Prólogo

A assassina foi jogada a mais de dez metros de distância. A queda foi bem feia, e não só pelo fato dela ter sido atirada tão longe. O complicado foi ter caído em cima dos corpos estendidos dos Esquadrão de Lanceiros do Exército de Riven. Complicado e doloroso. Além do dano do impacto, ela ainda teve o azar de ser perfurada por uma das lanças jogadas aleatoriamente pelo campo de batalha tortuoso.

Por incrível que pareça, ela permanecia acordada. A dor não lhe deixava adormecer. Além disso, os infinitos gritos que ecoavam por aquele local poderiam acordar até mesmo alguém em coma. Mas ela tentou se concentrar. Sua mente fazia voltas e ela não conseguia mais lembrar o que tinha acontecido nos últimos momentos, antes dessa queda.

Vamos por partes. O que a fez jogar tão longe assim? "Foi uma explosão.", lembrava ela. Uma explosão mágica. Alguém tinha utilizado uma magia poderosa com uma área de efeito enorme.

Ao lembrar esse tanto, a moça, que usava uma vestimenta bem leve que já estava quase que totalmente rasgada, sente outra dor. Dessa vez vinha do novo machucado. Ela olhou para baixo, para seu corpo, e viu que uma ponta de lança lhe atravessava a barriga, alguns centímetros ao lado do umbigo.

A dor lhe fez ficar estendida naquele chão ensanguentado. Seu tato estava tão alterado, que ela não sabia no que exatamente estava deitada.

No momento, ela olhava para o céu. Ele estava uma mistura de cores. Era fim de tarde, então o laranja preenchia a maior parte dele. Mas não era só a cor do pôr do sol que ela via. Havia um negrume apocalíptico que o envolvia em algumas partes, apagando ou se misturando com as nuvens. E flechas. Ela ainda conseguia ver muitas flechas voando para um lado e para outro. Algumas com pontas em chamas, outras com pontas esverdeadas.

Isso era o mais esperado. Ela estava no meio de uma guerra. Uma Guerra Mundial.

Seu cérebro voltou a raciocinar. Sim, ela estava participando da primeira guerra que envolvia todo aquele mundo caótico e mágico. Ela estava sozinha? Não... A mulher, em um esforço sobre-humano, tenta se virar para o lado direito. Fazendo isso, ela consegue enxergar a tal pilha de corpos onde tinha caído. Mas não era isso que ela procurava. Ela queria os encontrar.

Sua visão não ia muito longe. Talvez esse sentido também já esteja sendo alterado pelo cansaço de seu corpo machucado. Mas até onde ela via, o cenário era uma absurda mistura de coisas destruídas.

Bandeiras de todas as cores e tipos, rasgadas e com seus mastros quebrados. Corpos com diferentes armaduras. E diferentes ferimentos mortais. Alguns soldados ainda vivos tentando se arrastar para fora do combate. Outros ajudando seus colegas, os carregando ou os curando. Armas de tudo quanto é tipo, jogadas à própria sorte para apodrecerem ou serem roubadas quando tudo aquilo acabasse.

E iria? Como dito, aquela era uma guerra que estava envolvendo todo o mundo. Nunca havia acontecido algo tão grandioso. Ou tão catastrófico. Aquela guerra já tirou milhões de vidas, e iria tirar mais alguns milhões antes de algum milagre surgir e acabar com toda essa matança.

A mulher fechou os olhos enquanto cuspia sangue no chão já sujo. "Onde eles estavam?". Dor e mais dor lhe atacava a mente. Seus olhos já não queriam voltar a abrir. Cansaço. Sono. Fraqueza. Ela não poderia dormir agora. Tinha que continuar lutando. Não por si. Mas por eles! Tinha que continuar se levantando. Continuar empunhando suas armas. Continuar usando suas magias. Continuar...

A pobre moça não aguentou mais. Sua consciência se apagou e só o negrume do subconsciente lhe sobrou. O que ela teria? Um sonho doce, longe dali? Um pesadelo terrível sobre tudo o que havia acontecido? Ou pior?

Longe dali, mas ainda sim, naquele campo de batalha, o mago que vestia uma linda armadura completa de prata continuava correndo. Na verdade, a armadura ERA linda. Havia um gavião dourado entalhado no peitoral e linhas, também douradas, corriam pelas braçadeiras, ombreiras e até mesmo nas perneiras. Mas agora... Depois de tantas lutas, aquela armadura parecia mais um amontoado de lata amassada preso por tiras de couro.

O tal mago não corria para fugir. Muito pelo contrário. Ele estava indo atrás da próxima batalha. Ele estava cansado sim, mas não era hora de embainhar sua espada. Esse foi só um jeito de falar, pois por mesmo que ele utilizasse uma espada de vez em quando, no atual momento, ele corria com um machado leve de lâmina dupla.

Além de cansado, ele estava machucado. Sua testa estava cortada e lançava sangue pelos seus olhos, o atrapalhando durante a corrida. Ele havia sido atingido por três flechas nas costas, exatamente em pontos onde a armadura não protegia. Além disso, ele tinha vários cortes pelo corpo — alguns leves, outros bem profundos.

E isso o pararia? Nunca. Ele já tinha passado por situações piores. Já ficou muito mais machucado do que agora. E mesmo nessas vezes, ele continuava se levantando para lutar. Desistência não estava em seu dicionário. Principalmente quando ele estava lutando por eles.

Ele ouviu uma nova onda de gritos vindo de muito à frente. Parou a corrida e tentou focalizar a visão. "Ah não...", foi o que ele pensou depois de ter certeza que daqui há alguns minutos, ele entraria em um novo combate perigoso.

O que acha que estava vindo contra o pobre mago machucado? Todo o exército de um Reino grandioso? Isso seria ruim mesmo, mas não era o caso. Uma vasta quantidade de monstros sedentos de sangue? É, isso também seria horrível, pois pela quantidade de gritos e berros, a quantidade que apareceria seria desesperado.

Mas não. Era PIOR. Pior que um exército fortemente armado de um reino rico e pior do que um grupo dos piores e mais poderosos monstros que se escondiam pelo mundo. O que vinham contra ele era um grupo de pessoas da mesma classe que ele... E com a mesma força de vontade e ideais.

O mago juntou uma espada do chão, a apertando firme. Afastou dos dois braços, como se estivesse os exercitando. Tomou fôlego. E correu contra aquele grupo, também gritando.

A maga que vestia vermelho era a única que não tinha se separado deles. Seu grupo continuava firme e forte, e eles tinham se tornado a força principal de ataque. Eram eles que faziam os maiores estragos naquela guerra.

Por quê? Bem... Porque os mais malucos e poderosos guerreiros das mais diferentes classes e tipos estavam unidos por uma só causa. Eles eram tão unidos quanto uma família, mesmo que cada um deles viesse de um dos quatro cantos do mundo. E todos eles estavam atrás da mesma coisa: vitória.

Naquele momento, o grupo travava uma das mais intensas batalhas daquela guerra. Eles estavam em uma área onde a maior quantidade de soldados lutavam ao mesmo tempo. Flechas, magias, armas e até mesmo pessoas passavam voando de um lado para o outro, sem parar. Estava um caos.

A maga estava preocupada com alguns de seus aliados. Não os que estavam ali lutando. Com outros aliados, que sua visão não encontrava de jeito nenhum. Ela sabia que muitos tinham se separado devido a uma certa estratégia previamente elaborada, mas já havia passado muito tempo e nenhum deles havia reportado alguma coisa.

Uma chuva de flechas com ponta ondulada caiu sobre ela. Atingida por várias delas, a maga gritou e rolou pelo chão. O cenário no qual lutava se tratava de uma mistura de vales de morros com planícies alagadas. E logo naquele momento, ela estava em cima de um dos morros, analisando melhor o campo de batalha. Mas parece que alguém percebeu sua falta de segurança.

Ela rolou pelo chão lamacento até cair dentro de um riacho com água parada. A dor fez ela gritar novamente. Se virou e arrancou uma das flechas que estava cravada fundo em sua perna esquerda. "Malditas flechas de Aobar!", gritava ela em sua mente. A garota conhecia a má fama de ser atingida por aquelas flechas especiais, e agora estava sentindo na pele o porquê elas eram chamadas de perigosas.

Do nada, os gritos cessaram. Isso era impossível. No meio de uma guerra, sempre haveria barulho, gritos, tilintar de metais. Mas houve um súbito silêncio. Estranhando, a maga olhou para cima. O que viu a fez ficar de boca aberta.

Fazia sentido que todos os que lutavam ficassem calados. Pois todos estavam com a mesma expressão que a garota. Todos estavam boquiabertos, pois do céu, caia um meteoro.

O lutador era o mais machucado de todos. Ele SEMPRE era o que mais se danificava. Não porque apanhava mais. Mas porque seu estilo de combate era considerado o mais perigoso já inventado, já que poderia ser uma faca de dois gumes.

Ele se arrastava pelo chão naquele momento. Onde estava? Nem ele sabia. Não lembrava, na verdade. Tinha acabado de derrotar o último inimigo que tinha dado o azar de irritá-lo. Mas isso lhe custou muito.

Sua perna direita estava quebrada, isso só pra começar a descrever a atual situação daquele indivíduo. Suas costas era um labirinto de cortes, arranhões e hematomas. Não dava pra ver como seu peito estava, mas era de se imaginar que estava do mesmo nível que suas costas. Seu rosto era a única coisa que parecia intacta, descontando o tapa-olho que ele sempre usava.

Ele tentou se levantar. Tentou. Assim que fez força nos braços para levantar o corpo, uma nova onda de dor lhe atingiu, e todo o peso de seu corpo machucado o jogou contra o chão mais uma vez. Mas algo o preocupou: uma sensação de molhado.

O lutador girou ainda no chão, ficando de barriga para cima. Tremendo, ele leva sua mão até o meio do peito. Era de lá que vinha aquela sensação estranha. Tocou e sentiu o tal molhado. Algum tipo de líquido grosso e meio pegajoso. Lentamente, ele trouxe a mão para perto dos olhos. Sua mão estava encharcada de um líquido vermelho vivo.

Ele então riu. Não uma gargalhada alta. Mas deixou um sorriso escapar. Ainda havia a dor, ainda havia o cansaço. Mas ele estava rindo. Deixou sua mão cair para o lado, batendo pesado na terra surrada. O sangue vinha de uma ferida mortal no peito. Ele tinha acabado de se lembrar o que tinha causado aquele ferimento.

Foi uma batalha contra um General. Alguém poderoso o suficiente pra ter um "Título Único". Alguém que sozinho, aguentou três ondas de ataques dos exércitos inimigos. Era uma parede humana. Alguém tão assustador quanto um urso que acabou de perder a cria.

Mas foi um tolo quando disse que iria matar cada um dos amigos desse lutador. Ninguém naquele mundo sairia ileso ao dizer tais palavras. "Irei esquartejá-los por ter iniciado essa maldita guerra!" foi o que ele disse antes da batalha em si começar. E a resposta foi dita tão automaticamente que parecia fantasmagórica: "Eu serei a última pessoa que você verá". E foi mesmo.

O som de uma explosão o tirou de suas atuais memórias. Ele virou a cabeça para o lado, mas não enxergava nada. Algo gotejou em sua bochecha. Virou a cabeça novamente, olhando para o céu que começava a escurecer. Chuva? Logo agora?

E como se por resposta à sua pergunta, outras gotas começaram a cair naquele campo tomado pelos gritos desesperados de milhões de soldados. "Nem uma tempestade iria limpar a impureza que semeou essa terra".

Com esse último pensamento, a consciência do lutador se apaga, deixando um triste silêncio, a não ser pelo barulho da chuva que caía em cima de uma centena de soldados mortos por aquela área.

Parece desesperador? E é. Era uma guerra. Nenhuma guerra é bonita. Não importava se você estava lutando por uma causa justa. Para salvar uma vida, você acaba tirando outra. Era uma regra. Uma lei. Todos os que entraram naquela batalha sem fim sabia muito bem o que o destino reservava. E com "todos", eu digo todos MESMO. Como já dito, era uma Guerra Mundial.

E sabe qual era o mais engraçado? O mais trágico naquilo tudo? Você não vai acreditar. Mas TUDO aquilo... Toda essa guerra, essa matança, esse desespero... Tudo aquilo foi causado por causa de UMA guilda. Uma só guilda. Uma família de pessoas estranhas, com poderes estranhos. Um grupo de pessoas conseguiu causar um abalo em todo o planeta, fazendo todos os reinos tomarem as armas e irem para o campo de batalha.

A guilda tinha uma causa justa? Como dito antes, será que existiria causa justa o suficiente para ser usado como desculpa? Será que as milhões de vidas perdidas ali serão desculpadas se a tal guilda explicar o seu motivo? Os familiares dos falecidos iriam os perdoar? Ou será que no fim dessa guerra, não existirá nem mesmo pessoas para quem pedir perdão?

Essa não é a história sobre os sobreviventes da guerra. Também não é a história sobre a "filosofia da guerra". E por fim, não é a história sobre como o mundo mudaria depois de tal abalo, e como as pessoas deveriam viver suas vidas.

É a história como tudo isso começou. É a história da tal Guilda e sobre a Guerra que mudou o mundo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.