I Surrender

Capítulo 17 - Ele Não é Uma Garota


Capítulo 17 - Ele Não é Uma Garota

As pessoas são hipócritas e egoístas, fazendo tudo visando seu conforto. Até mesmo dando uma passagem para os amigos da sua filha para a verem, achando que isso faria com que mudasse alguma coisa, aliviasse a culpa da traição.

Óbvio que eu amei o fato de matar a saudade de Annie e Dallas, mas minha primeira reação quando Ashley disse aquilo para mim foi lembrar-me de tudo o que ela fazia para agradar Blake e minha mente piscou com letras em néon ‘tentativa de suborno’. Meu pai sorria para a vaca como o bom cachorrinho que havia se tornado.

Para melhorar a situação, ao ir embora, Jason inclinou-se para me abraçar e logo depois disse:

- Camisa legal. – E imitou um pato. Minha vontade foi de morrer, tanto pela imitação ridícula quanto por ele ter me visto naquela roupa mais ridícula ainda.

Olhei para meu pai, e percebi que ele já me encarava. Doeu ver David mais feliz do que nunca, comigo ali ao seu lado, destroçada.
Depois que o final de semana passou, eu voltei ao meu ritmo normal, indo a escola, estudando e evitando ao máximo encontrar com David e minha madrasta.

Hoje, início de outubro e final da semana, eu estava indo para o hospital tirar os pontos em minha cabeça, para logo em seguida ir buscar meus amigos, que chegariam às quinze horas, no aeroporto. Ashley tinha forçado Blake a ir comigo dizendo que “a relação de irmãos está abalada, vocês precisam de um tempo”. Se ela soubesse o que realmente acontecia.

As coisas entre nós dois estavam muito estranhas, quase não nos falávamos, nem mesmo para discutir. Depois daquele dia com ele tentando conversar comigo sobre nós termos nos beijado, Blake nunca mais tocou nesse assunto e eu não poderia estar mais aliviada. Foi apenas um momento de fraqueza, só isso.

Blake era um aproveitador de garotas inocentes, eu estava frágil com tudo o que tinha acabado de acontecer, e ele aproveitou-se disso. Mesmo sendo eu quem o beijei primeiro, o canalha não fez a menor questão de se afastar.

Nem você!

Eu odeio a minha consciência.

Por incrível que pareça ficar sem falar, discutir ou qualquer outra coisa além de um “Me passa o suco” com aquele drogado estava me fazendo sentir mal.

O mais difícil de toda essa história era admitir que eu houvesse gostado de beijar Blake. Por que eu tinha. Mas isso não o tornava menos aproveitador. E em hipótese alguma eu iria admitir isso em voz alta. Nunca, jamais, nem por um milésimo da minha vida eu sequer cogitaria a ideia de pensar em deixar essas palavras saírem pela minha boca.

Com um suspiro mal humorado batuquei os dedos em minha nova bolsa, outro presente de Ashley. Blake olhava para o nada em uma posição desleixada na cadeira de espera do hospital.

Olhei pela milésima vez as horas no meu celular. Eu não podia chegar atrasada no aeroporto! O que aquele médico fazia dentro daquela sala para demorar tanto assim?

- Sophie Monroe.

Praticamente saltei da cadeira, indo acompanhar a secretária para a sala onde eu tiraria os pontos em minha cabeça.

- Acompanhante, por favor. – A mulher deu um empurrão de leve em Blake, mas foi o suficiente para fazer parte de seu corpo bater contra minhas costas.

Fiquei estática na porta do consultório. Aquele era o maior contato que havíamos tido em uma semana.

- Anda logo. – Resmungou Blake passando por mim, sem nem me olhar.

Fiquei sentada numa maca sentindo-me desconfortável.

O médico não demorou a chegar e deu um sorriso amarelo para mim.

- Srta. Monroe?

Assenti com a cabeça, subitamente nervosa com a ideia de uma agulha perfurando minha cabeça para tirar os pontos. Será que ele iria usar aquela tesoura que estava na bancada? Espera. O que era aquele negócio pontudo ao lado da tesoura? Meu deus, eu ia morrer!

- Nervosa?

Balancei a cabeça em outro gesto positivo.

- Se quiser pode segurar a mão do seu acompanhante. É pra isso que ele está aqui, certo?

Olhei para o garoto sentado na poltrona que me observava de volta. Por que parecia que todos insistiam em nos deixar em situações constrangedoras? Será que não entendiam que eu queria ter o mínimo possível de contato com Blake?

Mas por outro lado eu queria muito segurar a mão de alguém. Até mesmo a de Blake.

Como se ele tivesse lido meus pensamentos, levantou-se estendendo a mão para mim que imediatamente a agarrei como se minha vida dependesse daquilo. Evitei olhar para seu rosto, por isso fiquei olhando para nossas mãos unidas.

Eu conseguia ser mais branca do que Blake e minha mão era bem menor do que a dele, quase sumia com ele a segurando. Encaixe perfeito.

Isso não estava dando certo.

Antes que eu tivesse a chance de tirar minha mão de perto da dele, senti uma dorzinha na cabeça e percebi que o médico tinha começado a tirar meus pontos.

Gritei e esmaguei a mão de Blake.

Ok, não doeu tanto. O que me apavorou mesmo foi aquela coisa grande e que reluzia nas mãos do doutor.

Notei somente que eu tinha fechado os olhos quando parei de sentir a cosquinha na cabeça e vi que Blake estava rindo e revirando os olhos. Eu ainda esmagava sua mão, mas ele parecia não se importar.

- Prontinho! Nem foi tão ruim assim, senhorita . – O médico sorriu amarelo outra vez antes de abrir a porta de sua sala.

- Haha, verdade, nem doeu. – Fiz uma careta tentando sorrir.

- Se você ainda sentir alguma dor, tome aquele analgésico que eu passei antes de você receber alta.

Concordando com ele, saí do consultório seguida por Blake. Ainda estávamos de mãos dadas.

Afastei-me dele tirando minha mão de perto da sua como se ele estivesse pegando fogo.

John demorou cerca de dez minutos para chegar no aeroporto, o que foi muito tempo, ainda mais com os meus pedidos insistentes para ele andar mais rápido.

Minhas botas, outro presente de Ashley, impactavam-se com a força desnecessária de minhas passadas. Impaciente, olhava de minuto em minuto para a placa eletrônica que era atualizada automaticamente vendo se o voo de Annie e Dallas estava atrasado.
Parecia que fazia uma eternidade desde que eu saí do hospital com Blake e John tinha nos deixado na porta do aeroporto.

- Pare de ficar andando com esse salto irritante, parece que meus ouvidos vão explodir.

Virei para olhar para um Blake irritado, escorado na parede, devido a todos os assentos estarem ocupados. Os braços encontravam-se cruzados e ele vestia somente preto, tirando a camisa com alguns desenhos, - que eu não fazia ideia do significado - em cinza.

Com tanto barulho no local, ele tinha que vir reclamar das minhas botas? Ah, por favor.

Se eu não estivesse pensando a todo o momento no que tinha acontecido entre nós, provavelmente teria começado uma discussão com Blake, mas nas atuais circunstâncias tudo que eu fiz foi dar as costas para ele e continuar andando, em um ritmo quase em círculos.
Peguei um chocolate quente em uma daquelas máquinas que sempre tem em aeroportos e bebi tudo de uma vez. O frio tinha castigado o início de do mês, mas pelo menos dessa vez, antes de sair de casa, eu tinha me agasalhado bem.

Cansada de ficar andando, escorei em um ponto estratégico onde eu podia ver a atualização dos voos, a porta de desembarque e Blake, sem que esse percebesse que eu estava o olhando. A última parte não foi proposital. Sério.

Acho que eu me esqueci de olhar para a placa com o voo de Doncaster para Londres. Tudo que eu via era costas de Blake, cabelo desgrenhado de Blake e jaqueta de Blake. Estou enlouquecendo. Graças á Deus Annie e Dallas estavam vindo.

- Sophie... Sophie! O voo de Doncaster acabou de pousar.

- O que?

Blake me olhava com uma sobrancelha erguida daquele jeito que ele sempre faz, parecendo que está falando com uma criança.

Droga! Será que ele tinha me visto o encarando?

- Suas amigas daqui a pouco vão passar pela porta de desembarque. – falou lentamente.

- Oh!

Uau. Como eu consigo dizer coisas inteligentes quando estou nervosa, nem reparei no engano que Blake tinha dito ao dizer “suas amigas”.

Dei um desconto para mim mesma e andei para perto das portas deslizantes de vidro. Foi como se o tempo parasse por cinco segundos.

Dallas passava pela porta com a alça da mala passando sobre o seu ombro. Estava exatamente como eu me lembrava, talvez um pouco mais alto do que já era, os cabelos castanhos lisos enfiados em um gorro azul e os olhos da mesma cor vasculhavam ao redor até que pararam em mim e ele sorriu.

- Ah meu Deus! Dallas! – Gritei andando mais depressa para abraçá-lo.

- Você está mais baixa ou é impressão minha? – Brincou passando os braços ao redor dos meus ombros.

- Olha quem está falando. – disse com o rosto enterrado em sua camisa. – Quanto está medindo agora? Três metros?

- Claro, claro, Dallas e sua monstruosa altura.

Inclinei o rosto para cima. Ele estava mesmo ali! Não fazia ideia do quanto tinha sentido saudades do meu melhor amigo até vê-lo pessoalmente.

- Ei, onde está a Annie? – Afastei-me um pouco de Dallas para olhar atrás do mesmo.

Ele abriu a boca para responder, também virando o pescoço para ver quem saia.

- Espera, Dallas é um garoto?

Não, quem disse isso não foi Dallas, óbvio. Seria estranho ele mesmo questionar se era homem.

Blake tinha a sobrancelha erguida, mas não daquele jeito que ele a usa comigo. Era um gesto desconfiado, surpreso, até.

Na verdade era comum as pessoas pensarem que Dallas fosse uma menina, não pelo jeito dele, por que só de olhar para ele dava para perceber que não se parecia nada com uma garota, era pelo nome unissex mesmo.

Dallas olhou para mim com a boca franzida e as sobrancelhas erguidas, segurando o riso por achar alguma coisa, - que eu não sabia o que era - engraçada.

- Olá. – Estendeu a mão em um gesto formal e educado como fazia com quem não conhecia. – Você deve ser o irmão da Sophie.

Discretamente, ou não tão discretamente assim, pelo olhar estranho que recebi de Blake, dei uma cotovelada em Dallas. Se ele continuasse a falar assim, Blake iria pensar que eu ficava falando dele para todo mundo, e que eu gostava dele. O que não passava nem perto da verdade. Não mesmo.

- Nós não somos irmãos. – disse com uma careta mal humorada. A educação em pessoa.

Dallas sorriu um pouquinho. Como os dois eram diferentes. Meu melhor amigo tinha uma jeito tipicamente inglês, educado e elegante, enquanto Blake tinha tudo para ser mais um americano com o seu jeito sempre grosso e mal humorado.

Ok... O clima entre nós três estava tenso e estranho, ou era impressão minha?

- Ai meu Deus! Ai meu Deus! Ai meu Deus! – Uma voz fina disse empolgadamente atrás de nós. – Não me diga que essa perfeição na minha frente é o seu irmão!

Annie também não se encontrava muito diferente do que antes. Os olhos azuis, quase o tempo todo arregalados, o corpo magro e o nariz arrebitado. A única coisa diferente era que seu cabelo castanho escuro estava maior, um pouco abaixo dos ombros, mas o corte ainda era o mesmo, um repicado que apontava em todas as direções e que não ficaria bom em ninguém a não ser nela.

- Hmm.

É a primeira vez que eu vejo minha melhor amiga desde as férias e o melhor que eu consigo dizer é isso?

- Sophiiiie, que saudades! – Ela me abraçou jogando as malas para os lados. – Você me disse que ele não era bonito. Enganou-me direitinho.

- Annie! – Ralhei, envergonhada.

Fazendo um barulho reprovador com a boca, agarrou meus ombros e começou a tagarelar.

- Você é mesmo uma gracinha, Blake, pena que tem dona. – Annie disse quando estávamos dentro do carro, como se não estivesse falando nada demais.

Blake apertou os olhos franzindo a testa.

Dei um tapa no braço de Annie e Dallas riu.

Seriam longos quinze dias.