I wanna kiss you in the rain

Único; I can't help it if you look like an angel


A tempestade estava forte e impiedosa do lado de fora da escola. A mais forte em cinco anos, era o que locutor — com a voz falhando muito — anunciava no giro regional no rádio velho do professor de Química. O pátio estava lotado e os vários sussurros pareciam entrar em sincronia.

Garfield suspirou e inclinou a cabeça para trás, justo no dia em que ocorreriam as primeiras classificatórias do time de futebol?! Estudou sem parar nos últimos meses para conseguir um A para entrar no time e no dia de sua estreia o universo conspira contra o seu favor.

— Parece ruim, mas eu tenho uma superstição que me diz que nada que acontece em nossas vidas é por acaso, inclusive imprevistos como esse — Kory disse deitada no ombro do namorado, Dick.

— Queria ser otimista feito você, mas minha cota já se esgotou por hoje.

— Pelos deuses, Gar! Quanto desânimo. — balançou a cabeça em reprovação. — Nem é o fim do mundo do jeito que você está falando. Em 24 horas no máximo tudo se estabelece ao normal de novo.

— 24 horas é pouco tempo para você?

— Deixa ele, amor — Dick pediu. — Ele acordou com o pé esquerdo hoje. Acredita que o sol nasceu apenas para ferrar com a vida dele.

— E até agora tudo confirma minha teoria.

— Talvez foi só uma coincidência — a ruiva tentou amenizar sorrindo.

— Não acredito em coincidências Kory.

— Ai! — Dick bufou e se levantou. — Venha amor, vamos deixar o senhor mal-humorado um tempo sozinho — estendeu a mão para a namorada que aceitou, antes de sair, ela depositou um beijo no topo da testa do Logan.

— Melhoras e tenta desestressar.

— Acho difícil eu conseguir — confessou e viu o casal se distanciando.

Aproveitou que estava sozinho para encostar as costas na cadeira, tentando descontrair os músculos. Prestou mais atenção no pátio ao seu redor e viu seu outro melhor amigo, Victor Stone, capitão do time de futebol e principal influência para entrar no time, conversando com seu grupinho de esporte na companhia da namorada, Karen Beecher, no outro lado. Karen estava embrulhada em seus braços trajando uma blusa de frio do atleta que dava o dobro dela. Achou graça nisso. Prosseguiu com sua observação e viu mais gente aglomerada conversando, se distraindo com jogos, no celular. Os alunos mais novos correndo pelos quatro cantos. Outros isolados e uma garota de cabelos lilases em específico chamou sua atenção, ela lia atenciosamente seu livro de Stephen King numa tamanha calma, nem parecendo que o caos se instaurava do lado de fora.

Conhecia aquela garota e muito bem.

Rachel Roth, também aluna do último ano do Ensino Médio, apaixonada em literatura, roupas pretas, acessórios de caveira e rock oitentista. Ela tinha um charme único. Apesar de conversarem poucas vezes — e nessas vezes sempre ser rebatido com indelicadezas —, na visão de Garfield, eles eram amigos ou quase isso, afinal “É apenas o jeito bruto dela”. Victor o chamava de iludido toda vez que ouvia essa afirmação, imagina se o amigo desconfiasse da paixão secreta que Gar nutria por Rachel?

— Eu sou muito mais iludido do que você pensa, cara — sibilou forçando um sorriso. Umedeceu os lábios e colocou a mochila no ombro, se encaminhando em passos lentos até a Roth.

Ela pareceu não notar sua aproximação quando ele parou em sua frente, sentada na escadinha perto da cantina, com apenas um telhado fino a protegendo da chuva. Sem rodeios, sentou-se ao seu lado, esperando que ela o afugentasse, o que, para seu alívio, não aconteceu. Tirou a mochila das costas e a abraçou. Seu coração disparou no peito, ainda se sentia estranho com isso.

— Então… — começou a puxar assunto. — Não se cansa de ler o dia todo, gatinha?

— Não me chame de gatinha. — o repreendeu, sem tirar a atenção do livro. — E me parece que você também não se cansa de me incomodar o dia inteiro.

— Ah qual é, a gente conversa só uma vez há cada duas semanas.

— O que já é uma eternidade para mim.

— Nem com o mundo acabando sobre nossas cabeças você não dá o braço a torcer para admitir nossa amizade?

— Amizade que só se fala há cada duas semanas, bela amizade!

— As boas amizades são assim, conversam dois dias direto e depois é três semanas de vácuo.

Rachel abafou um riso e fitou-o.

— O que você quer, Logan?

— Conversar.

— Não, digo, o que realmente quer? Esse pátio tá lotado de gente que você conversa, por que perder o seu tempo comigo? — perguntou pondo uma mecha para trás da orelha.

Sua companhia não é uma perda de tempo, a frase se enroscou na garganta. Uma gota fria bateu em sua nuca e escorreu por suas costas. Arrepiou-se. Olhando para cima viu um buraquinho no telhado.

— Ei, crianças! — a professora os chamou — Se sentem aqui nas mesas, tá molhando tudo aí. — Gar discretamente apontou o indicador para si mesmo, confuso. — Sim, são vocês dois mesmos, pombinhos.

— Tenho certeza de que isso não foi um pedido. — Gar disse e Rachel apenas concordou.

Sentaram-se num espacinho pequeno na mesa, sendo obrigados a dividi-la com a turma da sexta série. A professora os encarou com um olhar desconfiado por um instante antes de voltar a seus afazeres, que se resumiam em ajudar os alunos mais novos a colorir desenhos.

As bolsas postas em cima da mesa, Rae brincou com os dedos no seu chaveiro no silêncio incômodo que se instaurou. Quando cansou-se disso, resolveu (finalmente) pôr as cartas na mesa sobre aquilo que inquietava seus pensamentos.

— Ainda não respondeu a minha pergunta. — Rachel cobrou abraçando o livro contra o peito.

— Qual pergunta?

— A que eu te fiz na escada.

— Não? — fez-se de desentendido coçando a nuca. E agora?

— Não.

Bom, coragem Gar, coragem. Respira. Você consegue.

— Err… Olha, talvez você acha estranho, mas… — ficou hesitante. — Eu gosto de você!

— Você… não, impossível. — encolheu os ombros.

— Mas é sério, eu gosto!

— Não brinque com meus sentimentos, Logan… não quero me machucar de novo. — concluiu mentalmente.

— Eu não brinco quando se trata de assuntos sérios assim. — afirmou e segurou delicadamente a mão da Roth, a garota corou as maçãs do rosto. — Já faz um tempo que sinto isso por você, perto de ti eu sou mais confuso que já sou — riu. — Amo sua companhia e te provocar durante os recreios foi a forma mais segura que encontrei de me aproximar de você...

— Ohhhh que fofo! — uma menina gritou atrás deles, os assustando.

Ela era da quinta série, sentada ao lado dele, os mirando curiosa. Possuía cabelos castanhos que batiam nos ombros, uma presilha de unicórnio segurava a franja. Vestia um vestido laranja que ia abaixo do joelho e usava uma bota de cano curto marrom.

— Vocês são um casal? — questionou inclinando a cabeça um pouco para o lado.

A pergunta deixou-os desconcertados.

— Somos amigos. — Rachel rapidamente respondeu, Gar arqueou a sobrancelha.

— Agora somos amigos, né?

— Somos!

A menina riu nasalado.

— São engraçados. — comentou. — É uma pena, vocês conversam feito um casal, agem feito um casal e juntos são bonitos, combinam. — enumerou os fatos puxando os dedos. — Pra mim são um casal e pronto! — Por fim, deu de ombros e voltou a atenção ao desenho que coloria. No estojo seu nome, Louise, estava escrito com glitter.

Rachel ainda estava tentando decodificar todas as informações que acabara de receber, roendo as unhas, tentando ao máximo disfarçar sua euforia interna. Gar riu da inocência da menina e bagunçou seus cabelos.

— Gostei de você, Louise! — voltou sua atenção a Roth. — Tá vendo, até a criança acha que formamos um belo casal. Então… Que tal sairmos sexta agora, gatinha? Sorveteria, pode ser? Inclusive, eu tenho uma música que escrevi para você para te mostrar, vou levar meu violão junto.

— Música? Pra mim? — riu sem graça. — Mas eu não tenho nada de interessante. Juro que se isso for um esquema seu para brincar comigo!

— Ei, Rae, se acalme! E eu não posso evitar que você parece um anjo e nem posso evitar a vontade que tenho de te beijar na chuva — achou graça no próprio trocadilho, a chuva forte ainda pingava no telhado. —, você é uma inspiração! Esse sentimento é mágico e eu sempre me arrisquei em compor. Eu te amo, Rachel Roth! E quero fazer dar certo. — sorriu sincero e isso foi o suficiente para o coração da garota se derreter por dentro.

— Tá bom, me pega na minha casa na sexta às 7 da noite. Sem falta!

— Ok.

Garfield se achegou e a puxou para um abraço caloroso, fazendo um leve cafuné em seu cabelo. Apesar das borboletas, retribuiu com força aquele abraço que tanto desejou.

Eu disse que eles eram um casal — Louise sussurrou para uma coleguinha loira ao seu lado.

— Logan? — Rae chamou sem desfazer o abraço.

— Sim?

— É uma pena seu jogo não ter acontecido hoje. Eu iria assistir.

— Sabe, como uma amiga minha disse, nada que acontece em nossas vidas é por acaso, se não fosse pela chuva talvez não teríamos um encontro marcado para sexta. E espero que este seja, de preferência, sem chuva.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.