Pensamentos de Daryl

Seus grandes e azuis olhos de corça, sua doce voz de anjo, principalmente quando cantava para a menina Judy ou para mim quando fomos nos abrigar naquela funerária. A loira era muita talentosa. Seu talento em cantar e tocar piano me surpreendiam grandiosamente, mesmo sem nunca demostrar. Isso tudo, por mais que eu negasse, me faziam bem. Profundamente bem. Gostava de ouvi-la cantar. Gostava de vê-la e sentir sua presença extrovertida perto de mim.

It's unclear now what we intend
We're alone in our own world
And you don't wanna be my boyfriend
And I don't wanna be your girl

And that, that's a relief
We'll drink up our grief
And pine for Summer
And we'll buy a beer to shotgun
And we'll lay in the lawn
And we'll be good

Sua voz era tão suave, tão angelical. Me transmitia uma paz que eu nunca tinha sentido antes de tudo isso acontecer. Antes do mundo virar uma desgraça completa. "Mas que surpresa! Daryl Dixon falando bem de alguém". Já escuto Rick falando isso, com o mesmo tom de deboche e ironia que sempre fez. Ou Merlie zombado da minha cara: "A garotinha aqui está chorando por causa de uma mulher? Não tô te reconheço mais ein, Darylzinho. Se comportando como uma mocinha." É até como se eu ouvisse a voz do meu "querido" irmão não sei de onde, talvez até do inferno, me enchendo o saco nesse mesmo instante e me tirando o mínimo de paciência, como sempre fez.

Mas por mais que eu não quisesse isso, todas as suas lembranças vão se apagar da minha memória com o passar do tempo. Eu iria esquecer, esquecer dela. Ela já não estava mais aqui. Beth já havia partido e eu teria que suportar a sua perda, o peso de sua ausência diária. Doía saber que eu não veria mais aqueles seus olhos. Aqueles grandes olhos azuis penetrantes, que me deixavam à mercê de seu domínio e da sua doçura. Sabia que ouvir suas asneiras de sempre ou ter que suportar suas frescuras diárias era um incomodo aos meus ouvidos. Todavia, me mostrava que ela estava aqui. Viva e bem. Sim... Isso tudo me faria uma falta danada.

Senti-la desfalecida em meus braços, seu corpo frágil e leve sem nenhuma vida em meu colo, foi como se por alguns segundos eu não conseguisse ver nenhum sentido em estar aqui, nessa merda de planeta. Eu também estava morto. A pior sensação que eu já houvera tido, mesmo depois de já ter sentido a sensação da morte em meus braços antes.

E aqui estou eu, sofrendo por ela. Chorando por uma pirralha que conheci a pouco tempo, frágil, fraca. Tão fraca que queria acabar com a própria vida, quando se cortou na fazenda do velho Harshel e que o Rick teve que deixá-la entrar no grupo depois da morte do Sr. Greene. A menina que não sabia nem segurar a besta direito e que chorava por absolutamente tudo que lhe afetava. Mas que conseguiu me mudar ou melhor dizendo, mudou esse grande ogro, que só fala asneiras e sai por aí matando esquilos e cobras pra comer. Porra, garota, o que você fez comigo? - Falo com um mísero sorriso em meu rosto.
A Greene mais nova já sabia. Como ela mesmo falou, eu seria o último homem em pé e que apenas os fortes sobreviverão. A cada dia que passa, sinto que isto está se tornando real. Está sendo difícil viver nessa merda desse mundo. Perdemos praticamente todo o grupo. Andrea, Dale, Shane, Lori, Glen, o marido de Carol, Hershel e sua esposa, Sophia, filha de Carol. A menina Sophia... Que triste fim te levou. Até hoje lembro das vezes em que vi Carol sofrer a procura da filha e seu desespero ao vê-la sair daquele seleiro e eu, como sempre, me sentindo incapaz de amenizar sua dor. Depois de tanto tempo, Carol nunca tem sido a mesma.

Enfim, todos eles partiram. Muitos ainda irão partir. Mesmo com a entrada de novos integrantes, Michone, Abraham, Eugene, Rosita, as pragas dos walkers exterminaram a maioria. O grupo de sobreviventes está menor. Mas é sempre assim, eu perco todos que amo e que convivo. Muitos me julgam por não querer me aproximar e estabelecer fortes vínculos de amizade com alguém. Porém, é melhor ser esse arqueiro frio e ríspido de sempre, do que me envolver com outros e perdê-los no final. Já estou farto de sentir a dor da perda. No final, eu sempre irei perdê-los e a dor do luto sempre irá comigo, para onde quer que eu for.

"Você vai sentir minha falta quando eu for, Daryl Dixon?" Me lembro bem desse dia. E mais ainda da sua voz ao me perguntar isso. Parecia que pelo menos uma vez sequer, não tivesse esperanças na voz de Beth. E eu entendo bem disso. Sou um poço de desesperança, que não consegue ver o lado bom da vida com ou sem esses zumbis perambulando por todos os lados.

Sua presença era como se fosse uma calmaria para meus ouvidos, um pingo de felicidade para essa vida que sempre levei. Aquela porra daquele anjo era minha única felicidade. Beth Greene significava tudo pra mim. Mas claro, sempre via uma mísera fé em tudo, mesmo com mortos andando por aí comendo carne humana e a maioria do nosso grupo morto. "Ainda existe pessoas boas, Daryl" Essa frase não saía dos meus pensamentos. Eu poderia discordar dela, mas sei que a loira tinha toda razão. Existia gente com o coração bom por aí, mesmo com tudo errado. Rick, por exemplo, gosta de ajudar quem precisa. Se submete ao perigo para ajudar os sobreviventes e lidera nosso grupo com coragem. Rick tem sido o irmão que nunca tive... Bem diferente de Marlin.

— Sim garota. Têm razão. Ainda existe pessoas boas à quem confiar.

Eu tinha prometido a Greene mais velha que iria proteger a pirralha, mas eu não consegui. A deixei morrer naquele maldito hospital, com uma merda de um tiro na cabeça. Sou inútil. Queria que ela tivesse tido pelo menos um pingo de juízo e não tivesse bancado a durona quando tentou matar aquela policial com uma tesoura sem ponta, que não chegou nem mesmo à arranhá-la. Eu matei Dawn, mas queria a mesma sofresse mais. Pagasse pelo que fizera. "Beth demonstrou ser forte. Ser corajosa. Ela sempre foi e eu sei bem. Naquele dia, mostrou não ser mais aquela Beth que se mutilou a fim de sair desse pesadelo. Não foi a Beth que chorava toda hora como se o mundo estivesse difícil apenas para si. Abriu meus olhos para ver que a garota que eu tinha na minha cola com a força de um peso morto não era e nem nunca foi uma fraca, como eu dissera antes. E com sua bravura salvou à todos naquele dia.

Porém, foi tão rápido. Tão simples. Eu já sabia que no fim iria perdê-la, mas não dessa forma tão... Medíocre. No fim, eu devia tê-la cuidado, já que minha função sempre foi essa... Bancar à babá da Greene mais nova. Eu falhei, mais uma vez... Falhei em tê-la deixada ser levada e por deixar que a loira morresse naquele hospital. Eu sou um inútil. Meu velho tinha toda razão. Me recordo bem da frase que meu pai me dirigia. "Você é e sempre será um ninguém Dixon, um fracassado." Era melhor ouvir isso do que aguentar as surras que ele me dava. Até hoje tenho as marcas das cicatrizes no meu corpo. Dos maltratos das mãos do meu próprio pai que nunca irão sanar. Não deixo ninguém vê-las. Não me recordam coisas boas e evito perguntas dos que jamais compreenderiam. Quando as vejo, lembro das porcarias que eu chamava de pais. De um cara que não gostava nem dos próprios filhos e de uma alcóolatra, que sempre chegava bêbada em casa durante à noite. Crescer em meio à tudo isso me tornou alguém que não espera nada da vida. Aliás, isso que eu chamo de vida não passa de uma merda. Quando o fim do mundo começou, não fez tanta diferença pra mim. Iria sempre ser o mesmo Dixon de sempre, mas que agora sai por aí matando caminhantes.

Aprendi a superar perdas, principalmente de pessoas que convivi nessa catástrofe que chamo de trajetória. Um dia irei esquecer à imagem que sempre aparece no meu subconsciente quando me vejo pensando em Beth a qual me parece ainda estar viva. Pra mim Beth sempre estará viva, mesmo que digam ao contrário. Suas memórias não a deixam morrer jamais dentro de mim e no meu coração ela sempre estará presente como fênix.

— Sim loirinha... Eu sinto sua falta. Sabe por quê, Greene? Porque eu te amo? Eu te amo Beth Greene. - Falo com um tom mais alto que o normal ao mesmo tempo que choro dolorosamente sua perda. Caio no chão de joelhos e me recordo do dia em que a carreguei nos braços já sem vidas. Nunca conseguirei esquecer desse dia. Ele sempre estará junto á Daryl Dixon...

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.