Sua sexta feira passou batida. Em sua aula de química, Jake estava em dupla com Finn, que acabara de voltar do atestado médico. Se perguntou o que o garoto teria por ter ficado tanto tempo afastado da escola, então reparou sua perna quebrada e entendeu. O professor estava explicando o conteúdo que cairia na prova, então apenas anotou o nome da matéria e voltou a vagar seus pensamentos ao redor daquela sala. Nada muito interessante. Também não encontrou Bonnibel na escola aquele dia, sentiu falta daquela pessoa tentando puxar uma intimidade. O restante das aulas foram de explicação de conteúdo também, nada de interessante nesse dia.

Ao fim do horário escolar, deixou alguns livros em seu armário e já ia em bora. Ao cruzar o portão da escola, viu uma cena que apertou seu coração: Bonnie estava de braços dados e sorrindo com um garoto, um garoto estiloso por sinal, usava uma roupa estilo punk e tinha os cabelos em um topete alto, colorido em azul na ponta e rosa no restante. Marcy não soube entender ao certo o motivo de ter sentido seu coração apertar ou o motivo de seu rosto esquentar, mas se sentiu nervosa. Apertou o passo e foi rapidamente para casa.

“Cheguei…” Silêncio. Ela morava sozinha, não tinha quem avisar que havia chegado. Jogou sua mochila no sofá e ligou a televisão, aumentando o volume no máximo. Isso fazia com que ela não se sentisse tão só. Tirou seus sapatos e então flutuou pela casa. Subiu até seu quarto, pegou seu diário e começou a escrever.

Oi Simon… Quanto tempo eu não falo com você, né?

Eu não sei se isso significa algo bom ou não. Talvez eu esteja superando o fato de não te ter mais por perto. Mas talvez não...

Simon, eu não sei o que eu estou sentindo agora (além de saudades de você), e nem sei se quero sentir isso. A última vez que me lembro de ter contato com esse sentimento, me resultou em anos de tristeza profunda. Mas o tempo que durou… foi tão bom…

Eu sinto falta dela, daqueles cabelos loiros e aquele perfume doce de bolo de morango… Me apaixonar por ela foi uma das melhores coisas que já fiz, mas também foi uma das piores… Ela não resistiu à transformação e eu sinto que a morte dela foi culpa minha.

Você deve estar se perguntando “tá Marcy, mas por que está falando da Cake novamente?”

E eu lhe dou a resposta: acho que estou começando a gostar de outra pessoa.

Eu sei, eu sei, eu não deveria me apaixonar pelos mortais, porque eles tem vida curta e tal. Mas… o que eu posso fazer? Eu não posso controlar o que sinto, ainda não dominei essa técnica (e nem quero, vai que fico igual ao papai)...

Mas o pior de tudo, é que eu acho que a Bubblegum só estava querendo ser minha amiga mesmo. Hoje eu vi ela de braços dados e sorrindo com um garoto bonitão. Talvez tenha sido um sinal pra eu desistir, sei lá…

Ela largou o caderno e começou a pensar. A lembrar de 150 anos atrás. Ano de 1859. Ela estava entrando numa escola nova na Inglaterra.

Flashback

“Marcy… Para… Minha mãe… Pode entrar aqui a qualquer… Momento” Cake tentava falar entre meus beijos, mas eu não estava dando ouvidos. O cheiro doce dela estava me deixando louca “Sério, para.” Então ela me empurrou com um pouco mais de força, me afastando dela. Cruzei os braços e fiz beicinho em protesto, como uma criança. “Olha você não faz essa cara, que ai eu é quem não vou te largar.” Ela riu e me deu um selinho

“A gente podia ir pra minha casa. É vazio. Ninguém vai nos atrapalhar.” Sugeri, mas estava mais é implorando.

“Você sabe que meus pais não me deixam sair. Você é a única pessoa que eles deixam vir aqui em casa. Isso aqui já é uma conquista viu.” Ela deitou na cama e voltou a pegar o livro que estávamos lendo

“Você podia ler na minha casa” Tirei o livro das mãos dela e voltei a beijá-la

“Você não presta” Ela riu e se rendeu

“Nunca disse que prestava” E então ficamos ali, trocando beijos e carícias.

Mas nem sempre foi assim. Pra conquistar essa garota e convencê-la de que amar não é errado, foi uma luta. No ano de 1859, a homofobia era algo que todo mundo tinha. Até mesmo as pessoas que eram homossexuais. Ninguém aceitava isso. Eu nunca fui o tipo de pessoa que liga pro sexo do outro pra me apaixonar por ele. Mas parece que todo o resto do mundo ligava. Quando conheci Charlotte, eu de cara tive uma queda por ela. Não sei se foi meu “gaydar” apitando e dizendo “olha você pode gostar dessa aqui, ela tem tendência” ou se foi apenas sorte mesmo. Começamos a conversar por conta de estarmos na mesma sala de aula, éramos boas amigas, apesar de eu querer mais do que isso. Um dia tivemos uma conversa sobre garotos e ela me perguntou se eu gostava de algum, e acabei por deixar escapar que na verdade gostava dela. Ela me evitou por umas semanas depois disso, o que me machucou bastante, mas, quando voltou a falar comigo, ela me surpreendeu.

“Marceline?” Senti sua mão tocar meu ombro, então logo me virei para vê-la. Eu estava com um olhar triste, imaginei que ela fosse falar alguma coisa homofóbica e já me preparei psicologicamente para o pior “Vem cá” e ela me puxou para um canto vazio da escola, fiquei hesitante em ir “Vamos, o intervalo vai acabar” e então fui. “Olha, em relação ao que você me disse umas semanas atrás, eu…”

“Tudo bem, Charlotte. Eu entendo que tenha sido um choque pra você. Me desculpe.” Eu a interrompi, queria sair dali, continuar na presença dela me machucaria mais ainda.

“Calma Marcy. Deixa eu falar” Ela riu, mas foi de nervoso “Eu queria dizer que… Eu também gosto de você. Mas eu tenho medo disso. É que… Todo mundo me ensinou que isso é errado. Eu já vi casos de pessoas que foram assassinadas por causa disso. Você não fica com medo?” Eu fiquei em choque por um tempo. Gaguejei várias vezes antes de falar.

“Você gosta de mim?” Foi tudo que minha surpresa me deixou dizer

“Sim, boba. Eu gosto.” Ela desviou o olhar, estava com o rosto vermelho, e isso me fez rir. Então segurei o queixo dela e a beijei. Um beijo terno e suave.

“Isso parece errado pra você?” Encostei minha testa na dela, acariciando seu rosto com uma mão

“Nem um pouco” Então ela me abraçou.

Depois daquele dia, começamos a nos ver mais. Os pais dela raramente a deixavam sair, o que era bem comum naquela época. Sempre que eu tentava segurar a mão dela para andarmos juntas, ela ficava ressentida, com medo de que pensassem que não éramos apenas amigas. Demorou um pouco até eu convencê-la de que ela não precisava ter medo. Costumávamos ir ao parque perto de nossa escola, apenas para ficarmos na companhia uma da outra. Sempre que dava, fugíamos do parque para minha casa. Como eu morava sozinha, tinhamos liberdade lá. Podíamos ser quem nós éramos de verdade. Mas desde que não ficasse muito tarde, pois ela teria de ir para casa. Conseguimos esconder nosso relacionamento por longos 5 anos, até Cake ser maior de idade, e ter a chance de sair de casa. Não assumimos nada pra ninguém, porque a vida é nossa e ninguém precisava saber de nada. Ela veio morar comigo, e então começou a ficar mais complicado sair a noite para me alimentar. Até que um dia não deu mais para esconder. Cheguei em casa tarde, com a desculpa que fiquei presa no trabalho, mas ela não pareceu acreditar.

“Onde você estava?” Dei de cara com ela ao entrar em casa. Ela não parecia nada feliz.

“Eu já te disse amor, tive que ficar até mais tarde no trabalho.” Coloquei minha bolsa no sofá e iria em direção ao banheiro, se ela não tivesse bloqueado o caminho.

“Mentira. Eu fui até seu serviço no seu horário de saída pra encontrar com você, e me disseram que você saiu mais cedo. Agora eu quero a verdade, onde você estava?” Aquelas palavras soaram como uma estaca em meu coração. Eu não sabia como contar a verdade pra ela. Ela poderia me chamar de louca e me largar, e isso era tudo que eu não queria. Respirei fundo e pensei por um tempo no que dizer.

“Senta aqui, precisamos conversar.” a segurei pela mão e sentamos no sofá. Passei a mão no rosto em nervosismo “Não tem jeito fácil de te dizer isso… Nem um jeito mais simples de entender… Eu temi por muito tempo que esse dia chegasse…” Respirei fundo, dando uma pausa. Segurei as mãos dela e a olhei fixamente nos olhos “Eu tenho algo a te dizer. Algo que vai mudar sua visão sobre mim. Eu não sou uma pessoa normal como você imagina que eu seja. Não sei se nunca percebeu mas, eu nunca fiquei muito tempo exposta ao sol, sempre fiquei na sombra, sempre usei roupas compridas e chapéus, meu corpo é extremamente gelado e você já sabe dessa parte. Não sei se você reparou, mas eu não envelheci em nada desde que nos conhecemos. Você sabe que eu não gosto de igrejas, tenho pavor delas. O que eu quero dizer é que… Eu não sou humana. Eu sou uma vampira. Todos esses dias que eu chego tarde em casa é porque precisei sair pra me alimentar. Mas não se assuste, eu não mato pessoas, eu vou até o banco de sangue do hospital que trabalho e pego algumas bolsas. Me escondo em qualquer beco e me alimento. Antes de você vir morar aqui, eu os trazia para casa. Mas agora eu não posso mais fazer isso. Me desculpe por te colocar nessa situação mas… Eu não pude evitar me apaixonar por você...” Charlotte me encarava com um olhar pasmo, eu não sabia dizer se era de medo ou se ela estava me achando louca. Ela soltou minhas mãos e recuou um pouco. Aquele gesto já foi o suficiente para que eu sentisse uma dor aguda em meu peito.

“Eu… Não sei o que dizer. Eu preciso de um tempo pra absorver isso tudo de informação.” Ela se levantou, e subiu para o quarto. Me joguei no sofá e respirei pesadamente. Eu já deveria imaginar que um dia isso iria acontecer. Levei um susto ao abrir os olhos novamente e vê-la com malas prontas

“Você… vai me deixar mesmo?” Senti as lágrimas quentes quererem sair de meus olhos, meu peito ardia em tristeza e minha voz falhava

“Eu disse que preciso de um tempo pra absorver tudo isso.” E então ela saiu pela porta da frente. Pude vê-la caminhar pela rua escura e pensei em ir atrás dela, mas tive medo. Tive medo de piorar tudo, então tudo que pude fazer, foi deixá-la ir.

Os meses seguintes pareciam mais longos do que toda minha vida. Ficar naquela casa impregnada com aquele cheiro de bolo de morango estava me levando a loucura. Pedi demissão do emprego e me tranquei lá dentro. Não conseguia mais pensar em nada que não fosse ela, não sou masoquista mas apesar de doer minha alma só de pensar nela, eu não conseguia parar. Ela era tudo pra mim naquele momento, ela fez com que eu sentisse como se fosse a primeira vez que me apaixono. E agora por eu ser um maldito vampiro ela me deixou. Eu até entendo que ela tenha ficado assustada mas, ela sabe melhor do que ninguém que eu a amo e nunca a faria mal algum. Passaram-se dois meses e eu não consegui sair daquela casa. Dois meses sem sangue. Minha aparência já estava começando a mudar e ficar horrível, como a de um adolescente em ressaca.

Eu estava jogada no sofá, lendo um livro qualquer, trajando um pijama surrado quando ouvi a campainha tocar. Levei um susto, pois eu não recebia visitas. Larguei o livro em qualquer canto e levantei para atender. Juro que se eu não fosse imortal, eu teria tido um ataque cardíaco ao abrir aquela porta. Cake estava ali, me encarando com um olhar que não soube decifrar na hora.

“Caramba, você está horrível! Quer dizer… Oi.” Eu a observei de cima a baixo e reparei no quanto ela pode mudar em pouco tempo que ficamos sem nos ver, então lembrei de quando a conheci, 7 anos atrás, quando ela ainda tinha cara de criança, e o quanto ela agora era uma mulher de corpo formado, então olhei pra mim mesma e vi que eu ainda parecia ter 17 anos “Posso entrar?” Ela me tirou de meu transe, então assenti, mas ainda estava surpresa “Marcy eu… Eu ainda não sei direito o que pensar. No dia que você me contou aquilo eu… Eu sinceramente achei que você estava louca. Mas depois liguei alguns pensamentos e vi que não poderia ser de tudo uma mentira. Ao começar pelo fato de que…” e ela começou a falar e falar e falar. Minha cabeça estava girando, meu corpo estremecendo, ela era a primeira humana que eu via em dois meses. Meus instintos diziam ataque! mas meu coração dizia se segura. e eu não sabia o que fazer. Então levantei e a encarei. “Você está bem?”

“Desde que você foi em bora, eu não saí dessa casa.” me afastei um pouco e me apoiei no móvel mais próximo que encontrei. “Isso significa que eu não me alimentei.” Devo tê-la assustado, pois ela se levantou imediatamente e se afastou “Eu não vou te atacar, sei me controlar. Mas acho melhor você sair um pouco.” ela entendeu, e saiu. Soltei um suspiro de alívio e me joguei no chão “Eu preciso comer” então levantei novamente. Subi para o quarto e peguei um casaco e um chapéu. Saí para caçar, eu precisava de sangue fresco.

Horas depois voltei para casa, devidamente alimentada e de aparência revigorada. Ao chegar, vi que ela havia entrado e arrumado toda a bagunça que deixei, e não pude evitar de sorrir. Andei pela casa procurando por ela e a encontrei no quarto, lendo meu diário. Gelei por um instante, mas achei que seria interessante se ela soubesse um pouco mais de meu passado.

“Em que língua isso está?” ela virou as páginas para mim e pude ver o dialeto completamente diferente do inglês britânico que ela conhecia “Eu não consigo entender nada!”

“É coreano. Passei uns dois séculos nas coreias, tanto na do Sul quanto na do Norte.” Ri com a face de curiosidade dela “Posso dizer que de longe prefiro a do Sul.”

Waaa que incrível! Estranho, porém incrível. Que livro é esse inclusive? É algum tipo de diário?” Ela folheou as páginas, percebendo alguns números anotados, que na verdade eram datas

“Sim, é um diário. Tenho um para cada país que passei.” Andei até o guarda roupas e abri a última gaveta, sinalizando para ela se aproximar “Deixa eu ver… Aqui! Esse está em inglês. É o australiano, mas não é tão diferente do que você conhece.” entreguei na mão dela mas ela me olhou de uma maneira que não pude entender “O que foi? Ainda está assustada comigo?” um olhar triste vacilou em meu rosto, mas me segurei firmemente

“Não, não é isso. Você não me assusta. Talvez um pouquinho agora que me contou essas coisas… Mas eu ainda te amo Marcy.” Ela sorriu e pegou o diário da minha mão “É que… É complicado pra mim sabe. Eu sempre achei que vampiros e lobisomens eram histórias pra botar medo nas crianças e elas não desobedecerem os pais. É um choque, sabe?” E então ela se sentou na cama. Me sentei ao lado dela e encarei o diário “Você tem certeza que posso ler? Quer dizer… é algo bem pessoal seu, e tal..”

“Tudo bem. Eu quero que você leia. É que… eu escrevo como se fossem conversas com…” fiz uma pausa e visualizei o rosto de Simon em minha mente. Era complicado falar dele para outra pessoa. “Uma pessoa. Um amigo chamado Simon. Me lembro de que crescemos juntos. Ele era como um irmão mais velho pra mim. Ele passou a vida dele inteira ao meu lado, então decidi que passaria a minha ao lado dele.” Não consegui segurar duas lágrimas quentes de escorrerem pelo meu rosto, Cake percebeu isso e as enxugou com beijos no mesmo.

“Entendi. Ele deve ter sido alguém muito importante pra você.” Ela fez carinho no meu rosto me encarando com um sorriso. Eu amo esse sorriso. Encarei a boca dela e não consegui evitar o impulso de beijá-la. Pude sentir que ela estava recuada, um pouco assustada, mas estava correspondendo. Ela jogou o diário de lado, e me puxou mais pra perto pelo pescoço, então começamos um beijo mais desesperado, um beijo de saudade, afinal, ficamos dois meses sem nos ver. Quando me dei conta, já havíamos tirado toda nossa vestimenta e havíamos nos amado intensamente naquela noite.

“Eu te amo Cake. Te amo muito. Obrigada por não fugir de mim pra sempre” Ela deitou em meu peito e me abraçou forte

“Eu queria ficar com você pra sempre Marcy.” E então pegamos no sono. Dormir junto dela novamente era a melhor sensação do mundo. Ter seu corpo quente em cima do meu gelado era como um cobertor pra alma. Tenho certeza que naquela noite meu sorriso ficou grudado em meu rosto até mesmo dormindo.

Eu não sinto frio, mas acordei sentindo falta do calor dela em mim. Me sentei na cama e olhei em volta, procurando por ela no quarto, mas não a vi. Levantei e pude perceber que ela havia arrumado as roupas que largamos no chão ontem, deixando dobrada em cima do criado mudo ao lado do abajur. Me vesti e então desci as escadas. Vi ela sentada à mesa, com um livro na mão, então a abracei por trás, apoiando meu queixo no ombro dela

“Bom dia bela adormecida. Sabe que horas são?” ela bebeu um gole do chá e virou-se para me beijar

“Hmm… Não sei, mas não faz diferença se tenho você aqui comigo” dei mais um selinho nela e então vi o livro que ela lia “Mas que droga é essa?” eu ri apontando para o livro com o título Vampirismo

“Ah é só mais um dentre os outros 20 que li desde que saí. Tem uns bem interessantes, vi que há vários casos de vampiros vivendo entre os humanos ainda hoje, alguns sendo vampiros de sangue puro e outros sendo humanos que foram transformados.” E foi então que percebi do que se tratava. Ela estava com um olhar de quem queria aprontar algo.

“Deixa eu ver isso aqui.” Peguei o livro e folheei algumas páginas. Eram realmente fatos verídicos, eu até conhecia alguns dos nomes ali. Mas foi escrito por um humano. Apesar de verídicos, eram fatos escritos de maneiras exageradas. Devolvi o livro pra ela e me sentei ao lado dela, servindo um pouco de chá em uma xícara pra mim “Se você quiser, você pode saber de mim. Eu posso te contar muito mais do que você pode achar em livros.” Tomei um gole do chá e a encarei, ela estava com um brilho nos olhos notável

“Eu vi no livro que vocês criam nomes falsos sempre que ‘mudam de vida’. Marceline é seu nome de verdade?” fiz que sim com a cabeça

“Marceline Abadeer. É meu nome de verdade.”

“Abadeer? Eu já li esse nome em algum livro… Você é de alguma família importante ou algo do tipo?” Ela voltou a folhear o livro

“É… Meu pai tem uma certa fama entre a parte má dos imortais. Ele é o vampiro mais perigoso em mil anos.” Cuspi as palavras e pude ouvir uma risada em minha mente. Ele ouviu isso e adorou. “Ele não mata só humanos, mas qualquer um que entre na frente dele. De pequenos elfos até ogros. Ele não perdoa ninguém.” Então soltei um suspiro triste antes de tomar mais uma golada de chá “Tive sorte que minha mãe conseguiu me salvar antes de morrer.” Cake me olhou surpresa, só então percebi o que havia dito “Ah. É. Ele matou minha mãe. Ela também era uma vampira, mas não era muito forte. Não posso dizer que eu fui a única coisa boa que ele fez na vida, porque fui resultado de um estupro. Naquela época isso era algo normal, então minha mãe cuidou de mim com todo cuidado que pôde. Ela fugiu e se escondeu de meu pai durante a gravidez, mas quando nasci, ele sentiu meu cheiro e a encontrou. Ela só teve tempo de me lavar pra esconder meu cheiro e me mandar pra um abrigo. E foi aí que conheci o Simon.” Se antes ela estava surpresa, agora Charlotte estava pasma. Boquiaberta.

“Realmente. Não quero conhecer meu sogro” Rimos juntas “Mas sabe… Eu li que qualquer humano pode ser transformado por um vampiro de sangue puro… E se tornar imortal.” Ela me encarou com um sorriso “Imagina se pudéssemos ficar juntas literalmente pra sempre?” Eu sorri com esse pensamento inocente dela, mas me senti triste ao mesmo tempo. “O que foi? Não achou tão incrível quanto achei?” Coloquei a xícara de chá na mesa e segurei as mãos dela

“Seria realmente incrível mas… Eu não teria coragem de te transformar. É um processo extremamente doloroso e com altos riscos de falhar e…” fiz uma pausa. Encarei as mãos dela e não tive coragem de completar a fala. Meu peito doeu só de imaginar. Ergui as mãos dela até minha boca e as beijei “Não sei se eu conseguiria.”

“Você não tem que… Sei lá, só me morder?”

“Aí você seria uma híbrida, e híbridos não ficam imortais. Eu preciso remover todo o sangue do seu corpo ao mesmo tempo que injetaria o “veneno” de vampiro” aquilo pareceu mais bizarro do que imaginei em minha mente, tanto que ela riu com a ideia

“Veneno de vampiro é uma coisa engraçada.” Ela tomou o último gole de chá e se levantou para levar a xícara até a pia

“Eu não achei uma palavra melhor. Desculpa” Me levantei para ajudá-la com a louça do café da manhã

Antes, quando nosso assunto acabava, nós apenas ficávamos em silêncio, aproveitando a companhia uma da outra, mas agora, não tínhamos mais um momento de silêncio. Ela sempre tinha uma pergunta a fazer e eu sempre tinha uma história a contar. A única coisa que agora me incomodava era que ela não desistia do papo de se tornar imortal. Mesmo depois de anos advertindo o perigo que era, ela não desistia. Até que um dia, dois anos depois, eu não tive tanta escolha. Cake adoeceu. Foi diagnosticada com febre amarela. Ela ficou em um hospital por pelo menos 3 meses, e eu fiquei ao lado dela por todo esse tempo. Ao final do terceiro mês, pela medicina limitada da época, liberaram ela para ir para casa e morrer por lá mesmo. Ela não mais tocou no assunto de imortalidade durante esses meses, mas era tudo que eu conseguia pensar para salvá-la.

“Cake?” Entrei no quarto devagar, para conferir se ela estava dormindo. Ela estava acordada, lendo um de meus diários apenas com a luz do abajur acesa. “Você precisa tomar os remédios.” Me sentei ao lado dela, e recebi um olhar triste da mesma.

“Você já presenciou essa mesma doença antes, Marcy. Tá aqui no seu diário.” Ela recusou os remédios “E você não viu ninguém sobreviver.” Ela então se deitou na cama, e pude sentir que ela estava chorando. Coloquei os remédios de lado e me deitei com ela. Eu queria fazê-la se sentir melhor. Eu queria ver aquele sorriso de orelha a orelha novamente. Eu queria minha Cake de volta.

“Mas nenhum deles tinham um vampiro de sangue puro por perto.” Falei baixinho no pé do ouvido dela, o que foi suficiente pra que ela se virasse pra mim e me encarasse

“Você disse que é perigoso…” Ela se aconchegou em meu peito e eu a abracei

“Essa doença também é. Quem sabe eu não consigo te salvar? Aí poderíamos ficar juntas pra sempre.” Beijei o topo da cabeça dela e acariciei seus cabelos. Ela então se sentou na cama, mas estava tão fraca que teve que se deitar novamente

“Por favor, faça agora então.” Ela arrumou os cabelos, tirando-os do pescoço e fechou os olhos.

Eu estava com tanto medo quanto ela. Nunca havia feito aquilo antes, e meu nervosismo estava me matando. Apaguei a luz do abajur e fiquei por cima dela. Encostei minha testa com a dela e sussurrei um ‘eu te amo’ que foi prontamente respondido, mas com um pouco menos de força. Dei-lhe um beijo, cheio de amor e carinho e pude sentir nossas lágrimas se misturarem. Acariciei seu rosto e então desci meus lábios até o pescoço dela, depositando um beijo no mesmo. Fiz minhas presas crescerem e então rasguei a pele fina e delicada dela, que tentou de todas as formas abafar o grito de dor, mas não foi possível. Aquele grito foi como uma faca cortando meu peito, fazendo minhas lágrimas descerem como um rio. Comecei então a tomar seu sangue, que era incrivelmente doce e quente, e pude sentir o gosto amargo sair de minha boca e entrar pelas veias dela. Foi uma das coisas mais difíceis de se fazer, pois a cada momento eu podia sentir o corpo dela se contrair e abafar os gritos ao morder o travesseiro, tentei ser rápida e terminar essa tortura logo, mas o corpo humano possui sangue de mais para ser drenado e injetado ao mesmo tempo. Procurei a mão dela numa tentativa de passar algum tipo de conforto, e ela fez o mesmo, mas ela não tinha forças para segurar a minha.

Foi então que tudo começou a dar errado. Eu não senti mais seu corpo se contrair e nem ouvi mais gritos abafados. Entrei em desespero e fiz aquilo o mais rápido que consegui. Tive a esperança de ter sido apenas um desmaio, mas ao terminar e checar seus pontos vitais, eu senti um arrepio na espinha e meu estômago revirando. Comecei a chamar pelo nome dela e a sacudi-la, mas nada a estava acordando. Segurei a mão dela e comecei a chorar mais e mais. Abracei seu corpo morto e meu choro se tornou escandaloso. Eu a chamava pelo nome e tentava de todas as formas acordá-la. Mas nada disso funcionaria. Eu chorei tanto, que começou a me dar ansia, então tive que correr para o banheiro vomitar. Eu nunca tinha vomitado antes em toda minha vida. Foi uma sensação horrível, mas o amargo em minha boca não se comparava a dor que eu estava sentindo. Me sentei no chão ao lado da privada e continuei a chorar. Eu já deveria saber desde o momento que a vi que eu não deveria me apaixonar, porque um dia ela iria partir. Mas meu coração é teimoso.

Fim do flashback


Quando ela se deu conta, já eram 2 da manhã de sábado e ela chorava feito uma criança. Toda vez que se lembrava de sua história com Cake não podia evitar de sentir uma dor forte no peito. Ela se sentia culpada, pois um mês depois da morte de Charlotte, os médicos encontraram um tratamento para a doença. Ela pegou seu diário da Inglaterra e viu mais uma vez os desenhos que Cake fizera delas duas. Viu os textos que a garota havia adicionado ao caderno. Viu ali a própria garota. Chorar era a única coisa que conseguia fazer ao lembrar-se dela. Deitou-se na cama encolhida e pegou no sono. Sonhou com Cake aquela noite. Como seria se tivesse recuperado sua saúde. Acordou 5 horas depois com dor de cabeça por chorar tanto antes de dormir. Tocou um pouco de seu baixomachado e pode se sentir um pouco mais leve. Apenas o suficiente para voltar a dormir.