Cada criança daquela família podia ser diferente de muitas formas. Diferenças que iam de gostos, aparência, personalidades e até habilidades. Isso era comum em qualquer lugar, disso Ray sabia. Mas algo que todas elas tinham em comum era o fato de que todos viam naquela casa um lar no qual poderiam ser felizes. Mesmo que eventualmente tivessem que crescer e ir para outro lugar, todos teriam boas memórias que não seriam deixadas para trás. As recordações com a enorme família em que cresceram jamais seriam esquecidas por nenhum deles.

Essa era uma característica que Ray queria poder ter em comum com elas.

Mas não importasse o quão injusto ou cruel isso poderia ser, a casa que seus irmãos e irmãs tanto adoravam não passava de uma fazenda que os criava para o abate. Era uma realidade que havia sido obrigado a aceitar mesmo antes de nascer, e não lhe restava escolha a não ser se acostumar com isso o mais rápido que pudesse.

Ele queria poder dizer que era mais fácil quando simplesmente não se envolvia com as outras crianças e que não teria que passar por nenhuma lamentação quando as visse partir, mas seria mentira. Por mais que se escondesse por trás de uma máscara com feição imparcial, cada criança, amigo e irmão que passava por aquele portão ansioso para conhecer sua futura família era como uma martelada de culpa em sua cada vez mais instável mentalidade.

E antes que percebesse, tantas crianças já haviam sido levadas para morte sem saberem disso que ele já havia se acostumado. A inveja por querer ser tão inocente quanto os outros nunca morreu, mas a sensação culpa já havia se tornado completamente fixa em sua vida. Por muitas noites já havia sonhado que aquela casa era diferente, que não era uma fazenda, sendo ela um simples lar de adoção como aparentava ser.

Como ela deveria ser.

E assim ele pretendia viver o resto de sua vida, carregando culpa e invejava pela ignorância que não tinha, até o dia que queimasse no fogo que ele mesmo criou, mas Emma tinha outros planos para Ray. A garota mais esperta da casa se recusou a deixar qualquer um de sua família para trás, mesmo que os mais novos pudessem apenas atrasar os demais e possivelmente até acabassem por estragar a fuga. Ele achava igualmente incrível e idiota como ela se preocupava com todos e não cogitava a possibilidade de que algumas crianças não poderiam fugir com ela.

O mais impressionante é que não era apenas uma criança com boas intenções, mas uma mente brilhante que, junto com o outro gênio que era Norman, criou um plano que pudesse realmente os tirar dali. Ele queria não ter esperanças, queria não passar por outra ilusão de que viveriam sem serem cuidados como mercadoria, mas nenhum dos dois o deixaram fazer isso. E quando seu papel como infiltrado nas crianças foi revelado, o plano continuou o mesmo: nenhum irmão ou irmã fica para trás. A teimosia dela ia contra todos os riscos que Ray lhe alertava insistentemente.

Era algo tão infantil, tão bobo de se pensar de que um grupo de crianças conseguiria fugir de uma prisão imposta por demônios, e ao mesmo tempo era um sentimento tão libertador para Ray. Era uma centelha de esperança que havia sido acendida em seu coração, e ele não queria mais deixar que se apagasse. Era incerto e muito mais difícil do que qualquer um deles poderia imaginar, poderia ser tudo em vão no final das contas, mas a essa altura Ray já havia se decidido que não se importava mais com isso.

Mesmo que tivesse que lutar contra os demônios que lhe torturavam dia e noite, cada criança morta prematuramente por ele não ter tentado ajudar, ainda haviam pessoas que ele poderia salvar. Seus irmãos e irmãs mais novos que não o temiam, não o repudiavam pelos seus atos meramente porque não sabiam de toda a verdade, salvaria cada um deles mesmo que para isso precisasse voltar ao perigoso território inimigo.

A ignorância sempre foi algo que ele invejou, mas Ray estava feliz por ter o conhecimento necessário para poder manter o que ainda sobrava de sua família viva e unida.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.