I Will Possess Your Heart

Capítulo IV - Why don't you love me anyway?


“Atende. Atende. Atende.” Gerard estava encolhido no chão gelado do banheiro. Precisava falar com alguém. Queria ligar para Michael, mas provavelmente seu irmão o chamaria de louco. Sentia vontade de chorar, de gritar. Sentia medo. “Atende. Por favor.” Mais algumas chamadas. Ninguém atendeu. “Merda.” Discou novamente. “Vamos...” Mmmm, alô? Gerard sorriu ao escutar a voz do amigo. “Bert. Vem aqui. Agora.” Gerard desligou sem ouvir a resposta.

Meia hora depois, um Bert ofegante bateu na porta.

“Cara, que merda foi essa? Que diabo você quer?” Bert entrou aos gritos e se jogou no sofá. Tomou um pouco de ar para gritar novamente com o amigo, mas parou quando viu seu rosto pálido. “Aw... Droga. Vem cá.” Bert apontou para o sofá, Gerard obedeceu. “O que aconteceu?”

“Eu... conversei com ele.” Bert teve que se esforçar para entender os sussurros de Gerard.

“Com quem? Com o Ray?”

“Não. Com... ele. O espírito.” Gerard não pronunciou a última palavra, apenas moveu os lábios. “Acho que ele quer alguma coisa. Ele precisa de mim.”

“Todos eles precisam. Isso pode levar um tempo. Mas os mortos sabem esperar.”

“Os o quê? Não! Ele não está morto. Eu não conversaria com um morto!” Gerard gesticulava com as mãos, em nervosismo.

“Peraí... Você tá me dizendo que conversou telepaticamente com uma pessoa viva?”

“Foi por ouija.” Bert riu, mas Gerard o cortou. “Eu não sei... Mas... Eu sinto. Eu sinto dentro de mim. Toda vez que ele invade meus sonhos. Ele não pode estar morto. Ou ela. Eu ainda não sei. Eu só sei que... está vivo. Pelo menos dentro de mim.”

“Okay, Gerard. Eu acho que você não entendeu como funciona.” Bert parou por alguns segundos, para escolher as palavras certas. “Isso de se comunicar com vivos... Por sonhos, ouija, rituais... Isso não existe. Se você realmente está se comunicando com alguém através desse tipo de coisa, esse alguém certamente não está vivo.” Gerard sentiu seu corpo gelar. A idéia de conversar com um morto o fez estremecer. Afinal, o que um espírito morto poderia querer dele? “Sabe, Gerard... Isso aconteceu rápido demais. Tem o quê? Quatro, cinco dias? Pois é. Em alguns dias você começou a sonhar com isso, e agora já está se comunicando com esse ‘ser’. Não estou dizendo que você está alucinando, até porque você sabe que eu acredito nisso. Mas você está se precipitando demais. Respira, cara. Relaxa. Tenta esquecer isso, pelo menos por agora. Se acontecer de novo, a gente procura ajuda pra você.”

“Mas, Bert... Você não acha que seria melhor se eu fosse conversar com o seu amigo de novo?”

“Com o Ray? Depois da vergonha que você me passou? Ah, fala sério, Gerard! E outra: Hoje é domingo, eu quero dormir o resto do dia.” Gerard forçou um beicinho e olhou para o amigo com seus enormes olhos verde-oliva. “Ah, não, Gerard... Tá. Tá bom. Pode parar de fazer essa carinha. A gente vai. Mas se você fizer alguma besteira, eu te expulso de lá aos chutes, entendeu?”

Alguns minutos depois, os dois amigos estavam encarando a grande porta metálica novamente. Dessa vez, Gerard não sentia medo. Estava ansioso. A porta se abriu.

“Mmm? Ah, Bert. E aí.” Um tufo de cabelo esvoaçante apareceu pela frestinha da porta. “Gerard? Achei que demoraria mais.” Gerard corou. “Entrem.” Ray abriu espaço para os dois.

A casa estava escura, Gerard tentou se lembrar do caminho que fez mais cedo para chegar ao sofá, tropeçou em alguns objetos pelo chão e finalmente sentou-se.

“Cara, desse jeito você vai virar um vampiro. Faz quanto tempo que você não vê o sol?” Ray resmungou algo que Bert não entendeu. “Se continuar assim, vai acabar ficando da cor desse branquelo aqui.” Bert deu um beliscão no braço de Gerard, que soltou um grito fino. “A gente tem que marcar de sair um dia desses, senão você vai apodrecer aqui dentro.” Gerard se admirou com a intimidade que Bert tinha com Ray, e pensou que mesmo que conhecesse Ray há mil anos, jamais se atreveria a tratá-lo dessa forma, provavelmente porque morreria de medo da reação dele.

“Cala a boca, Bert.” Bert obedeceu. “E então?” Ray encarou os dois, que não falaram nada. “Ah, entendi. Vocês vieram só pra me ver, então?”

Bert deu uma cotovelada na costela de Gerard. “Ah, sim... É que eu queria conversar com você sobre aquilo.” Gerard parou, Ray pediu para continuar. “Eu conversei com o espírito. Por ouija. E ele me disse que precisa da minha ajuda. Ele implorou.”

“E...?”

“E é isso. Ele pediu minha ajuda e eu não sei o que ele quer.” Gerard olhou para Bert, procurando por ajuda, mas Bert apenas brincava com algumas almofadas, entediado, como se estivesse acostumado com aquele tipo de conversa.

“Hmmm.” Ray olhou de Bert para Gerard, de Gerard para suas mãos suadas, das mãos suadas para Gerard novamente. “Não entendi o motivo da sua visita. Está tudo óbvio aqui, não?” Gerard não entendeu. “Você quis conversar com ele e conseguiu. Ele quer sua ajuda, não a minha. Eu não posso fazer nada. Tente conversar com ele de novo. Talvez ele só precise de paz, de alguma coisa que só você possa fazer, não tenha medo.”

Gerard assentiu e se levantou do sofá, mas Bert o puxou de volta.

“Ei, espera. Você não vai contar o resto da história? Do espírito que pra você não é espírito?”

“O quê? Ah, isso não tem nada a ver, Bert!”

“Claro que tem! Olha, Ray... Meu amigo aqui acha que esse espírito que conversa com ele, na verdade, é uma pessoa viva. Ele não quer acreditar que é um morto. Eu já disse pra ele, mas em mim ele não acredita. Fala você pra ele, pra ver se dessa vez ele deixa de ser cabeça-dura.”

“Bom, Gerard... Eu sinto em lhe informar, mas essas coisas só acontecem com mortos, ainda mais com ouija.” Gerard sentiu os pêlos de seus braços se eriçarem. “A menos que...” Ray parou e olhou para Gerard com os olhos arregalados.

“A não ser que o quê?” Bert gritou do outro lado do sofá. “Vai dizer que isso é possível?”

Ray não respondeu, apenas abriu uma gaveta de uma cômoda ao lado do sofá e retirou um enorme livro de dentro. Ligou o abajur, abriu o livro, folheou algumas páginas e fez um sinal para que os dois se aproximassem.

“Gerard, eu não sei se deveria te falar isso... Eu não quero te assustar, mas, sei lá, só pra tirar suas dúvidas.” Gerard estava confuso, mas concordou. “Tá vendo esse desenho aqui?” Apontou para uma pintura desbotada de uma moça sentada numa varanda escura, com a expressão melancólica e um dos braços esticados para uma nuvem de fumaça em formato de um corpo masculino. “Você acredita em destino? Em alma-gêmea?” Não esperou resposta. “Então, esses dois aqui são. E eles estão vivos, mas separados, distantes. E a ligação entre eles é tão forte que eles conseguem se comunicar em momentos de desespero.”

“Ah, qual é! O Gerard com uma alma-gêmea? Ele é o cara mais frio que eu conheço! Deve ser virgem até hoje porque nunca se deu ao trabalho de dar atenção pra alguém.”

“Hey!” Gerard deu um tapa no braço de Bert. “Eu não sou assim!” Ray assistia a cena, em silêncio. “Mas também não acredito nisso. É verdade, faz mais de um ano que eu nem flerto com ninguém, agora você vai dizer que minha alma-gêmea está tentando conversar comigo? Assim também não dá!”

“Eu não quero dizer nada, só quero tirar suas dúvidas.” Ray respondeu, desconfiado. “Então, Gerard, não há mais nada que eu possa fazer por você. O que você vai fazer agora é tentar conversar com esse espírito, agora que você sabe que ele realmente está morto, talvez fique mais fácil. Vá pra casa e converse com ele, se precisar da minha ajuda, eu estarei aqui.”

Gerard estava atordoado. Estava confuso com tantas revelações repentinas. Há uma semana atrás, ele ria das histórias de Bert, e agora ele não só acreditava, como também vivia essas histórias.

Chegou em casa e foi direto para seu quarto. Colocou a tábua envelhecida sobre a cama e retirou a setinha da caixa. Respirou fundo, tentando recuperar o fôlego, e pressionou os dedos contra a seta. “Meu nome é Gerard Arthur Way.” Fechou os olhos. “Meu nome é Gerard Arthur Way.” Nenhuma resposta. “Meu nome é Gerard Arthur Way. Você está aí?” Nada. “Por favor, se você estiver, converse comigo.” A seta continuou intacta sob seus dedos. Gerard não iria desistir, não sossegaria até conseguir conversar com o tal espírito. “Meu nome é Gerard Arthur Way. Tem alguém aí?” Gerard repetiu a mesma frase por alguns minutos, até que seu corpo cansado não agüentou mais e tombou ao lado da tábua, adormecido.

x-x-x-x

O sol adentrava timidamente no quarto pequeno. O corpo pálido que estava sobre a cama finalmente se mexeu. Passou as mãos delicadas pelos fios negros, soltou um leve bocejo e tentou se virar, mas um peso na ponta de sua cama o impediu. Abriu os olhos lentamente e ficou sobre os cotovelos. Focalizou a imagem de um corpinho frágil, de costas.

“O quê? Quem é você?” O corpinho não se mexeu. “O que faz aqui?”

“Shh. Sou eu, Gerard.” Os braços do menor repousaram ao lado de seu quadril, exibindo inúmeras tatuagens. “Sou eu. Eu só queria conversar.”

Gerard não sentiu medo, sentiu uma estranha sensação de intimidade. Queria se aproximar, queria tocar a pele dourada, queria deslizar os dedos finos pelos desenhos da pele do outro, queria ver seu rosto. “Conversar? Sobre o quê?”

“Sobre tudo. Sobre nós.” A voz grave do outro tomou conta de Gerard, fazendo os pêlos de seus braços se eriçarem. Tentou levantar e engatinhar até o menor, mas seu corpo não obedecia. Havia um peso sobre suas pernas, seus braços estavam emaranhados nas cobertas. Gerard estava em plena agonia. Ele queria, precisava se aproximar, mas seu corpo o traía.

“Nós?”

“Pare de se enganar, Gerard. Abra os olhos. Enxergue a vida ao seu redor.” Gerard observou o corpo se levantar lentamente. “Olhe para mim. Eu estou bem na sua frente, sempre estive, mas você nunca se importou.” Gerard tentou falar, mas sua voz não saiu. “Abra seus olhos. Eu preciso de você.”

O corpinho andou até a porta do quarto, Gerard queria chamá-lo de volta, mas não sabia seu nome. Tentou gritar, mas não conseguiu. De repente, uma música conhecida invadiu seu quarto. If I cut off your arms and cut off your legs... O corpo desapareceu. Would you still love me anyway? Gerard se contorcia na cama. If you're bound and you're gagged, draped and displayed… Sentiu um nó em sua garganta. Would you still love me anyway? Abriu os olhos, o quarto estava escuro e gelado. Olhou para a cômoda ao lado da cama, o despertador estava tocando. Foi um sonho. Why don't you love me anyway? Gerard esticou o braço para desligar o despertador e uma pontada de dor o atingiu. Seus braços estavam extremamente vermelhos. Tirou o cobertor de cima de seu corpo, suas pernas estavam com marcas arroxeadas. Olhou para a ponta de sua cama e ainda conseguia sentir o calor do corpo que estava ali. “Não... Não pode ter sido um sonho. Não pode.”