POV JULIE

Felix e Martim se aventuram pela passagem estreita, mas eu escolho dormir mais um pouco no ombro de Daniel. Minha mente viaja durante o sono, e eu sonho.

"Estou num castelo, usando um vestido luxuoso, joias e saltos altos. Uma princesa como aquelas que eu desenhava quando pequena. Uma mulher com roupas simples, que não sei como, reconheço como minha criada predileta me tráz um bilhete curto. Coloca-o na mesa e se retira. Curiosa, pego-o e leio: 'A execução de Daniel Castellamare será ao meio-dia. Sinto muito princesa Juliana, mas não pude evitar. Martim'. Daniel Castellamare. Mesmo sendo um sonho, lembro o nome de Daniel. Porque ele estaria sendo executado? Decido sair do quarto e procurar Nicolas ou Daniel, ou o primeiro que puder me ajudar. Primeiro, olho para o relógio de pêndulo na parede. Sete e quinze, dá tempo de salvar Daniel. Passo por uma grande janela, e estico o pescoço e vejo o jardim, onde há uma forca montada. Droga. Daqui cinco horas ele vai ser enforcado. Onde raios ele poderia estar? Ah, claro, no calabouço. Desço todas as escadas que posso, tomando cuidado para não ir parar na cozinha.

'Daniel?', chamo-o. Procurando entre as celas escuras.

'Aqui Julie!', ele me responde. Sigo sua voz até a cela certa, onde o encontro com o rosto sujo e bem mais magro do que o habitual.

'O que faço para te tirar daqui?'

'Tem de chegar ao escritório do seu pai e modificar a petição acusatória que tem o meu nome. E escrever que o culpado é Nicolas Albuquerque. Rápido!'. Saio daqui correndo o mais rápido que posso e logo encontro o escritório do meu pai no primeiro andar. Sobre a mesa, está a petição com o nome de Daniel, ao lado de uma caneta-tinteiro e um pote de tinta branca. Cuidadosamente passo a tinta no papel, e imitando ao máximo a caligrafia de meu pai, escrevo Nicolas Albuquerque no lugar indicado. Escapo dali, esperando não ser pega. Volto para meu quarto e fico observando o jardim. Por sorte, ainda são nove e meia, há bastante tempo para que Daniel seja solto e Nicolas, encontrado. Leio um pouco, mas nada me distrai, meus pensamentos vão para o calabouço, onde Daniel ainda deve estar. Para meu azar, logo são cinco para meio-dia e ainda não sei de nada. Meio-dia. Sento-me à janela, para ver se algo irá acontecer. No palco da forca, sobem um conselheiro, um carrasco e o condenado - que está mascarado. Droga, droga, droga! Não sei se consigo correr até lá, mas tenho de tentar. Aos chutes, tiro os sapatos de salto e pulo a janela. Caio sobre um monte de terra, que tiro da roupa enquanto corro em direção ao jardim. Mas, por mais que me esforce, não consigo ser rápida o bastante. Então é isso: Minha história de amor está destinada a acabar de uma maneira horrível, negligente - isso, ao que parece, é minha culpa - e deprimente, para fechar o pacote? Não, eu sinceramente me recuso a permitir isso - mesmo que seja um universo imaginário.

'DANIEL!', grito, com toda a força de meus pulmões - que não é pouca. 'PAREM!'. Eles nem sequer olham para mim. Não saio do lugar, meus pés estão presos ao chão. De repente, o cenário muda, e estou me afogando em um líquido preto, que inunda meus pulmões. Tento tossir e cuspir para expelí-lo, mas meus esforços são em vão.

'Chame ajuda", sugere alguém e eu grito o primeiro nome que me vem à mente.

'Daniel!'

'Ele não, garota tonta. Quando você mais precisar, seus amigos Mortais não serão de nenhuma serventia. Procure por outro Conjurador'

'Mas eu não conheço nenhum outro Conjurador'

'Eles podem estar mais perto do que imagina criança'

Então afundo, minha consciência sendo sugada pelo líquido."

+++

Acordo ainda com a cabeça no ombro de Daniel, mas sentindo fortes dores pelo corpo, tanto que até respirar incomoda.

–Teve um pesadelo? - Daniel pergunta.

–Com certeza - gemo, tocando a testa dolorida. - Onde estão Martim e Félix?

–Não voltaram ainda - ele diz, preocupado. - Acho que os guardas os pegaram.

–Eu acho que eles conseguiram fugir.

Mal eu termino de falar, Martim irrompe pela porta carregando um Félix desacordado nos braços. Eu e Daniel nos levantamos, vagando o catre para Félix.

–O que aconteceu? - pergunto.

–Nós conseguimos chegar quase até fora daqui - conta Martim. - ìamos ver onde dava depois voltar e buscar vocês, mas aí Félix tropeçou e convulsionou, começou a falar asneiras sobre uma Conjuradora poderosa que se revelaria em seis dias...

Engulo em seco. Preciso contar para eles se quiser que estejam do meu lado quando eu mudar. Me endireito, tentando juntar coragem. Preciso contar, se não, vão - muito prudentemente - dar no pé assim que virem a destruição que vou causar com minhas habilidades incontroláveis.

–Gente, eu sei do que ele estava falando. A Conjuradora sou eu. Daqui seis dias, quando completar dezesseis anos, serei o ser mais poderoso do mundo, ao que parece.

–Pelo menos, as coisas estão mais claras - diz Daniel. - Mas o que fazemos?

–Já sei. Você e Martim procuram a saída e eu e Félix ficamos aqui, pesquisando mais sobre mim.

Eles assentem e Daniel me dá um beijo na testa antes de desaparecer com Martim pela passagem. Algumas horas depois, Félix desperta e eu lhe explico tudo. Juntos, vamos caminhando pelo complexo horripilante onde estamos presos. Chegamos a uma biblioteca enorme, com milhares de estantes. Passamos uma a uma, e Félix encontra um livro chamado O Livro das Luas. Seu índice é composto pelos anos de 1915 a 2015. Rapidamente abro em 2015, encontrando um sub-índice de alguns nomes dispostos em ordem alfabética, e para minha surpresa, encontro meu nome na lista. Vou até a página indicada e encontro uma espécie de ficha.

NOME: JULIANA SPINELLI DE ALMEIDA

IDADE: 15 ANOS

NASCIMENTO: 11.07.00

ELEMENTO: NÃO ESPECIFICADO

I

–Acha que faremos algum mal arrancando esta página? - Félix pergunta.

–Com certeza! Este livro tem um século e além disso, está sob jurisdição do Demetrius.Falando nele, vamos nos lascar se ele nos pegar aqui. Já sabemos que esse tipo de informação existe e está aqui, agora vamos! - insisto com urgência.

Ele pega meu braço e corre desesperadamente até a cela. Chegamos no exato momento em que os cachos dourados de Daniel surgem na escotilha.

–Oi - Martim cumprimenta. - Descobriram alguma coisa?

–Achamos um livro chamado Livro das Luas que fala sobre todas as Conjuradoras e Conjuradores desde 1915. E vocês?