Capítulo I: For all the ghosts.

Gerard levava uma vida simples. Tinha sua rotina, suas regras, sua solidão. Tinha o controle.

Morava num apartamento pequeno, há duas quadras do apartamento de seu irmão, Michael, e sua cunhada, Alicia. Apesar de ser jovem, dava aulas de história numa universidade em New Jersey. Seus poucos anos de experiência como professor o ensinaram a ver seus alunos como vultos, e se alguém perguntasse, ele não saberia dizer o nome de um aluno sequer, exceto Robert McCracken, que por algum motivo atraiu a atenção de Gerard desde o primeiro dia, talvez pela sua vivacidade e leveza de espírito, ou simplesmente por acreditar em coisas que eram alvos de chacota para Gerard.

Robert sempre dizia que Gerard tinha algum tipo de dom, que sentia algo estranho quando conversava com ele. Gerard, por sua vez, nunca se importou com o que Robert dizia, afinal, ele não acreditava de qualquer maneira.

”Gerard,” Robert o encarava com seus profundos olhos azuis “Você tem certeza que nunca viu nada sobrenatural? Tipo, quando você era menor, você nunca brincou com ouija* e coisas desse tipo? Nunca viu um anjo no céu? Nunca sonhou com uma pessoa várias noites seguidas?” Gerard detestava quando Robert o bombardeava com perguntas sem sentido, mas era melhor do que voltar sozinho pra casa.

“Não, Bert. Nunca brinquei de ouija, nunca vi nada estranho.” Na verdade, Gerard tinha uma tábua de ouija escondida no guarda-roupa. Comprou num bazar quando criança, e usava para colocar medo em seu irmão.

“Eu duvido, Gerard. Um dia você vai ver. Um dia algo do tipo vai acontecer com você. Eu me lembro quando aconteceu comigo pela primeira vez, eu tinha sete anos...” Gerard se sentia ridículo quando ouvia as histórias de Robert. Dois caras adultos, conversando sobre espíritos e coisas sobrenaturais – que não existiam, ao menos para um dos dois – Gerard apenas se limitava a balançar a cabeça, sorrir em deboche e discordar.

E hoje, lá estava ele. Quase morto, dentro da banheira, com seu irmão o agarrando pelos ombros.

“Okay, Gerard. Eu vou te tirar daqui, e você vai me explicar o que está acontecendo, ouviu?” Gerard maneou a cabeça e saiu da banheira com a ajuda de Michael. Alicia entrou no banheiro com toalhas e embrulhou Gerard numa delas, arrastando-o para fora do banheiro. Gerard estava trêmulo, roxo, batendo os dentes.

“Mikey, vou preparar um chá.” Alicia foi na direção da cozinha, mas parou no caminho, lançou um olhar preocupado para Michael e sussurrou “Não saia do lado dele.” Michael assentiu.

Já dentro do quarto de Gerard, Michael o colocou na cama e jogou uma coberta sobre o corpo pálido do irmão. “Certo... Gerard, eu acho que... Você deveria morar com a gente. Sabe, você não pode ficar aqui... sozinho.”

“Eu estou muito bem aqui, Mike.” Michael precisou se concentrar nos lábios de Gerard, pois sua voz não passava de um sussurro “Eu só dormi na banheira... É o trabalho.”

“O trabalho, Gerard? Não é a primeira vez que acontece. Você sabe que não.”

Gerard sabia. O mesmo tinha acontecido no caminho de casa, quando ele simplesmente entrou em transe e acordou depois com vários olhos curiosos sobre ele. E dias depois, na fila do mercado. Acordou com a moça do caixa chamando sua atenção, perguntando se precisava de ajuda, e oferecendo um pano para limpar o filete de sangue que escorria de seu nariz.

“Eu vou procurar ajuda, eu vou ao médico.” Michael não acreditava “Eu juro.”