ah, Watson ficaria aliviado e temeroso com a notícia.

— Holmes, o que pensa que está fazendo? – Watson exclamou, puxando-o de volta para a precária segurança do telhado. – Você e sua primeira e única namorada brigam e já tenho que te impedir de cometer suicídio!

Sherlock apenas o encarou por alguns instantes, antes de se dirigir à escada, esbarrando nele no caminho.

— Holmes. – o amigo e doutor o segurou pelo braço firmemente. – Como seu médico, não posso deixar que faça nada estúpido. – ele suspirou e fechou os olhos. – Como seu amigo, suplico que converse comigo.

O detetive estava com o olhar baixo e perdido, e não fazia o menor esforço para se desvencilhar ou rebater.

— Não há nada para conversar, Watson. Apenas me deixe.

Ele seguiu cabisbaixo para o apartamento e se trancou no quarto com sua dose diária de morfina... ou seria cocaína? Ópio? Nem Watson sabia mais distinguir seus efeitos no amigo.

Quando seus olhos se encontraram, Holmes soube que estava perdido para sempre. E não se importava. Nada importava quando estava com ela. Suas habilidades mal funcionavam. Ele não era Sherlock Holmes, o detetive. Pois apesar de terem se encontrado através desses meios, ali ele era apenas um homem.

Adler afagou sua mão e seu sorriso ficou ainda maior.

— Holmes... – ela se levantou e ele pôde vê-la novamente em todo o seu esplendor. Ela sempre o deixava sem fôlego. – Venha comigo. Por favor.

Parecia que tinha levado um soco no estômago. Aquilo novamente, não. De repente, tudo perdeu o brilho.

— Adler, quantas vezes precisarei dizer...? – ele suspirou e deu um passo para trás. Não, nunca daria certo. Ela não se contentaria com aquela simplicidade e ele não suportaria aquela situação. – Estou indo embora.

Ele se recompôs enquanto procurava as peças de sua roupa espalhadas pelo quarto. O barulho da correria de Londres entrava pela janela e fazia seu cérebro latejar. Algum ponto atrás de seus olhos o incomodava.

A estação de trem estava abarrotada e possuía uma atmosfera quente e pesada. O bilhete de passagem era amassado pelos seus dedos urgentes. O vestido refinado que usava era pesado e grande demais para aquilo, fazendo com que as pessoas mantivessem distância.

Adler estava pronta para mais uma fuga. Tentava esconder seu rosto ao máximo, seu olhar sempre se voltando para o grande relógio. Quase. Tivera a sorte de conseguir um dos últimos bilhetes naquele horário. Não se importava com o vagão em que estaria instalada, chegaria a Londres ao cair da noite.

Não esperava que Holmes a quisesse ver novamente. Ela já entrara e saíra de sua vida tantas vezes antes, sempre deixando uma trilha de caos e destruição. Se fosse o detetive, desejaria manter a maior distância possível entre eles, mesmo que seu corpo e seu coração clamassem pelo contrário.

Mal acreditava no que estava fazendo. Pela primeira vez, estava jogando pela janela uma oportunidade de ficar ainda mais rica, de viver no luxo e com pessoas à disposição que satisfariam todas as suas vontades. Não que Adler fosse fútil, longe disso. Ela gostava era de fugas e viagens pelo mundo, de ser dona do próprio destino, de independência e de ser temida e admirada.

Mas calmaria nunca fizera mal a ninguém. Ou receber um tratamento real. Ou possuir o maior conforto que o dinheiro poderia comprar.

Além disso, ela o pedira. Pedira para acompanha-la. E, claro, novamente ele dissera não.

O apito soou, tirando-a daqueles devaneios cheios de mágoa e prostração. Era hora.

Ele não se importou com a água ao sentir seu corpo molhado lhe abraçar por trás.

— Me perdoe. – sussurrou ela. – Sei que não gosta desse assunto.

Sua camisa branca estava fina e encharcada, deixando-o sentir seu corpo mais do que gostaria naquele momento.

— Por que não pode simplesmente sossegar? Sabe que não posso ir embora, Irene.

Ele se virou e a encarou nos olhos. Seu cabelo havia sido preso de um jeito descuidado e alguns fios estavam molhados e grudados em seu pescoço. Aquela cena deixou seu coração acelerado e uma chama percorreu seu corpo.

— Porque não fui feita para isso. Não sou assim. – a mulher estava exasperada. – Você sempre soube. Desde o primeiro momento em que me viu, Holmes, você soube.

Ele fechou os olhos. Sim, ele sabia. Aquilo fora o que atiçara sua curiosidade, o que o fizera querer mais. Nunca pensara que chegariam àquela situação, mas aquele impasse era o resumo de seu relacionamento conturbado.

Os dedos de Adler estavam novamente desabotoando sua camisa, urgentes. Eles sabiam que era apenas uma questão de tempo até terem de se separar novamente, pois não havia solução. Era o bilhete de passagem de um para o outro. Ela sairia às pressas, com raiva, pela porta. Ele voltaria à sua vida e faria questão de tentar esquecer todos os seus momentos juntos. Então, um belo dia, ela bateria à sua porta e tudo voltaria à tona novamente.

Mas, naquela fração de momento, o mundo deles se resumia àquele quarto de hotel, àquela cama enorme e às faíscas que sentiam em contato com o corpo do outro. Nenhum deles admitiria o quanto queriam que aquilo durasse. Mas era assim que mantinham aquele relacionamento e, talvez, caso dessem chance para mudanças, tudo desmoronaria.

Watson ao menos tinha conseguido colocá-lo para dento do apartamento. Mas ele estava largado em sua poltrona, o olhar perdido, mordendo a ponta de seu cachimbo em meio a suas pilhas de jornais. Aquela situação o preocupava. Seu amigo chegara a ficar assim algumas vezes, por causa de alguns casos ou pela falta deles, mas uma hora ou outra aparecia alguma coisa digna de sua mente sair em perseguição.

O problema, entretanto, era que Sherlock Holmes não estava assim em virtude de sua profissão, mas de uma mulher. A única pessoa no mundo que fora capaz de instigar alguma emoção naquele homem esculpido em pedra dura e rústica. Uma ladra, assassina, criminosa, mas com uma mente e uma perspicácia à altura. Caso não houvesse os primeiros adjetivos, Watson ficaria feliz em entregar o amigo ao amor, sim, amor, que sentia por Irene Adler. Mas ela era Irene Adler! Aquela mulher poderia destruir a vida de Holmes em dois segundos e ele nem sequer ligaria.

Por Deus, a única mulher que lhe interessou na vida... Watson sentia vontade de realizar uma cirurgia que não seria muito aprovada e retirar o coração de Holmes ele próprio.

O ponteiro do relógio tinha percorrido uma volta completa quando Watson percebeu pela janela uma movimentação diferente do outro lado da rua. Era uma carruagem das mais caras que alguém poderia bancar.

Enquanto isso, Holmes havia caído no sono com o cachimbo em uma das mãos, uma arma na outra e um livro no colo, de frente para uma parede com vários buracos ainda fumegantes. Novamente, Watson pensou em como a Sra. Hudson possuía uma paciência infinita.

Uma comoção no hall do prédio fez com que o doutor se levantasse e corresse à porta, aberta de supetão.

— Senhor, eu tentei impedir! Tentei avisar! – a voz da Sra. Hudson podia ser ouvida em meio ao caos, mas não era ela que se encontrava ali.

Havia uma confusão de tecidos caros, nas cores preta e vermelha, emoldurada pelo batente da porta. A face pálida, mas corada, os lábios entreabertos e o peito em constante movimento, indicando certa ansiedade. Os olhos estavam atentos e alguns fios de seu cabelo haviam se desprendido.

— Watson. – ela deu um sorriso rápido e olhou por cima do ombro do médico. – Posso entrar?

Watson estava estático. Nunca a tinha visto tão descomposta, tão aberta ao mundo e às emoções. Antes que pudesse responder, ela já passava por ele e retirava o casaco, perguntando-lhe se havia algum chá.

— Ah... – Watson tentava formular as palavras e piscava rapidamente. – Sim, claro. Certamente. Mas... O que...?

A Sra. Hudson revirou os olhos e foi buscar chá e biscoitos. Watson fechou a porta e se recompôs. Então se virou para a mulher com o semblante sério.

— Irene Adler, me diga que não está pensando em ficar mais um segundo em Londres. Aliás, você já não estava em Paris? – ele se aproximou rapidamente e baixou a voz. – Você não tem noção do que causou aqui.

— Ora, Watson, quanta indelicadeza da sua parte. Sente-se. – Adler sorriu mais uma vez e deu batidinhas na poltrona ao seu lado. – Acredite em mim quando digo que não pretendo causar nenhuma comoção.

— Watson. – a voz de Holmes era clara e urgente. É claro que com toda aquela movimentação ele acabaria acordando atento e pronto para qualquer coisa. Mas não para aquilo. Seus olhos estavam bem abertos e ele não conseguia encontrar mais palavras. Então disse, quase um sussurro para si mesmo: - Devo ter exagerado na dose...

O médico pigarreou.

— Não, meu amigo... Eu te garanto que o que você vê é bem real e de sua responsabilidade. Nada de alucinações dessa vez. – ele se levantou, pegando a bengala. – Bom, acho que já vou.

— Não, Watson! Aonde você vai? – Holmes se levanto, derrubando tudo a sua volta. – Não pode me deixar aqui... Nada é mais importante, Watson! Nada!

— Holmes. A família de Mary me espera.

— Quem é Mary?

Watson fechou os olhos e respirou fundo. Já tinham ido por aquela estrada muitas vezes antes.

— Minha noiva, Holmes. Você sabe quem é Mary, pelo amor de Deus! Agora seja homem e limpe sua bagunça! – ele pegou o casaco e o chapéu e desapareceu pela porta.

Irene se voltou para Holmes e deu de ombros.

— Acho que eu devo algumas explicações.

— Acha, sim? – Holmes arqueou as sobrancelhas e se levantou da poltrona, pegando seu violino e andando por todo o cômodo, tentando se manter ocupado e distraído. Sua cabeça estava explodindo.

— Bem... Holmes! Ajudaria muito se você se sentasse e... – ela respirou fundo. Fechou os olhos. Foi levada para outra dimensão. – Desde que fui embora, não consegui parar de pensar em você. Eu tentei, em vão, me manter focada em minha viagem, em minhas próximas... aventuras e... meus pensamentos continuavam se voltando para Londres, para suas ruelas cinzentas, mas, sobretudo, para você.

Quando abriu seus olhos novamente, Holmes estava parado, encarando-a, apertando o violino até seus dedos ficarem brancos.

Ela se levantou e foi até ele, sorrindo.

— Oh, Sherlock... – ela pegou seu rosto nas mãos. – Não entende o que quero dizer? Eu voltei por você.

O olhar de Holmes estava confuso. Ele tentava formular as palavras em vão. Seu cérebro trabalhava sem parar, pensando em todas as possibilidades. Aquilo nunca, nunca, nunca lhe acontecera. Como resolver um problema com o qual você nunca teve contato e que não depende de probabilidades, mas sim de... sentimentos... Sua pele até se arrepiava com o pensamento. Até parece. Ele, Sherlock Holmes, com sentimentos!

Mas então a verdade lhe atingiu em cheio. Seu olhar não era mais de confusão, mas sim de lucidez. Ele não era deus nenhum, não estava acima dos homens. Sherlock Holmes era humano. Um ser humano único, perspicaz, muito à frente de seu tempo, mas ainda assim... humano. Sim, ele sentia. Watson era seu amigo, não era? Ele faria qualquer coisa pelo doutor. E por que não deveria sentir algo por uma mulher? Talvez o fato de nunca ter conhecido antes uma mulher verdadeiramente capaz, independente, forte, dona de suas escolhas – livre— tenha lhe cegado.

Mas ela estava ali agora.

Subitamente ele abriu um sorriso. Um sorriso diferente, inocente.

— Você vai... ficar?

Irene Adler sorriu também. Não fazia ideia de como seria seu futuro, de como ganharia a vida, do que aconteceria a partir daquele dia. Era sua melhor e mais instigante aventura. A aventura que ela vinha procurando para satisfazer seu coração.

— Sim.

Watson foi surpreendido por uma Sra. Hudson afobada e quase sem fala. Ela segurou seu braço e o puxou para fora do prédio.

— Você não vai... – ela remexia as mãos sem parar. – Não vai querer entrar lá, Sr. Watson.

A senhoria balançada a cabeça de um lado para outro.

— Ora, acalme-se mulher... O que aconteceu?

— Eles estão lá há horas. – ela sussurrou. – Não quiseram nem o meu chá! – a Sra. Hudson respirou fundo para se recompor. – Eles estão fazendo uns barulhos dos infernos, o Sr. Holmes e aquela mulher! Ah, Irene Adler, sempre virando nossas vidas de cabeça para baixo!

Watson não entendia onde ela queria chegar. Adler ainda estava lá em cima?

— Parece que ela vai ficar. – ela estava sussurrando novamente. – Eu acredito que eles estejam comemorando, mas não precisa quebrar o apartamento todo. Os vizinhos estão ficando irritados.

Watson inclinou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada. Podia bem imaginar o que a pobre Sra. Hudson tinha visto ao entrar. Ele passou o braço por seus ombros e a acompanhou para dentro novamente.

— Venha, deixe que eu mesmo tomo o seu chá. Aposto como seus biscoitos estão maravilhosos como sempre.

— Oh, eu coloquei algumas ervas neles dessa vez...

— Sra. Hudson! A senhora está passando muito tempo com nosso colega...

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.