Só quando eu tive certeza absoluta que Allen tinha dormido, saí do quarto. Ele estava exausto e, se meu plano desse certo ele precisaria estar mais que descansado pro que estava por vir. Encontrei Wine e Alyss me esperando na sala de chá.

- Ai, estou tão animada! Vai ser algo lindo, lindo! – Alyss não disfarçava a empolgação. Wine parecia apreensiva.

- Você tem certeza que isso vai dar certo? Olha, ele foi afastado por um motivo, será que-...

- Deixe de ser pessimista, Wine! Papai vai ficar orgulhosíssimo.

- Alyss! Quer baixar a voz? – Me sentei à mesa tentando pensar com clareza.

- Mandei um mensageiro hoje de manhã. No mais tardar amanhã ao pôr-do-sol ele chega. – A princesa sussurrou.

Tudo bem, eu precisava ficar calmo. A decisão de tomar tudo em minhas mãos e fazer as coisas do meu jeito tinha sido impulsiva e já não era possível voltar atrás. Pensei se Allen não ia ficar bravo. A escolha final seria dele, mas... Eu temia por outra explosão emotiva. Isso poderia complicar as coisas.

- Tem certeza que não se importa Alyss? Quer dizer, eu não poderia estar mais grato por sua ajuda, mas você sabe o que vai acontecer se der tudo certo. – Ponderei.

- Eu sei, e não me importo. Sinceramente eu nunca me importei tanto assim, por isso papai queria me casar o mais cedo possível. Aliás, o acordo-...

- Ainda vai estar de pé, se ele aceitar. – Wine a cortou e olhando para mim concluiu; - E todos sabemos que as coisas não podiam estar melhores. Você falou pra ele?

- Falei o que? – Baixei os olhos para a xícara de chá sabendo exatamente a que ela se referia.

- O que você sente. Falou?

- ...

- Ah, para de ser tão menininha, Yell. Aposto que é você que fica por baix-...

- Chega Wine! – Eu e ela tínhamos desenvolvido uma espécie de amizade, ou devo dizer tolerância mútua depois do que ela tinha contado e estávamos trabalhando juntos, mas ela não tinha liberdade para dizer coisas como essa, pelos céus!

Ela riu e tomou um gole de chá. Alyss continuou tagarelando coisas aleatórias e deixei minha mente voar para longe. Eu estava arriscando demais, corria o risco de perder Allen de novo. Eu sabia que ele não fazia o tipo deslumbrado, mas era muita coisa em jogo e as coisas podiam sim mudar. E se mudassem e eu não tivesse falado ainda?

Quer saber, Wine estava certa em me fazer dizer, podia ser minha última oportunidade. Mas eu nunca ficaria assim tão vulnerável não é? Mesmo sendo Allen... Eu mal tinha começado a ter que tomar decisões e já estava cansado. Que belo rei eu daria hein?

No íntimo, era por isso que eu estava disposto a casar com Alyss, não só por que eu não tinha escolha, mas por que eu sentia que ia precisar de ajuda. Não que a princesa do Fogo fosse um exemplo de boas decisões. Wine sempre pensara por ela, mas dessa vez, a última decisão dela como princesa de Fogo tinha sido... Ela tinha provado ser muito mais do que esperava.

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A previsão de Alyss estava certa, ao pôr-do-sol do dia seguinte o Rei da Guilda de Fogo chegou. Meus pais ficaram confusos, não faziam ideia da chegada antecipada dele, esperavam-no apenas para o casamento, então estava tudo muito agitado no palácio. Eu e Alyss tomamos a frente e dissemos que nós tínhamos o chamado, se ele podia, por favor no acompanhar.

Alyss ficou com ele numa conferência privada para introduzir o assunto que tínhamos a tratar e eu fui falar com Allen. Wine me olhou e eu sabia exatamente o que eu devia dizer. Mas duvidava que teria a coragem necessária. Mas precisava tentar, era minha última chance.

Entrei no quarto que já estava escuro, a penumbra da noite sobre ele. O vi sorrir quando me viu, mas eu não tinha forças para retribuir. Fui até a cama sabendo que essa poderia ser nossa ultima noite. Eu nunca fora alguém particularmente ansioso ou preocupado com o futuro, tudo sempre estava planejado para mim. Dessa vez, tudo podia mudar com a chegada da manhã, e a incerteza me deixava louco.

- O que foi Yell? – Allen fez um carinho em meu rosto e o ergueu, forçando meus olhos a encontrar os dele. – Você parece preocupado.

- Eu... – As palavras pareceram fugir de mim. – É só impressão sua. – Tentei beijá-lo, mas ele se desviou.

- Não, não é. Eu te conheço agora Yell, sei quando mente pra mim.

- É só que... Tanto pode mudar em tão pouco tempo, e eu só queria que você soubesse que apesar de tudo eu... – Não ia dar, eu não ia conseguir.

- Você o que? Do que você está falando?

- Você foi a melhor coisa que me aconteceu. E me desculpe, eu sinto muito...

- Eu já falei que aquilo não foi sua culpa. E você também foi a melhor coisa que me aconteceu. – Ele riu. – E a mais confusa também. Não precisa se preocupar, nada vai mudar. Não entre a gente.

Dessa vez, ele permitiu que eu o beijasse. Eu tentava passar no beijo todo o carinho, toda minha preocupação por nós, tudo que eu não conseguia exprimir em palavras. Tentei não pensar em nada quando senti as mãos dele carinhosamente sobre mim, e focar apenas no que eu temia ser, nossa última noite.